José Paulo
ZERO A ESQUERDA – UMBERTO ECO.
Ao estudar o jornalismo em geral
(e em particular o do Brasil) me deparo com o badalado (na época em que foi
lançado) romance Número Zero. De
fácil degustação, mistura de romance policial com romance de aventura e
folhetim levemente popularesco sofisticado a commedia dell’arte, paródia do cinema e da televisão, artefato da
sintetização das teorias da cultura de massas da América com a alta cultura
parisiense e italiana ..., de fato, trata-se também do avesso do romance feito
para ser lido em uma noite de insônia, pois, Zero tem uma ligação direta gramatical com a alta cultura
científica parisiense.
O romance é a narrativa que
suprassume o Umberto Eco do Apocalípticos e integrados? Ou é uma tentativa
tardia, da velhice do escritor em continuar defendendo a cultura de massa da
sociedade do espetáculo do americanismo? (Eco. Sem data: 33-49). Trata-se de uma paródia bem prosaica, quase
simplória, da poética da obra aberta? (Eco. 1971: 37-45)
Do que se trata afinal?
O comendador Vimercate deseja
concretamente financiar um jornal apenas com a tiragem número zero. Por quê? Importa
realmente saber o porquê? Então, o leitor deve ler solitariamente o Número Zero. Uma dica: o comendador quer
entra para o clube de elite da oligarquia financeira internacional e vai usar o
jornal Amanhã (Número Zero) como
trampolim, vai usar o jornal como produção e impressão dos números zeros
durante um ano para fazer de REFÉM (Baudrillard. 1983: 39) o clube da elite
rentista. Trata-se da transpolítica contrabandeada para a política do dia-a-dia
da imprensa. Transpolítica é tomar o cotidiano da política do mundo-da-vida do
clube de elite financeira de um modo obsceno transparente, obscenidade da
informação/contrainformação (discurso do político do espião), enfim, do espaço político
no terror... (Baudrillard.
1983: 29).
Para mim o fundamental (a
essência do romance) encontra-se em uma experiência jornalística como se fosse
o simulacro de simulação da política (Baudrillard. 1981: 177). Trata-se de uma experiência na qual o
real do jornalismo é mais real que o próprio real do romance Zero. O jornal tem
um segredo dito pelo responsável direto do empreendimento, o notável, para o
narrador exímio tradutor do alemão, mestre catedrático dos catedráticos em
alemão na Itália, De Samis:
“ – Claro. Que o jornal não vai
sair o Comendador não disse nem a mim, eu simplesmente desconfio, ou melhor,
tenho certeza”. (Eco: 28).
Perdedor inveterado, pois, vivia de cultivar esperanças impossíveis, o protagonista bissexto romancista e
jornalista Colonna é contratado, a peso de ouro, por De Samio, para escrever o
livro sobre a experiência do simulacro de simulação do jornal Amanhã (Número
Zero) do comendador Vimercate. Trata-se do dono de um pequeno império econômico
que incluía pequenas instituições culturais da sociedade do espetáculo italiana.
Só faltava ao comendador fazer parte do clube de elite dos financistas
internacionais sediados em Milão:
“O comendador quer entrar para o
clube de elite das finanças, dos bancos, e quem sabe dos grandes jornais. O
instrumento é a promessa de um novo diário disposto a dizer a verdade sobre
todas as coisas”. (Eco: 27).
É claro que Umberto Eco se intromete como a
segunda voz latente na frase do Comendador para dizer que todo jornal é
mentiroso, simulador, dissimulador, enganador ou na linguagem elegante de Marx:
falsa consciência da cultura da política real da realidade da sociedade. A essa
altura, Eco está rindo do leitor prosaico de romance, do leitor que faz a
leitura literal da narrativa prosaica, pois, a narrativa faz pendant entre a
velha cultura e massa da sociedade do espetáculo do americanismo com a alta
cultura filosófica e científica europeia e da América.
O autor Eco ri, e faz eco na
cultura literária mundial, pois, se na década de 1950, ler e traduzir o alemão
era tático mais do que necessário para a cultura planetária; nos anos 2000, é tático saber chinês e
russo (Eco: 14). Assim, em um gesto grotesco – aquele que ri de si próprio –
Eco ri de não saber ler nem em russo ou alemão? ele o Prêmio Nobel mais
badalado pelo jornalismo em geral ocidental, enquanto estava vivo.
O jornalismo é parcela da
atividade publicístico-editorial em geral cuja existência na sociedade só faz
sentido como o uso da faculdade criativa da imaginação de um grupo cultural de
especialistas para (re) elaborar as ideologias gramaticais
dominantes-dirigentes, criadas pela classe simbólica, que, inclusive pode se
encontrar no seio do povo mais humilde. A classe dominante-dirigente descobriu,
finalmente, a técnica industrialis da pólvora da articulação da hegemonia de
cima para baixo, vice-versa.
Falar do jornalismo real é cair
de olho (ou de ouvido) na prática imaginativa jornalística que invade o real ou
é absorvida por ela em uma determinada conjuntura gramatical de um determinado
país. Se o romance Zero não faz isso, então, ele não é um a narrativa
romanesca-ficcional tendo como pano-de-fundo o jornalismo real italiano ou
mundial. Se assim for é o jornalismo como
se para o leitor:
“Portanto, todas as nossas
indiscrições terão gosto de coisa inédita, surpreendente, ouso dizer oracular. Ou
seja: ao cliente nós deveremos dizer: veja como teria sido o (jornal) Amanhã se tivesse saído ontem”. (Eco: 36).
TERÇA-FEIRA, 7 DE
ABRIL
A narrativa tem Milão como
paisagem, arquitetura, algo entre o real e a imaginação, primeiro de
Braggadocio, um dos simuladores de simulação redatores do Amanhã, retirado das
páginas de os “Demônios” de DOSTOIEVSKI. NO romance desse último autor, ele
certamente seria apresentado como um psicótico dissipador predador no lado
direito e no lado avesso como um demônio do terrorismo russo.
Braggadocio leva Colonna para uma
viagem meio sentimental meio ideológica por uma Milão que é a memória das
ruínas do Império romano (memória a qual a cidade trata prosaicamente,
esquecendo a história poética da milenar cidade, que foi capital do Imperii) e os destroços da II Guerra
Mundial.
É terça-feira, 7 e abril, e 1992.
O leitor espera que a narrativa alcance a globalização até o final do livro.
Mas o capítulo é sobre a família fascista de Braggadocio e os efeitos que a
memória familiar nazista causou nessa personagem destinada ao crime político.
Ele, sem saber que tudo sabe, inconscientemente, quer evitar ser como os
terroristas russos demoníacos do século XIX tzarista, o 5 niilista ficcionais
[Dostoievski: 380] (ou talvez, o irmão inocente de Lenin enforcado na fortaleza
de Pedro e Paulo ou ainda o real Saltikov-Schedrin) que viviam em uma atmosfera
de conspiração real e/ou paranoica, e ódio à ordem tzarista, uma atmosfera
dominada por máscaras políticas (que não se definem como ideologia gramatical ou
teologia secular) e a mentira soberana (Dostoievski: 132, 143, 145). Por uma
vontade destilada na mais pura cachaça psicótica, Braggadocio evita ser
transformado em um efeito da política real (ou imaginária?) de qual narrador gramatical
historial ou agramatical déhistorisé?
Qual narrador diz que Mao
assassinou mais gente que Hitler e Stalin juntos? (Eco: 44); e que entrou para
o maoísmo parisiense de mai 1968 para
fugir do destino familiar nazista do século XXI? Que é possuído por um discurso
do político do psicótico onde a publicidade é a publicidade periférica, ou
seja, é o avesso da descrição da prática da publicidade do centro do mundo
(América) de David Ogilvy, de 1962? (Ogilvy:
25-34); que vê a publicidade como uma máquina de guerra de propaganda
mentirosa regada pela informação/contrainformação do discurso do espião da II
Guerra?
David não era qualquer empresário
montando sua agência de publicidade. Confira o capítulo Serviço secreto da
autobiografia do pai da publicidade (Ogilvy: 61).
O leitor pode ler no Número Zero que o objeto gramatical que persegue a esquerda oriunda
da família fascista é a indústria automobilística signo e símbolo do
capitalismo moderno da sociedade de consumo da década de 1950. A publicidade
seria um instrumento de tal indústria, inclusive, com a difusão da ideologia
mecanicista da jovem, bela, mulher-brinquedo seduzida pelo phallus automóvel.
Para evitar o fascismo,
Braggadocio torna-se um homem da esquerda cético e possuído por um discurso
psicótico da cultura do pós-modernismo. Nessa cultura, a psicose se confunde
com a realidade do simulacro de simulação onde o real phallus automóvel é mais real que o próprio automóvel real.
Trata-se do real mais mentiroso que a própria mentira da alucinação. A própria
alunissagem é uma montagem do complexo industrial-militar em uma conspiração com
a CIA etc.
IV
Quarta-feira, 8 de abril
“No dia seguinte ocorreu a
primeira reunião da redação propriamente dita” :
BAUDRILLAD, Jean. Les stratégies
fatales. Paris: Grasset, 1983
-----------------------
Simulacres e simulation. Paris: Galilée, 1981
DOSTIOÉVSKI, Fiódor. Os demônios.
SP: Editora 34, 2004
ECO, Umberto. Número zero. RJ/SP:
Record, 2016
------------------ Apocalípticos
e integrados. SP: Perspectiva, sem data
------------------ Obra aberta.
RJ/SP: Perspectiva, 1971
OGILVY, David. Confissões de um
publicitário. RJ: Bertrand Brasil, 2003
------------------ Uma
autobiografia. SP: Makron Books do Brasil, 1998
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