sábado, 13 de maio de 2017

A POLÍTICA DA SOCIEDADE: O sertão está em toda a parte!

José Paulo 

A situação brasileira põe e repõe um antigo problema sobre a política?
Quem merece governar? Quem deve governar?
Se fosse possível gramaticalizar a nossa política com se ela fosse parente da linguagem política de dois mil anos a partir da antiguidade ocidental, a coisa ficaria assim:
O Rei-filósofo é mais um dos impossíveis freudianos. É impossível pensar o laço gramatical entre o Rei-filósofo e sua escolha eleitoral. Quem vai decidir quem entre os cidadãos é o rei-filósofo? Uma comunidade de filósofos reais, estabelecida pela realeza dos filósofos?
O povo não tem condições de decidir quem é ou não é o rei-filósofo. Logo, a soberania popular está excluída de tal escolha. Sendo assim, a política da antiguidade escolhe a democracia direta como politeia: a democracia na qual as massas decidem em assembleia as questões governamentais e administrativas mais graves e urgentes.

                                                                               II
Na democracia moderna, a soberania política é a principal instituição procedural de escolha do governante supremo. Ele pode ser escolhido de várias maneiras. Entre nós, o governante supremo é escolhido através de uma competição eleitoral na qual o voto que elege o governante magister ludi representa o voto de um indivíduo igual aos votos do conjunto de indivíduos-eleitores.
O governante presidencial precisa governar com o Congresso: a “classe governante” congressual. Não é um retrato cruel dizer que tal classe está podre como o reino da Dinamarca de Hamlet. A corrupção apodreceu os alicerces da classe governante. Corrupção que se define como um sistema corrupto entre empresas privadas que se definem por uma relação gramatical burocrática corrupta com a burocracia pública envolvendo os governantes do poder central de Brasília, dos poderes locais...
A corrupção é um efeito do domínio do modo de produção oligárquico-coronelístico (MPOC) urbano-rural, privado-público que reina da política local até o cume da política nacional. Se poderia fazer retratos biográficos cruéis dos políticos brasileiros. Se o leitor consultar a internet constatará toda a revolta do cidadão com a política oligárquica do coronel que o leva a fazer retratos cruéis dos governantes individualmente e coletivamente. O congresso reage fazendo leis para punir tais internautas retratistas. Este fenômeno é parte da regra do jogo de uma democracia representativa da sociedade, minimamente, autocrática do espetáculo.

O epicurismo é a escola de filosofia da antiguidade que está na origem da cultura psicológica dos “simulacros” que faz funcionar a sociedade autocrática do espetáculo, como me ensinou Sartre. O epicurismo fala de uma metafísica ingênua da imagem. Tal metafísica consiste em tomar a imagem como uma cópia da coisa, e a imagem vindo a existir como a própria coisa. Tal metafísica ingênua é também aquela da percepção comum (popular ou da oligarquia cruel-arcaica) que na atualidade consiste em uma ideologia gramatical no real do seer da sociedade ocidental e além.

Então, o político não se importa com a imagem real que a população tem dele? Dele político como coisa? Ele só se importa com a imagem espectral-ficcional (produzida pelo jornalista autocrata na sociedade do espetáculo). Este fenômeno é uma das causas da corrupção eleitoral, pois, o candidato precisa de muito dinheiro para construir sua imagem como coisa-honesta, impoluta na linguagem de um senado-filosófico brasileiro. Tal senado se baseia em um ditado romano ás avessas: “a mulher de César não precisa ser honesta, ela tem que parecer honesta”.

O ditado no lado direito é: a mulher de César tem que ser honesta e parecer honesta!

                                                                 III

O modo de produção da política coronelista oligárquico corrupto fez nascer a Lava Jato. Trata-se de uma máquina de guerra freudiana policial-jurídica militarizada que levou a guerra gramatical do discurso do político do juiz Sérgio Moro federal de Curitiba até o centro de poder da corrupção do MPOC, em Brasília, Rio etc., até, principalmente, ao Congresso federal de Brasília.

A desfaçatez da classe corrupta é tão imensa que um senador propôs a mudança da forma de governo de presidencialismo para parlamentarismo. Ou seja, propôs pôr a raposa felpuda congressual para tomar conta do galinheiro dos ovos de ouro para resolver a crise da classe governante congressual em estado permanente de corrupção. Para tal senador, a cultura psicológica da nossa política não se deve levar a SÉRIO!       

No Prefácio ao Lembranças de 1848, de Tocqueville, Fernand Braudel diz sobre os atores políticos: “todos estes atores conduzem menos os acontecimentos do que são por estes conduzidos, de alguma maneira vítimas mais do que responsáveis pelos papéis”. Lacan diz que o sujeito (ator) é o efeito do significante (acontecimentos). Em Lacan, o sujeito não possui um pouco de livre-arbítrio como na sentença de Braudel. Os atores no Brasil estão mais para Braudel do que para Lacan?

Até o momento as acusações de corrupção não abalaram a posição de poder dos acusados. Eles continuam nos mesmos lugares fazendo leis que criam novos conjuntos de criminosos tipificados assim pela lei senatorial. Algumas leis estabelecem um regime de crueldade legal impróprio para a forma de governo democrático.

Quem merece governar ou deve governar em situação extrema da forma democrática? Grupos dominantes dirigentes querem fazer da forma de governo um regime político-cassino. Esta é a aposta deles e resposta deles para a pergunta supracitada. As apostas de quando o presidente cai faz a roleta girar principalmente na oposição corrupta encurralada pelo cerco realizado a seus representantes possíveis candidatos a presidente do regime 1988.

A eleição de 2018 conta com uma força quase política legal do judiciário que quer definir quem são os candidatos no lugar do poder decisório dos partidos políticos, envelopes corruptos da corrupção nacional. Tal força contra a corrupção existe em função de ditar aos partidos quem pode ser candidato gramatical a candidato partidário. O candidato corrupto é, por excelência, um candidato sem gramática: candidato sgrammaticatura  

Um desejo idealizado em muitos estratos sócios-gramatical estabelece a ciência gramatical da sociedade em laço teológico ou ideológico com a política como tal. A ideologia gramatical desejada é a da sociedade da ficha limpa na política; o desejo da teologia materialista racional é a do candidato probo, do candidato às avessas da crueldade política como fonte de seu agir político. Claro que tais desejos significam spaltung (quebra do mundo) do MPOC no congresso, nos governos do poder central e local e desejam uma administração não submetida, em tal magno grau, ao poder da burocracia coronelística.

As biografias individuais do MPOC são determinantes na reprodução ampliada do domínio da corrupção sobre a política representativa como efeito da política real da própria sociedade do coronelismo burocrático da política. Tais biografias são espetaculares pelos atos legislativos da dialética da crueldade e se alimentam (para sua sobrevida na política por várias décadas) da transdialética da crueldade eletrônica da cultura psicológica anacrônica das mídias virtuais.

                                                                       IV

A cultura psicológica cruel (articulando a política representativa com a política real mais a política ficcional das mídias em geral) existe em função de consistir como o real do ser da sociedade tout court. As inúmeras pesquisas sobre costumes e práticas do cotidiano brasileiro elevam a nossa sociedade aos primeiros patamares nas taxas de crueldade mundial. Isto significa o fim da imagem-coisa para exportação turística do país do carnaval alegre e cordato, do homem cordial na versão vulgar, da consonância entre beleza natural e beleza da alma da jovem mulher carioca, de Salvador e de Olinda. Toda uma teologia racional secular criada a partir da sociologia da década de 1930 desmorona com uma simples brisa do mar de Copacabana soprando sobre esse castelo de cartas sociológico-teológico.

Ai cair das cartas aparece a verdadeira face feroz, eivada de maldade da sociedade brasileira. No lugar do homem cordial vulgar (fofo) surge o caipira paulista (que é uma condensação do homem brasileiro) das páginas negras do livro: Homens Livres na ordem escravocrata. Na página 52, Maria Sylvia diz que o código do sertão é:
“A violência, integrada à cultura no nível da regulamentação normativa da conduta, pode ser observada ainda na atitude de aceitação das situações antagônicas, como se fossem parte da ordem natural das coisas. Tanto isto ocorre que o comportamento dos espectadores das contendas é, na maior parte das vezes, no sentido de não interferir nelas”.  

Sérgio Buarque de Holanda pescou a violência e a crueldade na sociedade rural oligárquica habitada por psicopatas, nas páginas 105-108, de seu livro Raízes do Brasil.

Gilberto Freyre viu na família patriarcal colonial (página as 22-23 do Casa-Grande e Senzala, Ed José Olympio, 1975)  as formas cruéis do mandonismo político, do oligarquismo, e do nepotismo como fonte do modo de produção oligárquico coronelístico. Freyre fala de uma gramática sádica do senhor ,superexcitado sexual que no Brasil exerceu uma atividade genésica acima do comum (pg 21). Possuído por uma perversão de instinto econômico que cedo desviou o português da atividade de produzir valores para a e explorá-los, transportá-los ou adquirí-los. Tal instinto de perversão econômica fazia pendant com a exploração sexual sádica do corpo e da alma da escrava negra: "atividade genésica que tanto tinha de violentamente instintiva da parte do indivíduo quanto da política, de calculada, de estimulada por evidentes razões econômicas e políticas do Estado. (pg 8).O corpo da mulher escrava era visto como um coisa do senhor. O senhor possuído  pelo "Mal inseparável do privatismo: do exagerado sentimento de propriedade privada (pg. 343). O sadismo do senhor é um significante efeito das relações sociais de produção privatista.

Gilberto Freyre diz que havia um laço gramatical aberto da realidade da sociedade oligárquico-aristocrática:" A sociedade tem também sua grammática, escreveu em 1845 o autor de certo Código de Bom-Tom que alcançou grande voga entre os barões e viscondes do Império" (pg 420). Nessa gramática estava incluída relações sexuais abertas ou latentes sado-masoquista entre o senhor e a escrava e entre a senhora e a escrava (pg 337). E conclui universalizando o significante  crueldade como efeito do modo de produção econômico e espiritual escravista: "Quanto à maior crueldade das senhoras que dos senhores no tratamento dos escravos é fato geralmente observado nas sociedades escravocratas. Confirmam-no os nossos cronistas. Os viajantes, o folclore, a tradição oral" (pg 337)                            

                                                                V

Não estou falando do caipira legal que vive sua vida sossegada da roça e das pequenas cidades rurais.
O caipira de Sylvia é urbano-rural; é, por exemplo, o novo cangaço urbano-rural; ele é trágico, pois, sabe que, provavelmente, o jogo está perdido para ele antes de começar, mas, mesmo assim, ele joga o jogo até o juiz apitar o fim do jogo e decretar o encarceramento do caipira de inefável Maria Sylvia.
Entretanto, um fenômeno inacreditável acontece a partir da gramaticalização das páginas de Sylvia. Só, sempre só, eu vou vivendo a vida assim, desde a década de 1990, quando iniciei um trabalho sobre o código sertão de Sylvia que se transformou no sertão do Grande Sertão: Veredas. Na página 11, um personagem de Rosa diz: O sertão está em toda a parte. O sertão é (o da imaginação inenarrável do autor Rosa) homólogo ao sertão-urbano do personagem caipira de Sylvia sertanejo de Rosa com alma de jagunço.     

Há dois Brasis hoje: o da sociologia do litoral da política da modernidade de São Paulo e o sertão do interior da geografia política de Sylvia e Rosa. O Brasil se divide em dois, ou melhor em duas sociedades: a do Brasil legal do litoral da política das cidades do Sudeste e o Brasil do sertão que aparece no congresso com suas leis que desejam multiplicar os efeitos da transdialética do arcaico MPOC e sua dialética da crueldade. E há, ainda, o sertão cruel da cidade de São Paulo com seus senadores que fazem leis para encarcerar terroristas inconsistentes da nossa pátria minha paulista.

As ciências gramaticais da política real ou da quase política representativa de Gilberto Freyre se estabelece pelo laço gramatical entre a sociedade e as próprias políticas. A política representativa pode criar e recriar a aparência da semblância da modernidade sem crueldade para uma realidade cujo real do ser é a própria crueldade. Ela deve se manter nessa realidade onde a imagem da modernidade é a própria coisa. Essa deve ser a cultura da psicologia da política representativa tout court. Ela não pode, em nenhuma hipótese, em ceder, em servir à dialética da crueldade da política real que é mais propriedade da sociedade ilegal do caipira de Sylvia. Senão, para nossa desgraça, irremediavelmente: O sertão está em toda a parte.

A política brasileira se aproxima cada vez mais da sociedade caipira de Sylvia? E cada vez mais vai se parecendo como expressão da sociedade sertaneja de Rosa:  O sertão está em toda a parte?
           
                           
               
              


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