segunda-feira, 22 de maio de 2017

TOCQUEVILLE - DA ATUALIDADE ATUAL


                                               José Paulo                                              

                                                                                                                
                                                 UM ESTUDO SOBRE TOCQUEVILLE
                                              ANOTAÇÕES SOBRE O LEMBRANÇAS DE 1848 (TOCQUEVILLE)
                                                                                                        I
Pessoalmente minha vida biográfica girou durante décadas em torno do paradigma gramatical da atualidade como revolução em longa duração, isto é, pela relação entre história e atualidade.
A atualidade aparece como uma repetição de fatos antigos como fatos novos. Esta é certamente a vida da França pela ligação gramatical historial do século da Revolução Francesa (e posso incluir a Revolução Americana aí) com o século XIX das revoluções francesas chegando ao século XX com as revoluções da Alemanha, da Hungria e a da Rússia, em 1917. Na linguagem das ciências sociais de outrora se diria que o imaginário político revolucionário se apossou de minha imaginação biográfica tanto da racional quanto da imaginação do inconsciente.

A fundação recente das ciências físicas gramaticais da política (psicanálise gramatical, sociologia gramatical, ciência da política gramatical, historiografia gramatical...) me resgatou, me pescou do mar do imaginário da história atual da atualidade como revolução do passado no presente.

Quando soube do livro Revolução escrito por Emanuel Macron hoje o jovem presidente eleito da República Francesa, estava em mãos com o fato de que o paradigma em tela nesse meu texto não é um fenômeno perdido e antiquado latino-americano.      

Eu me debatia com a ideologia do pós-modernismo que usava Epicuro para mostrar que todo fenômeno historial só podia ser percebido na percepção sensível da cultura psicológica como imagem-revolução da coisa revolução. E de que a imagem-revolução era idêntica à imagem-coisa revolução.

Quando se falava em revolução estava-se falando da coisa revolução como tal. Essa crença perceptiva da cultura da psicologia da imagem epicurista dominou o marxismo brasileiro, europeu e americano até o acontecimento Baudrillard começar a falar da história como simulacro de simulação, e Lacan dividir o mundo ente fato kantiano (coisa em si) e artefato lacaniano historial na tradução de Lacan para a psicanálise gramatical fazendo pendant com a sociologia da política gramatical. Foi aí, então, que o imaginário supracitado se autodissolveu.   

                                                                                             II
Começo com Tocqueville para alcançar a diferença entre o século XIX e o século XXI. Depois, pretendo em outro texto, passar para a discussão teórica e empírica da revolução em Hannah. Aí, para deixar claro que hoje a atualidade é diferente da atualidade do século XVIII. Hoje, não existe mais a história em longa duração, da revolução que se repete com algo novo. No Brasil já juntei material escrito e publicado para mostrar que a revolução da independência de d. Pedro I deixou de ser o significante-mestre fantasmal (fundamentação delirante psicótico) que continua se encarnando em corpos vivos (atores, práticas e circunstâncias) que realiza a atual atualidade. Isto é uma firmação da ciência gramatical precisa!
                                           TOQUECVILLE – LEMBRANÇAS de 1848 

Para um latino-americano, os livros de Marx e Tocqueville (Toc.) representam a jovem sociologia do século XIX que iria assombrar a cultura ocidental. Para Raymond Aron, Marx e Tocqueville estão entre os fundadores e o grupo de escol, pilares, da sociologia europeia clássica ao lado de Montesquieu, Comte, Durkheim, Pareto e Weber. Os franceses consideram Toc. um autor menor e não fazendo parte das escolas de sociologia francesa de Conte e Durkheim.  
                                            MARX

Aron diz que Marx considera as sociedades modernas como industriais e científicas (sociedade capitalista) em um contraponto às sociedades tradicionais (militar e/ou teológica). (Aron: 147-148). A sociedade capitalista se expressa na política através da ideologia gramatical e joga no exílio a theologia naturalis. A ideologia gramatical significa a vontade de potência da secularização que invade, é absorvida e, assim, subtrai do real do seer da sociedade moderna-capitalista a theologia naturalis como força espiritual dominante da sociedade do Ancien Régime na França. A Igreja católica deixa de ser a principal instituição cultural no espaço da cultura europeia. Veros adiante que

Aron não conhecia a obra de Marx para instituir tamanha generalização sobre Marx e a teologia.

Na sociologia positivista de Comte, o conflito entre patrões e empregados era um fato marginal, facilmente, resolvido, na sociedade industrial moderna. Com Marx, o patrão será, então, o burguês, e o empregado, o operário, ambos movidos (às vezes agenciados) pela imaginação incandescente das paixões sociais e ideológicas e os interesses econômicos de articulação das lutas gramaticais ou brutas (às vezes brutais) da sociedade de classes da modernidade. 

Com os textos da sociologia gramatical da política fazendo pendant com os textos da economia gramatical da política (Aron: 148), Marx cria a sociologia da sociedade da modernidade industrialis do século XXI: a sociedade do burguês capitalista e a sociedade do capitalista tout court. A esta Lacan reservou o artefato discurso do capitalista (Lacan: Outros Escritos: 516; S. 16: 37). A sociologia gramatical fala de um discurso do político do burguês e outro do capitalista. A diferença entre estes dois últimos discursos é um trabalho em andamento da sociologia gramatical fazendo pendant com a psicanálise gramatical.

A diferença em tela permite pensar a sociedade do burguês sem capitalismo na periferia R→S (Real, Simbólico) lacaniana          
         
                                                                          TOCQUEVILLE
Para Comte, a ideologia gramatical da sociedade industrial é soberana na cultura da política do século XIX. Para Marx, a dialética da sociedade capitalista é soberana na cultura da política mundial. O antagonismo capitalismo versus trabalho invade a política representativa que é a política da cultura da política moderna da modernidade do século XIX. A invasão requer um Estado burguês como comitê do burguês (na dialética da sociedade do burguês capitalista) na luta contra o trabalho, usando de violência sem limite legal ou físico nas situações revolucionárias. Ou requer um Estado capitalista com autonomia relativa (Marx: 402) em relação à própria economia capitalista; autonomia relativa, pois, leva em consideração um equilíbrio de força com o trabalho no qual o trabalho não é o grau zero de poder no campo de poder capitalista.

O Estado burguês não se define por uma autonomia relativa em relação à economia capitalista; ele é o efeito simples do capitalismo sobre ele próprio, Estado burguês – comitê do capital. Ele se define por uma autonomia absoluta em relação ao poder do trabalho, sendo, este o grau zero de força no campo de poder do modo de produção da cultura da política do capital, ou seja, capitalista. O Estado burguês costuma usar de violência simbólica ou real ilimitada na luta de classes gramatical ou empiricamente bruta, especialmente.

A preocupação de Tocqueville é com a sociedade democrática. Trata-se de uma memória que pesa na balança dos futuros textos ao estudar a democracia na América. O livro Democracia na América, apresenta um Tocqueville que põe e repõe a democracia moderna como um campo de poder e modelo para o futuro da cultura da política mundial ocidental. A democracia na América não tem um Ancien Régime como a França, e tem uma revolução bem distinta da Revolução Francesa.

Lembranças de 1848 fala de uma multiplicidade de fraturas revolucionárias constituídas por uma unidade: a Revolução francesa da classe média ou do burguês que representa revolucionariamente a Europa liberal:
“Parecia-me que que 1830 tinha fechado esse primeiro período de revoluções – ou melhor, da nossa revolução, porque há apenas uma, aquela que se mantém inalterada através de fortunas e paixões diversas e, segundo toda probabilidade, nós não veremos terminar. Tudo o que restava do Antigo Regime foi destruído para sempre”. (Tocqueville: 42).

O que é  revolução em Tocqueville?

São as lutas política, ideológica, teológica (pois a Igreja tem uma participação intensa nestas lutas) do Ancien Régime (com suas lembranças de representar antigos regimes políticos monocráticos por linhagem de sangue de remotas nobrezas; sua ambição desvairada de conservar o poder reinol; suas tradições hierárquicas baseadas em valores de superioridade de casta e na economia tradicional rural servil camponesa; sua esperança de não ser suplantada por uma gente prosaica e vulgar de classe média urbana.

A classe média é a revolução burguesa movida primeiro pelo capital mercantil e depois pelo moderno capital industrial moderno. Além disso, a burguesia tem como aliada uma classe simbólica (o intelectual) que se desenvolve com as benesses da sociedade capitalista, especialmente como os favores dos mecenas do mercado capitalista de arte e livros e com os leitores que a sociedade capitalista vai fazendo surgir como o público do trans-sujeito cultural com laço gramatical com a sociedade dos letrados.  

A Revolução é a luta da classe média contra o Ancien Régime, do novo en masse contra o velho, ou seja, contra as velhas castas minoritárias de uma sociedade moderna industrialis de pequenas massas de intelectuais ávidas de sucesso econômico e influência real no poder político, e também as grandes massas de trabalhadores manuais movidas pelo desejo sexual imorredouro e intenso de revolução social.

Como os homens representantes da aristocracia, ou melhor, um efeito do Sga (Significante gramatical aristocracia), como o sujeito gramatical homem aristocrático efeito de Sga poderia confrontar e conter o dilúvio Revolução burguesa. Homem aristocrático que ainda em 1848 se unifica no “partido da ordem” para disputar o poder político com o presidente eleito Luís Bonaparte pela maioria da nação camponesa, o sobrinho nada dileto e desconhecido da corte de Napoleão? O “partido da ordem” é um fenômeno político aristocrático que quer se apossar da recém República revolucionária dramatúrgica de 1848:
“ O período compreendido de 20 de dezembro de 1848, à dissolução da Assembleia Constituinte em maio de 1849 abrange a história do ocaso dos republicanos burgueses.   Após terem fundado uma república para a burguesia, expulsaram do campo da luta o proletariado revolucionário e reduzido momentaneamente ao silêncio a pequena burguesia democrática, são eles mesmos postos de lado pela massa da burguesia, que com justa razão reclama a república como sua propriedade. Essa massa era, porém, monárquica. Parte dela, os grandes latifundiários, dominara durante a Restauração e era, portanto, legitimista. A outra parte, os aristocratas da finança e os grandes industriais, havia dominado durante a Monarquia de Julho e era, consequentemente, orleanista. Os altos dignitários do exército, da universidade, da Igreja, da Justiça, da academia e da imprensa podiam ser encontrados dos dois lados, embora em proporções várias. Aqui, na república burguesa, que não ostentava nem o nome de Bourbon nem o nome de Orléans, e sim o nome de Capital, haviam encontrado a forma de governo na qual podiam governar conjuntamente. A insurreição de junho já os unira no ‘partido da ‘ordem”. (Marx: 348).

O partido da ordem foi um efeito das lutas de classes, da luta revolucionário do proletariado contra todas as classes e este operariado derrotado nas jornadas de junho. Esta derrota produziu o efeito Ditadura dos republicanos puros que foi posta à margem por um efeito eleitoral: a vitória de Luís Bonaparte na eleição de Luís Bonaparte para presidência a 19 de dezembro 1848.

Esta é a verdadeira gênese da democracia em geral para Marx, democracia das lutas biográficas individuais, de grupos e instituições:
“Enquanto o domínio da classe burguesa não se tivesse organizado completamente, enquanto não tivesse adquirido sua pura expressão política, o antagonismo das outras classes não podia, igualmente, mostrar-se em sua forma pura, e onde aparecia não podia assumir o aspecto perigoso que converte toda luta contra o poder do Estado em uma luta contra o capital”. (Marx: 366).

Marx faz corar o Tocqueville dialético de vergonha diante da dialética múltipla (transdialética gramatical), leitura de Marx dessas novas ciências gramaticais da política: sociologia gramatical, ciência da política gramatical, (historiografia) e psicanálise gramatical da política ocidental. Tais ciências gramaticais eram contemporâneas de uma outra revolução além da revolução burguesa que se torna uma revolução social, de fato e artefato, fazendo pendant com a revolução burguesa europeia ocidental em outubro de 1917, na Rússia de Lênin.            
                                                                        II            

Para Tocqueville a revolução burguesa é a destruição completa do velho, do Antigo Regime (Toqcqueville: 42). Há para o visconde de Tocqueville algo além da revolução burguesa? Esta interrogação é decisiva para a leitura do livro O Antigo Regime e a Revolução? Ela é intrínseca à reflexão do Lembranças de 1848? Estas questões são fundamentais para se saber se o aristocrata Tocqueville sabia algo sobre um tal de Karl Marx e seus livros sobre a política francesa! Como já anotamos, ele nada sabia sobre Marx e a revolução social. Ele não era parte da produção do contemporâneo de Marx e Engels.

O Antigo Regime age como uma força de desagregação da democracia liberal de 1848 como “partido da ordem” no livro 18 Brumário, no qual Tocqueville é mencionado como representante no parlamento. Marx conhecia bem o visconde. O “partido da ordem” é o significante gramatical empírico que existe como prova de que a Revolução de 1930 não destruiu todo o Velho Regime.

Então, creiam, Tocqueville não leu Marx! No Prefácio ao livro Lembranças, Braudel não considera importante tal problema. Ele considera o Lembranças mais científico que o 18 do Brumário. (Tocqueville: 36). Parece até que o grande historiador francês não leu realmente o 18 Brumário.

Em Marx, a Revolução de 1830 não destrói a sociedade monárquica e, além disso, Marx diz algo sobre uma sociedade burguesa monárquica rural legitimista (Marx: 335), a sociedade da velha monarquia rural agora monarquia do latifúndio burguês em contraponto a outra burguesia monárquica orleanista urbana do capital (Marx: 354). Tocqueville se põe claramente como uma personificação política do capital na defesa da Ordem do Burguês, que ele considera como a Ordem societal de todos os franceses. É tentador saber se ele, Tocqueville, acabaria vendo a passagem da revolução liberal em revolução social (Marx) como desordem, bagunça, anarquia das massas ignaras na desarticulação da ordem nacional da sociedade francesa.

O marxismo de Marx não pensa a revolução apenas como destruição do velho regime, como nos esclarece Carlos Henrique Escobar:
“Marx não trancou sua obra. Ela é tão aberta quanto sua militância. Da sua obra, da sua vida e da sua militância ficam explícitos os princípios. Os princípios enquanto a aventura de uma intervenção subvertedora. Nem Kant nem Hegel nem Freud, como uma filosofia que o sucede, são referências esclarecedoras para o ‘marxismo de Marx’. Estas filosofias querem preservar no lugar de destruir.
Marx quer destruir e criar”. (Escobar: 143).       

Aliás, a sociologia de Marx põe ao lado da sociedade urbana burguesa uma sociedade rural burguesa. Trata-se da descoberta de um significante gramatical sociológico – sociedade burguesa rural – que passou despercebido pela sociologia universitária centenária que sempre se considerou uma ciência do urbano em contraponto ao rural tradicional.

Braudel não entendeu que Marx criou um novo paradigma de ciência?

O significante sociedade do burguês rural abre uma janela encantadora para uma outra leitura gramatical científica da história do Brasil, por exemplo, a partir do Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freyre e dos livros conservadores de Oliveira Vianna ou dos marxistas Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Nelson Werneck Sodré.  

No paradigma de ciência gramatical da política de Marx, a força prática estética não é fundamental na construção transtextual do 18 Brumário? Tal fato aparece de leve na Introdução do brasileiro Renato Janine Ribeiro ao Lembranças quando ele trata da retórica e da denúncia da política como dramaturgia (teatro, encenação, espetáculo, sedução...).

Sartre escreveu o L’imaginaire pensando em Marx:
‘L’acte d’imagination, nous venons de le voir, est un acte magique. C’est une incantation destinée à faire apparaître l’object auquel  on pense, la chose qu’on désire, de façon qu’on puisse em prendre possession”. (Sartre: 239).

Sartre pensa o objeto irreal (falsa consciência) como objeto de desejo da ideologia gramatical burguesa, objeto como ato da imaginação, ato mágico, ato de encantamento da linguagem política (no nosso caso). O encantamento é um modo de invasão do real pela ideologia gramatical revolucionária burguesa que será absorvido dramaticamente pelo seer da sociedade nacional francesa do século XIX até a revolução social da Comuna de Paris, em 1871.

Não se trata de simples falsa consciência, e sim da ideologia gramatical revolução permanente que Tocqueville viu como um único fenômeno, unidade das revoluções que fraturam gramaticalmente a sociedade de classes nacional e, portanto, a sociedade da dialética das lutas de classes gramatical de um país e de um povo.    

Infelizmente, o excelente Scholar Janine entendeu o caráter dramatúrgico apenas como ideologia da falsa consciência mecanicista, e não como língua gramatical estética que invade o real do seer da sociedade francesa, primeiro como língua emprestada aos atores políticos (isso define uma forma de dramaturgia da política representativa moderna em uma era revolucionária) e, depois, como o próprio idioma político francês, língua naturalizada no território da subjetividade territorial da nação francesa verdadeiramente revolucionária da era moderna. O efeito da língua naturalizada é a revolução permanente e sua passagem de revolução da classe média para a revolução social do proletariado:
“De maneira idêntica, o principiante que aprende um novo idioma traduz sempre as palavras desse idioma para a sua língua natal; mas, só quando puder manejá-lo sem apelar para o passado e esquecer sua própria língua no emprego da nova, terá assimilado o espírito desta última e poderá produzir livremente nela”. (Marx: 335).  

Como Toc. pode ser mais científico historial e sociologicamente do que Marx?
                                                                              III

Janine fala de teologia naturalis como fenômeno cultural dominante no Antigo Regime e, sobrevivendo além, assim voltamos ao fenômeno do encantamento não mais apenas secular, e sim teológico materialista racional. 

Janine diz:
“um bom exemplo em Hobbes, quando este filósofo mostra como a Igreja católica e as seitas protestantes radicais utilizam a teologia e a religião com o fim de assentar seu domínio político”. (Tocqueville: 12).

Janine trata a theologia naturalis como instrumento ideológico mecanicista. Parece que nosso filósofo paulista não leu Engels que vê e prova ser a teologia o terreno onde se desenvolvem as lutas de classes da era medieval entrando na moderna. Ele parece desprezar a ideia de Marx de que a própria ideologia era o terreno onde se desenvolviam gramaticalmente até o fim as lutas de classes entre o capital e o trabalho:
“Com a transformação da base econômica, toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Na consideração de tais transformações é necessário distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito até o fim”. (Marx: 136).

                                                                           IV

Engels trata a theologia naturalis como ideologia dominante gramatical, pois, até: “Os pregadores do campo e das cidades constituíram a fração plebeia do clero. Estavam à margem da hierarquia feudal da Igreja e excluídos do gozo das suas riquezas. O seu trabalho estava menos controlado e – apesar da sua importância para a Igreja – era menos indispensável naquele momento do que os serviços policiais dos monges aquartelados. Eram, portanto, muito mais mal pagos; na sua maioria recebiam prendas bastantes exíguas. Graças a sua origem burguesa ou plebéia, tinham conservado o contato com as massas, e o conhecimento das suas condições de vida, apesar de seu ofício, levava-os a simpatizarem com a causa burguesa e plebeia. Os monges, salvo raras exceções, não tomaram parte nos movimentos da época; pelo contrário, aqueles deram-lhes teóricos e ideólogos e não poucos morriam no cadafalso. O ódio popular contra os frades raras vezes se voltava contra eles”. (Engels: 38-39).  

Engels vê a teologia como teoria e ideologia, mas não como ideologia mecânica à serviço da Igreja e da classe dominante senhorial. A teologia é um campo de poder teórico e ideológico habitado por vários atores intelectuais e as massas sujeito grau zero secular.

O estudo de Ernst Bloch é um clássico marxista sobre revolução camponesa e theologia naturalis.

Para Bloch, a teologia era a arma da luta de classes camponesa contra os senhores feudais, como no documento que começa assim: “que Eu, Thomas Münzer, de Stolberg... (...) Dai advém que os cristãos na defesa da verdade, equivalem a poltrões. E podem, em consequência, blasonar com soberba que Deus não mais fala com os homens como se tivesse ficado mudo” (Münzer: 14).

A teologia de Münzer é falar de Deus na luta de classes entre senhores e camponeses, especialmente, no efeito sobre a criança, por exemplo: “as crianças pediram pão, porém ninguém estava presente para dividi-lo. Com Thomas Münzer, a theologia naturalis é uma arma teórica na luta de classes institucional:
“Aqui tomará impulso a renovada Igreja apostólica e se espalhará pelo mundo. Assim, pois, apressai-vos na direção da sua Palavra, cuja passagem será rápida; através de indizível fornicação fizeram da Igreja de Deus um caos sombrio, uma Igreja quebrada, abandonada, dispersa. Porém, o Senhor a construirá de novo, a consolará, a unirá, até que ela veja o Deus dos deuses em Sion, Amém”. (Münzer: 15).

Em Marx, a teologia material racional já é uma posição de episteme da cultura da política:
“C’est là tout l’effort de dégagement de ce qui s’appelle l’épistèmé (da cultura da política do senhor). C’est um drôle de mot, je ne sais si vous y avez jamais bien réfléchi – se mettre en bonne position, c’est en somme le même mot que verstehen. Il s’agit de trouver la position qui permette que le savoir devienne savoir de maître. La fonction de l’épistèmé em tant que spécifiée comme savoir transmissible, reportez-vous aus dialogues de Platon, est, tout inteire, empruntée toujours aus techniques artisanales, c’est-à-dire serves. Ce dont il s’agit, c’est d’en extraire l’essence pour que ce savoir devienne savoir de maître”. (Lacan: 21).  

Marx não inclui a teologia como forma de ideologia no trecho supracitado por mim. A teologia é da ordem da cultura da política do inconsciente do discurso do senhor – como posição de episteme da cultura da política europeia moderna. A theologia naturalis ou secular como tal se inclina para a metaphysica e a ideologia gramatical para a physica do real da sociedade democrática moderna quase liberal francesa, pois, atravancada por um pesadelo de um passado monárquico. Por isso Toc. diz que a revolução moderna da classe média destruiu todo o seu passado metafísico.

Trata-se de um desejo sexual que é a fonte de um delírio psicótico homólogo aos delírios de Daniel Paul Schreber?  O delírio de Toc. não é a verdade ou o verdadeiro como mostra a gramaticalização via Marx da asserção de nosso herói da cultura universal francesa:
“A Assembleia Nacional eleita está em relação metafísica (teológica racional materialista) com a nação ao passo que o presidente eleito está em relação pessoal (ideologia gramatical biográfica individual) com ela. A assembleia Nacional exibe realmente, em seus representantes individuais, os múltiplos aspectos do espírito nacional (teológico racional materialista), enquanto que no presidente esse espírito nacional encontra a sua encarnação (ideológica biográfica gramatical). Em comparação com a Assembleia, ele possui uma espécie de direito divino (teológica racional materialista); é presidente pela graça do povo”. (Marx: 346).              


                                                                            SEGUNDA PARTE

Uma linha gramatical de força tática em Tocqueville é a distinção entre sociedade democrática liberal (EUA) e sociedade democrática com inclinação transversal despótica (França).

A desigualdade das classes (ordres) e das condições constitui a essência das monarquias modernas como condição para a liberdade política, sendo exemplar a sociedade moderna francesa. Nessa, a desigualdade de condições sociais evita a queda na sociedade despótica do UM, do poder de um só, poder arbitrário, hierárquico e sem limite no uso da força física e/ou simbólica contra a sociedade em geral, contra todos.

A sociedade democrática liberal da América não tem o passado Ancien Régime da sociedade fundada na desigualdade social. A América surge como uma sociedade sem passado que vai se constituir em uma sociedade mercantil e industrial moderna. A sociedade democrática americana consiste na igualização das condições sociais. Democrática é a sociedade americana onde não subsistem condições de ordens de classes que possam levar a uma aristocratização e sua expressão nefasta negra às avessas: a oligarquia: “a igualdade social significa a inexistência de diferenças hereditárias de condições; quer dizer que todas as ocupações, todas as profissões, dignidades e honrarias são acessíveis a todos. Estão, portanto, inscritas na ideia de democracia a igualdade social e, também, a tendência para a uniformidade de modos e níveis de vida”. (Aron: 225). 

O enunciado em tela constitui o significante ideologia gramatical dominante vivencial intencionalmente de invasão do real do seer da sociedade americana. Esta ideologia diferencia a América do resto do continente americano possuído por uma ideologia gramatical oligárquica desde a origem. A América Latina é conhecida por lutar pela construção de uma sociedade moderna democrática sem jamais ter conseguido abandonar sua cultura da política oligárquica.

Em geral, Tocqueville apostava em uma evolução democrática para a América mercantil e industrial. Ele considerava que estas duas estruturas de economia não se inclinariam facilmente para a formação de uma aristocracia que dirá para a, de uma oligarquia.

No entanto, no capítulo XX, Segunda Parte, do 2°Volume do De la démocratie em Amérique, Toc. Admite que a grande indústria poderia dar origem a uma aristocracia econômica. (Toc.: 183-184). Já a oligarquia seria a interseção da soberania da aristocracia industrial em uma cultura da política de uma sociedade de desigualdade permanente. (Aron: 266-267).

A sociedade americana dos anos 2000 não caminha para se consolidar como uma sociedade industrial aristocrática com dominância oligárquica na cultura da política economia fazendo pendant com uma filosofia da economia política aristocrática republicana? Tal sociedade americana não se parece com a linha de força sgrammaticatura sociedade mundial, tomando esta como modelo das sociedades nacionais?  Não parece que acabamos de ser invadidos em nosso real pelas pp 166-167, do O.C., T 1, v. 2 de Tocqueville?

A oligarquia como significante-mestre gramatical que se apossa do século XXI já estava anunciada e enunciada nas obras de Michels, Pareto, Mosca e Weber. Em Weber, ela adquire a forma da força prática oligárquica burocrática como fantasia lacaniana do futuro.

Na atual atualidade, o discurso do político do Toc. é parte do espaço procedural público, pois, ele nos faz deslizar da sociedade democrática liberal à forma de sociedade BÜROCRATIE POST-CAPITALIST PERIFÉRICA oligárquica.

Este meu texto é o início da discussão sobre Tocqueville e a produção do contemporâneo.                                                     
ARON, Raymond. Les étapes de la pensée sociologique. Paris: Gallimard, 1967
BLOCH, Ernst. Thomas Münzer. Teólogo da revolução. RJ: Tempo Brasileiro, 1973
ENGELS, Friedrich. As guerras camponesas na Alemanha. Porto: Editorial Presença, 1975
ESCOBAR, Carlos Henrique. Marx Trágico. O marxismo de Marx.  RJ: Taurus, 1993
FREUD. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (dementia paranoides). 1911. Obras Completas. v. XII. RJ: Imago, 1969
LACAN, Jacques. Le Séminaire. Livre XVII. L’envers de la psychanalyse. Paris: Seuil, 1991
---------------------  Outros Escritos. RJ: Jorge Zahar Editor, 2003
-------------------- O Seminário. De um outro ao Outro. Livro 16. RJ: Zahar, 2008
MARX, Karl. Os Pensadores. SP: Abril Cultural. 1974
SARTRE. L’imaginaire. Paris: Gallimard, 1940
SCHREBER, Daniel Paul. Memórias de um doente dos nervos. SP: Paz e Terra, 1995
TOCQUEVILLE, Alexis. De la démocratie en Amérique. v. 2. Paris: Gallimard, 1961
---------------------------    Lembranças de 1848. As jornadas revolucionárias em Paris. SP: Companhia das Letras, 211


                    
     

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