segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O ENIGMA DA MÚSICA NO PÓS II GUERRA MUNDIAL


                       
                                                 José Paulo Bandeira

O efeito maior II Guerra mundial foi estabelecer a América como centro monocrático do capitalismo industrial mundial.

No EUA, a gramática do capital consistia em transformar todos os bens simbólicos produzidos pelo povo americano em mercadoria. Assim, a música popular deu um salto gramatical (como discurso do esteta) ao se tornar a matéria metafísica mercadoria musical industrial.

O capital estético só estava preocupado em obter altos lucros com essa nova região do processo de produção de mercadoria ampliada mundial. Aliás, assim funda-se o trans-sujeito gramatical capitalista estético musical como território da subjetividade territorial nacional da segunda metade do século XX entrando no século XXI.

Até agora, o Partido em filosofia dialética da investigação da estética burguesa das massas industriai teve sua atitude crítica da música industrial dirigida para os efeitos de coisificação, de reificação, de alienação, enfim, para a crítica da ideologia industrial, isto é, crítica da lógica do fetichismo da música como mercadoria industrial (matéria metafísica articuladora da sociedade de consumo) e seu efeito sobre a subjetividade ocidental fazendo pendant com a ofensiva global da  sociedade dos ricos associados mundial em sua guerra gramatical para destruir o socialismo realmente existente.       

Para essa visão de mundo dialético, o inessencial se põe no lugar do essencial. 

O essencial é que no território do capitalismo dois Partidos em filosofia musical passam a se bater no campo da política mundial, consciente ou inconscientemente. O primeiro é o Partido em ideologia industrial musical. Tal fenômeno pode não ser o motor da criação do inglês indústria musical, mas foi o motor do desenvolvimento e da consolidação do inglês sgrammaticatura

Em oposição à ideologia da música industrial se ergueu um poderoso partido gramatical. É o Partido em teologia musical, fenômeno que tece seu acontecimento apogeu épico gramatical no Festival de Woodstock (Woodstock Music & Art Fair/agosto, 1969). 
                                                                  II

O Brasil é o palco do confronto, conciliação sem conciliação e conciliação síntese da música popular (envolvendo também a música aristocrática) a partir da década de 1960 com a explosão das várias escolas de pensamento musicais. Os festivais eletrônicos da Canção são um efeito desse fenômeno e também a dialética política música com guitarra elétrica e música com os instrumentos da tradição musical nacional ou de outras partes do mundo. 

Sociólogos da modernização fizeram uma leitura ideológica desse choque como o velho que não quer o progresso da modernidade. Tudo bem! Isso são águas de uma ideologia sociológica do americanismo que passou debaixo da ponte da década de 1960 impressionada com a luta de rua da comunidade artística. 

A ideologia da industrialização da música brasileira se tornou a ideologia dominante da sociedade burguesa dos ricos associados Rio/SP. Aliás, ela não foi simplesmente isso. Ela se transformou em uma tela sgrammaticatura musical burguesa de articulação do fenômeno política mais importante, pois, fatal para a nação. Me refiro ao bolivariano.        

O bolivariano é a dominação do homo logicus musical industrial sobre o homo teologicusmusical distribuído nas mais variadas e riquíssimas regiões do ente musical gramatical nacional. 

Recentemente comecei a mostrar a teologia musical de Paulo Coelho e Raul Seixas. A reação violenta, abrupta, intempestiva do Grupo Globo através de seu ator-comediante hobbesiano Jô Soares me disse que a CORPORAÇÃO BURGUESA INDUSTRIAL ELETRÔNICA carioca tem consciência política sgrammaticatura de que o controle da classe artística passa por manter longe da percepção gramatical sensível das massas de consumidores a consistência do sujeito esquizo musical com seu lado ideológico industrial e seu outro lado – o teológico musical. 

A perseguição que Jó Soares começou a mover contra Paulo Coelho me diz que não posso, não devo dizer, enfim, revelar para o país a maravilhosa teologia nacional em narração musical. Tirar a teologia do lado invisível da tela gramatical musical nacional {isto é trazê-la para o lado visível da gramática da Lua musical) é realmente fornecer o mapa para uma era de Macarthismo contra a teologia mestiça nacional por parte da sociedade burguesa ariana dos ricos associados Rio/SP.

Provavelmente, Jô Soares aceitaria o papel do advogado Roy Cohn. Roy foi a figura chave para o êxito do senador Joseph McCarthy na destruição do Partido Comunista Americano na Industria Cultural. No cinema, o modelo de político Citzen Cohn foi interpretado por James Woods  

A ideologia da música da subjetividade industrial é a ideologia dominante da sociedade burguesa ariana dos ricos associados Rio/SP sobre o território da subjetividade territorial nacional musical, inclusive fabricando o efeito visível sujeito gramatical grau zero da música regional artesanal. 
Se a crise brasileira extrair força simbólica do poder de dominação sgrammaticatura da sociedade dos ricos do Sudeste sobre o resto CONTINENTAL Brasil, então será a hora de avançar nesse terreno da maravilhosa teologia musical nacional mestiça!               
                                                                                 SEGUNDA PARTE

Os 2 estudos seguintes são sobre a realidade musical anterior ao domínio da era homo ideologicus musical industrial burguês da sociedade ariana dos ricos burgueses carioca e paulista. 
Este domínio se baseava no controle da técnica industrial burguesa sem sociedade de consumo capitalista. Os ricos controlavam a indústria cultural burguesa com sua Editora industrial de livros (Companhia das Letras (SP), Boitempo (SP), Topbooks (Rioetc.); instituições da cultura do brasileiro como a ABL e o Instituto Moreira Salles (Rio) mais O Museu do Amanhã da Praça Mauá (Rio), o MASP paulista etc.; prêmios literários como o Juca Pato e outros; a rede de rádio industrial; a televisão industrial como o Grupo Globo e quejandos paulistas etc.

Li e vi depoimentos de músicos da era Cartola e Noel Rosa. Tais depoimentos diziam claramente que a música deles nada tinha a ver com o homo ideiologicus popular musical do Movimento Opinião em torno de Zé Kéti e Nara Leão. Este fenômeno já é da era homo ideologicus guerra-fria. Tratava-se da luta da fração radical revoltada da comunidade artística contra o Estado gramatical militar 1964 cum semblância liberal castelista encarnada na Constituição 1967.   

Encerro esta introdução dizendo para o leitor que o Estado Integral gramatical militar burguês ariano era o comitê central da sociedade burguesa dos ricos arianos associados paulista e carioca.         
                           CARTOLA –TEOLOGIA MUSICAL POPULAR DA MISÉRIA HUMANA

A história humana é um vale de lágrimas. As lágrimas são um fenômeno da história da espécie humana.  A história da espécie humana é a vontade de potência de sair do Império da necessidade. Tal vontade de potência é a causa do desenvolvimento das redes neurônicas que fazem pendant com a criação da tela gramatical natural. A gramaticalidade natural do mundo vem através da criação da música e da espécie humana como uma máquina de guerra poiética. Tal máquina de guerra cria o Urstaat hidráulico e, portanto, o uso da água doce na vida cotidiana da civilização arcaica. Assim, a humanidade caminha em fluxo contrário ao do Império da natureza.
A gramatica metafísica freudiana estabelece que, pelo uso do sabonete, se pode comparar o grau civilizatório das civilizações. Tal gramática estabelece que há uma estética da physis biológica. Trata-se da estética do sujo. O objeto de desejo desta estética é o olfato. O odor é um elemento da physis associado ao desejo sexual e à aversão sexual. Tal objeto de desejo liga o homem e a mulher ao reino da physis à estética do sujo.
A poiética musical liberta o homem e a mulher da estética do sujo, do domínio despótico do reino da necessidade.
A civilização está associada à dominação de uma máquina de guerra aristocrática sobre os povos - os camponeses. O pathos da distância significa que o camponês é quase um animal de carga, um sujo animal. Aí, o camponês inventa o carnaval revolucionário bakhtiano. A aristocracia inventa o perfume. 
Em um salto livre de asa delta, vejo Cartola. “Considerado por diversos músicos e críticos como o maior sambista da história da música brasileira, Cartola nasceu no bairro do Catete, mas passou a infância no bairro de Laranjeiras. Tomou gosto pela música e pelo samba ainda menino e aprendeu com o pai a tocar cavaquinho e violão. Dificuldades financeiras obrigaram a família numerosa a se mudar para o morro da Mangueira, onde então começava a despontar uma incipiente favela”.  
Cartola saiu do “asfalto” (civilização) para o domínio do reino da necessidade (favela) da Mangueira. “Com 15 anos, após a morte de sua mãe, abandonou os estudos — tendo terminado apenas o primário. Arranjou emprego de servente de obra e passou a usar um chapéu-coco para se proteger do cimento que caía de cima. Por usar esse chapéu, ganhou dos colegas de trabalho o apelido ‘Cartola’ ”. 

A poesia das imagens escritas de Cartola é de uma época na qual a escola primária era suficiente no aprendizado da língua nacional. A língua era metabolizada na atmosfera gramatical metafísica da sociedade urbana regulada pela norma culta popular. A gramática metafísica popular significava a ex-sistência da NAÇÃO.  
A poética das imagens sonoras vem da sociedade boêmia mergulhada na malandragem e no samba. Trata-se de uma tela gramatical musical nacional/popular que se antagonizava com o poder policial carioca. A sociedade boêmia é àquela que anuncia o homo lumpesinalis Madame Satã. Mas ela é também a poetização da favela Mangueira, o encantamento do mundo dos mais de baixo da sociedade de significantes carioca. No mundo urbano, a cultura nacional/popular nasce na Mangueira (e na Portela...).
Preciso Me Encontrar
(Cartola)
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar

Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

Deixe-me ir preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Deixe-me ir preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar

A letra dessa música é o sobre o sujeito negro, favelado. Ele é o efeito de um trans-sujeito que significa fazê-lo viver no domínio do reino da necessidade. Mas, ele não se entrega. “Deixe-me ir”, ao menos, o sujeito diz para o trans-sujeito que é um poder quase sagrado. “Preciso andar”, pois o caminho se faz no caminhar! “Rir pra não chorar”. Rir o riso grotesco através do qual o sujeito rir de si próprio, de sua vida miserável; assim, ele ri do trans-sujeito (a fatalidade de Deus). 
“Vou por aí a procurar” a tela gramatical musical, gente nasceu para brilhar, não vou me entregar:
 “Na Mangueira, logo conheceu e fez amizade com Carlos Cachaça — seis anos mais velho — e outros bambas, e se iniciaria no mundo da boêmia, da malandragem e do samba. “Em 1974, aos 66 anos, Cartola gravou o primeiro de seus quatro discos-solo e sua carreira tomou impulso de novo com clássicos instantâneos como "As Rosas não Falam", "O Mundo É um Moinho", "Acontece", "O Sol Nascerá" (com Elton Medeiros), "Quem Me Vê Sorrindo" (com Carlos Cachaça), "Cordas de Aço", "Alvorada" e "Alegria". No final da década de 1970, mudou-se da Mangueira para uma casa em Jacarepaguá, onde morou até a morte, em 1980”. 
No final de 1970, o homo lumpesinalis já havia se apoderado da Mangueira.  
Cartola é o sujeito/herói que enfrenta o Deus da necessidade lumpesinalis colonial até o fim. Seu desejo sexual maior é não morrer nos braços de tal gramática metafísica do mundo popular.   
               
                                                    NOEL ROSA/REVOLUÇÃO GRAMATICAL MUNDIAL

Há algum tempo, integrei a narrativa biográfica ao campo da física hobbesiano gramatical da política. O Brasil tem três ou quatro biógrafos maravilhosos e uma multidão de biógrafos comerciais. João Máximo e Carlos Didier estão no primeiro conjunto supracitado.

Na década de 1980, fui possuído por um desgosto tenaz provocado pelo golpe de Estado universitário na nossa cultura política econômica literária. Nesse golpe, o discurso da universidade fez de Noel Rosa um alvo tático com a finalidade de acabar com a hegemonia dos atores culturais não-universitários no campo da cultura literária nacional. O fim dessa hegemonia tem sua materialidade política na lei do Estado militar que regulou a profissão de jornalista.

Tal lei tornou compulsória o diploma de jornalismo a ser obtido na escola de comunicação universitária, reconhecida pelo Ministério da Educação. Assim, começou a ditadura dos professores da escola de comunicação através do monopólio da formação profissional teórica do jornalista. Ela é um efeito do golpe de Estado do trans-sujeito perversus militum na nossa nacional cultura política intelectual econômica. A tortura e o assassinato de Vladimir Herzog nos porões do Estado militar na cidade de São Paulo foram um ato parede-contígua germinal baseado na razão lógica perversus militum. Ele foi escolhido para ser sacrificado por ser o cordeiro jornalista e judeu!      

Uma aliança entre Muniz Sodré, Heloísa Buarque de Holanda e o filósofo e teólogo conservador cristão Emanuel Carneiro Leão (próximo da linha religiosa/ideológica Opus Dei; mantive uma convivência amigável e civilizada   com Carneiro, pois, ele era um anticomunista da velha aristocracia da terra de Pernambuco, possuído por uma aversão sexual imensa, e manifesta , ao bando paramilitar - da Tijuca, Andaraí e Vila Isabel -  de professores heteróclitos, medíocres da filosofia lumpesinalis criada pelo famigerado e agressivo anticomunista heteróclito Olavo de Carvalho) estabeleceu, durante décadas, o poder político/acadêmico agramatical de controlar, sem resistência, a principal escola de comunicação do país: ECO/UFRJ.

Tal poder político/acadêmico interrompeu a brilhante e ortodoxa carreira acadêmica internacional impecável que tornaria o professor André Parente um titular natural e o sucessor da Troika (em russo: тройка) stalinista oligárquico/acadêmica - Muniz, Heloísa, Emmanuel. A Troika foi um efeito do Estado heteróclito integral mundial na Escola de Comunicação. Ela transformou a instituição universitária em uma Coisa, em um aparelho de Estado, em um dispositivo lógico-econômico, que se tornaria, mais tarde, um aparelho universitário do trans-sujeito heteróclito bolivariano perversus.       

André Parente era uma linha de força gramatical cultural universitária que faria a passagem da ditadura acadêmico/burocrática heteróclita à politeia do pós-modernismo do Regime 1988. Não aconteceu! Quantas jovens almas intelectuais democráticas não nasceram devido a foraclusão de André como intelectual hegemônico democrático da sociedade de comunicação do pós-modernismo do Regime 1988? André não foi, realmente, emasculado em sua força de vida gramatical?  

André era um bolivariano que parecia pronto a desviar para o caminho gramatical do pós-modernismo o trans-sujeito heteróclito bolivariano. André era uma cunha gramatical impossível de ser metabolizada pelo Estado bolivariano, pois, tal Estado é um efeito nacional do Estado heteróclito integral mundial.  

A questão nacional da universidade pública hoje se resume a ex-sistência ou não de uma vontade de potência nietzschiana gramatical na classe média urbana das grandes capitais. O problema é se tal vontade não é um simples sonho de verão da praia de Ipanema, mas um poder gramatical de Estado capaz de construir uma universidade gramatical (instituição) do Estado gramatical integral mundial no território trans-subjetivo nacional.

A possibilidade de tal fenômeno significa a revolução gramatical pelo alto da vida política e da vida do mundo-da-vida. O leitor pode achar que isso é ficção delirante. Mas, talvez, tal revolução já tenha começado, na microfísica do campo de poder nacional, com o PCPT (página do Facebook - Psicanálise, Cultura Política, totalitarismo), que é um Estado gramatical digital orbital. Tal Estado gramatical orbital é o da governamentalidade (Foucault: 277) real da população orbital sujeito zero heteróclito.  Um axioma gramatical de Gramsci diz que toda revolução gramatical é razão gramatical dialética de construção de um Estado gramatical integral. 

A propósito, todas as portas e janelas machadianas das Grandes Editoras estavam generosas abertas para o nosso herói Parente! Isso é ou não um crime cultural glauberiano rocha?  A história da universidade ocidental é a historialidade dos golpes de Estados culturais lumpesinalis permanentes nos EUA, Europa, América-Latina...                 

O “discurso noelino” universitário foi o golpe no velho jornalismo literário. Lembro que Muniz Sodré e Heloísa Buarque de Holanda foram os operadores científicos destacados nessa operação golpista que submeteu a sociedade jornalística à uma infame dominação de uma ciência da sociedade da comunicação, favorecida pela revolução gramatical de Saussure. Sem sal e sem afeto Heloísa fez do americanismo cultural a arma do parvenu Julian Sorel do romance o Vermelho e o negro da classe média universitária estatal. E assim, tomou de assalto a mente pouco brilhante, e ingênua, da sociedade dos ricos associados rentista.

Muniz Sodré de Araújo Cabral era, nas décadas de 1980 e 1990, um jornalista brilhante e cientista do pós-modernismo capaz de pensar a sociedade de comunicação, pois, era dono de uma vasta cultura letrada internacional profissional.

Quando vinha ao Rio, Baudrillard se hospedava na casa de Muniz e falava de pós-modernismo, bebendo cachaça, para um abstêmio Sodré. Muniz era amigo da estrela italiana da filosofia pós-modernista Gianni Vattimo. Octávio Ianni o considerava o intelectual hegemônico da nossa sociedade de comunicação. Moniz bebia em Freud e Lacan. Porém, meu professor de Freud foi o filósofo pop trágico marxo/nietzschiano Carlos Henrique Escobar.

 Ao entrar na ECO, era apenas um recém-saído da adolescência, malvestido, com sandália havaiana, e, obviamente os dedos sujos, quase hippie, morador da Ilha do Governador e funcionário público de um colégio na bucólica Mesquita da baixada fluminense. Meu pai já havia partido desse mundo terrestre. 

Ianni me disse que Muniz conhecia meu trabalho. Às vezes, a minha imaginação sartriana me persegue com a fantasia de que me tornei o Sodré Araújo Cabral do século XXI. Ele foi um professor de comunicação na ECO, que me impressionou. Ou será por causa do problema comum freudiano que definiu nossas biografias no mundo-da-vida?

O brilhante estudo (seminal da novíssima ciência política heterodoxa paulista) Príncipe Eletrônico, de Octávio Ianni (São Paulo não conhece as coisas nossas paulistas, por isso afundou em um abismo intelectual sem fim) tem uma clara filiação ao pensamento de Sodré. Tal livro se tornou um cavalo-de-batalha na fundação da física hobbesiana gramatical da política.

Vocês podem me acusar de tudo menos de ser mesquinho ou invejoso, ou faltar com a verdade da realidade dos fatos. A ética da física guia minha viagem poiética a Fernando Pessoa: viajar é preciso, viver não é precisoEx nihilo nihil fit!       

II

Em 1990, a Editora da UNB publicou o livro Noel Rosa: uma biografia. A obra era um contragolpe 
na ditadura oligárquico/universitária heteróclita, que tinha desfechado um golpe na cultura letrada, e passara a possuir o monopólio da interpretação dos objetos de desejo culturais. Amigos que tiveram acesso aos originais fizeram uma forte pressão para os geniais João Máximo Carlos Didier suprimirem o primeiro capítulo.

Abalados com o julgamento dos amigos jornalistas, João e Carlos temerariamente decidiram não excluir a Parte I 1834-1910. Capítulo I. Na cauda de um cometa. Eles certamente alimentavam a esperança de que um dia um leitor revelasse para o país a invenção de um novo modelo de narrativa biográfica invisível para a percepção do mundo letrado do século XX.

O que eles não podiam imaginar? Que a leitura do Capítulo I só poderia ser realizada em um campo de pensamento científico/poiético do século XXI, que inventou o transromance em uma releitura, sem medo de ser terceira mundista, do O 18 Brumário de Luís Bonaparte.

Trata-se da física hobbesiana gramatical da política. Nesse campo, a língua (Saussure) suprassume a soberania da lógica do significante lacaniano. A física desfaz o golpe de Estado transliterário de Lacan em Saussure, ao, restaurar a soberania da língua natural no mundo.

A língua não é a maior invenção do cérebro humano? Um tardio Lacan arrependido e arrebatado por um sentimento de culpa insaciável falou no abandono da lógica do significante em prol da gramática do significante, abrindo todas as comportas da ética do desejo transliterário para a supremacia de Saussure. Um Lacan heideggeriano suprassumiu a lógica do significante:
“O reportar-se e o retorno do restante das categorias para com a primeira, de que fala Aristóteles, desenrola-se no  λόγος. Então, se seguirmos essa via e dissermos de forma abreviada que a relação das categorias para com a primeira é uma relação ‘lógica’, isso significa apenas: Essa relação funda-se no λόγος – tomando essa palavra no sentido já explicitado. Mas todas as representações tradicionais referentes à ‘logico’ e ‘lógica’, representações que acabaram se tornando usuais, devem ser mantidas definitivamente afastadas, supondo-se que sob a palavra ‘lógico’ e lógica’ se pense algo de determinado e verdadeiramente fundamentado”. (Heidegger: 13-14).     

Hoje, o jornalista é um ator hobbesiano do campo de poder mundial, um ator hobbesiano ou gramatical, ou heteróclito/lógico, um ator do Estado gramatical integral ou do Estado lógico heteróclito. Tais Estados são o duplo efeito da estatização do campo de poder mundial articulado pela soberania do Trans-sujeito Mundial Esquizo. Este é o equilíbrio transatagônico entre a língua gramatical (a língua nacional) e o língua heteróclita (língua da lógica do significante).

A ideia do trans-sujeito esquizo nasce na física de Heráclito:
“51. Idem, ibidem, IX, 9.
Não compreendem como o divergente consigo mesmo concorda; harmonia de tensões contrárias, como de arco e lira”. (Heráclito: 84).           

Esse Lacan insuperavelmente do belo campo poiético psicanalítico revolucionou o campo freudiano e capinou o terreno para o surgimento da física hobbesiana gramatical da política. Nessa, o jornalista ressurge como um ator hobbesiano do campo de poder mundial articulado como Estado gramatical integral em uma transdialética com o Estado heteróclito integral, Estado-COISA da lógica do significante heteróclito. Estado sem tela gramatical (agramatical) em guerra política permanente como o Estado gramatical no mundo orbital e na Terra (nações territoriais).

O livro de Máximo e Didier já começa na tela gramatical lacaniano/saussuriana, antes de Lacan.

III

Lacan diz que o laço socialis da criança começa com o avô. Só criei a tela gramatical lacaniana na segunda parte da década de 1990. Ela encontra-se no livro Política brasileira em extensão. Para além da sociedade civil (Edição de autor, 2000). Enviei cópias do original para as grandes editoras, inclusive à Editora da UNB que tem prestado um serviço letrado inestimável ao país. Silêncio sepulcral.

A diretora advogada do IFCS me disse que o livro era ilegal. Assim, me tornei um criminoso editor e autor criminoso de um campo e pensamento científico gramatical.

Comecei a publicar no jornal anarquista espanhol digital Pimenta Negra. Meus textos e os do supermarxista alemão oriental Robert Kurz eram muito lidos. Fiquei conhecido na Europa e fiz muitos amigos digitais. Na época eu tinha uma volumosa correspondência digital.

No Brasil, eu continuava um ilustre desconhecido. Na UFRJ, meu trabalho não tinha valor acadêmico. Hoje, procuro no espaço procedural público aqueles professores que controlavam a Pós-graduação, dinheiro de pesquisa, redes de estudantes, que viajavam para congressos internacionais, mas eles simplesmente desapareceram. É como se eles jamais tivessem existido na Terra. São os arrebatados do Apocalipse Segundo São João? Cruzes!

IV

Não vou escrever sobre as Partes II, III, IV, V e VI do Noel Rosa: uma biografia. Espero que uma nova geração descubra a maravilhosa invenção biográfica transliteraria de Máximo e Didier.

Primeiro Capítulo começa narrando a vida do avô Eduardo Corrêa de Azevedo (de Noel) pelo lado materno. O avô gramatical Eduardo é a primeira letra que faz o enfant viver na tela gramatical familiar comunitária poética. O avô era poeta e médico de uma família da aristocracia médica de Portugal. Há crianças que nascem agramaticalmente gauche, pois o avô é um fenômeno heteróclito de uma tela heteróclita (sem gramática). Noel nasceu gramaticalmente poiético.

A tela gramatical de Noel é memória cultural política econômica familiar. Noel é neto de uma atmosfera (do grego antigo: ἀτμός, vapor, ar, e σφαῖρα, esfera). Tal fenômeno é a memória cultura política econômica fazendo pendant com a physis historial da política.   

A memória gramatical da família de Noel começa com o avô Eduardo. Na passagem gramatical da família aristocrática do bisavô médico/aristocrático Luís Côrrea d’Azevedo para o avô plebeizado republicano na comunidade médica, o apóstrofo é retirado do d’. A ditadura dos gramáticos se caracteriza pelo exercício da gramática sem historialidade. Trata-se de uma gramática formal/abstrata, a estrutura gramatical como lógica do significante lacaniano.

Já mostrei que a historialidade do pensamento político lacaniano tem duas épicas. A primeira é a gramatica sem autonomia relativa em relação à lógica do significante. Porém, há uma gramática invisível no fundo da tela lógica lacaniana. A segunda é a gramatica com autonomia relativa à lógica, e, por isso como tela gramatical historial.

Máximo e Carlos fazem um uso prático da gramática historial lacaniana, antes de Lacan. A retirada do apóstrofo do d’ é um ato gramatical historial (transformação do d’ em de). Tal fato gramatical historial significa a passagem da família Côrrea d’Azevedo luso/aristocrática para a família luso-brasileira de classe média plebeia Côrrea de Azevedo. Noel nasceu plebeu em Vila Isabel.  

A tela gramatical é a língua com gramatica ao contrário da tela heteróclita que é o uso da língua agramatical. A língua é um fenômeno material historial como fala e escrita: imagens sonora e visual. 

A língua escrita articula a ideia de civilização, a tela gramatical civilizatória como memória literária:
“FASE SUPERIOR. Inicia-se com a fundição do minério de ferro, e passa à fase da civilização com a invenção da escrita alfabética e seu emprego para registros literários. Essa fase, que, como dissemos, só existe de maneira independente no hemisfério oriental, supera todas as anteriores juntas, quanto aos progressos da produção. A ela pertencem os gregos da época heroica, as tribos ítalas de pouco antes da fundação de Roma, os germanos de Tácito, os normandos do tempo dos vikings” (Engels: 26-27).

Em Lacan, há duas épicas gramaticais. A primeira é a da gramática sem autonomia relativa em relação à lógica do significante. Épica agramatical. A gramática encontra-se invisível no fundo da tela lacaniana heteróclita lógica/aristotélica. Na segunda, trata-se da tela gramatical onde a gramática possui autonomia relativa em relação à razão lógica do significante, pois, ela a suprassume; ela ex-siste como razão gramatical dialética hegeliana fazendo pendant com a gramatica dialética materialista: tela gramatical dialética. O livro de Máximo e Carlos só ex-siste na tela gramatical dialética civilizada.
   
Máximo e Carlos só são integralmente inteligíveis a partir da tela gramatical civilizada (Engels) e da tela gramatical lacaniana que faz pendant com a vontade de potência gramatical nietzschiana. A tela gramatical civilizada é o efeito da vontade de potência gramatical aristocrática. A história da língua como vontade de potência gramatical é a história dos dominadores (aristocracia nietzschiana), história da dominação gramatical.

Todo poder ou é um poder gramatical de mover, ou é um poder heteróclito de mover. Na física de Aristóteles, o poder de mover é o início da ideia de poder metafísico fazendo pendant com o poder (ou racional ou irracional)  sobre a physis:
“Et puisque ce qui est puissant, c’est ce qui put quelque chose, et à un moment donné, et de certaines façon (avec tous autres caractères s’ajoutant nécessairement dans la définicion); que certains êtres peuvent mouvoir racionnellement et que leurs puissance sont rationnelles et que leurs puissance sont rationnelles, tandis que d’autres êtres sont irrationnelles et leurs puissance irrationnelles”. (Aristote: 496).        

Máximo e Carlos sublinham a passagem d’ para de como passagem gramatical memorial da família luso/aristocrática para a família luso/brasileira plebeia dos de cima (comunidade médica da classe média). Trata-se do poder de mover gramatical de um corpo familiar:
“Começou nova vida, rompeu não só com a vontade do pai mas também com muitos de seus valores. 

Detestando a nobreza, os bajuladores de uma monarquia que achava decadente, os cidadãos empertigados que compravam títulos, começou por substituir no sobrenome o fidalgo d’ pelo menos pretensioso de. (Máximo: 12).

Trata-se de um ponto de inflexão na matéria gramatical escrita da memória cultural política econômica familiar Corrêa d’Azevedo real e ficcional:
“A família guarda algumas lembranças de Fortunato Corrêa d’Azevedo, uma delas a caixa de instrumentos cirúrgicos com cabos de madeira que os bisnetos – principalmente este que está para nascer – ainda vão transformar em brinquedo. Era um homem austero, mandão, de gostos aristocráticos. Sempre, manteve um namoro com a nobreza, a ponto de já no fim da vida, de volta para o Rio, só ter clientes ricos e bem-nascidos. Certa vez, percorrendo pacientemente os galhos de uma árvore genealógica alta e frondejante, descobriu-se, cheio de orgulho, hexaneto de ninguém menos que Maria Stuart (os moradores do chalé perderam o documento que Fortunato costumava exibir aos incrédulos) ”. (Máximo: 12).    

Para a ditadura dos gramáticos, Máximo e Carlos não sabe do que estão falando. Nessa ditadura, a gramática é uma estrutura abstrato-formal, uma espécie de razão lógica gramatical. Trata-se da gramática ancilar da lógica do significante norma culta (desterritorialização da historialidade da língua gramatical), da gramática no fundo da tela norma culta.

A ditadura crê que a língua do povo-nação necessita de uma ditadura dos gramáticos para não se autodissolver. Na era moderna, a metabolização do trans-sujeito língua nacional pelo povo surge como um problema de segurança nacional para o Estado nacional. A ditadura crê que a atmosfera gramatical pré-industrial dos povos modernos europeus é um efeito da metabolização do significante norma culta pelo povo-nação. É isso mesmo?

A spaltung industrial na historialidade da língua nacional apareceu como um raio em um céu azul no livro Dialética do esclarecimento de Adorno e Horkheimer com o conceito indústria cultural - Excurso II. A indústria cultural: O esclarecimento como mistificação das massas.

O filósofo do pós-modernismo canadense Marshall McLuhan estabeleceu no seu livro A galáxia de Gutenberg: “A galáxia de Gutenberg dissolveu-se teoricamente em 1905 com a descoberta da curvatura do espaço, mas na prática foi invadida pelo telégrafo duas gerações antes” (MacLuhan: 340).

McLuhan trata também do problema da spaltung gramatical como efeito da sociedade do espetáculo eletrônica sobre a língua nacional gramatical. Mas ele não chega a ver, em seu livro profético, que o trans-sujeito esquizo mundial é o responsável por tal spaltung gramatical nos povos ocidentais. Não conheço a historialidade para dizer algo sobre a spaltung gramatical da língua nacional dos povos asiáticos. Não sei se isso ex-siste. Mas tal fenômeno é estratégico no estabelecimento do caminho da supremacia da política mundial entre o Ocidente e a Ásia. Trata-se de um campo de batalha da política gramatical mundial.

Para não deixar uma lacuna capaz de incomodar o leitor, recorro ao Dicionário de Semiótica. Ele diz que: “Entende-se em geral por gramática a descrição dos modos de existência e de funcionamento de uma língua natural ou, eventualmente e mais amplamente, de qualquer semiótica”. (Greimas: 212).
Greimas e Courtés pensaram em uma gramática semiótica que, “corresponde às estruturas sêmio-narrativas: tem como componentes, no nível mais profundo, uma sintaxe fundamental e uma semântica fundamental, e correlativamente, no nível de superfície, uma sintaxe narrativa (chamada superfície) e uma semântica narrativa”. (Greimas: 213).

Tais gramáticos semióticos pensam também em sujeitos coletivos: “na medida em que a construção implica a existência de um sujeito construtor, um lugar deve ser preparado – ao lado dos sujeitos individuais – para sujeitos coletivos (os discursos etnoliterários ou etnomusicais, por exemplo, são discursos construídos, seja qual for o estatuto que a antropologia genética possa atribuir aos sujeitos produtores. Parece-nos, assim, de se desejar que a oposição natural/construídos (ou “artificial”) seja substituída pela oposição semióticas científicas/semióticas não científicas”. (Idem: 410).

Se discurso significa os discursos dos trans-sujeitos, então, temos os trans-sujeitos semióticos científicos (Lacan cristão ou Freud judaico) e não científicos (línguas nacionais). Nesse caminho, trata-se de pensar o mundo como plurivocidade de semióticas: “Ao contrário, pois, de F. de Saussure e de L. Hjelmslev, para quem as línguas naturais são semióticas entre outras, as línguas naturais e o mundo natural nos parecem como vastos reservatórios de signos, lugares de manifestação de numerosa semióticas”. (Idem: 410).

Por fim, nossos gramáticos semióticos pensam a possibilidade de uma razão gramatical do significante com uma autonomia absoluta em relação à lógica do significante Lacaniano/aristotélico: “Dessa forma, seja no nível da percepção (audição, leitura, visão), seja no da emissão pelo sujeito que constrói o enunciado, o significante se acha referencializado e aparece como um dado do mundo. Somente uma análise mais profundada do plano da expressão chega a mostrar que o significante é, também ele, resultado de uma construção de natureza semântica”. (Idem: 421).

Se a gramática do significante é possível, então, tal fato abre a porta para a física hobbesiana gramatical da política fazendo pendant com a gramática metafísica. Na gramática do significante, a palavra foi destronada: “compreende-se que a palavra, concebida como entidade indivisível e valor absoluto, se torne suspeita aos olhos dos linguistas e deixe de ser, hoje em dia, o apoio fundamental da reflexão sobre o funcionamento da linguagem. É cada vez mais necessário afastá-la da ciência da linguagem. Martinet escreve com razão que ‘a semiologia (a ciência dos signos), tal como a deixam entrever certos estudos recentes, não tem nenhuma necessidade da palavra’ ”. (Kristeva: 27).

Após ser banida da gramática semiótica: “na gramática gerativa, o conceito de palavra reaparece sem ter sido convidado”. (Greimas: 323).     

No funcionamento linguístico, a palavra não explica “esse salto qualitativo que o animal humano efectua quando começa a marcar diferenças num sistema que se torna assim a rede de significações através da qual os sujeitos comunicam na sociedade. Esta rede de diferenças não pode estar no cérebro nem em nenhum outro lugar. É uma função social sobredeterminada pelo processo complexo da troca e do trabalho social, produzido por ela e incompreensível sem ela”. (Kristeva:33-34).

A rede de diferenças pode ser o trabalho da lógica do significante que articula as sociedades dos significantes do neurótico, do perverso e do psicótico. Na física hobbesiana, as redes de diferenças são um trabalho da razão dialética gramatical/agramatical, que articula o autor hobbesiano (multidão da soberania popular) e o ator hobbesiano (político profissional, cientista, jornalista e outros); a Banda de Moebius gramatical/agramatical com o Estado gramatical integral mundial no lado direito e o Estado agramatical integral no avesso: Estado heteróclito (sem gramática); classes sociais gramaticais/classes sociais agramaticais; gramática metafísica da vontade de potência nietzschiana/vontade de potência heteróclita; trans-sujeito gramatical/trans-sujeito heteróclito; revolução gramatical/contrarevolução agramatical; memória gramatical da língua e articulação gramatical do trans-sujeito.

Agora, finalmente, os enigmas do Manifesto Antropofágico, de Oswald, podem ser decifrados: “Foi porque nunca tivemos gramática, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-mundi do Brasil”. (Teles: 354).
“Nunca tivemos gramática. Preguiçoso no mapa-mundi do Brasil”: o Brasil se articula como trans-sujeito agramatical. “Nem coleções de velhos vegetais”: nunca soubemos o que é, historialmente, o trans-sujeito gramatical metafísico.

V                                           

A família do avô Eduardo ex-sistia em uma atmosfera gramatical poiética. Ela vivia e se movia intencionalmente em uma tela gramatical cultural artesanal, ou seja, pré-industrial. O primeiro neto de Eduardo nasceu em uma tempestade política tropical que varreu a capital do Estado republicano em 1910:
“Por duas vezes os marinheiros fizeram estremecer o Rio de Janeiro em 1910, num sombrio capítulo de história que ficaria conhecido como Revolta da Chibata. Uma, a 22 de novembro, sete dias após ser empossado na presidência da República o marechal Hermes da Fonseca. A segunda, na noite de 9 para 10 de dezembro, na véspera de vir ao mundo o primeiro neto de Eduardo Corrêa de Azevedo” (Máximo: 10).

 Máximo e Carlos pintam o quadro do ano de 1910 sobrecarregado por uma atmosfera milenarista heteróclita da população do Rio:
“É sábado, 10 de dezembro. Desde a madrugada respira-se desassossego nas ruas do centro do Rio. A cidade parece estremecer. Ouvem-se ao longe tiros de canhão e estrondos de prédios que tombam atingidos por bombas e granadas. Famílias inteiras saem em pânico de suas casas. Correm para bondes, automóveis, trens. Fogem do fogo e da destruição, procurando um porto seguro em alguma parte. Se os moradores do chalé fossem supersticiosos – ou de acreditar que certos fenômenos cósmicos significam maus presságios – talvez pensassem, como tantos, que o fim do mundo começou.
Explica-se: desde os primeiros dias deste 1910, quando os jornais se puseram a falar da passagem da Terra pela cauda do cometa de Halley, há quem afirme que o mundo realmente agoniza. Profetas, visionários, lunáticos, crentes. Cometas e outros corpos celestes passam ligeiros, deixando em seu rastro um punhado de superstições. Está sendo assim agora com o Halley e há de ser assim daqui há alguns anos com o Hermes. Por mais que astrônomos garantam que tais fenômenos são inofensivos, muitos acreditam no contrário, que os cometas sejam prenúncio de grandes catástrofes. Conta-se que até mesmo um homem culto como Ruy Barbosa responsabilizou o Halley por sua recente derrota para o marechal Hermes nas eleições presidenciais. E por que não? Se por causa deste cometa houve quem se matasse na Europa, enlouquecesse nos Estados Unidos, se refugiasse em mosteiros por toda parte, para ali aguardar entre preces a hora final, por que não haveria Ruy Barbosa de ver na cauda do Halley uma ave agourenta a riscar o céu no exato momento em que pretendia mudar-se para o Catete? ” (Máximo: 10).

Este trecho impressionante por sua inventividade poiética simples nos diz - que se a biografia é um gênero literário, Máximo e Carlos inventaram, entre nós, a biografia como transliteratura. Trata-se da biografia como transromance: TRANSBIOGRAFIA.  A essa altura, o leitor oligárquico brasileiro está achando que sou um velho conhecido dessa dupla de heróis culturais esquecidos na paisagem intelectual de hoje. Simplesmente, não os conheço!

VI

O avô Eduardo vivia em uma tela gramatical artesanal cultural literária. Noel já viveu em na tela lógica econômica da imagem sonora (rádio). São duas eras distintas. Mas nem o avô ou Noel viveram a spaltung da indústria cultural:
“A melhor fase da vida de Eduardo Corrêa de Azevedo – ou pelo menos aquela de que os moradores do chalé têm mais saudade – é a da infância e adolescência dos filhos, já em Juiz de Fora, onde ele clinicava em sua própria farmácia. São de então os seus primeiros lampejos poéticos, versos que ia escrevendo, mostrando aos amigos, guardando. Quis que as crianças desde cedo convivessem com a música, por isso comprou para um Pleyel de segunda mão. Carmem, de ouvido absoluto, domina cinco instrumentos (piano, violino, violão, bandolim, cítara) e acabará se tornando professora de conservatório. Martha sempre será melhor no bandolim que no piano. Eduardinho, o de pior ouvido, jamais passou das primeiras lições doméstica dadas pela mãe. Mas toda a família é muito musical. E teatral também”. (Máximo: 14).

Na atmosfera da tela gramatical cultural familiar, a poesia era vivida intencionalmente como um valor político gramatical:
“Um antimonarquista que escreveu longo poema, ‘Pobre República’, para Martha declamar no palco do teatrinho, enquanto ele, orgulhoso na plateia, parecia ver na filha a imagem de um Brasil muito diferente do de seu pai: um Brasil jovem, promissor, livre e republicano”. (Idem: 14).

O leitor pode ver, então, a metabolização da atmosfera cultural como algo distinto da metabolização ideo (lógica). A republica metabolizada é aquela da gramatica republicana sonhada, e não da lógica econômica republicana realmente existente, como tela agramatical republicana. Noel é neto da tela gramatical republicana utópica da vida real do avô de sua família gramatical:
“Um homem raro, em torno de quem a família viveu unida e em paz. Os filhos cresceram entre a música e a poesia, o teatrinho e os brinquedos, os estudos e as amenidades. Crianças alegres, que de início zombavam do sotaque ilhéu de Vozinha e acabaram aprendendo com ela um antigo costume da Madeira: conversar por ditados.
Do prato à boca se perde a sopa- dizia uma.
Quem o alheio veste na praça o despe – acrescentava outra”. (Máximo: 15).

A relação com o campo simbólico não é inteiramente secular:
“Eu nunca fui ateu, nem sou converso
Essas contradições, que há no meu verso,
São como gritos de incontida fúria

Deve existir um Deus – Pai e infinito
Bem diferente desse odioso mito
Simples invento da romana cúria”. (Idem: 15).

O avô não conhecia o Deus perfeito e que só faz o Bem de Platão e, parece também que não conheceu o Deus cristão da bondade infinita do Evangelho Segundo João.

O Deus do avô é mulher, é Mãe com quem o avô Eduardo deseja se unir sexualmente:
“Amarei mais que tudo –santamente
A ti querida morta!..
És o Deus que eu adoro, reverente
O mais...pouco me importa
Contra o duro rigor do mandamento vosso
Serei um revoltado eterno... (bem o vejo!)
Não tentarei, sequer, obedecer... não posso
Vê-la sem lhe furtar um delicioso beijo”. (Máximo: 15).
Tal poesia incestuosamente freudiana (pois, o Deus do avô é a Coisa freudiana (Mãe), e seu desejo sexual é o da união com esse todo heteróclito) estabelece a Banda de Moebius de duas telas. No lado direito, a tela gramatical poética real familiar, e no lado avesso a ficcional tela religiosa incestuosa ficcional.

A memória familiar aparece na poesia do neto décadas depois, sem o desejo incestuoso:
“Eu não quero esse Deus das velhas
[escrituras
Que pune e vinga o mal, faz sofrer e
[extermina;
Um Deus que os corações ingênuos
[assassina
Metendo-lhes por dentro insanáveis ternuras
Quero um Deus mais humano, um que não
[quer tortura
Que não fale de inferno e, em pavor, não
[domina;
Brando, consolador, cheio de unção divina
Antes pai que juiz, na terra e nas alturas (...)”. (Idem: 15).

VII
Há uma expulsão do jardim do Éden Juiz de Fora. A decadência da vida material familiar se acelera com a mudança para o Rio:
“Eduardo desembarcou no Rio em fins de 1900. Instalou-se neste mesmo chalé modesto, o número 30 da Rua Theodoro da Silva, em Vila Isabel. Uma casa semiabandonada, sem mobília, canos furados, portas e janelas emperradas, goteiras. De propriedade da família da mulher de um grande amigo, o maestro Leopoldo Miguez, Eduardo nem precisava pagar aluguel. Republicano também, o autor inclusive do Hino da Proclamação da República, Miguez era um homem desprendido, de gestos nobres, sempre pronto a ajudar quem precisasse (morreria em 1902, mas sua viúva, Alice Dantas Miguez, como se a traduzir-lhe a vontade, ainda acabará passando a casa par o nome dos Corrêas de Azevedo sem receber um real em troca). Eduardo não tinha mesmo condições de procurar moradia melhor. Zevada, para e vingar, susteve-lhe o pagamento, deixando-o por conta de modestas economias que trouxera de Juiz de Fora. Tempos realmente difíceis”. (Idem: 17).

Noel nasceu na Revolta da Chibata à fórceps, que deixou a marca do real da medicina da época em seu rosto deformado. Houve quem associasse o parto difícil ao estado de guerra instalado no Rio. Noel certamente não seria o poeta da Vila na era da tela agramatical industrial eletrônica:
“Começo de vida, alegria no chalé modesto. Mas nem tudo corro como se esperava. É um parto difícil, a bacia estreita de Martha não dando passagem ao menino de quatro quilos. O médico esteve ao lado dela desde ontem cedo, quando lá fora se falava em fim do mundo. Por muito tempo, aliás, haverá quem associe as dificuldades do parto ao clima da guerra que inquieta a população. Um parto tão difícil que o médico chamou outro para ajudá-lo, este se decidindo pelo emprego do fórceps. Um menino extraído a ferro, penosamente. Tudo muito complicado, sofrido, longas horas de espera madrugada adentro”. (Idem: 19).

Quando Noel nasceu, a Revolta da Chibata fazia uma guerra política aberta articulada por uma gramática republicana contra a República lógica, Republica Coisa agramatical terrorista, criminosa política realmente ex-sistente:
“O levante foi por fim sufocado. João Cândido, que nada tivera com as ações da Ilha das Cobras, acabou preso. Incontáveis marinheiros, entre culpados e inocentes, revoltosos e anistiados, também. Muitos foram deportados para os seringais do Acre, onde morreriam como escravos de senhores da borracha. Outros seriam sumariamente fuzilados a bordo do Satélite, cargueiro do Lloyd que os levou para o Norte, quase secretamente. Escrevia-se assim um dos mais trágicos episódios da história militar Brasil. João Cândido e dezessete outros líderes da primeira revolta, todos já anistiados, foram atirados no fundo de uma masmorra na Ilha da Cobras. Dezesseis morreriam asfixiados pela cal que lhe atiraram sobre os corpos. Torturas e fuzilamentos se seguiram. Ali João Cândido permaneceu dezoito meses, até que o mandaram para o Hospital dos Alienados, supondo ter enlouquecido”. (Máximo: 11).

Em 2016, essa mesma República resiliente, substantivamente, agramatical está novamente olho no olho com a guerra. Mas não se trata da guerra contra a revolução gramatical republicana da população gramatical de marinheiros republicanos. E sim de uma guerra heteróclita da população agramatical, da população dos rejeitados lumpesianais caipira/urbanos das grandes cidades.      

ADORNO/HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento. RJ: Jorge Zahar, 1985
ARISTOTE. La métaphysique. Tomo II. Paris: Librairie philosophique J. Vrin, 1986
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. RJ: Civilização Brasileira, 1974
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. RJ: Graal, 1982
GREIMAS/COURTÉS, A. J. e J. Dicionário de semiótica. SP: Cultrix, sem data
HERÁCLITO. As Pensadores. Fragmentos, doxografia e comentários. Os Pensadores. Edição Especial. SP:  Abril Cultural, 1978
HEIDEGGER, Martin. Metafísica de Aristóteles Ɵ1-3. Sobre a essência e a realidade da força. Petrópolis: Editora Vozes, 2007
KRISTEVA, Julia. História da linguagem. SP: Martins Fontes, sem data
MÁXIMO/DIDIER, João e Carlos. Noel Rosa: uma biografia. Brasília: Editora da UNB, 1990
MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg. SP: UNB, 1972
TELES, Gilberto Mendonça. 10°Edição com documentos da vanguarda portuguesa. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. Apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. RJ: Record, 1987   

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

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