José Paulo
O Estado mercantilista trumpista se contém no cérebro de
Donald Trump como o Urstaat de Deleuze e Guattari?
“De todas as instituições, é talvez a única a surgir
completamente armada no cérebro daqueles que a instituem. ‘os artistas de olhar
de bronze’. Eis por que, no marxismo, não se sabia muito bem o que fazer com
essa instituição, uma vez que ela não entra nos famosos cinco períodos,
comunismo primitivo, cidade antiga, feudalismo, capitalismo, socialismo. Ela
não é uma formação entre outas, nem a passagem de uma formação a outra.
Dir-se-ia que ela está em atraso em relação ao que corta e ao que recorta, como
se desse testemunho de uma outra dimensão, idealidade cerebral que se
acrescenta à evolução material das sociedades, ideia reguladora ou princípio de
reflexão (terror) que organiza as partes e os fluxos num todo. O que o Estado
despótico corta, sobrecorta ou sobrecodifica, é vem antes, a máquina
territorial, que ele reduz ao estado de tijolos, de peças trabalhadoras
submetidas desde então à ideia cerebral”. Deleuze e Guattari: 262-263).
A prática política despótica encontra-se como gramática de
sentido no cérebro do homem político e seus auxiliares tirânicos como Trump E
Rubio. Estes são um corte, sobrecorte e recorte na prática política do passado
do Estado territorial e, sobretudo, da democracia jeffersoniana, ou da
democracia de John Rawls. O quanto a democracia trumpista despótica se encontra
longe da democracia moderna?
2
Como passado, a tradição aparece como gramática de sentido
lógico na prática política d atualidade:
“A tradição de todas as gerações mortas oprime como um
pesadelo o cérebro dos vivos”. (Marx. 1974: 335).
Em Engels a ideologia no cérebro já é uma espécie de
gramática de sentido lógico no cérebro do homem:
“Toda ideologia, todavia, uma vez que surge, desenvolve-se3
em ligação com a base material das ideias existentes, desenvolvendo-a e
transformando-a por sua vez; e não fosse assim, não seria uma ideologia, isto
é, um trabalho sobre ideias conhecidas como entidades dotadas de substância
própria, com um desenvolvimento independente e submetidas tão apenas às suas
próprias leis. Os homens, em cujo cérebro esse processo ideológico se desenrola
(...)”. (Engels: 203).
A democracia kantiana aparece como gramática de sentido no
cérebro de Habermas:
“Ao formular sua doutrina do direito, Kant tomara como ponto
de partida direitos subjetivos, que concediam a cada pessoa o direito de usar a
força quando suas liberdades subjetivas de ação, juridicamente asseguradas,
fossem atacadas. Quando o direito positivo sucedeu ao natural, momento em que
todos os meios legítimos de usar a força passaram a ser monopolizados pelo
Estado, esses direitos de usar a força transformaram-se em autorizações para
iniciar uma ação jurídica”. (Habermas. 1997: 48).
O Estado territorial da democracia constitucional moderna
estabelece para o uso da violência do aparelho de Estado a legitimidade sem
ignorar a facticidade na prática política. Esta é a dimensão sem gramática de
sentido do direito constitucional na prática política conjuntural. (Poulanztas:
90):
“Em nosso contexto interessa, em primeiro lugar, o conceito
de legalidade, do qual Kant se serve para esclarecer o modo complexo de
validade do direito em geral, tomando como ponto de partida os direitos
subjetivos. Na dimensão da validade do direito, a facticidade interliga-se mais
uma vez, com a validade, porém não chega a formar um amálgama indissolúvel –
como nas certezas do mundo da vida ou na autoridade dominadora de instituições
fortes, subtraídas a qualquer discussão. No modo de validade de direito, a
facticidade
da imposição do direito pelo Estado interliga-se com a força de um
processo de normatização do direito, que tem a pretensão de ser racional, por
garantir a liberdade e fundar a legitimidade. (Habermas. 1997: 48).
No modo de ser psíquico da validade da gramática de sentido,
na prática política fática, a gramática hegemônica se torna normatização
constitucional que evita anarquia do capital e a anarquia das gramáticas de
cada pessoa. O princípio da anarquia linguística e estabelece na medida em que
cada indivíduo tem sua própria gramática política pessoal (Gramsci.
1977:2343).
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A validade sem facticidade é um modo de ser psíquico
retórico; a facticidade sem validade é anarquia; a validade sem facticidade é o
funcionamento retórico do aparelho de Estado; a facticidade sem validade é o
funcionamento despótico do aparelho de Estado. A práxis individual em um ou
outro pode ser legítima/justa (validade) ou ilegítima/injusta (facticidade).
Sartre fala da práxis individual como fenômeno da prática
política:
“Sur le terrain le plus superficial et le plus familier,
l’expérience découvre d’abord,, dans l’unité de liaisons dialectiques,
l’unification comme mouvement de la <práxis> individualle, la pluralité,
l’organisation de la pluralité et pluralité des organisations. Cela, il suffit
d’ouvrir les yuex pour le voir. Le probleme pour nous, c’est celui liaisons.
S’il a des individus qui totalise”. (Sartre: v. 1: 194).
A gramática de sentido da práxis individual é constituída
pelos indivíduos que totalizam. Eles totalizam o sentido em uma gramática
lógica da prática política da plurivocidade de práxis; a práxis política fática
sem validade cria e recria o estado de anarquia no campo político:
“La réponse immédiate mais insuffisante, c’est qu’il n’y
aurait pas même une ébauche de totalization partielle si l’individu n’état par
soi-même totalisant. Tout la dialectique historique repose sur la práxis
individualle en tant que celle-ci est déjà dialectique, c’est-à-dire dans la
mesure où l’action est par elle-même dépassement négateur d’une contracdiction,
détermination d’une totalizatin presente au nom d’une totalité future, ,
travail réel et efficace de la matière”. (Idem: 194).
A gramática de sentido lógico da plurivocidade de práxis
individual do homem político existe em um campo da prática política
paraconsistente - ligando passado e futuro na atualidade da conjuntura. Para
ser eficaz e histórica. a práxis individual tem que produzir sentido em uma
gramática cuja lógica tem raiz nas relações técnicas de produção:
“Mais j’ai dit que l’expérience fournissait elle-même son
intelligibilité. . Il faut donc voir au niveau de la praxis individuelle (peu
nous importe, pour l’instant, quelle sont les contraintes colletives qui la
susciten, la limitent ou lui ôtent sont efficacité) quelle est la rationalité
proprement dite de l’action”. (Idem: 194).
Como plurivocidade de
práxis de gramática de sentido lógico, a experiência da prática política [como
agir] fornece sua inteligibilidade. A práxis trumpismo fornece sua
inteligibilidade no agir da prática política de governo. Da práxis do cérebro
trumpista aparece a gramática de sentido lógico do Estado mercantilista e mais
fenômenos da conjuntura mundial da atualidade e americana, esta como grande
potência.
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O desejo é um componente da práxis individual na prática
política:
“Também não quero defender a ideia de que seria aconselhável
a um egoísta, em meio a uma sociedade justa, transformar-se em um homem justo,
dados os seus objetivos. Antes, o que me interessa é avaliar o bem de um
estabelecido desejo de seguir o ponto de vista da justiça. Suponho que os
membros de uma sociedade bem estruturada já possuam esse desejo. A questão é se
esse sentimento regulador é coerente com o bem das pessoas. Não estaremos examinando
a justiça ou o valor moral das ações a partir de determinados pontos de vista;
estaremos, sim, avaliando o bem associado ao desejo de adotar-se um ponto
particular, a saber, o da justiça. Precisamos avaliar este desejo não do ponto
de vista do egoísta, seja qual for, mas à luz da teoria do bem”. (Rawls: 412).
O desejo pode ser movido pelo princípio de prazer (desejo do
egoísta) que se manifesta como não-sentido na prática política; o desejo pode ser
conduzido pelo princípio de realidade da lógica da gramática de sentido do bem.
Tomando como exemplo o governo de Trump, o desejo deste não parece ser do homem
político egoísta na práxis individual. Já a práxis de Elon Musk apresenta um
forte teor de egoísmo despótico. Daí que dois déspotas um universal
governamental e o outro egoísta particular não conseguem habitar a mesma
prática política governamental. O desejo governamental de Trump parece se
orientar pela gramática de sentido do Bem para todos os americanos. Já Musk parte dos seus desejos econômico egoístas
feudais virtuais. Musk representa a anarquia de desejos na prática política
trumpista. Até quando? Significa o
não-sentido da prática política governamental; o aparelho de Estado é anarquia
fática e injustiça - quando funciona pelo princípio de prazer das práxis
individuais egoístas.
O mais-gozar é um fenômeno do Estado lacaniano
barroco/feudal. O mais-gozar da prática política do Estado barroco divide a
democracia feudal em forma de governo do dominante (EUA) e forma de governo do
dominado (China). Gozar com a riqueza nacional (Mehrlust) pode ser o aparelho
de Estado fiscal realizando o desejo do dominante ou do dominado. (Lacan. S.
16: 30,29; Bandeira da Silveira. 202: cap 12 e 23).
O mais-gozar é a dimensão do desejo fiscal do homem político na
prática política do Estado lacaniano fiscal barroco/feudal da atualidade. Na
prática política do aparelho de Estado barroco, o desejo barroco tem um duplo
sentido: fatalidade e liberdade:
“Ao mesmo tempo , ele [o barroco] empresta do classicismo sua
reflexão da fatalidade no quadro da história, visto como o polo oposto da
liberdade”. (Benjamin: 130).
Fatalidade e liberdade são as afecções que geram desejos
barrocos na prática política do Estado lacaniano fiscal. Na França, a Revolução
francesa e a Comuna de Paris são momentos da liberdade da prática política na
guerra civil entre dominante e dominado pelo mais-gozar. Nos EUA, a revolução
americana é um momento de liberdade. Esse passado foi esquecido como gramática
de sentido lógico da história. Os dois países passaram a viver a fatalidade da
causalidade do capital. As Américas latina e luso sempre viverem pelo desejo da
fatalidade [como mais-gozar] na prática política do Estado fiscal. Da prática política, o fatalismo determina o
agir da plurivocidade de práxis individuais do homem político e das massas.
Acaba funcionando como princípio de realidade, este como um poder coercitivo
das práxis individuais.
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Barroco, tela gramatical,
ensaios. EUA: amazon, 2022
BENJAMIN, Walter. Origine du drame baroque allemand. Paris:
Flammarion, 1985
DELEUZE ET GUATTARI, Gilles et Félix. L’Anti-Oedipe. Capitalisme
et schizophrénie. Paris: Minuit, 1972
ENGELS. Karl Marx e Friedrich Engels. Obras Escolhidas, v. 3.
Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. SP: Alfa-Omega, sem data
GRAMSCI, António. Quaderni del Carcere. v. 3. Torino:
Einaudi, 1977
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia. Entre facticidade e
validade. V. 1. RJ: Tempo Brasileiro, 1977
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ:
Zahar, 2008
MARX. Os Pensadores. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. SP:
Abril Cultural, 1974
POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. SP:
Martins Fontes, 1977
RAWLS, John. Uma Teoria da justiça. Brasília: UNB, 1981
SARTRE, Jean Paul. Critique de la raison dialectique. Paris:
Gallimard, 1985
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