quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

civilização, capital feudal- IA, Platão

 

José  Paulo

 

Com o colapso da civilização democrática dos oradores (sofistas e retóricos), Platão pensa a prática política de uma nova civilização:

“O furto dos bens não é civilizado, o roubo escancarado é vergonhoso; nem um nem outro dos filhos de Zeus os praticaram extraindo prazer na fraude ou na violência. Que ninguém portanto se deixe enganar com respeito a isso ou seja persuadido por poetas ou por quaisquer perversos criadores de mitos da crença segundo a qual furtar e roubar nada está fazendo de vergonhoso, mas simplesmente o que os próprios deuses fazem. Isso é tanto improvável quanto falso; e quem quer que assim agir ilegalmente não é em absoluto um deus e nem um filho de deus; e isso o legislador, como lhe cabe, conhece melhor do que todo o conjunto dos poetas”. (Platão. 2010: 473).

Os poetas criaram e recriaram a prática política mitológica. Esta vangloria o roubo no Estado, a fraude; ela é um modo de ser psíquico do falso perverso. O legislador é a fratura com tal prática política falsa perversa, ele é o início e o motor da civilização do homem normal:

“Deste modo, se alguém for condenado por furto de qualquer item do patrimônio público numa corte, sendo ou estrangeiro domiciliado ou escravo, a corte decidirá que punição ele deverá sofrer ou qual a multa que deverá pagar. Mas, no caso de um cidadão, que recebeu a formação que devia receber – se for condenado por roubar e violentar sua pátria, tenha sido apanhado em flagrante ou não, será punido com a morte, como sendo praticamente incurável”. (Platão. 2010: 473-474).

A Paidéia ((Jaeger; 1986) faz do cidadão um modo de ser psíquico civilizado, isto é, sendo o contrário do falso perverso. Como a pólemos (a guerra entre povos e Estados) é um fato natural da vida dos povos da antiguidade, Platão se põe e repõe o problema da gramática de sentido da vida militar - como significante da cadeia de significantes que tem na <anarquia> o seu modo de ser psíquico falso perverso:

“A organização militar é tema de muita consulta e de muitas leis apropriadas. O fundamento principal é o seguinte: que ninguém, homem ou mulher, jamais seja deixado sem controle e que nem possa alguém, seja por ocasião do trabalho, seja nos momentos de diversão, devotar-se ao hábito mental de agir por si só e por sua própria iniciativa, devendo viver sempre, tanto na guerra quanto na paz, com seus olhos fixados constantemente no comandante e seguindo sua liderança; e deveria ser guiado por ele mesmo nos detalhes mais ínfimos de suas ações, por exemplo, deter-se por uma palavra e comando, marchar executar exercícios, lavar-se e comer, despertar à noite para montar a guarda ou levar uma mensagem, e em momentos de perigo aguardar o sinal do comandante de perseguir ou dar retirada diante do inimigo; e, numa palavra, ele deverá instruir sua alma pelo hábito de evitar qualquer pensamento ou ideia de fazer qualquer coisa separado do resto de sua companhia, de modo que a vida de todos deverá ser vivida em conjunto e em comum; pois não há e nunca haverá nenhuma regra superior a essa, ou melhor ou mais eficiente para garantir a segurança e a vitória na guerra. Este hábito de comandar e ser comandado por outros tem que ser praticado pacificamente desde a mais tenra infância; porém a anarquia precisará ser inteiramente eliminada das vidas de toda a humanidade, e inclusive das vidas dos animais que estrão submetidos ao ser humano”. (Platão. 2010: 474).   

O comandante é a metonímia da gramática da civilização que se deve reconhecer e seguir para evitar a anarquia militar; o falso perverso segue, em geral, a sgrammaticatura, a anarquia. (Gramsci. 1977: 2341, 2343).   

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 VIVE-SE a época da estrutura de dominação das relações técnicas de produção cibernética, do capital cibernético no ocaso dele. Em poucos anos a estrutura de dominação das relações técnicas de produção da <inteligência artificial> inaugurará uma nova época - como capital-IA.

Espera-se uma revolução verdadeira no campo das ideologias, gramáticas, gosto instituições, na sociedade e no Estado. A IA proverá os povos de gramáticas de sentido hoje inimagináveis e de modos de ser psíquicos virgens. Isso é a utopia retórica do capital feudal-IA.

As relações técnicas de produção epocal IA desenharão o campo das relações internacionais a partir da grande potência territorial IA. Países proprietários das relações técnicas de produção do capital IA ocuparão, em uma hierarquia quase militar, o lugar de hegemonia/dominação na vida planetária. O subdesenvolvimento será redesenhado pelo desenvolvimento desigual e combinado daqueles proprietários do capital IA e os dependentes dessas relações técnicas de produção. O que é, então, a revolução do capital-IA?

É uma revolução nas relações técnicas de produção que criara e recriará, então, novas gramáticas de sentido para os povos na medida em que a IA se torne o espaço do último laço social da verdade do capital feudal IA. A propósito, o capital-IA tomará o lugar do discurso científico do homem e, portanto, assim, a universidade terá que se reorganizar a partir da ciência política ultramaterialista do capital_IA.

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Haverá uma profunda transformação na prática política da grande potência do capital feudal-IA? Um poder tutelar desse capital sobre a prática política da grande potência é um fenômeno possível? Platão fala de um poder tutelar da nova civilização da antiguidade:

“Falemos dos reparadores que examinarão a gestão dos diversos magistrados (...). Quem terá competência par como reparador relativamente aos magistrados em tela? (...) não é de modo algum fácil encontrar um magistrado dos magistrados, que a todos suprem em virtude, mas de qualquer modo é preciso tentar descobrir alguns reparadores de uma qualidade divina”. (Platão. 2010: 478).

O capital feudal da IA aparece como o reparador-IA com qualidade divina e ele abole o problema humano da virtude como necessidade do governo dos homes e máquinas:

“Ora, no que se refere à preservação ou à desintegração e o desaparecimento de uma Constituição política, o cargo de reparador representa um tal fator crítico, e dos mais sérios, pois se aqueles que atuam como reparadores dos magistrados são melhores homens do que eles, e se agem irrepreensivelmente mediante justiça irrepreensível, então todo o Estado e território florescem e são felizes; mas se a reparação dos magistrados é realizada de maneira diversa, então o elo de justiça que congrega todos os elementos políticos de uma unidade é desintegrado, e consequentemente as magistraturas se rompem entre si, deixando de se dirigir ´para a mesma meta, e assim, de um Estado eles fazem muitos eo tornando palco de conflitos de facções rapidamente o conduzem ao colapso”. (Platão. 2010: 478).

Ora, o campo político não desaparece como prática política na grande potência do capital feudal-IA. Isso de desparecer é uma ilusão de futuro. O poder tutelar do capital em tala aparece como uma estrutura de dominação do Estado territorial; este também não desaparece. A crise consiste em fazer do Estado territorial muitos Estados com propriedade privada de facções políticas feudais/mafiosas:

“A crise catastrófica é àquela da foraclusão da estrutura de dominação do hegemonikon do campo político. a curto prazo e da cultura política nacional/popular democrática a longo prazo; a crise se atualiza com a classe dominante mafiosa em aliança com classes médias mafiosas pós-modernas querendo governar somente pela tela gramatical do aparelho de Estado/legislação penal: dominação puro sangue”. Bandeira da Silveira. 2024: 418).

 O poder tutelar feudal/mafioso-IA elimina o hegemonikon, ou eu ´político da classe política do homem, na prática política em geral. O capital feudal-IA poderá vir a criar uma crise do conceito de prática política em geral:

“Os fenômenos monstruosos abririam as comportas sujas do mundo para a existência de uma realidade heteróclita, que fascina os mass medea e políticos”. (Bandeira da Silveira. 2024: 418).

A relação entre o poder do capital feudal-IA e a prática política será regulada, articulada e funcionará pela gramática de uma autonomia relativa entre elas?

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Na civilização democrática em colapso, a guerra civil gramatical ideológica entre os sofistas/retóricos e Sócrates, aqueles aparecem como proprietários privados da gramática de sentido da prática política da velha civilização:

“Eis que não apenas Sócrates os condenava a serem consequentes, mas ainda a pesarem as suas contradições e a calarem-se. quando todas as saídas estivessem fechadas. Parecia-lhes que isto era u atentado à liberdade. Num sentido, não é falso, se meditarmos no juízo de Fénelon: na cidade ruidosa de Atenas, sofistas e retóricos formavam o groso do grupo d oradores; se era preciso arranjar um emprego, ganhar uma causa, estabelecer laços matrimoniais, tinha de se passar por intermédio dos metres da palavra e nada de importante se fazia sem recorrer aos peritos da gramática> (Philonenko: 64).

A anarquia na prática política e na polis parecia irrevogável:

“Por um lado, pode acontecer que a desordem econômica e política da Cidade, esgotada pela guerra do Peloponeso e que, por outro lado, o gosto inato ático pela <conversa> em geral, ao juntarem-se, tenham criado esta situação que não imaginamos sem esforço. O que há de comum aos sofistas e retóricos, é que se vangloriavam de obterem nestas coisas um bom resultado por meio de um salário elevado – salário que aumentou com os seus êxitos e os <professores. Já eram altamente pagos. De facto, foi perante esta anarquia que Sócrates se elevou, cuja acção contra o sindicato dos oradores todos julgam conhecer a razão. Seguido, pouco a pouco, por alguns discípulos zelosos, pregando uma moral simples e verdadeira, teria sabido, mesmo ao servir-se dos seus próprios métodos, derrotar ricos oradores, habituados a triunfarem perante as multidões, perdendo, ao mesmo tempo, a simpatia dos concidadãos e, o que contava ainda mais, dinheiro, que Sócrates desprezava, Diz-se que dinheiro não deita cheiro; porém muitas vezes engendra vinganças que deitam. Os “memoráveis de Xenofonte que seguiu, quando muito jovem (e demasiado jovem) a acção reflectida de Sócrates, informa-nos sobre um certo número de factos deste género”. (Philonenko: 64-65).   

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O declínio do império inglês do capital liberal faz pendant com o novo mercantilismo europeu do final do século XIX e início do século XX. Os fascistas e Gramsci viram nascer aí o Estado mercantilista integral. Este se define por polos contraditórios, ele é hegemonia com a couraça de coerção: Estado e sociedade; ditadura e hegemonia; aparelho de coerção e aparelhos de hegemonia; governo como Estado em sentido estreito e Estado integral; Estado como aparelho de poder e como organizador do consentimento; dominação e direção. (Buci-Glucksmann: 114).

A civilização é um fenômeno que contém as várias gramáticas de Estado, e não só a gramática do Estado mercantilista europeu:

“Será isto a que se chama uma civilização? Sem dúvida , e tal como todos sabem, uma civilização é composta quer de doçura, quer de regras de justiça, que visam castigar e punir os delinquentes. (Philonenko: 90).

A civilização é princípio de prazer e princípio de realidade [coerção, repressão] com o aparelho de Estado penal. (Platão. 1989: 155). É baseada na afecção vaidade que cria e recria a economia do Estado lacaniano que cria e recria a cidade obra-de-arte, o luxo, o capital capitalista do modo de produção especificamente capitalista, cria e recria as relações técnicas de produção do capital feudal-IA. Como o capital feudal-IA, o problema que se põe e repõe hoje é o da direção do Estado e da sociedade, da dominação e hegemonia. O capital feudal-IA criaria uma classe dirigente que seria o efeito da gramática civilizatória combinada do princípio de prazer com o princípio de realidade? O filósofo-rei/IA substituiria o homem puramente político como classe dirigente?

Gadamer:

“En voyant en tel homme celui qui serait le plus apte à diriger les affaires publiques. Platon dévoile du même coup quelle séduction est inhérente à l’exercice du pouvoir: ne vouloir que soi-même”. (Gadamer: 68).

O exercício do poder da época do capital feudal_IA pode ser realizado por um filósofo-rei/IA?. Ou por <guardiões>/IA?

Gadamer:

L’éducation des gardiens a pour tâche d’immuniser contre cette séduction. Ici s’indique le point médien visé par Platon: comme la Cité doit-elle être organiséé en ce qui concerne l’exerice du pouvoir souverais, a fin que celui soit exercé comme une function et non convoité comme une opportunité de satisfaire ses propres interérêts”.

Como poder soberano, os guardiões do capital feudal/IA eliminariam a corrupção do homem político no exercício do poder. Utopia?

Gadamer:

‘En d’autres termes: c’est loin d’être là un jugement seulement négatif sur la relation de la <philosophie> et de la politique, et l’on peut à bom droit reconnaître dans l’exigence platonicienne l’instituition de la moderne function publique et de son ideal du fonctionnaire incorruptible”. (Gadamer: 69).

O capital feudal/IA é a promessa de criar uma burocracia pública/IA [de guardiões weberianos] incorruptível?

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O capital feudal/IA aparece como poder tutelar da classe política dos guardiões weberianos. Esse poder tutelar põe e repõe o problema da liberdade do homem do novo fascismo mundial. Um caso é o problema da liberdade de Bolsonaro; esta exige o direito do mais forte à anarquia no subgoverno e na subpolítica; o direito da miais forte à anarquia requer a foraclusão do aparelho de Estado como justiça penal. (Kelsen: 158-159). Trata-se de uma concepção política de mundo do poder de governar apropriado para países subdesenvolvidos. A relação da liberdade bolsonarista com o capital feudal/IA pode ser adiantada agora?

O capital feudal/IA agiria estruturando a plurivocidade de gramática do mundo; O logos/IA requer que na grande potência a liberdade fascista esteja sob o poder tutelar do capital feudal/IA como governo planetário. Assim, o subdesenvolvimento terá estruturas de dominação distinta dos países desenvolvidos. A gramática do Bem comum do capita feudal l/IA torna a anarquia fascista um fenômeno arcaico. Todavia, a prática política do capital feudal em tela gramatical do bem perbólica, um teatro do mundo político como perversão verdadeira:

“et la place <hiyperbolique> du bien (...) pour signaler la philosophie comme celui qui voit le beau lui-même, loin de confondre pêle-mêle avec les nombreuses choses belles qui en <participent> (...)’. (Gadamer: 90).

Uma filosofia do capital feudal/IA se construirá fora do campo estético da época que fará a subsunção do mercantilismo do capital cibernético. A relação entre o Estado territorial e o capital feudal-IA de governo põe o problema do Estado como aparelho de Estado da violência organizada por uma gramática de sentido do bem. Platão:

‘Chegou mesmo a ocasionalmente admitir que o verdadeiro Estado só poderia ser erigido com o emprego da violência – ou seja, pela via de uma ditadura. É ademais, na Constituição desse Estado, concentra uma tal gama de poder no governo, que este só pode ser o de um monarca, o que, no contexto efetivo da Grécia, só poderia ser o de um ditador, de um tirano”. (Kelsen: 155).

O governo tirânico é parte do Estado como ditadura; esta tem como movimento inercial se expandir até desintegrar a democracia. Assim as força e práticas democráticas vivem uma guerra civil aberta ou não para manter o Estado como integral;

“Afinal, nas repetidas vezes em que diz que o verdadeiro Estado tem de ser governado pelos filósofos e que o <poder político e a filosofia devem se tornar uma única coisa>, a filosofia que Platão tem em mente é apenas a sua própria, e nenhuma outra. Os filósofos que devem conduzir o governo no Estado virtual/ideal são formados exclusivamente na filosofia platônica do Bem, somente possível através da doutrina platônica das ideias”. (Kelsen: 162).  

A filosofia do capital feudal/IA é a do filósofo-rei, o Estado do capital feudal/IA aparece como a última versão do Estado de Platão na história da espécie humana - na época da soberania do capital feudal/IA de governo mundial.     

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Ciência política materialista. EUA: amazon, 2024

BUCI-GLUCKSMANN, Christine. Gramsci et l’État. Paris: Fayard, 1975

GADAMER, Hans-Georg. L’idée du bien comme enjeu platônico-aristotélicien. Paris: J. Vrin, 1994

GRAMSCI. António. Quaderni del Carcere. v. 3. Torino: Einaudi, 1977

JAEGER, Werner. Paidéia. Brasília: UNB, 1986

KELSEN, Hans. A ilusão da justiça. SP: Martins Fontes, 1995

PHILONENKO, Alexis. Lições platónicas. Lisboa: Instituto Piaget, 1997

PLATÃO. Górgias. RJ: Bertrand Brasil, 1989

PLATÃO. AS LEIS. SP: EDIPRO, 2010

 

  

  

 

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