quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

dialético, orador, tirano, filósofo

 

José Paulo

 

O significante perversão aparece em Freud tendo como referente a vida privada. Na Grécia, ele aparece em relação à forma de governo tirânico no campo político da cultura. Em geral, o homem ingênuo associa a dialética com a democracia constitucional e a retórica com a tirania. De Platão, o “Górgias” é sobre a oratória e retórica e suas relações com a dialética. A oratória é comparada ao poder do tirano, poder perverso, pois, a oratória pode ser usada pelo político para fazer o mal:

“Pol. Bem, entendo o que acabo de dizer: quem pode fazer, na cidade, o que bem parece, mandando executar, degradando e agindo em tudo segundo a opinião pessoal. (Platão. 1989: 89).

O poder tirânico é um poder pessoal que usa o aparelho de Estado pra praticar o mal. A oratória é um poder análogo ao poder tirânico do perverso?   

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Leo Strauss fala de Xénophon (um dialético) e seu tratado Hièron sobre a tirania. Leo aborda a relação da dialética com a forma de governo tirânica:

“Xénophon aurait tré bien pu expliquer, en trmes clairs, que la politique recommandée dans le Hiéron avait un caractère conditionnel, mais il risquant ainsi de donner l’impression qu’il n’étant pas absolument opposé à la tyrannie. Or, les <cités >, et Athènes tout spéciallement, étant absolument opposées à la tyrannie. En outre, l’une des accusations portées contre socrates était qu’il avait appris à ses disciples à être <tiranniques>. De telles raisons font comprendre pourquoi xénophon presenta ses réflexions sur l’amélioration do gouvernement tyranique – et donc sur la stabilization d’un tal gouvernement - (réflexion distinctes de celles portanto sur l’amélioration du gouvernement athénient) sous la forme d’um dialogue auquel il ne participe en aucune maniére”. (Strauss: 50).

“Soc. Como? Porque o maior dos males vem a ser praticar uma injustiça.

Pol. Esse é o maior! Não é maior o sofrer a injustiça. (Platão. 1989: 89).

“Pol. O quê? A felicidade consiste toda nisso?

Sóc. Pelo menos, na minha concepção Polo. Entendo ser feliz o homem, ou mulher, de boa formação moral; o mau, o iníquo, esse é infeliz.

Pol. Portanto, na tua concepção, o referido Arquelau é um coitado?

Sóc. Sim, meu amigo, se for injusto.

Pol. Ora, como não havia de ser injusto? Não lhe cabia nenhuma parcela de seu poder atual, filho que4 era duma simples escrava de Alceste, irmão de Perdicas. Por direito, ele era escravo de Alceste e, se quisesse cumprir seu justo dever, estaria servindo a Alceste, e seria feliz, e acordo com teus princípios.; ao invés, tornou-se assombrosamente infeliz, perpetrando o crimes mais hediondos: primeiro, mandou chamar esse mesmo seu amo e tio, como se tencionasse restituir-lhe o poder que Perdicas tomara; hospe3dou-o; embriagou-o, justamente com Alexandre, o filho, primo seu, mais ou menos da mesma idade; meteu-os numa carruagem, levou-os à noite para fora da cidade, degolou-os e sumiu com os dois. Cometidos esses crimes, não se deu conta de quão infeliz se tornara e n~~ao se arrependeu.; ao contrário, pouco tempo depois, em vez de educar, como era justiça, a seu irmão, filho legítimo de Perdicas, menino de cerca de sete anos de idade, a quem por direito cabia o trono, e restituir-lhe o poder, para ser feliz, lançou-o num poço, afogando-o, e disse à mãe dele, Cleópatra, que o menino morrera duma queda, quando perseguia um ganso. Como vês, por ter praticado na Macedônia os mais terríveis crimes, é o mais desventurado dos macedônios, ao invés de o mais feliz, e talvez não haja e Atenas, a começar por ti, quem não prefira ser um macedônio qualquer a ser Arquelau”. (Platão.1989; 92-93).

No renascimento, Maquiavel parece ter lido Platão?

Polo fala da grande ratazana perversa da antiguidade. Maquiavel imortalizou a grande ratazana perversa/cínica de uma leitura moderna da antiguidade:     

“Agátocles Siciliano tornou-se rei de Siracusa, sendo não só de impura mas também de condição abjeta. Filho de um oeiro, teve empre vida criminosa na sua mocidade. Acompanhava as suas maldades de tanto vigor de ânimo e de corpo que, ingressando na milícia, chegou a ser pretor de Siracusa, por força daquela maldade. Neste posto, deliberou tornar-se príncipe e manter, pela violência e sem favor aos outros, aquele poder que lhe fora concedido por acordo entre todos”.

“Acerca deste seu desígnio, entendeu-se com Amílcar, cartaginês, que estava com seus exércitos na Sicília, e, certa manhã reuniu o povo e o Senado de Siracusa, como se ele tivesse de consultá-lo sobre os negócios públicos. E a sinal combinado fez que seus soldados matassem todos os senadores e os homens mais ricos da cidade. Mortos estes, apoderou-se do governo daquela cidade e o conservou sem nenhuma hostilidade por parte dos cidadãos”. (Maquiavel. 1973: 41).

O tirano se guia pelo princípio de prazer e pelo princípio de realidade, seu agir se encontra além do bem e do mal. O prazer e a dor (ser objeto de injustiça) aparecem no espetáculo da tirania. O modo de ser psíquico sensível do tirano do ver e do ouvir serve como parâmetro da perversão cínica desse político:

“Mais les tyrans ne prennent guère part à ces spetacles, cari l n’est pas sûr pour eux d’aller là où ils ne seront pas plus forts que ls assistants. Et ce qu’ils possèdent che eux n’est pas suffisamment en sûreté pour qu’ils puissent le confier à d’autres et partir en voyage. Ils ont, en effet, à craindre à la fois d’être dépouillés du pouvoir et de se trouver impuissants à se venger de ceux qui auront commis l’injustice”. (Strauss: 11).     

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A retórica é um modo de ser político compatível com a forma de governo tirânica?

Strauss:

“14. Alors Simonide [poeta] lui dit: <Mais si, pour les spetacles, vous étes en d’infériorité, par l’ouie vous au moins l’avantage, puisque  la louange, le plus doux de sons, ne vous manque jamais. Tout votre entourage en effet loue tout ce que vous dites et tout ce que vous faites, au contraire, ce qu’il y a de plus pénible à entendre, á savoir l’injure, vous ne l’entendez jamais; car persone ne veut décrir un tyran en sa presence. (Strauss: 11).

Não é contra a natureza do retórico fazer a lisonja ao político, pois, a estrutura de dominação da oratória tem na lisonja um aspecto dominante:

“Sóc. Bem Górgias; parece-me se trata duma profissão não artística, mas própria de espírito certeiro, arrojado e por natureza hábil no entretenimento com as pessoas; ao seu gênero dou o nome de lisonjaria”.

“Soc. [...] a oratória é o simulacro dum ramo da política. (Platão. 1993: 78).

O modo de ser psíquico do retor é um simulacro de prática política.; o sofista está para legiferar e a oratória para judiciar. (Platão. 1993: 81). O sofista na práxis política cria e recria a Constituição; o orador é muito útil no tribunal e na produção de sentenças. Ambos são agentes políticos da estrutura de dominação do campo político conjuntural.     

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Sócrates não é de uma família aristocrática, como Platão. É uma platitude dizer que ele cria o indivíduo na democracia da multidão. Ele é um escultor que vende suas obras para o Estado. E ele, também, cria a filosofia como dialética. No entanto, a oposição à filosofia (incluindo os sofistas que trabalhavam para a politeia) tinha um caráter agônico no campo política da cultura:

“Esse texto exemplar permiti-nos perceber a ação de Sócrates e como é sentida. Desferia um golpe fatal aos oradores ao reduzi-los, pela dialética, ao silencio e neste silêncio desapossava-os, tal com os membros das outras corporações, do seu poder, no caso presente do discurso sobre a virtude. Era grave. Segundo Fénelon: <(...) tudo dependia do povo e o povo dependia dos oradores>. Sócrates minava, pois, o poder no qual Atenas assentava e os que se encontravam reduzidos por ele ao silêncio estavam descontentes, tanto que não compreendiam o método dialético, só vendo nele drogas psíquicas, encantações e toda uma bagagem de feitiçaria verbal. (Pholonenko: 63-64).

A filosofia é vista como uma tela verbal fetichista, e Sócrates é o perverso verdadeiro que cria e recria a filosofia como teatro do mundo da época trágica dos gregos. (Nietzsche; 1975):

“A ameaça desenvolvida no final da comparação – saber que, em qualquer outra cidade que não Atenas, de que era cidadão, Sócrates seria desmascarado ou tratado como um feiticeiro malévolo, ou seja, condenado à morte – dá a medida exata dos ódios que a pregação socrática suscitava: quem gosta de ser reduzido ao silencio? É evidente que havia aqui um erro grave. O universo onde cem vezes <perante as multidões se discorria sobre a virtude era, de fato, um mundo fechado e, em contrapartida, o silencio era a entrada para o universo infinito do pensamento. Porém, julga-se que Sócrates enfeitiçava os interlocutores, que o julgavam de má fé. Pelo menos num ponto, estavam corretos ao dizerem que substituía às ideias bem estabelecidas por dúvidas pouco tranquilas. Era esse um dos aspectos da ironia socrática. Quando eu disse um dia a um coveiro que os homens tinham a cabeça dura, não me respondeu, mas pegou num crânio que, com uma enxadada, despedaçou. Ao ler o que Platão diz de Sócrates, sempre pensei naquele coveiro. Muitas vezes sem dificuldade, Sócrates quebrava os crânios mais duros e substituía-lhes a pena com que se fazem as dúvidas”. (Philonenko: 64).   

Sócrates faz a crítica da prática política da democracia da multidão barroco dos sofistas. Sócrates inicia a época das luzes que em Aristóteles aparecerá em toda a sua marcha triunfal. 

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O indivíduo é um modo de ser psíquico da forma de governo tirânica no campo político do cesarismo?:

“23. (...) Quando a decomposição chegou ao apogeu, assim como aluta dos tiranos de todas as qualidades, vê-se sempre chegar o César, o tirano definitivo que vibra o golpe de misericórdia à luta enfraquecedora dos inimigos preponderantes fazendo trabalhar o cansaço em seu proveito.  Quando aparece o indivíduo em geral, é n momento de sua maturidade perfeita, estando a <cultura> por consequência no zênite da sua fecundidade; mas não é graças a ele, não é por via do tirano, se bem que as pessoas de cultura muito grande gostem de lisonjear o César, fazendo-o passar por obra sua (...) Sabe-se que o indivíduo, esse autêntico homem <em si>, pensa mais nas coisas do momento do que o seu antípoda, o homem do rebanho, porque não pensa contar mais consigo do que conta com o futuro; liga-se do mesmo modo aos tiranos, porque se julga capaz de ações e de investigações que não podem contar nem com a inteligência nem com o perdão da multidão uma vez que o tirano ou o César compreendem o direito do indivíduo, mesmo nas suas monstruosidades. (Nietzche. 1982: 73-74).

O modo de ser psíquico do sofista tem e Górgias seu apogeu:

“Cette unité du langage et de la logique faisant nécessairement de Gorgias un rhéteur au sens le plus noble du terme. Par la mise en évidence d’un aspect essentiel de as propre langue, il avait montré que la réa lité tout entière portait l’empreint d’un schème unique, la marque du caractere irréductible des antithèses”. (1993. V. 1: 281).

O campo político da cultura é dialético e materialista, considerando que a plurivocidade de gramática é o fenômeno mais verdadeiro do campo político da cultura:

En Effet, si la langage, de même que l’être et le connaître qui lui sont étroitement apparentés, est d’essence antithétique, l’antithese se révèle ainsi, une fois encore, être une catégorie universelle; cela signifie que, du fait même de ses contraditions formelles, expressions d’une contradiction métaphysique, le langage est [...] comme est [...] as puissance, en raison de l’irrésistible force de persuasion qu’ele peut exercer au Moyen du <leurre>. (Untersteinner: 282).

O orador tem consciência de que a tela gramatical narrativa contém o agir de fala estratégico do enganar, iludir, simular, dissimular e mentir para um auditório cosmopolita:

“As páginas precedentes mostram suficientemente que a variedade de auditórios é quase infinita e que, querendo adaptar-se a todas as suas particularidades, o orador vê-se confrontado com inumeráveis problemas. Talvez seja esta uma das razões pelas quais o que suscita acima de tudo o interesse é uma técnica argumentativa que se imporia a todos os auditórios indiferentemente ou, ao menos, a todos os auditórios compostos de homens competentes ou racionais”.

O auditório cosmopolita do filósofo faz a subsunção do auditório nacional como estrutura de dominação no campo político da cultura nacional internacionalizada, bloqueando a constituição de uma tela gramatical nacional/popular.  

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Sócrates é o indivíduo como princípio de corrupção da democracia constitucional da multidão. A gramática do Bem introduz um outro modo de ver a corrupção. O Bem como um é a unidade do campo em geral. Um outro discurso faz a subsunção da gramática do orador. A forma de governo que faz o bem para a polis se torna o paradigma da política:

“A relação com o gozo se acentua subitamente por essa função ainda virtual que se chama a função do desejo. É também por esta razão que articula como mais-gozar o que aqui aparece, e não o articula como um forçamento ou uma transgressão”. (Lacan. S. 17:18).

O mais-gozar é a mais-valia fiscal ou pública ou Mehrlust (Lacan. S. 16: 30) apropriada legitimamente pela classe dirigente do Estado lacaniano. (Bandeira da Silveira. 2022: caps 12, 13, 16). Qual campo de saber corresponde ao Estado lacaniano?

Lacan:

“Comecemos por distinguir o que chamarei, nesta ocasião, de as duas faces do saber – a face articulada e esse saber fazer, tão aparentado ao saber animal, mas que no escravo não está absolutamente desprovido desse aparelho que faz dele uma rede de linguagem das mais articuladas. Trata-se de perceber que isso, a segunda camada, o aparelho articulado, pode ser transmitido, o que quer dizer transmitido do bolso do escravo ao do senhor – se é que havia bolsos naquela época”.

“Está aí todo o esforço de deslindamento do que se chama episteme. É uma palavra engraçada, não sei se vocês alguma vez refletiram bem sobre ela – colocar-se em boa posição que permita que o saber se torne um saber de senhor. A função da episteme especificada como saber transmissível – remetam-se aos diálogos de Platão – é sempre tomada por inteiro das técnicas artesanais, quer dizer, dos servos. O que está em questão é extrair sua essência para que esse saber se torne um saber de senhor”. (Lacan. S. 17: 21).

A episteme faz pendant, sobretudo, com a forma de governo tirânica no campo político da cultura, esta entendida como plurivocidade de gramática. A prática política se define pelo uso que a classe dirigente faz do maia-gozar, se define em relação ao Estado lacaniano e não em relação à melhor forma de governo. Assim, um problema consiste em a classe dirigente dos sofistas:

“Platon, ici, pense surtout à la flatterie qi cautionne le puissance dans abus de pouvoir. Il n’est que de se souvenir de la rhétorique sophitique comme art de la flatterie dans le “Górgias”. On trouve bien quelque chose d’analogue dans la “Republique”, lorsque  la sagesse sofistique se voit comparée à l’art et la manière d’apprivoiser un monstre dangereux, et quand, lors de la description d’une jeune homme (qui ressemble fort à Alcebiade) dissuadé de se consagrer à la philosophie et perverti, il est question expressément de la flatterie, à savoir de la flatterie anticipatrice: [...]: flattant à l’avance sa puissance future”. (Gadamer 86-87.

“Platão, aqui, pensa sobretudo na bajulação que endossa o poder no abuso do poder. Basta lembrar a retórica sofística como arte da lisonja no “Górgias”. Encontramos algo análogo na “República”, quando a sabedoria sofística é comparada à arte e à maneira de domar um monstro perigoso, e quando, na descrição de um jovem (que se assemelha forte a Alcebíades) dissuadido de se dedicar à filosofia e pervertido, trata-se expressamente de uma bajulação, nomeadamente uma bajulação antecipatória: [...]: lisonja antecipada de seu poder futuro”. (Gadamer 86-87.

A classe dirigente do sofista é o falso perverso incapaz de transformar o Estado lacaniano em criador e recriador da cidade obra-de-arte como teatro do mundo político.

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Os gregos descobriram e inventaram o campo político da cultura, inclusive o paradigma do cesarismo com o indivíduo socrático. O conflito entre o filósofo e o sofista não é um antagonismo entre Estado e sociedade, e sim entre Estado e anarquia como concepção política de prática política:

“Sóc. Este homem não tolera que lhe façam o bem; não suporta o benefício de que estamos falando, a repressão”. (Platão. 1989: 155).

A prática política de Estado deve funcionar pelo princípio de realidade, isto é, pelo aparelho de Estado (filósofo) e não pelo princípio de prazer (Sofista). A prática política do sofista produz a multidão-criança, a multidão anárquica sem gramática de sentido no campo político:

“Sóc. Ótimo. E a oratória dirigida ao povo de Atenas, nas outras cidades, às assembleias de homens livres? que pensar dela? No teu sentir, quando os oradores discursam, têm sempre em mira o maior bem, visam a tornar melhores os concidadãos por efeito de suas arengas, ou eles igualmente são movidos pelo desejo de agradar aos concidadãos, com menoscabo do bem comum em benefício de seu interesse pessoal, e falam ao povo como a crianças, procurando apenas agradar-lhe, sem lhes importar se, em consequência, ele fica melhor ou pior? (Platão. 1989: 150-151).

Na gramática de sentido de Platão:

“O detentor da ciência política encontra-se acima das leis escritas( como a lege absoluta potesta de Jean Bodin)”.

“Ele pode se servir da violência”.

“todas as Constituições políticas existentes imitam mais ou menos fielmente a única verdadeira Constituição”. (Niieschke-Hentschke:68):

“Para se proteger do arbitrário, tem-se que confiar as decisões políticas a uma assembleia que, por uma deliberação em comum faz com que pareça bom uma lei escrita, pois, ela obriga aos magistrados a respeitarem meticulosamente estas leis. E todos aqueles que não obedecem são proscritos como os sofistas “. (Idem: 72).

Assim, Platão define a prática política do sofista como anarquia. Outrossim, a classe dirigente deve portar um saber político fático, pois, a prática política não é inteiramente constitucionalizável devido sua essência perversa verdadeira.

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A prática política deve julgar legitimamente seus chefes de Estado? Se ela é regida pe3lo princípio de prazer da gramática retórica, pela sublógica da anarquia, ela não julgará seus chefes políticos. Se ela é regida pelo princípio de realidade de fazer o Bem, pela gramática dialética, ela os julgará:

“Jamais pode um chefe de estado ser injustiçado pelo Estado mesmo que ele chefia. É provável que os pretensos estadistas estejam no mesmo caso dos pretensos sábios. Com efeito, os sofistas, sábios no mais, cometem, sem embargo, uma inépcia absurda; apregoam-se mestres da virtude, mas não raro acusam os disci8pulos de agravá-los, negando9-lhes o pagamento e qualquer gratidão pelos benefícios que deles receberam; haverá sem razão maior que essa queixa? Homens tornados bons e justos, com a injustiça extirpada pelo mestre e de posse da justiça, haviam de delinquir por obra dum vicio que já não tem? Não achas isso absurdo, meu amigo? (Platão. 1989: 179).

A dialética da prática política do bem não serve para o tribunal, como a oratória do sofista:

“Sóc. Dos atenienses, creio, sou um dos poucos, para não dizer o único, a cultivar a verdadeira arte da política, a praticá-la hoje em dia, o único; como jamais falo com o propósito de lisonjear, senão sempre tendo em vista o maior bem em vez do maior prazer, nem estou disposto à prática das tais agudezas a que me aconselhas, não saberei o que dizer no tribunal. Acode-me a mesma imagem que descrevi a Polo; eu serei julgado como seria, entre crianças, um médico acusado por um cozinheiro. Examina, com efeito, que alegaria em sua defesa tal homem perante juízes, se o acusassem dizendo: ‘Meninos, esse homem vos tem causado males; ele vos deforma, sem poupar sequer os mais novos dentre vós, com suas incisões e cautérios; emagrecendo-os e sufocando-vos, ele vos desarvora, dando-vos a tisanas mais amargas e forçando-os a passar fome e sede, não como eu, que vos regalava com tantas iguarias saborosas e variadas’. Que imaginas havia de dizer um médico em tais apuros? Suponhamos dissesse, acaso, a verdade: ‘Meninos, eu fazia todas essas coisas visando á vossa saúde’, imaginas a grita que ergueriam semelhantes juízos? Seria medonhas, não seria? ”. Platão. 1989: 183-184).

Na atualidade, como aparece a gramática d capital feudal virtual de Estado? Ele faz é a gramática de sentido do bem do Estado territorial nacional? Ou ele é um fenômeno falso perverso da retórica da anarquia mundial? a anarquia aparece como uma máquina de guerra retórica do poder do capital feudal virtual. Entramos em uma outra época para além da pós-modernidade do globalismo liberal da lógica do simulacro de simulação do Estado fazer o bem para os países, para os povos:

“O Estado feudal da atualidade requer uma discussão da relação entre a imagem textualizada da atualidade e o campo do pressuposto saber moderno. Por exemplo. A crítica da modernidade de Marx ainda é o paradigma do pressuposto saber para se conhecer a atualidade? Marx parte de algo além da autonomia relativa das esferas: economia, política, cultura. A cultura e a política são englobadas na ideia de Forma ideológica. (Marx. Pensadores: 136). Hegel fala da cultura reflexiva (Hegel. 1955: v. 2: 29) que não oculta a realidade e não é produção de ilusão. Com o Estado hegeliano no campo político/estético, a política não precisa ser agente de produção de ilusão. O Estado pode ser um fenômeno de manifestações da verdade de uma época”. (Bandeira da Silveira. Julho/2024. 76).

Como falar da época atual sem ser o futuro de uma ilusão?:

“No Brasil, nos EUA, na Argentina, a relação da CPL [comunidade psíquica linguística) do rico com o Estado lacaniano da mais-valia fiscal pública define a época atual. Há a gramática de sentido privatista feudal do rico, que quer uma ditadura feudal dos direitos materiais do dominante e zero de direitos materiais do dominado na distribuição da mais-valia feudal fiscal. Assim, o campo político é uma estrutura de dominação gramatical do rico, uma ditadura plutocrática, cujo modelo de maior potentia perversa é os EUA”. (Bandeira da Silveira. Novembro/2024: 204).

Em 2025, Donald Trump aparece como essa potentia perversa (falsa ou verdadeira?) que anuncia uma ditadura mercantilista/colonialista pura.  

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Barroco, tela gramatical, ensaios. EUA: amazon, 2022

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Fernando Pessoa. EUA; amazon, Julho/2024

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Fernando Pessoa, civilização ou barbárie. EUA: amazon, Novembro/2024

GADAMER, Hans-Georg. L’idée du Bien comme enjeu platônico-aristotélicien. Paris: J. Vrin, 1994

LACAN, Jacques. Le Séminaire. Livre 17. L’envers de la psychanalyse. Paris: Seuil, 1991

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008  

MAQUIAVEL. Os Pensadores. O Príncipe. SP: Abrl Cultural, 1973

NESCHKE-HENTSCHKE, Ada. Platonisme politique et théorie du droit naturel. Paris: Editions Peeters, 1995

NIETZSCHE. La philosophie à l’époque tragique des grecs. Paris: Gallimard, 1975

NIETZSCHE. La gai savoir. Paris: Gallimard, 1982

PHILONENKO, Alexis. Lições platónicas. Lisboa: instituto Piaget, 1997

PERELMAN ET PLBRECHTS-TYTECA, Chaim et Lucie. Traite de l’argumentation. Bruxeles: Editions de l’Universite de Bruxeles, 1988

LATÃO. Górgias. RJ: Bertrand Brasil, 1989

STRAUSS, Leo. De la tyrannie. Paris. Gallimard, 1997

 UNTERSTEINER, Mario. Les sophistes. Tome 1. Paris: J. Vrin. 1993   

    

 

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