JOSE PAULO
Harold Bloom estabeleceu a gramática de sentido freudiano da
peça “Como gostais”. A universidade americana leu a peça pela interpretação de
gênero (feminismo) ou de poder político (marxismo).. Hoje, pode-se estudar a
gramática de sentido lacaniana de Shakespeare?
Rosalinda é a protagonista da peça. Há o gozo dela? O gozo
dela é o gozo do Outro, na medida em que a voz de Shakespeare é a voz de
Rosalinda? (Bloom: 287). Há uma gramática de sentido do palco fazendo laço
social entre o imaginário e o simbólico? A gramática de sentido de Rosalinda é
feminista? Ou gramática de sentido do Estado barroco?
O gozo do grande Outro ou Deus mortal aparece como gozo do
Estado barroco, ou Deus territorial? O gozo do real do Texto é “o mundo é um
palco”, real na boca de Jacques sobre a versão dramática das Sete idades do
Homem? (Bloom: 274). Assim, a concepção política de mundo de Jacques o inscreve
na comunidade psíquica de significante-do perverso?
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O texto começa com Orlando, não com Rosalinda. O significante
desse início é a educação de cavalheiro de Orlando. Essa educação é aquela da
sociedade de corte do classicismo do Estado monárquico francês renascentista. A
gramática de sentido do Estado representa a Lei do Grande Outro como Deus
mortal. Em um contraste dito pelo
narrador, Orlando tem sua própria gramática espontânea. Assim, o mundo de
Orlando aparece como da comunidade psíquica de significante (CPS) de perverso:
“L’acte transgressive ne saurait être alors que de <fair
ela loi> à son tour”. (Juranville: 261).
Bem! Gramsci tem uma definição do mundo feito por norma culta
da gramática e por gramáticas espontâneas:
“Si potrebbe schizzare un quadro della <grammatica
normativa> che opere spontaneamente in ogni società data, in quanto questa
tende a unificarsi sia como território, sai come território, sia come cultura, cioè
in quanto vi esiste un ceto dirigente la cui funzione sia riconosciuta e
seguita”.
“Il numero delle <grammatiche spontanee o immanenti> è
incalcolabile e teoricamente si può dire che ognuno ha una sua grammatica”.
(Gramsci. 1997: 2343).
Todo homem tem sua gramática de sentido, todo homem tem sua
essência gramatical perversa. (Lacan. S. 23: 149, 133). A educação é uma
afecção. (Aristoteles: 109). Ela faz a passagem do mundo da perversão
gramsciano para o mundo do nó RSI (Real. Simbólico, imaginário), mundo da
história da civilização política em um contraponto à barbárie, que é o mundo da
CPSp no comando da vida em geral: dominação da CPSp sobre as outras CPSs:
Ato Primeiro. Cena primeira: Jardim da casa de Olivério.
Entram Orlando e Adão.
“Orlando. – Segundo me recordo, Adão, passou-se deste modo:
deixou-me em testamento só umas mil coroas e, como dissestes, encarregou meu
irmão, sob pena de maldição, de educar-me bem. Foi aí que começaram minhas
desditas. Mantém na escola meu irmão Jaques e a opinião pública doura o
aproveitamento que ele demonstra. Quanto ao que me toca, conserva-me em casa
como se fora um rústico, ou para falar exatamente, sou mantido em casa sem
receber educação. Poderia ser chamada educação para um cavalheiro de minha
estirpe, aquela que não difere do tratamento que recebe um boi?”. (Shakespeare:
503).
O texto começa pondo em antagonismo recíproco o mundo da CPSp
(Orlando) e o mundo da Comunidade psíquica de significante Estado monárquico,
ou grande Outro mortal, o Estado territorial como Deus mortal.
(Hobbes:109-110).
Harold Bloom destaca a fala de Jacques (gramático da norma
culta do Estado) como sendo o centro gravitacional da tela verbal narrativa
“Como gostais”:
“O mundo é um palco, os homens e mulheres, meros artistas,
que entram e saem. Muitos papéis cada um tem no seu tempo; seus atos, sete
idade. (Bloom; 274).
O mundo tem a gramática de sentido do palco, do teatro. Qual
mundo? a realidade do campo político, aí sim, já barroco. O Grande Outro é
simulacros de dissimulação. (Gracián: 29). Bem! o Estado barroco luso é
exportado para o Brasil colonial:
“O barroco em Portugal, escreve Jaime Cortesão, foi ‘mais do
que alhures, um estilo de império. [...] E é no Brasil que o barroco de origem
e importação portuguesa, se tornou por definição o estilo dum Estado
colonizador e absolutista, e, por consequência, o mais apropriado a exprimir em
arte, por todos os ilusionismos duma força e grandeza sem limites, o domínio da
Coroa sobre os seus vassalos’”. (Martins: 409).
O ser do Brasil é barroco; temos o grande Outro da CPSp
determinando, articulando, organizando a sociedade civil e o Estado
brasileiros. Daí a investigação sobre o Barroco brasileiro ter se tornado um
ponto estratégico da nossa cultura. No Brasil, o Estado colonial nasce barroco.
(Faoro: 84). A CPs-perverso barroco tem no padre António Vieira o seu hegemonikón
ou eu político estoico do campo político colonial. Os “Sermões do Rosário” põe
a Mãe de Deus como o significante perverso [em relação ao sujeito/criança
brasileiro] do discurso do maître colonial (Vieira; 2015).
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A essência é o ser real (Lefebvre: 216) no campo dialético da
civilização política:
“A <expressão>, não devemos esquecê-lo, ao mesmo tempo,
implica e dissimula, oculta e revela, traduz e trai o que ela expressa!”
‘A aparência e o fenômeno são, simultaneamente, um momento da
essência (a essência em uma de suas determinações, em uma de suas relações) e
um momento da reflexão. A essência aparece na <aparência>; e é aí que
nossa reflexão busca e a encontra. É em e pela pesquisa da essência que nossa
reflexão se torna interior à coisa”. (Lefebvre: 217).
A civilização política faz da coisa um momento da reflexão na
comunidade psíquica de significante- do filósofo dialético (CPSfd). A percepção
da civilização é idêntica à da CPS-fd:
“A coisa difere da aparência; e, com relação à aparência, a
coisa, é em sim mesma diferença, negação contradição. Ela não é a aparência,
mas sua negação”. (Lefebvre; 2190.
Há a coisa (o grande Outro real), isto é, o capital como
relação técnica e relação social da profundidade da superfície do Outro real.
Este é a negação do grande Outro simbólico que é o Estado, a priori. Na
filosofia lacaniana, a relação entre o capital e o Estado é de reciprocidade antagonista,
do Estado como negação da negação do capital. Assim, se estabelece a relação
entre a mais-valia econômica da sociedade do capital e a mais-valia pública
fiscal do Estado.
Como afecção na prática política, a educação é o Outro
simbólico da tradição como Outro real, como essência da superfície tela verbal
da CPS-Estado:
Olivério. – Sabeis onde estais, senhor?
Orlando. – Oh! Perfeitamente, meu senhor! Estou em vosso
jardim.
Olivério. – Sabeis diante de quem, senhor?
Orlando. – Sim, melhor do que aquele diante de cuja presença
eu estou. Sei que sois meu irmão mais velho e se escutássemos o que há de
honrado em vosso sangue, saberíeis quem seja eu. O costume das nações admite
que sejais superior a mim, pelo fato de serdes o primogênito; mas a mesma
tradição, não pode tirar os direitos vinculados ao meu sangue, mesmo que
existissem vinte irmãos entre nós dois. Tenho em mim tanto do meu pai quanto de
vós, se bem que, deva confessar, tendo vindo ao mundo antes de mim, deveríeis
respeitar mais ainda sua nobreza”. (Shakespeare: 504).
Ora, a tradição monárquica do direito natural é o
significante que emerge do real como tradição na civilização política das
nações. A reflexão sobre a essência e superfície superficial cabe bem no campo
político barroco brasileiro, onde a tradição real e a manifestação desse real
fazem das aparências de semblância (Arendt: 31) um campo em superfície de
identidade absoluto como ser e expressão da CPS-perversão. O que é essa
gramática de sentido da família real?
É conhecido o fato de que o rei criou uma nobreza artificial,
por doação de títulos de nobreza. (Carvalho: 238). Gilberto Freyre diz:
“ E todos esses novos valores foram tornando-se as insígnias
de mando de uma nova aristocracia: a dos sobrados. De uma nova nobreza: a dos
doutores e bacharéis talvez mais do que a dos negociantes ou industriais. de
uma nova casta: a de senhores de escravos e mesmo de terras, excessivamente
sofisticados para tolerarem a vida rural na sua pureza”. (Freyre: 574).
O grande Outro real
brasileiro é a relação técnica e social de produção escravista do discurso
político do senhor aristocrático de uma CPS- nobre artificial. Não emerge do
real da tradição do sangue a aristocracia brasileira barroca. Daí, a discussão
do barroco tropical ser tão necessária para nós. Afrânio Coutinho é o mais
autorizado estudioso do barroco luso tropical. Infelizmente, ele ignorava o
laço social entre o padre António Vieira e o barroco como o ser perverso ou
essência da civilização política. (Coutinho:182-189). Assim, o caminho para a
essência ou real da CPS-p encontra-se ainda por ser aberto no campo político da
tela verbal narrativa do barroco brasileiro.
O ser barroco perverso revela a história da política e da sociedade do
rico do regime de 1988.
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Olivério tem uma gramática de sentido da corte que combina o
agir estratégico com retórica de afeto do homem nobre. O discurso político
estratégico [mentir, enganar, iludir, falsear a verdade etc.] faz pendant com a
retórica estoica de um aristocrata de sentimentos e lógica de altos valores de
moralidade pública - aristocrática. Ele conspira pela morte de Orlando – no
combate deste com Carlos- e, ao mesmo tempo, faz declarações de um amor fraternal
falso perverso inapagavelmente cínico/verdadeiro, real:
“Olivério. – Carlos, agradeço-te o afeto que me mostras e
ainda verás que não sou ingrato. Eu mesmo já tivera notícia do propósito de meu
irmão e furtivamente fiz o impossível para dissuadi-lo. Tudo inútil, pois está
mais do que decidido. Posso dizer-te, Carlos... É o mais cabeçudo dos jovens de
França: cheio de ambição, rival invejoso das boas qualidades dos outros,
conspirador secreto e pérfido contra mim, seu próprio irmão. De sorte que age
como quiseres. Tanto me faz que lhes quebres o pescoço quanto um dedo. E seria
bom que estivesses prevenido, pois, se somente lhe infligires uma pequena
afronta, ou se não se cobrir de glórias a tuas custas, ensaiará contra ti o
veneno, fará com que caias em alguma traiçoeira cilada e não te abandonará até
que haja tirado a vida de uma ou outra maneira; pois posso garantir-te, e quase
com lágrimas estou falando, não existe no mundo, no momento presente, alguém
tão jovem e tão vil. Falo dele fraternalmente, mas se tivera que fazer-lhe a
anatomia para ti, tal como é, seria obrigado a ruborizar-me e a chorar. Tu
empalidecerias e ficarias assombrado”. (Shakespeare: 506).
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A família real luso-brasileira é uma pequena comunidade
psíquica de significante perverso, real, verdadeiro. Os barões brasileiros
constituem uma CPS- de falso perverso, prática política cínica, virtual em
relação ao território familial real. Os barões são falso perverso de Lacan, o
Joyce falso perverso do Seminário 23. O campo político de 1988 criou e recriou
um falso perverso baronato territorial. Esse baronato controla a Cãmara de
deputados de Brasília. Ele é falso perverso, pois, o normal desse baronato é
não teatralizar sobre o controle da mais-valia pública do Orçamento nacional. A
classe política falsa perversa tem como afecção auri sacra fames, afecção que
orienta a prática política cínica/parlamentar. O parlamento é uma falsa CPS- do
perverso. D Pedro II era conhecido como um rei res publicano, por sua gramática
de sentido teatral barroca res publicano. A classe política- 1988 é um ersatz
de D. Pedro II, mas como falso perverso.
O grande Outro real do capital escravista da monarquia é a
comunidade psíquica de significante perverso, assim como a mercadoria é
fetiche. A relação da profundidade escravista com a superfície da política
consiste em ter uma família real não simpática ao escravismo. O baronato
escravista era o reflexo do grande Outro real do capital escravista. O grande
outro real do campo político-1988 é o capital subdesenvolvido feudal. Ele tem
uma vontade de poder de gozo de deter o monopólio da mais-valia pública,
fiscal. Tal ser perverso é o fundamento de uma ditadura feudal cínica do
dominante subdesenvolvido, ou “sistema” subdesenvolvido.
O grande Outro real do Ocidente foi observado por Luciano
Canfora:
“Voltemos ao Ocidente. A constatação realista que geralmente
se faz – o fato de ser quase idêntica a política dos governos que se alternam e
das facções parlamentares que se contrapõem nos países ocidentais – é a mais
eficaz demonstração de predominância dos fatores ‘extra’ parlamentares
(oligarquias econômicas) sobre os argumentos e sobre os protagonistas
político-parlamentares. Podemos pensar na desestruturação do <Estado
social>, considerada atualmente como um problema prioritário na Itália,
tanto pela centro-direita quanto pela centro-esquerda – agora que, com o
término da rivalidade ‘de sistema’ em relação ao Leste ‘socialista real’, o
<Estado social> aparece como um peso obstrutivo e insustentável”. (Canfora:
61).
A Itália caminha para ter um ser perverso no campo político
europeu com o grande Outro do capital subdesenvolvido? Ela não aparece mais na
disputa por se tornar uma grande potência mundial na segunda metade do século
21. Os fascistas no poder são o reflexo do ser perverso do capital
subdesenvolvido. Como a Alemanha parece caminhar para o campo político do ser
perverso do capital subdesenvolvido, os nazistas se apresentam como alternativa
ao poder político alemão,
O campo político europeu passa por uma transformação do
moderno para o pós-moderno:
“No passado, as elites dominantes dedicavam-se a exercer seu
domínio por meio de instituições representativas: em primeiro lugar, pelo
parlamento. contemporaneamente à difusão do sufrágio universal, porém,
verificaram-se dos fenômenos: de um lado, o nascimento dos partidos moderados de
massa (importantes para a manutenção dos equilíbrios sociais mesmo na presença
do tão longamente negado sufrágio universal); de outro, o deslocamento
progressivo dos locais de decisão para fora dos parlamentos. Este segundo
processo tem uma longa história, e, decerto, nas décadas mais próximas de nós,
tem celebrado os seus triunfos. As decisões cruciais sobre a política econômica
provêm dos organismos técnicos e do poder financeiro, enquanto os parlamentares
debatem a ‘fecundação assistida...”
“Naturalmente, a
competência dos grandes banqueiros é indiscutível. É possível até que eles se
imaginem como a moderna encarnação dos reis-filósofos platônicos. Permanece o
fato de que a progressiva e irreversível translatio imperii rumo a sedes não
eletivas, mas técnicas, é um fenômeno tão central que não pode ser ocultado por
detrás da retórica da clara universalidade do mecanismo
eletivo-representativo”. (Canfora: 71-72).
Na Itália, no Brasil, nos EUA. A comunidade psíquica de
significante do rico detém o poder político fático e jurídico, virtual e
territorial no campo político dessa época pós-modernista. É possível governar
sem a verdade da representação moderna, com uma soberania popular que é a
expressão do ser perverso do grande Outro real do capital do rico? Governar
apenas com o aparelho de Estado:
“O aparelho de Estado é coerção violenta, mas coerção regida
por uma tela gramatical/legislação penal. Essa pode existir como poder – ou
cesarista/tirânico, ou oligárquico, ou democrático”. (Bandeira da Silveira.
2024: 415).
O aparelho de Estado funciona também na distribuição da
mais-valia publica para a comunidade psíquica de significante dominante ou
dominado. O ser perverso do grande Outro real do capital subdesenvolvido parece
se movimentar para criar um campo político de retórica democrática e realidade
realmente existente entre um poder cesarista, em alguns países, e em outros um
poder oligárquico, ou seja do capital do rico, unilateralmente.
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Um pouco mais de cânfora:
“Por outro lado, continua o autor, defender que na atualidade
as máfias representam, para todos os efeitos, um componente funcional do
capitalismo, implica que as mesmas têm a capacidade de desempenhar um papel ‘de
estruturas de intermediação ideal com o capitalismo em nome do Estado, de um
modo não totalmente novo, embora certamente em grande parte reinventado’. Armao
estuda longamente aquilo que ele denomina ‘as fases da integração mafiosa no
sistema estatal’. Poderíamos acrescentar que sua investigação implica também
uma certa reflexão no âmbito da ciência política , considerando-se que,
sobretudo na última década, tem sido insistentemente repetido, e por várias
fontes, que o capitalismo é o ingrediente básico e o próprio pressuposto da
‘democracia parlamentar’ moderna. Esse é um estudo pioneiro que nos ajuda a
compreender por que o aparato estatal (não apenas na Itália) pode até conseguir
derrotar o terrorismo, enquanto conduz, principalmente no plano do verbiage
retórico-jornalístico, aquele que á comumente definida como ‘a luta contra a
máfia’”. (Canfora: 83-84).
Canfora faz a interpretação da política mafiosa ainda pelos
olhos das formas ideológicas do século XX. Como gramática de sentido, a máfia:
“Na democracia pós-moderna, um partido mafioso da meia-noite
da superfície profunda do Ocidente se constitui como vontade política de poder desintegrar
a democracia, se aproveitando do ocaso dessa forma de tela gramatical
pós-moderna. A nova moderna democracia se choca com o poder pós-moderno
mafioso. Daí surge a crise catastrófica entre pós-modernidade
cesarista/tirânica e a nova modernidade democrática.”
[...]
“A crise catastrófica é aquela da foraclusão da estrutura de
dominação do hegemonikon do campo político a curto prazo e da cultura política
nacional/popular democrática a longo prazo; a crise se atualiza com a classe
dominante mafiosa em aliança com classes médias mafiosas pós-modernas querendo
governar somente pela tela gramatical do aparelho de Estado/legislação penal:
dominação puro sangue”.
“Os fenômenos monstruosos abriram as comportas sujas do mundo
para a existência de uma realidade heteróclita, que fascina os mass media e
políticos”. (Bandeira da Silveira. 2024: 418).
7
Quem é o Pai? Quem é o Soberano? Quem é o Homem?
Cena II: Relvado diante do palácio do duque.
Entram Rosalinda e Célia
Célia. – Por favor, minha encantadora prima Rosalinda,
mostra-te alegre.
Rosalinda. – Queria Célia, manifesto mais alegria do que sou
possuidora. Queres que seja ainda mais alegre? A não ser que me ensines a
esquecer um pai exilado, não deves ensinar-me como recordar qualquer prazer
ordinário.
Célia. – De onde concluo que não me amas com toda a força com
que te amo. Se meu tio, teu desterrado pai, tivesse banido teu tio, o duque meu
pai, contanto que permanecesses sempre a meu lado, teria habituado meu coração
a contemplar teu pai como meu. Tu farias o mesmo, se teu amor por mim fosse tão
sincero e tão lealmente temperado quanto o meu por ti.
Rosalinda. – Está bem; esquecerei a condição de meu estado
para regozijar-me no teu.
Célia. – Bem sabes que eu sou o único filho de meu pai, nem
há possibilidade que ele venha a ter jamais outro; e assim, quando ele morrer,
a herdeira serás tu, pois, o que ele tirou à força de teu pai, eu devolverei
por afeição. Por minha honra, cumprirei minha palavra e, se algum dia quebrar
este juramento, quero ser transformada em monstro. Portanto, minha doce Rosa,
minha querida Rosa, mostra-te alegre”. (Shakespeare: 507).
O Eros platônico é uma afecção da comunidade psíquica de
significante do perverso. Rosa e Célia são dessa CPSp aristocrática? Quem é o
pai dessa CPLSp? O pai real ou o pai soberano; o pai que é o homem, já sabemos,
que o Homem pertence a CPS do perverso, por sua essência. O campo político
barroco do homem tem essência como o ser real perverso. O duplo corpo do Pai é
o duplo corpo do rei, duplo corpo do soberano? A gramática de sentido do pai
soberano existe na superfície clássica do campo político em uma relação de
autonomia relativa com a superfície reprofundo do Grande Pai [grande Outro
real} ou essência do barroco?
”Le concepte juridique des Deux Corps du Roi ne peut, pour
d’autres raisons, être séparé de Shakespeare. Car si cette curieuse image, qui
a disparu pour ainsi dire complètement de la pensé politique moderne, a encore
un sens tré humane et réel aujourd’hui, c’est en grande partie dû à
Shakespeare. C’est lui qui a rendu éternelle cette métaphore. Il en a fait non
seulement le symbole, mais la substance et l’essence mêmes d’une de ses plus
grandes pièces: La Tragédie du roi Ricardo II est la tragédie des Deux Corps du
Roi”. (Kantorowicz:36-37).
A gramática de sentido do duplo corpo do rei é cópula do
campo de produção de imagens com o Grande Outro, campo simbólico. (Lacan. S.
23: 117). O grande Outro real barroco emerge no campo político como soberano e
pai simbólico. Assim, Célia expressa a gramática de sentido barroca do campo
político real europeu.
8
Rosalinda é banida pelo tio, o rei:
“Duque Frederico. – Sim minha sobrinha, e se dentro de dez
dias fordes encontrada a uma distância de vinte milhas de nossa corte, sereis
condenada à morte”.
A filha do Duque, Célia, prima de Rosalinda, resolve fugir
com a banida:
“Rosalinda. – Mas, para onde iremos?
Célia. – Vamos procurar meu tio na Floresta das Ardenas.
Rosalinda. – Aí! Que perigo para nós que somos donzelas,
viajar para distância tão longe” A beleza provoca mais depressa os ladrões do
que o ouro”. (Shakespeare: 514-515).
Rosalinda teme ser violada sexualmente por homens da estrada.
A relação entre a jovem bela aristocrata e o homem do povo assaltante de
estrada remete para a comunidade psíquica de significante-gênero. Portanto, as
feministas tinham razões para fazer de “Como gostais” um teatro sobre o gênero:
“Célia. – Vestirei roupas humildes e pobres e escurecerei meu
rosto com uma espécie de pintura escura; faze tu o outro tanto e poderemos
andar ao abrigo de quaisquer assaltantes.
Rosalinda. – Não seria
melhor, sendo eu de altura maior do que a comum, que me vestisse exatamente
como um homem? Com um flamante cutelo preso em minha coxa, uma partazana na
mão, sejam quais forem os temores femininos que se escondam em meu coração,
adotaremos um aspecto fanfarrão e marcial, como muitos outros covardes com ar
viril que se impõem pela aparência”.
Essência e aparência são as duas superfícies do campo
político monárquico clássico/barroco da filosofia barroca shakespeareana. A
essência perversa e a aparência de homem normal, de um fanfarrão marcial. Um
bufão patife?
Célia. – E como te chamarei quando fores homem?
Rosalinda. – Não tenho pior nome do que o do próprio pajem de
Júpiter e, portanto, procura chamar-me de Ganimedes. Mas, que nome usarás?
Célia. – Um nome relacionado com minha situação. Já não me
chamo Célia, porém, Aliena. {Aliena de alien-nada, de estrangeiro, alheia,
exilada].
Rosalinda. – Mas vejamos, prima: se procurássemos levar
conosco disfarçadamente o bufão da corte e teu pai? Não seria uma distração
para nossa viagem?
Célia. – Ele me seguiria por todo o mundo. deixa-me o cuidado
de seduzi-lo sozinha, partamos, apanhando nossas joias e nosso dinheiro.
Determinaremos o momento mais propício e o caminho mais seguro, para que
possamos escapar das buscas que serão
feitas depois de minha evasão. E, agora, vamos embora contentes para a
liberdade e não para o exílio! (Saem). (Shakespeare: 515-516).
O teatro de sedução de Rosalinda se apresentando como homem na
estrada e na Floresta é a dramaturgia do perverso, pois, Célia seduz o bobo da
corte. Célia põe o desejo dela da ética da liberdade de seu verdadeiro desejo perverso
com Ganimedes contra o desejo do rei de gozar com o corpo de todos os súditos.
Desejo perverso que define o homem soberano. Sem a CPS-p não haveria teatro na
Europa.
9
Há razões para refletir sobre a relação entre poder real e
sedução no campo político das gramáticas. Há a tela gramatical narrativa
moderna do poder real e a tela de gosto pós-moderna da sedução:
“O feminino não é justamente nem ordem da equivalência, nem
ordem do valor: é, portanto, insolúvel no poder. Não é nem mesmo subversivo, é
reversível. O poder, ao contrário, é solúvel na reversibilidade do feminino. Se
então não é possível decidir com <fatos> quem, masculino ou feminino,
dominou o outro ao longo dos séculos (ainda uma vez, a tese da opressão do
feminino repousa sobre um mito falocrático caricatural), é claro que também em
matéria de sexualidade a forma reversível prevalece sobre a forma linear. A
forma excluída prevalece em segredo sobre a forma dominante. A forma
<sedutiva> prevalece sobre a forma produtiva”. (Baudrillard. 1991: 23).
Observem que o feminino e o masculino atualizam gramáticas de
sentido da essência e aparências de semblância das formas lógicas de governo: a
primeira territorial e a segunda virtual:
“àquilo que faz com que o mundo seja mundo, a uma gramática
imperiosa do ser, a núcleos de sentido indecomponíveis, redes de propriedades
inseparáveis. As essências são este sentido intrínseco, estas necessidades de
princípio, seja qual for a realidade em que se misturem e se confundem (sem
que, aliás, suas implicações deixem de fazer-se valer), único ser legítimo ou
autêntico que tem a pretensão e direito a ser, e que é afirmativo por si
próprio, já que é o sistema de tudo o que é possível para o olhar de um
espectador puro, traçado ou desenho daquilo que, em todos os níveis, é alguma
coisa – alguma coisa em geral, ou alguma coisa material, ou alguma coisa
espiritual , ou alguma coisa viva”. (Merleau-Ponty: 107-108).
Há gramáticas de sentido ou do poder real ou da sedução como
dos aspectos da lógica das formas dialéticas do campo político de telas moderna
e pós-moderna:
“A lei da sedução é primeiro a de uma troca ritual
ininterrupta, de um lance maior onde os jogos nunca são feitos, de quem seduz e
de quem é seduzido e, em virtude disso, a linha divisória que definiria a
vitória de um e a derrota de outro é ilegível – e não há outro limite para esse
desafio ao outro de ser ainda mais seduzido ou a amar mais do que eu amo senão
a morte. Ao passo que o sexual tem um fim próximo e banal: o gozo, forma
imediata da finalização do desejo”. (Baudrillard. 1991: 29).
10
O problema consiste em definir o perverso verdadeiro e o
falso perverso?
Baudrillard:
“Que tudo seja produzido, que tudo se leia, que tudo advenha
ao real, ao visível e ao algarismo da eficácia, que tudo seja transcrito em
relações de força, em sistemas de conceitos ou em energia computável, que tudo
seja dito, acumulado, arrolado, recenseado; assim é o sexo no pornô, mas esse é
geralmente o empreendimento de toda a nossa cultura, cuja obscenidade é a
condição natural; cultura do mostrador, da demonstração, da monstruosidade”.
(Baudrillard. 1991: 43-44).
Na filosofia lacaniana, o discurso perverso da produção é o
discurso da burocracia de Marx, forma lógica de governo ditadura marxista:
“É singular ver uma doutrina tal como a de Marx, que
instaurou sua articulação sobre a função da luta, da luta de classes, não
impediu que dela nascesse aquilo que agora é justamente o problema que se
apresenta a todos, a saber, a manutenção de um discurso do senhor”.
“O que ocupa ali o lugar que provisoriamente chamaremos de
dominante é isto, S2, que especifica por ser, não saber-de-tudo, não chegamos
aí, mas tudo saber. Entendam o que se afirma por não ser nada mais do que
saber, e que se chama, na linguagem corrente, burocracia” (Lacan. S.17: 33-34).
Lacan fala da gramática de sentido do discurso político da
produção de Marx, gramática que acaba por ser aquela da tirania do século XX:
URSS (Strauss:38). A ditadura da URSS é um ser verdadeiramente perverso como
seria o pornô de Baudrillard?
Sloterdjik:
“O meio ambiente em que se desenvolveu o cinismo da nova
época se encontra tanto na cultura urbana como na esfera da corte. Ambas são a
matriz de um realismo malvado do qual os homens aprendem o mordaz sorriso de
uma imoralidade aberta. Tanto em um caso como em outro, em cabeças cosmopolitas
e inteligentes se vai acumulando um saber mundano que se move elegantemente
entre fatos nus e fachadas convencionais. Desde o mais baixo, isto é, desde a inteligência
urbana e desclassificada, e desde o mais alto, desde os cumes da consciência
política, chegam sinais ao pensamento formal, sinais que dão testemunho de uma
radical ironização da ética e das conveniências sociais; algo assim como se as
leis gerais só existissem para os tontos, enquanto que os lábios da serpente se
esboça esse sorriso fatalmente
inteligente. Dito de uma maneira mais exata, são os poderosos os que riem,
enquanto que os plebeus quínicos deixam ouvir uma gargalhada satírica. No amplo
espaço de saber cínico os extremos se tocam:Eulenspiegel se encontra com
Richelieu, Maquiavel com o sobrinho de Rameau, os ruidosos condottieri do
Renascimento com os elegantes cínicos do rococó; empresários sem escrúpulos com
pasotas desiludionados, escaldados estrategas do sistema com objetores sem
ideiais”. (Sloterdijk: 32-33).
O filosofo alemão fala da CPS-do cínico como falso perverso
em um contraponto ao perverso verdadeiro do mundo como teatro da gramática de
sentido - dos fenômenos políticos como aparências de semblância? Ora! De seu texto é possível deduzir que a lógica
é aquela do campo político clássico/barroco do saber das CPSs? A lógica pode
ser da CPS: neurótico, perverso, psicótico?
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O Segundo Ato fala da relação entre paisagem e corte:
“Duque. – Então, meus camaradas e irmãos de exílio, o hábito
antigo não torna esta vida mais agradável do que a pompa inútil? Estes bosques
não se encontram mais livres de perigo do que a invejosa corte? [...]. E assim,
nossa vida atual isenta da perseguição das multidões, acha oradores nas
arvores, livros nos arroios murmurejantes, sermões nas pedras e o bem em todas
as coisas. Não quereis trocá-la? (Shakespeare: 516).
É como se a paisagem possuísse uma gramática de sentido
distante da gramática de sentido teatral, da biblioteca real, da sociedade de
corte:
“É Dante que nos dá as
primeiras provas da impressão profunda que pode causar a vista de uma bela
paisagem, de uma paisagem grandiosa. Não pinta apenas, de maneira viva e
nalguns traços, o despertar da natureza na manhã com a luz trémula que cintila
ao longe sobre o mar docemente agitado, a tempestade na floresta etc., mas
trepa também às altas montanhas com o único objetivo de disputar uma bela vista
e abarcar um horizonte vasto”. (Burckhardt: 229).
A Floresta introduz Jacques:
“Duque. – E se fôssemos caçar? Entretanto, fico penalizado
vendo esses inocentes mosqueados, burgueses nativos desta cidade selvagem,
ficarem ensanguentados na terra que lhes pertence, vítimas de nossas flexas que
lhes penetram nas ancas arredondadas.
Primeiro nobre. – Em verdade, meu senhor, isso também aflige
o melancólico Jacques e jura que, por esta circunstância, sois mais usurpador
do que vosso irmão, que vos desterrou”.
O duque tirano exilado é o representante da CPS-da corte do
perverso na paisagem, Jacques é o melancólico, possui essa afecção da ira
contra a tirania perversa. Ele que tem uma concepção política de que o mundo é
um teatro, um mundo criado pelo homem perverso verdadeiro:
“Primeiro nobre. [...]. Alguns instantes depois, um rebanho
descuidado e farto de pastagem, soltou perto dele, sem mesmo parar para
saudá-lo. ‘Sim’, disse Jacques, ‘afastai-vos cidadãos gordos e bem nutridos; é
assim que faz o mundo. Por que havíeis de perder tempo em olhar para este pobre
arruinado sem forças’? Desse modo, prosseguiu perfurando com suas invectivas os
costumes do campo, da vila, da corte e ainda da própria vida que levamos,
jurando que somos vulgares usurpadores, tiranos e o que é pior, que nós
trouxemos o terror e a morte para o seio dos animais no próprio lugar que a
Natureza lhes designou para moradia”. (Shakespeare: 517).
Um tambor ecológico do bobo melancólico Jacques ecoa na
filosofia shakespeareana?
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