José Paulo
Marx e Engels partiram da crítica do pressuposto saber
europeu. Este tinha no Espírito hegeliano [como razão que governa o mundo] o
fenômeno dominante da gramática de sentido da civilização universal racional. A filosofia da história de Hegel era
hegemônica na cultura europeia? Para Marx e Engels, ela era o aparelho de
hegemonia do Estado moderno, e, portanto, o ponto de partida do campo de
conhecimento da história:
“O único pensamento que a filosofia aporta é a contemplação
da história; é a simples ideia de que a razão governa o mundo, e que, portanto,
a história universal é também um processo racional”. (Hegel.1995: 17).
A foraclusão do aparelho de hegemonia de Estado hegeliano é
uma realidade do livro “A ideologia alemã”, que só foi publicado no século XX.
Aí Marx e Engels criam e recriam um outro conceito de História moderna:
“A sociedade civil abarca todo o intercâmbio material dos
indivíduos em uma determinada fase de desenvolvimento das relações técnicas de
produção (forças produtivas). Abarca toda a vida comercial e industrial de uma
fase e, neste sentido, transcende os limites do Estado e da nação, se bem, por
outro lado, tem necessariamente que fazer-se valer ao exterior como
nacionalidade e, vista face ao interior, como Estado. O termo sociedade civil
apareceu no século XVIII, quando já as relações de propriedade se haviam
livrado dos marcos da comunidade antiga e medieval. A sociedade civil enquanto
tal só se desenvolve com a burguesia; sem embargo, a organização social que se
desenvolve diretamente baseando-se na produção e no intercambio, e que forma em
todas as épocas a base do Estado e de toda outra suprstrutura idealista, se tem
designado sempre, invariavelmente, com o mesmo nome”. (Marx e Engels. 1974:
38).
Antes de Marx e Engels, a história é aquela das
superestruturas idealistas:
“este mínimo pressuporá sempre, necessariamente, a atividade
da produção. Portanto, o primeiro em toda concepção histórica, é observar este
fato fundamental em toda sua significação e em todo seu alcance e pôr, este
fato, no lugar que o corresponde. Coisa que os alemães, como se sabe, não o
fizeram, razão pelo qual a história jamais tem possuído na Alemanha um base
territorial nem, por conseguinte, tem existido nunca aqui um historiador. Os
franceses e os ingleses, ainda quando conceberam de um modo extraordinariamente
unilateral o ponto de bifurcação deste fato com a chamada história, antes de
tudo enquanto estavam prisioneiros da ideologia política, fizeram, sem embargo,
os primeiros intentos encaminhados a dar à historiografia uma base
materialista, ao escrever as primeiras histórias da sociedade civil, do
comércio e da indústria”. (Marx e Engels. 1974: 28).
Os autores contrapõem a história das formas ideológicas
[história idealista] à história das formas econômicas, isto é, história
materialista. De um lado, a gramática de sentido idealista da história e, de
outro lado, a gramática de sentido materialista da história. Lenin diz que a
história é a luta do partido idealista com o partido materialista em filosofia.
(Lenin: 266-267). Marx e Engels trazem esta luta para o campo de historiografia
grega da Antiguidade. (Tucídides; 1986).
2
A história do Estado é história idealista da ideologia; porém,
ela pode ser a história materialista do Espírito, se este é uma tela gramatical
da língua alemã:
“L’ intitule géné ral Constituition recouvre une théorie de
l’Etat. Elle commence par poser que l’Etat est pour ainsi dire l1esprit de la
loi”. (Tamaniaux: 57).
Discípulo de Hegel, Marx cria o conceito de tela gramatical
narrativa da sociedade, do capital da modernidade europeia. Em Hegel, o Estado
é grande Outro simbólico, o Deus mortal. (Hobbes: 109-110). O capital é o
grande Outro real da formação social nacional:
“C’est ici que s’entrevoit, dans le tissu même de la trame
lourde, la lumière de la toile plus légére [...]. Si en effet le leucteur
allemand devait hausser les épaules de
façon pharisaïque à propos de l’état du travailleur anglais, de la terre ou de
l’industrie, alors, on l’a vu, <il me
faut lui crier: De te fabula narratur! [ Sur toi c’est ici rapporté!]>.
(Faye: 150).
A transição do antigo e do feudal é aquela da gramática de
sentido da proprietária comunitária, propriedade pública, para a propriedade
privada do capital capitalista: De te fabula narratur! A tela gramatical do
capital capitalista exige uma outra gramática de sentido comunitária. Esta é a
gramática de sentido da comunidade psíquica de significante perversão. O professor Eugène Enriquez fala do capital
como CPS perversa, na medida que a mercadoria funciona como fetiche lógico e
não como sintoma de um discurso do capitalista. (Enriquez:260).
Com grande Outro do real, das relações técnica de produção e
sociedade de classes sociais, o capital é o real como essência da comunidade
psíquica de significante do perverso da história da sociedade civil, da
história da gramática de sentido da propriedade privada [do capital] que
foraclui a propriedade comunitária, isto é, o Estado como comunidade ilusória, comunidade
dos jogos de caligrafia ideológicos - como protagonista da história da
civilização universal.
3
O capital capitalista é o real que transforma o Estado
lacaniano (Bandeira da Silveira. 2022a:capts 12, 13) em Estado burguês ou
Estado liberal mínimo. Estado como aparelho de Estado e poder de Estado (Balibar:
94) do dominante, do capital europeu. Este Estado fiscal é uma ditadura do
capital no que diz respeito ao monopólio da mais-valia pública, dinheiro fiscal,
pelo próprio liberalismo do capital. Rigorosamente, não há democracia europeia
no século XIX, pois, o dominado não participa da distribuição da mais-valia
fiscal da economia pública. O Estado liberal não é um Estado democrático, do
ângulo da democracia econômica. A “democracia liberal” é um fenômeno monstruoso,
um xifópago, pois serve à ditadura econômica do capital liberal. O Estado
liberal aparece como uma comunidade psíquica de significante perverso, por ser
o Estado ideológico de propriedade do grande Outro perverso, real. O Estado
liberal é o comitê do capital capitalista. Tal gramática de sentido é, também, a
cópula do imaginário com o simbólico. (Lacan. S. 23: 117 ). E o fato Estado
liberal?
Lacan:
‘O que é um fato? É justamente ele quem o faz. Só há fato
pelo fato de o falasser o dizer. Não há outros fatos senão aqueles que o
falasser reconhece como tais dizendo-os. Só há fato pelo artifício. E é um fato
que ele mente, isto é, que ele instaura falsos fatos e os reconhce , porque tem
mentalidade, isto é, amor-próprio. (Lacan. S. 23: 63-64).
No mundo do capital capitalista, O falasser é a tela verbal
narrativa – do campo político - que diz que o Estado liberal é uma democracia.
Essa mentira alimenta o campo de ideologias, principalmente, dos países
subdesenvolvidos. O Estado lacaniano é a materialidade do mais-de-gozar,
Mehrlust (Lacan. S. 16: 30), que na ciência política materialista e filosofia
lacaniana do século XXI se transforma em mais-valia publica, dinheiro fiscal da
economia pública.
4
O Estado liberal inglês se tornou o gramático proprietário
econômico da mais-valia fiscal. A história desse efeito é a constituição de uma
ditadura materialista do capital inglês. A gramática de sentido do materialismo do capital é o partido
materialista da sociedade civil burguesa. Um hegemonikon (Elorduy: 26) ou eu
político estoico do capital é a estrutura de dominação liberal/representativa
no campo da civilização universal europeia. A gramática de sentido do capital é
civilização inglesa ou barbárie:
“D’autre part, il y avait le Matérialisme, ce produit
essentiellement anglais, engouement des primaires de la première moitié du XIX
siècle, de la philosophie du journalisme liberal, des reunions de masse et des
écrivains marxistes et socio-étiques qi se prenaient pour des penseus et des
oracles.”
“Son ideal étai L’UTILITÉ et rien que l’utilité. Tout ce qui
était utile à <humanité> constituait un legitime él´rement de l aculture,
ÉTAIT, en fait, lA culture. Le reste était luxe, superstition ou barbare”.
(Spengler: 27).
5
Hannah Arendt usa a noção de campo político. (Arendt. 1988:
72). Com Marx, Engels e Hegel há o campo da história da civilização política
universal. Koyré fala do conceito de campo:
Rappelons enfin que l’entité fondamentale de la Science
contemporaine, le <champ>, est quelque chose qui possède lieu, extension,
pénétrabilit´et insécavbilité...”. (Koyré: 165).
O conceito materialista de campo da história é composto por
tela gramatical narrativa, tela ideológica, tela técnica, aparelho de Estado,
mais-valia econômica e mais-valia pública ou mais-de-gozar.
Hegel fala da tela plástica da vida de Sócrates como obra de
arte. (Hegel. 1955:47). O livro “O 18 do Brumário de Luís Bonaparte” aplica no
campo histórico francês a ideia de Hegel de tela plástica e de tela de juízo:
“Pois bem, nos sofistas, o indivíduo mesmo era sua própria e
última satisfação. Ao cocá-los todo em tela de juízo, o ponto fixo, para eles,
era este: “O que me traço como fim é meu prazer, mina vaidade, minha fama,
minha honra, minha subjetividade específica”. (Hegel. 1955: 27).
A tela gramatical do general intellect encontra-se em
Habermas:
“Nos estudos preliminares à “Crítica da economia política”
encontra-se uma versão, segundo a qual a história da espéci humana está
comprometida com uma conversão automática de ciência natural e relação técnica
de produção em uma autoconsciência do sujeito social (general intellect) que
controla o processo da vida material”. (Habermas. 1982: 64).
Koyré fala da tela gramatical metafísica:
“Ainsi, sans l’action constante de <principes actifs>,
c’est-à-dire, en dernière Analyse, sans l’action constante dans le monde du
Dieu Omnhiprésent le monde ne saurait demeurer dans l’être. Aussi Newton
poursuit [...] et c’est l’action de ces
príncipes ou, plus exactement, l’action de Dieu par le Moyen de ces príncipes,
qui donne au monde son ordre et as structure, lesquels nous permettent de nous
apercevoir que ce monde est le résuktat d’un choix, et non du hasard ou de la
necessite. C’est ainsi que la philosophie naturelle – du moins la bonne,
c’est-à-dire celle de Newton et non celle de Descarte – se transcende et
conduit á Dieu”. (Koyré: 261-262).
O campo histórico/político tem na forma de governo
presidencialista sua tela verbal narrativa metafísica:
“A Assembleia Nacional eleita está em relação metafísica com
a nação ao passo que o presidente eleito está em relação pessoal com ela. A
Assembleia Nacional exibe realmente, em seus representantes individuais, os
múltiplos aspectos do espírito nacional, enquanto que no presidente esse
espírito nacional encontra a sua encarnação. Em comparação com a Assembleia,
ele possui uma espécie de direito divino; é o presidente pela graça do povo”.
(Marx. 1974: 346).
6
Koyré fala do grande Outro da filosofia de Newton, mais uma
vez:
“ – que la philosophie naturelle, ou tout au moins la sienne,
conduit5 nécessairement non pas à nier, mais à afirmer l’existence de Dieu et
son action dans le monde. [...]. D’autre parte, il afirme, bien entendu, que la
structure efetive du monde (c’est-à-dire du système solar) est le résultat
d’une choix conscient et inteligente”. (Koyré: 268-269).
O enunciado de Newton é uma concepção política de mundo
deísta? Deslocando a proposição para o campo histórico/político, o campo é um
efeito de uma tela metafísica inteligente e com consciência. Dou u exemplo
brasileiro.
O campo político brasileiro liberal/pombalino do Brasil
Independente é um efeito da tela metafísica narrativa que se atualiza na
biografia plástica de D Pedro I. O campo bonapartista de Napoleão III é um
efeito da tela do presidencialismo metafísico do0 grande Outro falso perverso
que se atualiza em Luís Bonaparte:
“Victor Hugo limita-se à invectiva mordaz e sutil contra o
responsável pelo golpe de Estado. O acontecimento propriamente dito aparece em
sua obra como um raio caído de um céu azul. Vê nele apenas o ato de força de um
indivíduo. Não percebe que engrandece, ao invés de diminuir, esse indivíduo,
atribuindo-lhe um poder pessoal de3 iniciativa sem paralelo na história do
mundo. Proudhon, por sua vez, procura representar o golpe de Estado como o
resultado como o resultado de um desenvolvimento histórico anterior.
Inadvertidamente, porém, sua construção histórica do golpe de Estado
transforma-se em uma apologia histórica do seu autor. Cai, assim, no erro dos
nossos historiadores pretensamente objetivos. Eu, ao contrário, demonstro como
a luta de classes na França criou circunstâncias e condições que possibilitaram
a uma personagem medíocre e grotesca desempenhar um papel de herói” . (Marx.
1974: 331).
O bonapartismo é o perverso verdadeiro, pois, faz do campo
político um teatro movido pelo poder de um texto real e autêntico, que os
franceses gramaticalizaram como tragédia do Segundo Império. Rosa
Luxemburgo fala da relação do perverso Napoleão III com o grande Outro perverso
do real, o capital francês liberal/mercantilista se constrói contra própria
burguesia:
“Na França, os tratados que inauguraram o livre-cambismo
pelas cláusulas preferenciais foram concluídos por Napoleão III sem a compacta
maioria protecionista do parlamento, formada por industriais e agrários; até
mesmo contra ela. O caminho dos tratados de comércio foi empreendido pelo
Go9verno do Segundo Império como um recurso, e foi aceito pela Inglaterra, para
ignorar a oposição regulamentar francesa e impor internacionalmente o
livre-cambismo à revelia da corporação legislativa. O primeiro tratado básico
entre França e Inglaterra foi uma grande surpresa para a opinião pública
francesa. O antigo sistema protecionista (mercantilista) da França foi
modificado, de 1853 a 1862, por 32 decretos imperiais, que logo tiveram, em
1863, uma confirmação negligente e <legislativa>. (Rosa: 394).
9
A filosofia do A ‘República”, parte da gramática de sentido
da realidade da forma de governo. A filosofia de Lacan parte da definição de
real e realidade em relação à lógica de sentido. (Deleuze; 1974):
“Não estou certo de que a distinção do real em relação à
realidade se confunda com o valor próprio que dou ao termo real. Sendo o real
desprovido de sentido, não estou certo de que o sentido desse real não poderia
se esclarecer ao ser tomado por nada menos que um sinthoma”. (Lacan. S. 23: 131).
Onde se localiza o sinthoma?:
Penso que não se pode conceber o psicanalista de outra forma
senão como um sinthoma. Não é a psicanálise que é um sinthoma, mas o
psicanalista”. (Lacan. S. 23: 131).
Então, por analogia podemos dizer que o real do campo
político tem o político seu sinthoma. O real emerge na realidade política
através do político como sinthoma. O real não é o inconsciente político
(Habermas; 1992) ou um inconsciente particular de um político. Ele é o sinthoma
como gramática de sentido do político, isto é, como sinthoma do real:
“Se cada ato de fala é um golpe de força de um inconsciente
particular, está completamente claro que, como temos na teoria sobre isso, cada
ato de fala pode esperar ser um dizer. E o dizer chega a isso sobre o qual há
teoria, a teoria que é o suporte de toda espécie de revolução, a saber, uma
teoria da contradição”. (Lacan. S. 23: 132).
O ato de falar ou dizer como golpe de força na conjuntura
(Poulantzas:90) é a gramática de sentido dialético da revolução social. O
problema consiste em saber de qual comunidade psíquica de significante é o ato
de fala dialético. Como golpe de força revolucionário, o ato de fala ou dizer o
fato revolução de Lenin se origina no inconsciente particular de Lenin
vinculado à prática política do partido bolchevique. Trata-se de uma CPS- do
verdadeiro perverso ou do falso perverso como Joyce? (Lacan. S. 23: 147).
O falso perverso não tem aparências de semblância, ele não
faz da política uma gramática de sentido do mundo teatral, um mundo do homem
como essência perversa e superfície dos fenômenos, do aparecer em autonomia
relativa da essência. Como a CPS vive na superfície ele pode ser o efeito da
essência perversa e ser um falso perverso como fenômeno político, como indiquei
acima:
“Desde Heráclito, passando por Hegel, Marx e Lenin, e, em
nossos dias, por Wittgenstein, tem havido filósofos admitindo que a contradição
pode ser aceita em teorias e contextos racionais que expressam conhecimentos
legítimos”. (Newton da Costa: 170).
O campo político conjuntural é um fenômeno paraconsistente. O
inconsciente particular de Lenin era uma práxis individual. Contemporâneo de
Lacan, Sartre vê na práxis individual o reino do serial em subsunção na práxis
do soberano, o partido ou o Estado da URSS:
“Il semblerait donc, a priori, que la práxis souveraine forge
l’unité au niveau même des dispersions sérielles et contre elles”. (Sartre:
134).
O ato de fala dialético de um golpe de força do inconsciente
de Lenin [que diz que a revolução socialista é um fato da conjuntura] necessita passar do real como sintoma da
filosofia leninista para a gramática de sentido da realidade do partido/massa -
no campo político da democracia russa socialdemocrata. Sem o golpe de força do
dizer de Lenin a revolução russa aconteceria naquela conjuntura
socialdemocrata?
10
Na forma de governo democracia representativa, o político é o
sintoma logico formal do real:
“que tout chose doit nécessairement être affirmée ou niée, et
qu’il est impossible qu’une chose soit et ne soit pas, en même temps, ainsi que
toutes autres premisses de ce genre”. (Aristote: 129).
O político instaura uma comunidade psíquica de
significante-homem civilizado em um contraponto ao escravo e o bárbaro:
“o homem é o único vivente <que possui logos>, esse
meio de comunicação racional [...]. (Samaranch:192).
Para o brasileiro de hoje, o enunciado acima aparece como um
absurdo devido a imagem textualizada construída do político pela tela
jornalística. Todavia, a estrutura de poder político constitucional do regime
de 1988, requer que o comportamento do presidente da Cãmara e do Senado, e,
sobretudo, do presidente da República e juízes do STF tenham uma gramática de
sentido lógico/formal, isto é, uma práxis individual que não seja determinada pelo
princípio da não-identidade. Para o brasileiro parece absurdo falar da práxis,
especialmente, do presidente da Câmara, como regulada pelo contrário da lógica
do princípio da não-identidade.
O presidente da Cãmara é claramente um político perverso na
relação dele com o capital. Ele é a essência perversa do capital na grande
política parlamentar. Na pequena política, ele é o homem aristotélico
civilizado na relação com seus pares da Câmara. Assim, tal fato abre as
comportas para a reflexão da forma democrática civilizada em um contraponto com
a forma democrática bárbara:
“A polis é então autárquica no sentido de ser
auto-suficiente: é a menor comunidade que basta para prover a todas as
necessidades de seus membros. Toda necessidade sendo devida a uma carência, e a
finalidade (a própria essência) de toda comunidade sendo a de preencher uma
carência – pois não tem qualquer razão, com efeito, para se associar a outrem
alguém que se baste a si mesmo – a comunidade perfeita é aquela que basta para
preencher toas as carências: assim é a polis. A cidade é, portanto o fim, o
acabamento, o termo do desenvolvimento ‘histórico’ que conduz os homens a se
associar em comunidades”. (Wolff:69).
O real do capital capitalista é a desintegração da gramática
de sentido comunitária. A gramática de sentido lógico comunitário é a do Bem,
desse Bem a partir do qual advém e existem todos os seres (Aristote: 125) da
prática política da forma de governo democrática do homem lógico/formal.
Em
contraposição à democracia civilizada temos a democracia bárbara da gramática
de sentido particular de certos sofistas:
“O alcance da tese de Aristóteles é duplo: por um lado, a
cidade visa o fim mais alto para o homem – enesse sentido, a tese se dirige
contra aqueles, entre os sofistas, que pensam que a comunidade política não
passa de um pis aller, uma simples garantia de sobrevivência individual”.
(Wolff: 45).
A forma de governo democrática pode ser civilizada de
gramática de sentido do homem lógico universal ou pode ser barbara da gramática
de sentido particular da CPS-perverso:
“Mas já observamos o emprego propriamente aristotélico de
‘democracia’ para designar uma das duas espécies de regime popular, a espécie
pervertida, por oposição à espécie ‘normal’, o regime constitucional. A
‘democracia’ ´então um regime no qual, de fato, ‘uma maioria de pessoas livres,
mas pobres, são os donos do poder”. (Wolff: 132).
A democracia pode ser o efeito da CPS barbara do perverso ou da
CPS- civilizado, do homem com logos. Do homem pobre civilizado!
11
A crítica da modernidade política tem a tese de que só existe
democracia política combinada com democracia econômica do Estado lacaniano da
mais-valia fiscal ou mais-de-gozar. A revolução permanente (Texier: 184) é o
sintoma logico paraconsistente da filosofia de Marx e Engels, sinthoma revelado
no conceito de democracia do general intellect (Bandeira da Silveira. 2022.
Cap. 8, parte 5), como observou Habermas.
Ao real perverso do capital foraclusão da revolução
permanente europeia corresponde o surgimento da forma de governo bonapartista.
Forma de governo perversa, pois, teatraliza ser o Império de Napoleão III. Sua
gramática de sentido perversa foi reconhecida e legitimada pelos franceses do
alto e de baixo. Marx teria que <explicar> como o o presidencialismo
falso perverso criou e recriou uma tela perversa verdadeira, isto é, o
bonapartismo. Ora, ele é o efeito do sintoma do capital perverso francês,
contra a burguesia francesa. Marx descobre e inventa a comunidade psíquica de
significante do juízo de gosto no campo político europeu. O teatro imperial de
Napoleão III é o teatro do0 barroco/iluminista perverso:
“A vida do homem consiste numa milícia contra a malícia do
homem. A astúcia luta com estratégias de intenção. Nunca faz o que indica.
Aponta para enganar, golpeia indiferente no ar e desfere o golpe, atuando sobre
a realidade imprevista com dissimulação atenta. A fim de conquistar a atenção e
a confiança dos outros, deixa transparecer um intento. Logo em seguida, porém,
muda de posição e vence pela surpresa. A inteligência perspicaz previne-se da
astúcia observando-a detidamente, espreita-a com cuidado, entende o oposto do
que a astúcia quis que compreendesse e percebe de imediato as falsas intenções.
A inteligência ignora a primeira intenção, aguardando a segunda, e até a
terceira. A simulação cresce mais ainda ao ver seu truque descoberto e tenta
enganar contando a verdade. Muda de jogo, engana com a aparente falta de
malícia. Sua astúcia se baseia na maior franqueza. Mas a observação se adianta,
discernindo através de tudo isso percebendo as sombras envoltas em luz. Decifra
a intenção, que mais parece singela. Assim é a luta da astúcia de Pitão contra
a franqueza dos penetrantes raios de Apolo”. (Gracián: 29).
O campo político barroco/iluminista é, ao mesmo tempo, opaco
e translucido. Como a França fez desse campo um efeito da gramática de sentido
lógica de uma CPS-de gosto verdadeiramente perverso?
12
O bonapartismo de Marx é a tela de juízo fazendo9 pendant com
a tela gramatical lógico/política; é gramática de sentido da realidade na
análise concreta de uma situação concreta”. (Lenin. Vol. 3: 20). Gramsci fez do
texto de Marx o ponto de partida para a filosofia do marxismo ocidental. Assim,
o bonapartismo francês sé um fenômeno nacional [associado aos fe3nômenos do
cesarismo da antiguidade e da pré-modernidade política:
“Cesare, Napoleone, Napoleonqe III, Cromwell, ecc, Compilare
un catagolo degli eventi storice che hanno culminato in uma grande personalità
<heroica>. (Gramsci. 1977: 1619).
A gramática de sentido lógico/ideológica do cesarismo da
civilização política diz:
“Pode-se afirmar que o cesarismo expressa uma situação na
qual as forças em luta se equilibram de modo catastrófico, isto é,
equilibram-se de tal forma que a cont5inuação da luta só pode com a destruição
recíproca”. (Gramsci. 2014: 77).
O campo democrático representativo é o palco da crise
catastrófica:
Mas o cesarismo, embora expresse sempre a solução ‘arbitral’,
confiada a uma grande personalidade, de uma situação histórico-político
caracterizada por um equilíbrio de perspecti8va catastrófica, não tem sempre o
mesmo sentido9 histórico. [...]. O cesarismo é progressista quando sua
intervenção ajuda a força progressista a triunfar, ainda que com certos
compromissos e acomodações que limitam a vitória.; é regressivo quando sua
intervenção ajuda a força regressiva a triunfar, também neste caso com certos
compromissos e limitações, os quais, no entanto, têm um valor , um alcance e um
sentido diversos daqueles do caso anterior. César e Napoleão I são exemplos de
cesarismo progressista. Napoleão III e Bismark, de cesarismo regressivo.
Trata-se de ver, na dialética revolução-restauração, é o elemento revolução ou
o elemento restauração que predomina, já que é certo que, no movimento
histórico, jamais se volta atras e não existem restaurações in totó”. (Gramsci.
2014: 77).
O cesarismo moderno se diferencia do cesarismo até aqui
descrito por Gramsci, pois pode existir uma solução cesarista mesmo sem um
César, sem uma grande personalidade histórica. No Brasil da Constituição de
1988, com o golpe de Estado contra a lulista Dilma Rousseff se iniciou um
período heroico no campo político nacional? Bolsonaro é uma paródia de grande
personalidade heroica. Ele aparecia como uma força regressiva do
liberal/mercantilismo do governo do general Castelo Branco e Roberto Campos na
versão do general Silvio Frota, um fascista declarado. Como força regressiva
ele se preocupava em desintegrar o Estado territorial/nacional de 1988. Sua
derrota para Lula em 2022, alterou a situação política.
Lula se apresentou na eleição como uma força progressiva em
ruptura com o liberalismo puro de Bolsonaro e Paulo Guedes. Ora, o cesarismo moderno:
“Todo governo de coalizão é um grau de cesarismo, que pode ou
não se desenvolver até graus mais significativos (naturalmente, a opinião
vulgar é a e que, ao contrário, governos de coalizão constituem o mais ‘sólido’
baluarte’ contra o cesarismo). [...]. bem como as transformações que se
verificam na organização da polícia em sentido amplo, isto é, não só do serviço
estatal destinado à repressão da criminalidade, mas também do conjunt5o das
forças organizadas pelo Estado e pelos particulares para defender o domínio
político e econômico das classes dirigentes. Neste sentido, inteiros partidos
<políticos> e outras organizações econômicas ou de outro gênero devem ser
considerados organismos de polícia política, de caráter investigativo e
preventivo”. (Gramsci. 2014: 78-79).
Como a conjuntura catastrófica encontra-se em gramática de
sentido conciliadora neobarroca do neoliberalismo com o lulismo?
Gramsci:
“chegar a uma fusão e assimilação recíproca após um processo
molecular, o que de fato ocorreu, pelo menos em certa medida (mas suficiente
para os objetivos histórico-políticos de pôr fim à luta orgânica fundamental e,
portanto, de superar a fase catastrófica). O liberal/lulista Haddad faz o
teatro da gramática de sentido governamental da conciliação barroca entre
liberalismo e mercantilismo, uma vez que o mercantilismo/liberal/feudal da
China é o paradigma do curso da nova economia mundial. A China é o maior parceiro
econômico do Brasil.
Na política, ergue-se o Estado cesarista policial do governo
e parlamento, com o partido do governo fazendo parte da prática política
policial do sistema de partidos políticos formal e informal. No domínio
informa, o grande jornal, a TV e o Youtube constituem parte do Estado
policial/liberal/feudal da conjuntura de 2024.
13
Marx foi buscar na sociedade francesa a gramática de sentido
da perversão da práxis política de Luís Bonaparte:
“esse Bonaparte, que se erige em chefe do lumpen
-proletariado , que só aqui reencontra, em massa, os interesses que ele
pessoalmente persegue, que reconhece nessa escória, nesse refugo, nesse
rebotalho de todas as classes a única classe em que pode apoiar-se, incondicionalmente, é o verdadeiro Bonaparte, o Bonaparte sans phrase.
Velho e astuto roué, concebe a vida histórica das nações e os grandes feitos do
Estado como comédia em seu sentido mais vulgar, como uma mascarada onde as
fantasias, frases e gestos servem apenas para disfarçar a mais tacanha
vilania”. (Marx. 1974: 372).
Michel Foucault fez da gramática da perversão uma potentia de
transformação da história política como significante <plebe>:
Il ne faut sans doute pas concevoir la pl<plebe> comme
le fond permanent de l’histoire, l’objectif final de tous les
assujettissements, le foyer jamais tout à fait éteint de toutes les révoltes.
[...]. La réduction de la plèbe peut s’effectuer de trois façons: soit par son
assujettissement effectif, soit par son utilisation comme plèbe (cf, l’exemple
de la déliquence au XIX siècle)”. (Foucault: 421).
A plebe é um fenômeno da comédia histórica do homem perverso:
‘Só depois de eliminar seu solene adversário, só quando ele
próprio assume a sério o seu papel imperial, e sob a máscara napoleônica
imagina ser o verdadeiro napoleão, só aí ele se torna vítima de sua própria
concepção do mundo, o bufão sério que não mais toma a história universal por
uma comédia e sim a sua própria comédia pela história universal”. (Marx. 1974:
372-373).
O verdadeiro Napoleão é a frase da gramática de sentido da
realidade como teatro de máscaras. Napoleão III é um verdadeiro perverso, pois,
faz da política francesa aparências de semblãncia autêntica, sendo ele o Sol de
Hannah Arendt:
“De acordo com a distinção de Portmann faz entre aparências
autênticas e inautênticas, poder-se-ia falar de semblâncias autênticas e
inautênticas. [...]. as primeiras, como o movimento do Sol levantando-se pela
manhã para pôr-se ao entardece, ao contrário, não cederão a qualquer volume de
informação científica, porque esta é a maneira pela qual a aparência do Sol e
da Terra parece inevitável a qualquer criatura presa à Terra e que não pode
mudar de moradia”. (Arendt: 31).
A comédia da perversão do bonapartismo tem em Luís o Sol, o
Grande Outro perverso da política, isto é, a semblância autêntica da vida do II
Império. A comédia verdadeiramente perversa, ao contrário do cinismo da falsa
perversão, tem semblância autêntica. As escolas públicas francesas, até hoje,
ensinam para as crianças que Luís Bonaparte foi um herói trágico parisiense.
Marx fala de Luís como a obra-de-arte viva da grande comédia perversa francesa.
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