quinta-feira, 17 de outubro de 2024

DA FILOSOFIA LACANIANA

 

José Paulo

 

Lacan escreveu para a comunidade psíquica linguística do psicanalista. Hoje se trata e traduzir o lacanismo para uma investigação do campo político da atualidade. A coisa começa com o sinthoma. O real é o sintoma de Lacan como resposta ao conceito de inconsciente de Freud. A gramática de <sentido é o Outro do real>. O real não é a realidade. A realidade faz sentido como gramática e o real não faz sentido. (Lacan. S. 23: 131):

“o verdadeiro é dizer conforme a realidade. A realidade, nesse caso, é o que funciona, funciona verdadeiramente. Mas o que funciona verdadeiramente não tem nada a ver com o que designo como real. É uma suposição completamente precária que meu real – pois preciso de fato colocá-lo como meu ativo – condicione a realidade, aquela, por exemplo, da audição de vocês. Há um abismo, estamos longe de assegurar que seja transponível” (Lacan. S. 23: 128).

O mundo do campo político é feito de atos de fala que é um golpe de Estado de um inconsciente particular realizado em uma práxis individual de sentido da realidade da prática, em uma tela verbal de sentido. 

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O real tem e não tem sentido, devido a isso o campo do sentido é distinto dele. (Lacan. S. 23:130). O real implica a ausência de lei, ele não tem ordem. (Lacan. A. 23:133). A gramática de sentido é o único fato da copulação do simbólico e do imaginário em que consiste o sentido. Lacan. S. 23:117). Há uma gramática de sentido do gozo e do mais-de-gozar? Toda sexualidade humana é perversa. A perversão é a essência do homem. (Lacan. S. 23: 149).

No texto “Kant com Sade”, Lacan fala do gozo:

“Digamos que a eficácia do libelo é dada na máxima que propõe ao gozo a sua regra., insólita ao se dar o direito, à maneira de Kant, de se afirmar como regra universal. Enunciemos a máxima: ‘Tenho o direito de gozar de teu corpo, pode dizer-me qualquer um, e exercerei esse direito, sem que nenhum limite me detenha no capricho das extorsões que me dê gosto nele saciar’” .

“Essa é a regra à qual se pretende submeter a vontade de todos, por menos que uma sociedade a implemente através de sua coerção. (Lacan. 1998: 780).

A gramática de sentido dessa afirmação remete para a forma de governo do tirano:

“Quando Lacan diz: ‘aqui se pode falar do desejo como vontade de gozo’- é uma forma possível do desejo perverso. O desejo neurótico está longe da vontade de gozo”. (Miller: 176).

O desejo como vontade de poder, vontade de gozo, define a forma de governo do  tirano:

“Corretamente, é o déspota que diz: ‘eu tenho o direito de gozar do corpo e cada um dos meus súditos”. (Miller: 174).

O real do tirano é a vontade de poder gozar com o corpo de todos. O real tem sentido e não tem, ele tem gramática de sentido no sintoma do tirano; o campo do real é uma esfera paradoxal. O sentido do real do tirano é o sintoma como vontade de poder gozar com o corpo de todos. Como se passa do gozo para o mais-de-gozar, ou plus-de-jouir?

O plus-de-jouir é o desejo do tirano como gozo perverso. Mas ele goza com qual corpo? Ora, ele goza com o corpo material do Estado lacaniano, que consiste no mais-de-gozar ou mais-valia pública fiscal extraída da mais-valia econômica da comunidade psíquica linguística-sociedade. Lacan fala desse fenômeno no livro  Seminário 16. Eu transformei o mais-de-gozar em mais-valia publica fiscal do Estado lacaniano no livro “Barroco, tela gramatical, ensaios”.  A gramática de sentido da forma de governo do tirano feudal é a sociedade feudal do dominante ter o monopólio da apropriação da mais-valia pública. Em um contraponto, a democracia feudal do Estado chinês confuciano da atualidade é a pequena-burguesia proprietária de capital cultural participando da apropriação da mais-valia pública. São cerca de 500. Milhões de pessoas. Trato esse fato no meu livro “Gramática do general intelecto”. Assim, a gramática do campo lacaniano respira na gramática de sentido do Estado lacaniano com um fenômeno universal da história da civilização política.

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O dicionário é uma gramática de significados do vocábulo. O dicionário Aulete:

“Sadismo. Prática sexual que consiste em obter prazer com a dor e o sofrimento da outra pessoa; crueldade extrema”.

  O marquês de Sade faz a filosofia da alcova do desejo de gozo de perverso:

“Mme de Saint-Ange: Soit; mais qu’Eugénie y prenne garde; l’imagination ne nous sert que quand notre esprit est absolument dégagé de préjugés: un seuil suffit à la refroidir. Cette capricieuse portion de notre esprit est d’une libertinagem que rien ne peut contenir; son plus grand triomphe, ses délices les plus éminentes consitent à briser tous les freins qu’on lui oppose; elle est ennemie de la régle, idolâtre du désordre et tout ce qui porte les coulers du crime; voilà d’où vient la singulalière réponse d’une Femme; à imagination, qui foutait froidement avec son mari”. (Sade: 101).

Bem! o desejo do gozo perverso é o real sem gramática de sentido, se lei humana ou legal. Trata-se do desejo de gozar com o corpo de todas as belas fêmeas na comunidade psíquica de significante (CPLs)- sociedade de corte. Para o perverso o grande Outro é um simulacros de dissimulação de falso neurótico e falso psicótico; Daí a ideia de que a CPLs perversa abriga um teatro de personagens psicótica e neurótica. A ideia perversa niilista de destruição do corpo do outro remete para o perverso como falso psicótico grotesco. Como o teatro do gozo perverso encenado como psicose grotesca aparece na superfície reprofunda do inconsciente a céu aberto da CPLs-do perverso?

Os simulacros de dissimulação da CPLs-do perverso acontece no campo9 político realmente existente. Um caso, foi o 08/01/2023 em Brasília. Uma multidão de perversos – como falsos psicóticos- destruí os prédios dos três poderes e inclusive se filmaram fazendo cocô em símbolos do poder político. Então, a realização desses desejos de vontade de poder de gozo perverso pode caber na ética lacaniana:

“Tomem, por exemplo, Fourier, cuja leitura, aliás, é uma das mais desopilantes que existe. O efeito de bufonaria que dele se depreende deve instruir-nos. Ele nos mostras suficientemente a que distância o que se chama de progresso social se situa em relação ao que quer que seja que seria feito na perspectiva, não digo de abrir todas as comportas, mas simplesmente de pensar uma ordem coletiva qualquer em função da satisfação dos desejos. Trata-se por enquanto de saber se podemos ver isso mais claramente do que os outros”. (Lacan. S. 7: 275).

O problema na tela de gosto do campo político é se a ética lacaniana do desejo pode ser a gramática de sentido da classe política. A ética de desejo lacaniana pode ser identificada – quanto ao político- com o desejo perverso como vontade de poder gozar, isto é, mais-de-gozar com o corpo material [mais-valia pública fiscal] do Estado lacaniano:

“A escrita, permito-me afirmar muda o sentido, o modo do que está em jogo, a saber, a philia da sabedoria. Não é muito difícil dar suporte à sabedoria a não ser pela escrita, a do nó bo – de odo que, em suma, me perdoem a enfatuação, o que tenho de fazer com meu nó bo não é nada menos do que a primeira filosofia que me parece sustentável”. (Lacan. S. 23: 141).

A CPl do filósofo lacaniano é uma filosofia como aparelho de hegemonia da democracia feudal lacaniana, do Estado democrático/feudal lacaniano do direito de todos gozarem com a mais-valia pública fiscal. A mais-valia econômica privada é propriedade de gozo do capital e da ditadura do capital que tem o desejo perverso como vontade de poder de gozo de monopolizar a mais-valia pública.

Schumpeter fala da gramática de sentido do capital do capital capitalista do mercantilismo/liberal como desejo de gozo perverso, este disfarçado em desejo psicótico/gótico:

“a abertura de novos mercados, estrangeiros ou domésticos – e o desenvolvimento organizacional, da oficina artesanal aos conglomerados como a U.S. Steel, ilustram o mesmo processo de mutação industrial – se me permitem o uso do termo biológico – que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha; incessantemente criando uma nova. Esse processo de De3struição Criativa é o fato essencial acerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas as empresas capitalistas”. (Schumpeter: 112-113).

No mercantilismo/liberal da multinacional o desejo de vontade de poder de gozo consiste em usufruir da mais-valia economia e da mais-valia publica das formações territoriais. O real da multinacional é foraclusão dos jogos de significantes da democracia feudal lacaniana. A China se define por uma gramática de sentido que se opõe ao real da ditadura virtual do Estado feudal do dominante do rico multinacional.

Como funciona a comunidade psíquica de significante do rico virtual e territorial? 

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A filosofia lacaniana é uma tela gramat5ical que faz pendant com a ciência lacaniana. Ela ´a filosofia do RSI (Re3al, Simbólico, Imaginário) como gramática de sentido da civilização da história das comunidades psíquicas de significante (CPS). Dois entes aparecem como universais na filosofia lacaniana: O Estado e o capital. Vou por partes:

“Nous voici reconduits à ceci, de fait, qu’ un corps peut être sans figure,. La père, ou l’autre, quel qu’il soit, qui ici joue le rôle, assure la fonction, donne la place, de la jouissance, il n’est point même nommé. Dieu sans figure, c’est bien le cas. Il n’est néanmoins pas saisissable, sinon en tant que corps”.

“Qu’est qui a un corps et n’existe pas? Réponse – le grand Autre. Si nous croyons, à ce grand Autre, il a un corps, inéliminable de la substance de celui qui a dit <Je suis que Je suis>, ce qui est une tout autre forme de tautologie”. (Lacan. S. 17. 1991: 74).

A filosofia lacaniana barroca/gótica faz pendant com a filosofia materialista modernista de Hobbes:

“Feito assim, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falarmos em termos reverentes) daquele Deus mortal, ao qual devemos, abaixo de Deus imortal, nossa defesa e paz”. (Hobbes: 109-110).

Há o grande Outro terreno (Estado moderno) e o grande Outro divino. Sigo:

“Seulement, à nous autres, cela ne suffit pas. Parce que nous avon justement des besoins logiques, si vous me permettez ce terme. Parce que nous sommes des êtres nés du plus-de-jouir, résultat de l’emploi du langage”. (Lacan. S. 17.  1991: 74).

O plus-de-jouir ou mais-de gozar é a mais-valia pública fiscal de propriedade do Estado lacaniano como grande Outro do RSI como história das comunidades psíquicas de significante-Estado Deus mortal. O Estado é uma gramática material como o capital. Todavia, o capital é simulacros de dissimulação de grande Outro Simbólico. isto é, o capital é um grande Outro falso Simbólico da comunidade psíquica de significante perversa:

“Quand je dis l’emploi du langage, je ne veux pas dire que nous l’employons. C’est nous qui sommes ses employés. Le langage nous emploie, et c’est là que cela jouit. C’est pour que la seule chance de l’existence de Dieu. C’est qu’il – avec um grande I – jouisse, c’est qu’il soit la jouissance. “(Lacan. S. 17. 1991: 74-75).

Se o Estado lacaniano é o grande Outro simbólico, o Estado é o gozo da comunidade psíquica de significante- sociedade da mais-valia pública fiscal ou mais-de-gozar. O capital é o gozo da mais-valia econômica ou privada. No entanto,  Marx o põe e repõe no lugar do grande Outro simbólico da modernidade, como o Deus mortal moderno. Aliás, o capital como grande Outro gramatical da mais-valia da sociedade é relação social de produção (sociedade de classes sociais) e relação técnica de produção (general intellect). A sociedade classes e o general intellect são o grande 0utro da gramática de sentido do sintoma de Marx e o real como foraclusão do Estado territorial nacional no campo político mundial. É o grande Outro dos simulacros de simulação [como jogos de significantes], é o grande Outro, isto é, o Deus mortal perverso. O globalismo liberal do capital capitalista multinacional foi o real da foraclusão do Estado nacional. A foraclusão fez o Ocidente e parte do Oriente mergulharem no campo da CPS do perverso. Só a China escapou da pós-modernidade perversa.

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Um prêmio Nobel se pergunta o porquê do Brasil jamais se transformar em grande potência. Ora, ele esqueceu de se interroga o porquê da Europa não terá uma grande potência na segunda metade do século 21. A Europa e o Brasil são monopólio do poder político do rico. Este reduziu o Estado ao grau zero de Estado nacional. Então,  qual é o ser do rico ocidental e oriental?

A filosofia lacaniana pensa o rico em relação aos países se tornarem grandes potencias desenvolvidas ou países de um ser subdesenvolvido. O rei da Inglaterra já diz que o subdesenvolvimento é a anatomia do destino do antigo império britânico:

“A gente abre o livro do chamado Smith, ‘A riqueza das nações’ – e ele não é o único, estão todos aí quebrando a cabeça, Malthus, Ricardo e os outros -, a riqueza das nações, o que é isso? Lá estão tentando definir o valor de uso, que deve ter seu peso, o valor de troca – não foi Marx quem inventou tudo isso. Ora, é extraordinário que desde que há economistas, ninguém, quanto a isso, tenha até agora – nem por um instante, não digo que seja para se deter aí – feito a observação de que a riqueza é a propriedade do rico”. (Lacan. 1992. S. 17:77).

A riqueza é propriedade do rico. Qual riqueza? Da mais-valia econômica privada produzida pelo trabalho? Sim. Mas não é aí que se encontra a essência do capital capitalista. Este aparece como um Deus mortal [grande Outro simbólico no lugar do Estado-nação] e o leitor pode recordar da famigerada mão invisível da economia que cria o campo político capitalista como Deus mortal. Como já disse o gozo do capital da mais-valia pública fiscal determina o Capita como um falso grande Outro simbólico. Assim, o capital aparece – no campo político capitalista – como simulacros de dissimulação de Deus mortal. O trabalho do jornalista e da ciência do homem universitária consiste em sustentar na narrativa esse Deis mortal perverso;

Segue:

“Igualzinho à psicanálise – como eu disse um dia -, que é feita pelo psicanalista, esta é a sua principal característica, é preciso partir do psicanalista. Por que, a propósito da riqueza, não partir do rico”. (Lacan. 1992. S. 17: 77).   

O capital capitalista é o discurso do rico, parte do rico. Esse discurso é o real como sintoma do rico que é vontade de poder gozar com a foraclusão do Estado nacional da história do RSI como ser da civilização política da modernidade, isto é, o rico como o real da foraclusão da comunidade psíquica de significante Estado-nação. A globalização liberal perversa dos EUA/União Europeia foi o clímax do real do rico para o Estado-nação:

O rico quer a propriedade da matéria do Estado lacaniano, quer gozar com a mais-valia pública fiscal. E assim, criar uma ditadura feudal do rico de direitos ao mais-de-gozar do Estado lacaniano:

“o rico tem uma propriedade. Ele compra, compra tudo, em suma – enfim, ele compra muito. Mas queria que vocês meditassem sobre o seguinte – ele não paga [...], ele não paga o saber”. (Lacan. 1992. S. !7: 77).

O general intellect é uma realidade material gerada pelo Estado lacaniano territorial. Ele é a pequena burguesia proprietária de capital cultural (Bourdieu: 39) que é a base social da democracia econômico-política. Essa democracia feudal lacaniana dos direitos do dominado à mais-valia pública não existe nos EUA. E este se tornou o paradigma da União Europeia da desintegração do Estado-nação socialdemocrata. Aí está a causa principal da Europa não participar do concerto das grandes potências da segunda metade do século 21. 

Quanto aos EUA participarem do campo político mundial das grandes potências do século 21, a crise política americana aparece como o real da foraclusão da América como condição de possibilidade de grande potência americana no nosso horizonte.

 

BOURDIEU, Pierre. Raison pratiques. Sur l théorie de l1’action. Paris: Seuil, 1994

DICIONÁRIO AULETE. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. RJ: Lexikon, 2011

HOBBES, Thomas. Leviatã. SP: Abril Cultural, 1974

LACAN, Jacques. Le Séminaire L’envers de la psychanalyse. Livre 17. Paris: Seuil, 1991

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 7. A ética da psicanálise. RJ: Zahar, 1995

LACAN, Jacques. O Seminário. o avesso da psicanálise. Livro 17. RJ: Zahar, 1992

LACAN, Jacques. Escritos. RJ: Zahar, 1998

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 23. O sinthoma. RJ: Zahar, 2007

MILLER, Jacques-Alain. Lacan Elucidado. Palestras no Brasil. RJ: Zahar, 1997

 PERELMAN E OLBRECHTS-TYTECA, Chaim e Lucie. Tarite de l’argumentation. Belgique: Editions de l’Université de Bruxelles, 1988      

SADE. La philosophie dans le boudoir. Paris: Gallimard, 1976

SCHUMPETER. Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. RJ: Zahar, 1984

         

      

      

 

 

 

 


 

 

  

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