José Paulo
Lacan escreveu para a comunidade psíquica linguística do
psicanalista. Hoje se trata e traduzir o lacanismo para uma investigação do
campo político da atualidade. A coisa começa com o sinthoma. O real é o sintoma
de Lacan como resposta ao conceito de inconsciente de Freud. A gramática de
<sentido é o Outro do real>. O real não é a realidade. A realidade faz
sentido como gramática e o real não faz sentido. (Lacan. S. 23: 131):
“o verdadeiro é dizer conforme a realidade. A realidade,
nesse caso, é o que funciona, funciona verdadeiramente. Mas o que funciona
verdadeiramente não tem nada a ver com o que designo como real. É uma suposição
completamente precária que meu real – pois preciso de fato colocá-lo como meu
ativo – condicione a realidade, aquela, por exemplo, da audição de vocês. Há um
abismo, estamos longe de assegurar que seja transponível” (Lacan. S. 23: 128).
O mundo do campo político é feito de atos de fala que é um
golpe de Estado de um inconsciente particular realizado em uma práxis
individual de sentido da realidade da prática, em uma tela verbal de
sentido.
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O real tem e não tem sentido, devido a isso o campo do
sentido é distinto dele. (Lacan. S. 23:130). O real implica a ausência de lei,
ele não tem ordem. (Lacan. A. 23:133). A gramática de sentido é o único fato da
copulação do simbólico e do imaginário em que consiste o sentido. Lacan. S. 23:117).
Há uma gramática de sentido do gozo e do mais-de-gozar? Toda sexualidade humana
é perversa. A perversão é a essência do homem. (Lacan. S. 23: 149).
No texto “Kant com Sade”, Lacan fala do gozo:
“Digamos que a eficácia do libelo é dada na máxima que propõe
ao gozo a sua regra., insólita ao se dar o direito, à maneira de Kant, de se
afirmar como regra universal. Enunciemos a máxima: ‘Tenho o direito de gozar de
teu corpo, pode dizer-me qualquer um, e exercerei esse direito, sem que nenhum
limite me detenha no capricho das extorsões que me dê gosto nele saciar’” .
“Essa é a regra à qual se pretende submeter a vontade de
todos, por menos que uma sociedade a implemente através de sua coerção. (Lacan.
1998: 780).
A gramática de sentido dessa afirmação remete para a forma de
governo do tirano:
“Quando Lacan diz: ‘aqui se pode falar do desejo como vontade
de gozo’- é uma forma possível do desejo perverso. O desejo neurótico está
longe da vontade de gozo”. (Miller: 176).
O desejo como vontade de poder, vontade de gozo, define a
forma de governo do tirano:
“Corretamente, é o déspota que diz: ‘eu tenho o direito de
gozar do corpo e cada um dos meus súditos”. (Miller: 174).
O real do tirano é a vontade de poder gozar com o corpo de
todos. O real tem sentido e não tem, ele tem gramática de sentido no sintoma do
tirano; o campo do real é uma esfera paradoxal. O sentido do real do tirano é o
sintoma como vontade de poder gozar com o corpo de todos. Como se passa do gozo
para o mais-de-gozar, ou plus-de-jouir?
O plus-de-jouir é o desejo do tirano como gozo perverso. Mas
ele goza com qual corpo? Ora, ele goza com o corpo material do Estado
lacaniano, que consiste no mais-de-gozar ou mais-valia pública fiscal extraída
da mais-valia econômica da comunidade psíquica linguística-sociedade. Lacan
fala desse fenômeno no livro Seminário
16. Eu transformei o mais-de-gozar em mais-valia publica fiscal do Estado
lacaniano no livro “Barroco, tela gramatical, ensaios”. A gramática de sentido da forma de governo do
tirano feudal é a sociedade feudal do dominante ter o monopólio da apropriação
da mais-valia pública. Em um contraponto, a democracia feudal do Estado chinês
confuciano da atualidade é a pequena-burguesia proprietária de capital cultural
participando da apropriação da mais-valia pública. São cerca de 500. Milhões de
pessoas. Trato esse fato no meu livro “Gramática do general intelecto”. Assim,
a gramática do campo lacaniano respira na gramática de sentido do Estado
lacaniano com um fenômeno universal da história da civilização política.
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O dicionário é uma gramática de significados do vocábulo. O
dicionário Aulete:
“Sadismo. Prática sexual que consiste em obter prazer com a
dor e o sofrimento da outra pessoa; crueldade extrema”.
O marquês de Sade faz a filosofia da alcova do
desejo de gozo de perverso:
“Mme de Saint-Ange: Soit; mais qu’Eugénie y prenne garde;
l’imagination ne nous sert que quand notre esprit est absolument dégagé de
préjugés: un seuil suffit à la refroidir. Cette capricieuse portion de notre
esprit est d’une libertinagem que rien ne peut contenir; son plus grand
triomphe, ses délices les plus éminentes consitent à briser tous les freins
qu’on lui oppose; elle est ennemie de la régle, idolâtre du désordre et tout ce
qui porte les coulers du crime; voilà d’où vient la singulalière réponse d’une
Femme; à imagination, qui foutait froidement avec son mari”. (Sade: 101).
Bem! o desejo do gozo perverso é o real sem gramática de
sentido, se lei humana ou legal. Trata-se do desejo de gozar com o corpo de
todas as belas fêmeas na comunidade psíquica de significante (CPLs)- sociedade
de corte. Para o perverso o grande Outro é um simulacros de dissimulação de
falso neurótico e falso psicótico; Daí a ideia de que a CPLs perversa abriga um
teatro de personagens psicótica e neurótica. A ideia perversa niilista de
destruição do corpo do outro remete para o perverso como falso psicótico
grotesco. Como o teatro do gozo perverso encenado como psicose grotesca aparece
na superfície reprofunda do inconsciente a céu aberto da CPLs-do perverso?
Os simulacros de dissimulação da CPLs-do perverso acontece no
campo9 político realmente existente. Um caso, foi o 08/01/2023 em Brasília. Uma
multidão de perversos – como falsos psicóticos- destruí os prédios dos três
poderes e inclusive se filmaram fazendo cocô em símbolos do poder político.
Então, a realização desses desejos de vontade de poder de gozo perverso pode
caber na ética lacaniana:
“Tomem, por exemplo, Fourier, cuja leitura, aliás, é uma das
mais desopilantes que existe. O efeito de bufonaria que dele se depreende deve
instruir-nos. Ele nos mostras suficientemente a que distância o que se chama de
progresso social se situa em relação ao que quer que seja que seria feito na
perspectiva, não digo de abrir todas as comportas, mas simplesmente de pensar
uma ordem coletiva qualquer em função da satisfação dos desejos. Trata-se por
enquanto de saber se podemos ver isso mais claramente do que os outros”.
(Lacan. S. 7: 275).
O problema na tela de gosto do campo político é se a ética
lacaniana do desejo pode ser a gramática de sentido da classe política. A ética
de desejo lacaniana pode ser identificada – quanto ao político- com o desejo
perverso como vontade de poder gozar, isto é, mais-de-gozar com o corpo
material [mais-valia pública fiscal] do Estado lacaniano:
“A escrita, permito-me afirmar muda o sentido, o modo do que
está em jogo, a saber, a philia da sabedoria. Não é muito difícil dar suporte à
sabedoria a não ser pela escrita, a do nó bo – de odo que, em suma, me perdoem
a enfatuação, o que tenho de fazer com meu nó bo não é nada menos do que a
primeira filosofia que me parece sustentável”. (Lacan. S. 23: 141).
A CPl do filósofo lacaniano é uma filosofia como aparelho de
hegemonia da democracia feudal lacaniana, do Estado democrático/feudal
lacaniano do direito de todos gozarem com a mais-valia pública fiscal. A
mais-valia econômica privada é propriedade de gozo do capital e da ditadura do
capital que tem o desejo perverso como vontade de poder de gozo de monopolizar
a mais-valia pública.
Schumpeter fala da gramática de sentido do capital do capital
capitalista do mercantilismo/liberal como desejo de gozo perverso, este disfarçado
em desejo psicótico/gótico:
“a abertura de novos mercados, estrangeiros ou domésticos – e
o desenvolvimento organizacional, da oficina artesanal aos conglomerados como a
U.S. Steel, ilustram o mesmo processo de mutação industrial – se me permitem o
uso do termo biológico – que incessantemente revoluciona a estrutura econômica
a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha; incessantemente criando
uma nova. Esse processo de De3struição Criativa é o fato essencial acerca do
capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas
as empresas capitalistas”. (Schumpeter: 112-113).
No mercantilismo/liberal da multinacional o desejo de vontade
de poder de gozo consiste em usufruir da mais-valia economia e da mais-valia
publica das formações territoriais. O real da multinacional é foraclusão dos
jogos de significantes da democracia feudal lacaniana. A China se define por
uma gramática de sentido que se opõe ao real da ditadura virtual do Estado
feudal do dominante do rico multinacional.
Como funciona a comunidade psíquica de significante do rico
virtual e territorial?
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A filosofia lacaniana é uma tela gramat5ical que faz pendant
com a ciência lacaniana. Ela ´a filosofia do RSI (Re3al, Simbólico, Imaginário)
como gramática de sentido da civilização da história das comunidades psíquicas
de significante (CPS). Dois entes aparecem como universais na filosofia
lacaniana: O Estado e o capital. Vou por partes:
“Nous voici reconduits à ceci, de fait, qu’ un corps peut
être sans figure,. La père, ou l’autre, quel qu’il soit, qui ici joue le rôle,
assure la fonction, donne la place, de la jouissance, il n’est point même
nommé. Dieu sans figure, c’est bien le cas. Il n’est néanmoins pas saisissable,
sinon en tant que corps”.
“Qu’est qui a un corps et n’existe pas? Réponse – le grand
Autre. Si nous croyons, à ce grand Autre, il a un corps, inéliminable de la
substance de celui qui a dit <Je suis que Je suis>, ce qui est une tout
autre forme de tautologie”. (Lacan. S. 17. 1991: 74).
A filosofia lacaniana barroca/gótica faz pendant com a
filosofia materialista modernista de Hobbes:
“Feito assim, à multidão assim unida numa só pessoa se chama
Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes
(para falarmos em termos reverentes) daquele Deus mortal, ao qual devemos,
abaixo de Deus imortal, nossa defesa e paz”. (Hobbes: 109-110).
Há o grande Outro terreno (Estado moderno) e o grande Outro
divino. Sigo:
“Seulement, à nous autres, cela ne suffit pas. Parce que nous
avon justement des besoins logiques, si vous me permettez ce terme. Parce que
nous sommes des êtres nés du plus-de-jouir, résultat de l’emploi du langage”.
(Lacan. S. 17. 1991: 74).
O plus-de-jouir ou mais-de gozar é a mais-valia pública
fiscal de propriedade do Estado lacaniano como grande Outro do RSI como
história das comunidades psíquicas de significante-Estado Deus mortal. O Estado
é uma gramática material como o capital. Todavia, o capital é simulacros de
dissimulação de grande Outro Simbólico. isto é, o capital é um grande Outro falso
Simbólico da comunidade psíquica de significante perversa:
“Quand je dis l’emploi du langage, je ne veux pas dire que
nous l’employons. C’est nous qui sommes ses employés. Le langage nous emploie,
et c’est là que cela jouit. C’est pour que la seule chance de l’existence de
Dieu. C’est qu’il – avec um grande I – jouisse, c’est qu’il soit la jouissance.
“(Lacan. S. 17. 1991: 74-75).
Se o Estado lacaniano é o grande Outro simbólico, o Estado é
o gozo da comunidade psíquica de significante- sociedade da mais-valia pública
fiscal ou mais-de-gozar. O capital é o gozo da mais-valia econômica ou privada.
No entanto, Marx o põe e repõe no lugar
do grande Outro simbólico da modernidade, como o Deus mortal moderno. Aliás, o
capital como grande Outro gramatical da mais-valia da sociedade é relação
social de produção (sociedade de classes sociais) e relação técnica de produção
(general intellect). A sociedade classes e o general intellect são o grande
0utro da gramática de sentido do sintoma de Marx e o real como foraclusão do
Estado territorial nacional no campo político mundial. É o grande Outro dos
simulacros de simulação [como jogos de significantes], é o grande Outro, isto
é, o Deus mortal perverso. O globalismo liberal do capital capitalista
multinacional foi o real da foraclusão do Estado nacional. A foraclusão fez o
Ocidente e parte do Oriente mergulharem no campo da CPS do perverso. Só a China
escapou da pós-modernidade perversa.
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Um prêmio Nobel se pergunta o porquê do Brasil jamais se
transformar em grande potência. Ora, ele esqueceu de se interroga o porquê da
Europa não terá uma grande potência na segunda metade do século 21. A Europa e
o Brasil são monopólio do poder político do rico. Este reduziu o Estado ao grau
zero de Estado nacional. Então, qual é o
ser do rico ocidental e oriental?
A filosofia lacaniana pensa o rico em relação aos países se
tornarem grandes potencias desenvolvidas ou países de um ser subdesenvolvido. O
rei da Inglaterra já diz que o subdesenvolvimento é a anatomia do destino do
antigo império britânico:
“A gente abre o livro do chamado Smith, ‘A riqueza das
nações’ – e ele não é o único, estão todos aí quebrando a cabeça, Malthus,
Ricardo e os outros -, a riqueza das nações, o que é isso? Lá estão tentando
definir o valor de uso, que deve ter seu peso, o valor de troca – não foi Marx
quem inventou tudo isso. Ora, é extraordinário que desde que há economistas,
ninguém, quanto a isso, tenha até agora – nem por um instante, não digo que
seja para se deter aí – feito a observação de que a riqueza é a propriedade do
rico”. (Lacan. 1992. S. 17:77).
A riqueza é propriedade do rico. Qual riqueza? Da mais-valia
econômica privada produzida pelo trabalho? Sim. Mas não é aí que se encontra a
essência do capital capitalista. Este aparece como um Deus mortal [grande Outro
simbólico no lugar do Estado-nação] e o leitor pode recordar da famigerada mão
invisível da economia que cria o campo político capitalista como Deus mortal.
Como já disse o gozo do capital da mais-valia pública fiscal determina o Capita
como um falso grande Outro simbólico. Assim, o capital aparece – no campo
político capitalista – como simulacros de dissimulação de Deus mortal. O
trabalho do jornalista e da ciência do homem universitária consiste em
sustentar na narrativa esse Deis mortal perverso;
Segue:
“Igualzinho à psicanálise – como eu disse um dia -, que é
feita pelo psicanalista, esta é a sua principal característica, é preciso
partir do psicanalista. Por que, a propósito da riqueza, não partir do rico”.
(Lacan. 1992. S. 17: 77).
O capital capitalista é o discurso do rico, parte do rico.
Esse discurso é o real como sintoma do rico que é vontade de poder gozar com a
foraclusão do Estado nacional da história do RSI como ser da civilização
política da modernidade, isto é, o rico como o real da foraclusão da comunidade
psíquica de significante Estado-nação. A globalização liberal perversa dos
EUA/União Europeia foi o clímax do real do rico para o Estado-nação:
O rico quer a propriedade da matéria do Estado lacaniano,
quer gozar com a mais-valia pública fiscal. E assim, criar uma ditadura feudal
do rico de direitos ao mais-de-gozar do Estado lacaniano:
“o rico tem uma propriedade. Ele compra, compra tudo, em suma
– enfim, ele compra muito. Mas queria que vocês meditassem sobre o seguinte –
ele não paga [...], ele não paga o saber”. (Lacan. 1992. S. !7: 77).
O general intellect é uma realidade material gerada pelo
Estado lacaniano territorial. Ele é a pequena burguesia proprietária de capital
cultural (Bourdieu: 39) que é a base social da democracia econômico-política.
Essa democracia feudal lacaniana dos direitos do dominado à mais-valia pública
não existe nos EUA. E este se tornou o paradigma da União Europeia da
desintegração do Estado-nação socialdemocrata. Aí está a causa principal da
Europa não participar do concerto das grandes potências da segunda metade do
século 21.
Quanto aos EUA participarem do campo político mundial das
grandes potências do século 21, a crise política americana aparece como o real
da foraclusão da América como condição de possibilidade de grande potência
americana no nosso horizonte.
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LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 23. O sinthoma. RJ: Zahar,
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MILLER, Jacques-Alain. Lacan Elucidado. Palestras no Brasil.
RJ: Zahar, 1997
PERELMAN E
OLBRECHTS-TYTECA, Chaim e Lucie. Tarite de l’argumentation. Belgique: Editions
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SCHUMPETER. Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia.
RJ: Zahar, 1984
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