José Paulo
A CPl/dm é a comunidade psíquica linguística-democrático/moderna
que se estabelece na relação representante/representado pelo voto. um homem, um
voto. A comunidade psi/signo democrática constitucional/1988 persiste no Brasil.
Então, qual potentia faz com que ela persista contra a vontade de poder
fascista de desintegrá-la?
O fascismo quer foracluir o significante democracia da cadeia
do discurso político brasileiro. Donald Trump quer isso na democracia americana
em geral. A democracia é jogos de
significantes do sonho, do chiste, lapsos:
‘”é realmente o próprio significante que deve se articular ao
Outro”. (Lacan. 1996:551).
O que é o Outro? Na CPL-individuo:
“encontramos nela os três significantes onde se pode
identificar o Outro no complexo de Édipo. Eles bastam para simbolizar as
significações da reprodução sexuada, sob os significantes da relação amorosa e
da procriação”.
O fundamental:
“é dado pelo sujeito em sua realidade, como tal foracluída no
sistema
“E só entrando sob o modo do morto, no jogo de significantes,
mas tornando-se o sujeito verdadeiro à medida que esse jogo de significantes
vem a fazê-la significar”. (Lacan. 1996:551).
O jogo de significante lacaniano não foi aceito pela
semiótica. (Greimas: 421). Esta não
recebe bem o fenômeno da língua como potentia. Assim, proponho uma outra
interpretação do jogo de significante como uma potentia que cria e recria no
campo político democrático: o Estado territorial nacional:
“Esse jogo dos significantes, com efeito, não é inercial, já
que é animado, em cada partícula, por toda a história da ascendência dos outros
reais que a denominação dos Outros significantes implica na contemporaneidade
do sujeito. Mais ainda, esse jogo, na medida em que se institui como regra para
além de cada parte, já estrutura no sujeito as três instancias – eu (ideal),
realidade e Supereu – cija determinação será o tema da segunda tópica
freudiana”. Lacan. 1966:551).
O Outro dos jogos de significante é a prática política
simbólica em geral da democracia. A ditadura s define por não ter o Outro dos
jogos de significantes. Rigorosamente, a ditadura não existe como prática
política e isso não se confunde com o fato dela ter aparelho de legislação
penal. A tradução da CPl-indivíduo lacaniano para a CPl/dm foi feita pelo
Estoicismo. Este fala de hegemonikón (Elorduy: 26) ou eu político no campo do
Outro dos jogos de significantes. O hegemonikon é a o potestas (como produção e
reprodução da gramática de sentido dos jogos de significante) que cria e recria
as significações no significado democracia. A foraclisão da gramática de
sentido democracia é a pratica de uma potentia psicótica que s sente perseguida
pela comunidade psíquica linguística do filósofo como produção do real da
democracia constitucional.
2
A obra de Baudrillard foi fabricado na crítica a Michel
Foucault e ao campo lacaniano. O livro “À sombra das maiorias silenciosas” é
uma crítica a gramática de sentido e à gramática dos jogos de significantes
caligráficos freudiano. A massa:
“Figura inaceitável e ininteligível da implosão (trata-se
ainda de um processo?), base de todos os nossos sistemas de significações [campo
das ideologias] e contra a qual eles se armam com todas as suas
resistências, ocultando o desabamento central do sentido como recrudescência de
todas as significações e com a dissipação de todos os significantes”;
(Baudrillard. 1985: 10).
A massa faz do campo de ideologias a recrudescência das
significações no significado da prática política. Ela introduz o campo político
em permanente implosão da gramática de sentido, esta como doença ideológica dos
jogos de significantes das formas de governo [ou forma de regime]. As massas
bloqueiam os jogos de significante/sentido da sociedade classes sociais e da
história política:
“O termo massa não é um conceito. Leitmotiv da demagogia
política, é uma noção fluída, viscosa, ‘lumpen-analítica’. Uma boa sociologia
procurará abarcá-la m categorias ‘mais finas; sócio/profissionais, de classe,
de status cultural etc. Erro :é vagando em torno dessas noções fluídas e
acríticas (com outrora a de ‘mana’) que s pode ir além da sociologia crítica
inteligente. Além do que, retrospectivamente, se poderá observar que os
próprios conceitos de ‘classe’, de ‘relação social’, de ‘poder’, de status,
todos estes conceitos muito claros que fazem a glória das ciências legítimas,
também nunca foram mais do que noções confusas, mas sobre as quais se
conciliaram misteriosos objetivos, os de preservar um determinado código de
análise”. (Baudrillard. 1985: 11).
No regime de 1988, as massas lulistas se deparam com o fim da
gramática de sentido da prática política da hiper-realidade. Outra multidão
emergiu na história com o bolsonarismo das classes médias das capitais. A
implosão da gramática de sentido da multidão bolsonarista aparece na medida em
que ela assume a forma de massa baudrillardiana. Massa fascista que não
consegue pôr o sentido ditatorial no significado de desintegração prática da
forma de governo democrática constitucional de 1988. Ela se apresenta como
agente de foraclusão do significante democracia de 1988.
3
Baudrillard é um dos criadores da brilhante e inefável CPLf
[do filósofo] pós-modernista. Ele fala do campo político europeu clássico e
barroco:
“Exemplificando com Maquiavel, quando o político surge da
esfera religiosa e eclesial na época da Renascença, ele é antes de tudo um puro
jogo de signos, uma pura estratégia que não se preocupa com nenhuma
<verdade> social ou histórica, mas, ao contrário, joga com a ausência de
verdade (como, mais tarde, a estratégia mundana dos jesuítas sobre a ausência
de Deus). O espaço político inicialmente é da mesma natureza do teatro de
intriga da Renascença, ou do espaço perspectivo da pintura, que são inventados
no mesmo momento. A forma é a de um jogo, não de um sistema de representação –
semiurgia e estratégia, não ideologia -, e a sua utilização depende de
virtuosismo e não da verdade (como o jogo sútil e corolário deste, de Balthazar
Gracian m ‘Homme de Cour’). O cinismo e a imoralidade da política maquiaveliana
estão nisso: não no uso sem escrúpulos dos meios com que o confundiu na
concepção vulgar, mas na desenvoltura com relação aos fins, Pois, Nietzsche o
viu bem, é nesse menosprezo por uma verdade social, psicológica, histórica,
nesse exercício dos simulacros enquanto tais, que se encontra o máximo de
energia política, nesse momento em que o político é um jogo e ainda não se deu
uma razão”. (Baudrillard. 1985: 19-20).
O texto de Baudrillard fala da transição da época feudal para
a época moderna. Acrescento que a transformação entre épocas tem um poder
psicótico como motor necessário. Assim, o poder psicótico de semiúrgico cria e
recria o real mundial, ele é o capital quase mercantilista em aliança como o
Estado territorial da península ibérica, os artistas e os jesuítas. Um poder
psicótico do positivo jogos de gramática de sentido cria o real europeu com o
Estado mercantilista tardio em aliança com o dominante da sociedade de classes
sociais pós-feudal, o artista e o filósofo modernista preparam o campo político
moderno com a presença inefável da CPLf iluminista. Os EUA aparecem como gramática
de sentido constitucionalista:
“É a partir do século XVIII, e particularmente depois da
Revolução, que o político se infletiu de uma maneira decisiva. Ele se encarrega
de uma referência social, o social se apodera dele. No mesmo momento começa a
ser representação, seu jogo é dominado pelos mecanismos representativos (o
teatro segue um destino paralelo: tornar-se um teatro representativo – o mesmo
acontece com o espaço perspectivo: de instrumental que era no início, torna-se
o lugar de inscrição de uma verdade do espaço e da representação). A cena
política se torna a cena da evocação de um significado fundamental: o povo, a
vontade do povo etc. Ela não trabalha mais só sobre signos, mas sobre sentidos,
de repente eis que é obrigada a significar o melhor possível esse real que ela
exprime, intimada a se tornar transparente, e a se mobilizar e a responder ao
ideal social de uma boa representação. Mas durante muito tempo ainda haverá um
equilíbrio entre a esfera própria do político e as forças que nele se refletem:
o social, o histórico e o econômico. Este equilíbrio sem dúvida corresponde á
idade de ouro dos sistemas representativos burgueses (a constitucionalidade: a
Inglaterra do século XVIII, os Estados Unidos da América, a França das
revoluções burguesas, a Europa de 1848”. (Baudrillard. 1995: 20).
Com o poder psicótico universal como força histórica de
transformação do real da realidade das gramáticas, é necessário falar do
fenômeno da crise catastrófica do campo político de época. Habermas tem uma
ideia:
“Mas apenas quando membros de uma sociedade experimentam
alterações estruturais como sendo críticas para a existência contínua e sentem
sua identidade social ameaçada, podemos falar de crise”. (Habermas.1980: 14).
Primeiro é preciso que os homens vivam a crise no campo das
ideologias:
“Distúrbios de integração sistêmica só ameaçam a existência
contínua até o ponto que a integração social esteve em jogo, isto é, quando os
fundamentos consensuais das estruturas normativas forem tão danificados que a
sociedade se torne anacrônica. Os estados de crise assumem a forma de uma
desintegração das institucionais”. (Habermas. 1980: 14).
Habermas está falando da crise catastrófica em contexto
lógico.
É uma platitude que a modernidade se constitui como autonomia
relativa entre as esferas. Estas são as globais CPLs: economia, política, cultura. As CPLs são
vividas na crise de época no campo das ideologias: política, religião, direito,
arte, filosofia etc.
Na modernidade política um poder psicótico oligophilico faz
uma foraclusão no campo renascentista/barroco e desintegra o campo político do
inimigo/inimigo:
“A <oligophilia> (Derrida. 1994: 19) é uma espécie de
política da amizade”. (Bandeira da Silveira. 2023: cap.28).
O campo político moderno se define por ser um campo sem a
reciprocidade antagônica amigo/inimigo. O inimigo interno só aparece na stasis
e esta é foracluida no espaço da representação política. o inimigo deixa de ser
um fenômeno do simbólico e é jogado para o campo do heteróclito, como queria
Platão.
Com o capital mercantilista/liberal industrial do século XX,
um poder psicótico heteróclito move a esfera da economia, como definiu
Schumpeter:
“A abertura de novos mercados – estrangeiros ou domésticos –
e o desenvolvimento organizacional, da oficina artesanal aos conglomerados como
a U.S. Steel, ilustram o mesmo processo de mutação industrial – se me permitem
o uso do termo biológico – que incessantemente revoluciona a estrutura
econômica a partir de dentro , incessantemente destruindo a velha,
incessantemente criando uma nova. Esse processo de Destruição Criativa é o fato
essencial acerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que
têm de viver todas as empresas capitalistas”. (Schumpeter: 112-113).
A comunidade psíquica linguística do capital, mercantilista,
industrial tem como motor o poder psicótico revolucionário <destruição
criativa>. Então, qual é o poder psicótico de foraclusão da gramática de
sentido da época da modernidade do Estado mercantilista industrial da
multinacional?
4
A prime3ira imagem do poder psicótico heteróclito não se
encontra em Platão e sim em Aristóteles. É a comum idade psíquica linguística
psicótica do bárbaro que é ethos (vida de gosto ético natural agradável) e
páthos (vida de gosto grotesco desagradável):
“Algumas coisas são agradáveis por natureza, e destas umas
são irrestritamente agradáveis, enquanto outras o são em relação a determinadas
classes de animais ou de indivíduos; por outro lado, outras não são
naturalmente agradáveis, mas algumas destas se tornam agradáveis por causa de monstruosidades,
outras por causa de hábitos e outras ainda por causa de doença sexual”.
“Portanto, é possível descobrir em relação a cada uma das
espécies da segunda classificação disposições de caráter semelhantes às
identificadas a respeito do primeiro caso; refiro-me às disposições bestiais,
como n o caso da mulher que, segundo relatam, abria o ventre das mulheres
grávidas e devorava os fetos; ou das coisas com que, de acordo com certos
relatos, algumas das tribos selvagens do litoral do mar Negro possuíam o hábito
de deleitar-se – com alimentos crus ou carne humana, ou com a troca de crianças
entre a tribos para serem objeto sexual
em suas festas – ou na narrativa sobre Fálaris”. (Aristóteles.1992 :137).
O cinema americano do capital industrial de hoje criou e
recriou uma tela estética que apresenta a comunidade psíquica linguística do
poder psicótico do bárbaro aristotélico como um estado natural da vida do
homem.
5
Na CPL romântica alemã, o poder psicótico heteróclito é
angelical diabólico. (Godin:732):
Fausto
No mundo que tua habitas, senhor, a natureza
Dos seres se conhece em nomes, com certeza.
Está tudo bem claro e por mim tanto faz
Te chames Belzebu, Demônio ou Satanás.
Qual o teu nome, então?
Mefistófeles
Sou parcela do Além,
Força que cria o mal e também faz o bem!
Fausto
Que dizes com palavras dúbias, meu herói?
Mefistófeles
Eu sou aquele gênio que nega e que destrói!
E o faço com razão; a obra da Criação
Caminha com vagar para a desintegração.
Seria bem melhor se nada fosse criado.
Por isso, tudo aquilo a que chamas pecado,
Ou também ‘desintegração’, ou simplesmente ‘o mal’
Constitui meu elemento eleito e natural”. (Goethe: 59-60).
No final da vida, Freud
definiu a CPl espécie humana como tendo um estado de afecção próprio
para a persistência do poder psicótico m geral:
“É bem sabido que em todos os períodos houve, como ainda há,
pessoas que podem tomar como objetos sexuais membros de seu próprio sexo, bem
como do sexo oposto, sem que uma das inclinações interfira na outra. Chamamos
tais pessoas de bissexuais e aceitamos sua existência sem sentir muita surpresa
com ela. Viemos a admitir, contudo, que todo ser humano é bissexual nesse
sentido e que sua libido se distribui, quer de maneira manifesta, quer de modo
latente, por objetos de ambos os sexos”. (Freud. v. 23: 277).
6
As massas estatísticas/virtuais da soberania popular
pós-moderna:
“O fato de a maioria silenciosa (ou as massas) ser um
referente imaginário não significa que ela não existe. Isso quer dizer que não
há mais representação possível”.
(Baudrillard. 1985:22).
A soberania popular não é mais a relação entre representante
e representado como seleção da elite governamental:
“As massas não são mais um referente porque não têm mais
natureza representativa. Elas não se expressam, são sondadas. Elas não se
refletem, são testadas. O referendo (e as médias são um referendo perpétuo de
perguntas/respostas dirigidas) substitui o referente político. ora, sondagens,
testes, médias são dispositivos que não dependem mais de uma dimensão representativa,
mas simulativa. Eles não visam mais um referente não visam mais um referente,
mas um modelo. A revolução aqui é total contra os dispositivos da sociedade
clássica (de que ainda fazem parte as eleições, as instituições, as instancias
de representação, e mesmo a repressão): em tudo isso, o sentido social ainda
passas de um polo ao outro, numa estrutura dialética que dá lugar a um jogo
político e às contradições”. (Baudrillard. 1985: 22).
Baudrillard fala do poder psicótico pós-modernista da
foraclusão da dos jogos de significante da dialética da reciprocidade
antagônica no campo político pós-moderno:
“Ninguém pode dizer que representa a maioria silenciosa, e
esta é sua vingança. As massas não são mais uma instancia à qual se possa referir como outrora se
referia à classe ou ao povo. isoladas em seu silencio, não é mais sujeito
(sobretudo não da história), elas não podem, portanto, ser faladas,
articuladas, representadas, nem passar pelo ‘estágio do espelho’ político e
pelo ciclo das identificações imaginárias. Percebe-se que poder resulte disso:
não sendo sujeito, elas não podem ser alienadas – nem em sua própria linguagem
(elas não têm uma), nem em alguma outra que pretendesse falar por elas. Fim das
esperanças revolucionárias. Porque estas sempre especularam sobre a
possibilidade de as massas, como da classe proletária, s negarem enquanto tais.
Mas a massa não é um lugar de negatividade nem de explosão, é um lugar de
absorção e de implosão”. (Baudrillard. 1985: 23).
São massas sem gramática de sentido real da realidade do
campo político conjuntural pós-modernista.
7
Brasil. Eleição municipal de outubro de 2024. Há a
metamorfose das <maiorias silenciosas> em nova soberania popular. O voto
ideológico esquerda/direita é negado pela soberania popular; o fluxo do voto
ideológico é interrompido; ele não faz mais sentido para as massas:
“Hoje tudo mudou: o
sentido não falta, ele é produzido em toda parte, e sempre mais – é a demanda
que está declinando. É a produção dessa demanda de sentido que se tornou
crucial para o sistema. Sem essa demanda, sem essa receptividade, sem essa
participação mínima no sentido, o poder só é simulacro e o efeito solitário de
perspectiva”. (Baudrillard. 1985:27).
O poder simulacro:
“- simulacros de
simulação, baseados na informação, no modelo, no jogo cibernético –
operacionalidade total, hiper-realidade, objetivo de controle total”.
(Baudrillard1981177).
A tela cibernética de
jogos de signos da política faz da soberania popular uma maioria silenciosa.
Jornalistas e cientistas políticos universitários criam e recriam as massas
estatísticas virtuais da maioria silenciosa ideológica esquerda/direita. Porém,
eles não conseguem explicar a hegemonia do designado Centrão (reunião/aliança
tática informal de partidos políticos que controlam o Congresso). O centrão não
pertente mais a demanda da gramática de sentido do simulacro de simulação da
hiper-realidade - na eleição municipal:
“Ora, aí também a
produção da demanda é infinitamente mais custosa que a produção do próprio
sentido. No limite ela ´impossível, toda as energias reunidas do sistema não
serão suficientes. A demanda de objetos e de serviços sempre pode ser produzida
artificialmente, a um preço elevado mas acessível, o sistema já o demonstrou. O
desejo de sentido, quando falta, o desejo de realidade, quando se faz ausente
em todas partes, não podem ser plenamente satisfeito e são um abismo
definitivo”. (Baudrillard. 1985: 27).
A falta de realidade
da demanda da gramática de sentido ideológica é o abismo dos partidos divididos
em esquerda/direita. A soberania popular não é mais hiper-realidade, e sim um
real mais real que o próprio hiper-real das massas estatísticas virtuais de
jornalistas e cientistas políticos universitários. A soberania popular agora é
uma potentia psicótica de foraclusão da hiper-realidade e da época pós-moderna.
Qual espécie de
potentia psicótico surge com a eleição municipal de outubro? Faço citações do meu livro “Além da época
pós-moderna” para mostrar a emergência do real heteróclito das singularidades
das práxis individuais o poder psicótico grotesco/gótico da soberania popular
<outubro/2024>:
“A civilização foi u
esforço a mais para distinguir o corpo da classe dominante do corpo das classes
dominadas: camponês e operário. Trabalho de distinção. A afecção repugnância é
plantada no coração do campo do indivíduo dominante e no campo político da
sociedade do dominante. Já [Ferreira] Gullar retoma o senso comum da
carnavalização popular do corpo do dominado:
‘Nem Bilac nem
Raimundo. Tuba de alto clangor, lira singela? Nem tuba nem lira grega. Soube
depois: fala humana, voz de gente, barulho escuro do corpo, intercortado de
relâmpagos
Do corpo. Mas corpo
feito de carne e de osso.
Esse osso que não
vejo, maxilares, costelas,
flexível armação que
me sustenta no espaço
que não me deixa
desabar como um saco
vazio
que guarda as vísceras
todas
funcionando
como retorta e tubos
fazendo o sangue que
faz a carne e o pensamento
e as palavras
e as mentiras
e os carinhos mais
doces mais sacanas
mais sentidos
para explodir como uma
galáxia
de leite
no centro de tuas
coxas no fundo
de tua noite ávida
cheiro de umbigo e de
vagina
graves cheiros
indecifráveis
como símbolos
do corpo
do teu corpo do meu
corpo
corpo [...]. (Gullar:
237=38). (Bandeira da Silveira. 2024a: cap.14)
A soberania popular
outubro de 2014 é esse corpo do dominado como poder psicótico grotesco/gótico
que foraclui a época pós-moderna e seus significantes seriais.
9
Cito o livro “Ciência política materialista”:
“Na democracia
pós-moderna, um partido mafioso da meia-noite da superfície profunda do
Ocidente se constitui como vontade política de desintegrar a democracia, se
aproveitando do ocaso dessa forma de tela gramatical pós-moderna. A nova
moderna democracia se choca com o poder pós-moderno mafioso. Daí surge a crise
catastrófica entre pós-modernidade cesarista tirânica e a nova modernidade
democrática”. (Bandeira da Silveira; 2024b: 418).
O Centrão é a demanda de gramática de sentido
do campo político da democracia constitucional do dominado. Como há falta da
gramática de sentido de partidos democráticos, o poder psicótico
grotesco/gótico desenvolve o Estado territorial/virtual como comunidade
psíquica linguística ditatorial, como estrutura de dominação de uma gramática
de sentido:
“A crise catastrófica é aquela da foraclusão
da estrutura de dominação do hegemonikón do campo político a curto prazo e da
cultura política nacional/popular democrática a longo prazo; a crise se
atualiza com a classe dominante mafiosa em aliança com classes médias mafiosas
pós-modernas querendo governar somente pela tela gramatical do aparelho de
Estado/legislação penal: dominação puro sangue”.
“Os fenômenos
monstruosos abriram as comportas sujas do mundo para a existência de uma
realidade heteróclita, que fascina os mass media e políticos”. (Bandeira da
Silveira. 2024b: 418).
O poder psicótico
soberania popular poderá desenvolver a democracia constitucional de 1988, caso
partidos políticos democráticos se constituam como demanda de gramática de
sentido real/concreta da nossa democracia. Para isso acontecer, o partido
democrático aparecerá como negação de uma dupla tradição. Em fratura: com a
tradição do pensamento autoritário; com a tradição retórica do mundo jurídico;
com a hiper-lógica da realidade da política da pós-modernidade.
ARISTÓTELES. Ética a
Nicômacos. Brasília: Edunb, 1992
BANDEIRA DA SILVEIRA,
José Paulo. Revolução barroca dentro da ordem. EUA: amazon, 2023
BANDEIRA DA SILVEIRA,
José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024a
BANDEIRA DA SILVEIRA,
José Paulo. Ciência política materialista. EUA: amazon, 2024b
BAUDRILLARD, Jean.
Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981
BAUDRILLARD, Jean. À
sombra das maiorias silenciosas. O fim do social e o surgimento das massas. SP:
Brasiliense, 1985
GODIN, Christian. La
totalité. V. 1. De l’imaginaire au symbolique. Paris: Champ Vallon, 1998
ELORDUY, Eleuterio. El
Estoicismo. Madrid: Grados, 1972
FREUD. Obras Completas.
Análise terminável e interminável. v. 23. RJ: Imago, 1975
GOETHE, J. W. Fausto e
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GREIMAS E COURTÉS. Dicionário
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LACAN, Jacques.
Écrits. Paris: Seuil, 1966
SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo,
socialismo e democracia. RJ; Zahar, 1976
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