sábado, 5 de outubro de 2024

partido, democracia, ditadura e os outros

 José Paulo 

 

 

NAS décadas de 20 e 30 do século XX, apareceu o <pensamento autoritário brasileiro”, uma gramática ideológica do campo ditatorial nacional e local.  A democracia 1946/1964 não produziu um pensamento democrático constitucional. Essa ´a razão de ela ter sido facilmente desintegrada. No Brasil, uma tradição de discurso político democrático inexiste. Daí, não se saber direito a distinção entre liberdade expressão como liberdade do direito natural e como um fenômeno do direito positivo. O mundo jurídico não se preocupa com esses problemas fatais para a democracia constitucional 1988/2024. A tradição da ditadura no campo da direita faz pendant com a tradição russa/cubana/venezuelana do alinhamento de pensamento dos partidos políticos da esquerda, por vias transversas, com o pensamento autoritário dos anos 20 e 30. No fim das contas, a “esquerda” joga água no moinho do discurso político autoritário brasileiro.  

Como os partidos políticos podem se deslocar do campo da ditadura -1964/2024 para o campo da democracia constitucional- 1988/2024. Os partidos são comunidade psíquica linguística de uma prática política geral fabricada por práxis individuais e de grupos no campo político parlamentar e governamental. O que significa o silêncio de cemitério dos partidos e de suas lideranças sobre a questão democrática virtualmente e realmente existente?

Bem! Os partidos políticos em geral do regime de 1988 não sabem criar e recriar ideias democráticas ajustada a uma prática política democrática. Por quê? Para eles não existe sentido em fazer tal coisa, em estabelecer um campo de ideias de um estado de coisas ou realidade democrática constitucional-1988. Um homem inteligente, com experiencia política secular, que estudou em Harvard, o sr. Ciro Gomes não é capa de criar ideias democráticas. Por quê?

As ideias, as crenças, as promessas etc. são fenômenos da gramática de sentido existente virtualmente ou realmente na realidade do campo político nacional territorial e cosmopolita. O sr.  Gomes sabe que a relação de sinceridade entre intencionalidade e realidade requer a condição de satisfação de sinceridade e gramática de sentido. Ele só pode dizer que está chovendo se estiver chovendo. Não se pode abrir mão da causalidade na gramática entre o dito sobre a coisa e a realidade da coisa, por mais ambíguo que seja a relação gramatical entre o dizer e a coisa. (Searle: 18).               

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A prática política democrática é constituída por um conjunto de práxis individuais institucionais em uma situação concreta espaço/temporal. A práxis individual insiste sob o guarda-chuva de gramáticas de sentido. Lacan e Gramsci falam da relação da gramática com a prática política:

“Se a experiência analítica se acha implicada, por receber seus títulos de nobreza do mito edipiano, é justamente por preservar a contundência da enunciação do oráculo e, eu diria ainda, porque a interpretação permanece sempre nesse mesmo nível. Ela só é verdadeira por suas consequências, tal como o oráculo. A interpretação não é submetida à prova de uma verdade que se decida por sim ou não, mas desencadeia a verdade como tal. Só é verdadeira na medida em que é verdadeiramente seguida”. (Lacan. S.18: 13).

O que é verdadeiramente seguida? A prática política de uma gramática de sentido que não tem sua verdade estabelecida na relação causal do dito está chovendo com o fato de que está chovendo? isto é, quando digo que está chovendo para ser verdade é preciso que esteja chovendo?   

Na prática política analítica parte-se da gramática mitológica e a crença do mito tem que ter condições de satisfação do dito?

“Desse modo, se tenho uma crença de que está chovendo, o conteúdo de minha crença é que está chovendo. E as condições de satisfação são: que esteja chovendo – e não, por exemplo, que o chão esteja molhado ou que esteja caindo água do céu”. (Searle: 17).

 A prática política em geral é movida pela verdade do verdadeiro pelo acontecimento da massa seguir o discurso do partido político, e isto define a relação entre representante e representado em geral. Por que o partido bolchevique seguia o discurso político de Lenin? A primeira gramática de sentido de Lenin falava que a revolução seria liberal/burguesa dirigida pelo proletariado. Tratava-se de primeiro desenvolver o capital capitalista antes da transição socialista. A segunda gramática de Lenin fala em o partido bolchevique iniciar a transição socialista. Por que o partido e as massas de operário, soldado e camponeses seguiram essa gramática puramente socialista?

Lenin e o partido seguiram a gramática de sentido das massas que já estavam com o poder político nos sovietes em uma dualidade de poder com o aparelho de Estado governado pelos socialdemocratas. As massas tinham uma concepção política de mundo de produção de uma gramática de sentido que dizia ser possível, elas massas, governarem a Rússia, no lugar dos partidos políticos ainda sob os efeitos da gramática de uma transição democrática em conciliação barroca com o Estado tzarista. As massas criam e recriam a partir das práxis individuais uma prática política [um aparelho de contrahegemonia de um novo Estado pós-tzarista] que é a gramática de sentido que se pretende hegemônica naquela conjuntura da moderna revolução russa:

“Poder-se-ia esboçar um quadro da ‘gramática normativa’ que opera espontaneamente em toda sociedade determinada na medida em que ela tende a unificar-se, seja como território, seja como cultura, isto é, na medida em que nela existe uma classe dirigente cuja função seja reconhecida e seguida”. (Gramsci: 169).

As massas viram em Lenin e no partido bolchevique a representação de sua gramatica de sentido que constituía sua pratica política em uma experiencia conjuntural que combinava stásis (insurreição, guerra civil) e pólemos (guerra mundial). Ora. Tratava-se de um contexto racional da sociedade de classes russa em um país subdesenvolvido, na periferia da Europa do mercantilismo do capital capitalista. (Bandeira da Silveira; 2021). Bukharin e Lenin haviam fabricado a gramática de sentido <capitalismo monopolista de Estado> que correspondia ao mercantilismo do capial capitalista europeu. As massas seguram com confiança essa gramática de sentido revolucionária social bolchevique.           

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Em diferentes graus, escala e intensidade nas Américas, EUA, Brasil, Argentina vivem em situações catastróficas. O heteróclito invade o campo político e a Argentina tem 50% da população abaixo da linha de pobreza. Milei representa os outros 50% que continuam como suporte da falta de projeto par parar a decadência argentina. Os EUA parecem não saber mais o que é uma classe dirigente como gramática de sentido hegemônica para ser seguida pela nação.  O Brasil se move no campo político invadido pelo heteróclito que parece desintegrar continuamente as condições de possibilidade de fabricar uma gramática de sentido que suporte a democracia constitucional de 1988/2024.

A Rússia de Lenin vivia em uma situação catastrófica de uma realidade heteróclita das lutas de classes e guerra mundial no território russo. A democracia pós-tzarista aparece como as luzes barrocas da modernidade em um contexto racional, apesar de tudo contra. Construir um novo Estado moderno era a gramática de sentido dos partidos do campo democrático. O Estado delirante de Michel Temer e Bolsonaro procurou desintegrar a gramática de sentido da prática política constituída pelas práxis individuais dos constituintes da Constituição democrática de 1988, que projetaram, virtualmente, um contexto racional, lógico/gramatical pós-ditadura militar. Bolsonaro é o responsável por ao menos 300 mil mortos pela covid. As células ditatórias do Estado delirante impedem que ele seja julgado. Assim, um outro Estado lógico não é fabricado no lugar do Estado de Temer/Bolsonaro. A situação catastrófica aparece na eleição da cidade de São Paulo com o eleitorado se inclinando para candidatos bolsonaristas que apareceram, na imprensa, tendo ligações com organizações criminosas. O contexto infralógico de São Paulo parece ser o do resto do país. No Ceará, Ciro Gomes diz que o PT é aliado de organização criminosa. E assim apaga-se a fronteira entre o legal e o ilegal no campo político. Este é um fenômeno que a história da Rússia de Lenine não enfrentou. As gramáticas de sentido da história heteróclita parecem dominar cada vez mais o campo político brasileiro, com uma nova versão do pensamento ditatorial brasileiro dos de baixo, agora, hic e nuc:

“Hic Rhodus, hic salta!

Aqui está Rodes, salta aqui! (Marx. 1974: 338).

Quem governará o Brasil nesse andar da carruagem!       

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Há um campo político com regiões ditatoriais com partidos ditatorialmente ideais, partidos fáticos ditatoriais e partidos indiferentes se estão ou não no campo ditatorial. Um homem ilustrado no pós-modernismo como o gaúcho Tarso Genro [que foi ministro da justiça do PT} fala de democracia liberal [democracia burguesa] e não da democracia real, concreta de 1988, a única que existe de fato e artefato. A democracia é uma forma ideológica que passa a existir no cérebro de uma comunidade psíquica linguística de uma nação. Para isso, a democracia tem que existir no cérebro dos indivíduos para ter duração e sustentação na realidade de fatos e artefatos. Assim, cada formação social territorial tem a sua própria história democrática como forma ideológica. A relação do discurso político com a forma ideológica cerebral é constitutiva da comunidade psíquica linguística democrática. Os EUA têm uma história democrática que tem como símbolo a liberdade expressão absoluta. E os países da América Latina?               

Conheço um pouco a história das formas ideológicas do Brasil. Aqui, não foi fabricado um discurso político democrático:

‘Mas, ao entrar o discurso político – atente-se pra isso – no avatar, produziu-se o advento do real, a alunissagem, aliás sem que o filósofo que há em todos nós, por intermédio do jornal, se comovesse com isso, a não ser vagamente”.

‘O que está em jogo agora é o que ajudará a extrair o real-da-estrutura aquilo que da língua não constitui cifra, mas signo a decifrar”. (Lacan. 2003: 535).

O discurso político é criação e recriação de signos que a filosofia decifra. Assim, é necessário a existência do discurso político democrático -produção de signos democráticos para que a junção da filosofia dialética com a ciência política materialista possa transformar a democracia em uma comunidade psíquica linguística realmente e virtualmente existente. A democracia como um conjunto de instituições de uma prática política pode ter uma existência sem forma ideológica, sem ser uma comunidade psíquica linguística ideológica na realidade objetiva e no cérebro. Ao invés de ser um discurso político, ela pode ser um fato/artefato retórico. Em gera, o discurso político necessita da filosofia dialética e ciência política materialista para existir como comunidade psíquica linguística. Assim, a história do discurso político democrático na América Latina é uma forma ideológica oca, sem realidade material e dialética.  No lugar do discurso político, pode existir o poder político retórico. Hoje, a retórica faz pendant com um fenômeno estudado por Niklas Luhmann:

“Organizações é, destarte, uma maneira determinada de formação de sistemas através de aumento e redução de contingências. Este princípio se mantém no interior dos sistemas organizacionais e é expresso pela identidade de <cargos>. Cada cargo apresenta um ponto de conexão entre programas contingentes de comportamento (condições da correção do comportamento) e relações contingentes de comunicação com cada pessoa contingente. A identidade do cargo é que permite reconhecer a contingência de cada um destes diferentes aspectos. Ao mesmo tempo, como ponto de referência da conexão, ela reduz a arbitrariedade destas contingências, uma vez que nem todas as pessoas e nem toda rede de comunicação convém a cada tarefa. Desta forma a contingência pode ser especificada, sob condições restritivas crescentes, no cada vez mais improvável. Com isto, surge uma composição mais ou menos não-contingente na conexão de elementos que poderiam ser outros. Com uma complexidade elevada do contingente, seu relacionamento, a não-contingência, servem à relação da complexidade. Enquanto a escolástica ainda tinha o simples por necessário e a composição por contingente, afirmando por esta razão :Ex multis contingentibus non potest fieri unum necessarium , nós contemporâneos tendemos a lamentar o poso das organizações e a imobilidade de estruturas uma vez implantadas, ou seja, o tornar-se necessário do contingente”. (Luhmann: 83).

  A democracia como realidade do contingente, do fungível, não é idêntico ao sistema democrático como organização sistémica cibernética. Neste, a prática política consiste em uma pessoa ter um cargo público como propriedade privada de uma pessoa. O caso brasileiro é o mais completo.  A pessoa no cargo tem que manejar algum tipo de discurso. O discurso do indivíduo político torna-se contingente e desnecessário para a prática política democrática global. O discurso do jornalista e do comentarista da política faz funcionar a prática política como um discurso retórico. A filosofia existente universitária perde sua função retórica na prática política de organização sistêmica cibernética. As formas de ideologia, de gosto, de gramática se tornam fenômenos de uma realidade textual retórica. Ora. O Brasil do século XIX inventou o seu próprio discurso jurídico retórico como paradigma da prática política monárquica e, em seguida, republicana. Copiadas da Europa e EUA, as Constituições retóricas tiveram um contraponto com a Constituição de 1988 que é, virtualmente, um discurso político brasileiro. Porém, o regime 1988 se desenvolveu como prática política retórica das antipraxias individuais de políticos, jornalistas e universitários, formados na escola da nossa retórica que tem como símbolo histórico o jurista integralista Miguel Reali.             

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O IBGE do governo Lula [instituição dirigida por Marcio Pochmann} representa o discurso político da democracia constitucional de 1988. É um campo de saber antiretórico que vive uma reciprocidade antagônica com discurso retórico democrático do STF. Assim, qual é a diferença entre o discurso retórico e o discurso político lacaniano de Márcio P:

“Para quem se preocupa com o resultado, persuadir é mais do que convencer, pois, a convicção não passa da primeira fase que leva à ação [práxis individual]. Para Rousseau, de nada adianta convencer uma criança ‘se não se sabe persuadi-la’”.

“Em contrapartida, para quem está preocupado com o caráter racional de adesão, convencer é mais do que persuadir. Aliás, ora essa característica racional da convicção depende dos meios utilizados, ora das faculdades às quais o orador se dirige. Para Pascal, o autômato é que é persuadido, e ele entende com isso o corpo, a imaginação, o sentimento, em suma, tudo quanto não é razão. Com muita frequência a persuasão será considerada uma transposição injustificada da demonstração. Segundo Dumas, na persuasão, o indivíduo ‘se contenta com razões afetivas e pessoais, sendo em que essa prova afetiva diferiria tecnicamente de uma prova objetiva”. (Perelman. 1988: 35).

A persuasão é a porta de entrada do discurso político nas comunidades psíquicas de signos. Mais além o discurso político se encontra com a filosofia dialética da ciência política materialista da forma ideológica democrática das várias espécies de CPLs, como o IBGE de Marcio P.  (Bandeira da Silveira; 2024).    

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Há comunidade psíquica linguística: de neurótico, de perverso, de psicótico. À cada dessas corresponde uma gramática de sentido de potentia se atualizando no campo político do real da realidade como: discurso político ou discurso retórico, como filosofia ou sofistica.

A CPL é uma estrutura de dominação de afecções que faz pendant como o poder do hegemonikon ou eu político estoico. Na CPL- psicótica, este poder heteróclito tem no sofista um servo altamente útil da prática política da democracia ou politeia. E tem no filósofo um objeto/imagem persecutório.  Então, o poder psicótico paranoico da politeia (aristocrático) condenou Sócrates [o primeiro filósofo popular de Atenas] a beber Cicuta. Tal acontecimento aparece como paradigma da relação do poder em geral com o filósofo.

O poder retórico é o sofista no campo político simbólico da multidão soberana. O problema da prática política como persuasão é a negação do conceito com realidade objetiva, conceito que não precisa da prova objetiva na gramática de sentido da CPL. Marx fala da CPL ideológica, como a única existente:

“as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito [entre relação técnica e relação social de produções} e o conduzem até o fim”. (Marx. 1974: 136). As formas ideológicas podem ser observadas como formas de auditório:

“A distinção que propomos entre persuasão e convicção explica indiretamente o vínculo que se costuma estabelecer, ainda que confusamente, de um lado entre persuasão e ação, de outro entre convicção e inteligência. Com efeito, o caráter intemporal de certos auditórios explica que os argumentos que lhes são destinados não constituem um apelo à ação imediata”. (Perelman. 1996 :32).

TODO auditório do CPL tem a relação persuasão/práxis individual? Todo CPL tem auditório lógico/linguístico, isto é, Estado lógico? O Estado delirante é um CPL de qual espécie?

Perelman;

“É, portanto, a natureza do auditório ao qual alguns argumentos podem ser submetidos com sucesso que determina em ampla medida tanto o  aspecto que assumirão as argumentações quanto o caráter, o alcance que lhes serão atribuídos. Como imaginamos os auditórios aos quais é atribuído  o papel normativo que permite decidir da natureza convincente de uma argumentação? Encontramos três espécies de auditórios, considerados privilegiados a esse respeito, tanto na prática corrente como no pensamento filosófico. O primeiro, constituído pela humanidade inteira, ou pelo menos por todos os homens adultos e normais, que chamaremos de auditório universal”. (Perelman. 1996: 33-34).

Há homens adultos, normais e racionais nas três CPLs supracitadas que podem participar do auditório universal:

“o segundo formado, no diálogo, unicamente pelo interlocutor a quem se dirige; o terceiro, enfim, constituído pelo próprio sujeito, quando ele delibara ou figura as razões de seus atos. Digamos de imediato que somente quando o homem às voltas consigo mesmo e o interlocutor do diálogo são considerados encarnação do auditório universal ´que adquirem o privilégio filosófico confiado à razão, em virtude do qual a argumentação a eles dirigida foi amiúde assimilada a um discurso lógico. Com efeito, conquanto o auditório universal de cada orador possa ser considerado, de um ponto de vista, exterior, um auditório particular, ainda assim, a cada instante e para cada qual, existe um auditório que transcende todos os outros e que é difícil precisar como um auditório particular. Em contrapartida, o indivíduo que delibera ou o interlocutor do diálogo podem ser percebidos como um auditório particular, cujas reações conhecemos e cujas características somos ao menos capazes de estudar. Daí a importância primordial do auditório universal enquanto norma da argumentação objetiva, pois o parceiro do diálogo e o indivíduo que delibera consigo mesmo não são mais que encarnações sempre precárias”. (Perelman. 1996: 34).

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O parlamento ´um auditório heterogêneo com tomada de decisão (Perelman: 80. É o modelo de auditório análogo ao quadro de referência de uma ordem ou época como tela gramatical narrativa. (Bandeira da Silveira. 2023: cap.39) Ele é um auditório universal?

Perelman:

“É óbvio que o valor dessa unanimidade depende do número e da qualidade dos que se manifestam, sendo o limite atingido, nessa área, pelo acordo do auditório universal. Trata-se evidentemente, nesse caso, não de um fato experimental provado, mas de uma universalidade e de uma unanimidade que o orador imagina, do acordo de um auditório que deveria ser universal, pois aqueles que não participam dele podem, por razões legítimas, não ser levados em consideração”. (Perelman. 1996: 35).

O orador é o gramático de uma práxis individual que fabrica a pratica política do auditório ou tela. Além das CPLs [de neurótico, de perveso, de psicótico], há a comunidade psíquica gramatical do filósofo. Essa CPL cria a polidez do espírito como afecção:

Henry Bergson fala dessa CPL do filósofo:

“É isso que o ensino da filosofia traz à tona. Sim aquela disposição de espírito bastante frequente naqueles que se aprofundaram na Filosofia, e que se procura por vezes confundir com o ceticismo, deveria ser chamada tolerância, imparcialidade, cortesia, polidez. A polidez é, portanto, diferente de um luxo; não é simplesmente uma elegância da virtude. À graça ela aliaria a força, no dia em que, entregando-se gradualmente, substituiria em todos os lugares a disputa pela discussão., amorteceria o choque das opiniões contrárias, e levaria os cidadãos a se conhecerem e a se amarem melhor uns aos outros”. (Bergson: 152).

 A CPl do filosofo não é uma comunidade/auditório das formas ideológicas e sim das formas de gramáticas. A CPlf pressupõe a conciliação barroca na potentia de ideias da práxis individual do gramático. A distinção entre o filósofo e o sofista é objeto que diz respeito ao auditório universal da CPL em geral:

A propos des sophistes, Hegel rabâche en long et em large l’idée qu’il y a dans la sofistique un élément commun à toute culture (Bildung) en général, y compris la nôtre, à savoir la production d’arguments (Grunde) und Gegengrund -, le raisonnement qui revient sur lui-même ‘, - l’art de trouver em tout de points de vue différents: ((Le subjectivisme est l’absence d’objectivisme))”. (Lenine. 1984: 255).     

Lenin cita Hegel:

“<Le penser vrai pense de façon que son contenu est tout autant non subjective mais est au contraire objectif> (44) – et chez Socrate et Platon on voit non seulement la subjectivité (<la réduction de la décision à la conscience lui> (à Socrate) – est commune avec les sophistes>)- mais l’objectivité.

<objectivité a ici (chez Socrate) le sens de l’universalité qui est en soi et pour soi, non pas celui de l’objectivité externe> (45) – id . 46: ,non pas objectivité extérieure mais bien: universalité de l’esprit>...”. (Lenine. 1984: 259).

Como universalidade, a objetividade insiste na tela gramatical narrativa do campo político conjuntural. Não se trata de filosofia do sujeito. Lenin vê a CPL-f como uma luta milenar entre dos partidos, entre dois auditórios ou tela gramaticais: idealista e materialista:

“Marx e Engels, que eram em filosofia, desde o princípio até o fim, homens de partido, souberam descobrir os desvios em relação ao materialismo e o ser conciliador vulgar com o idealismo e o fideísmo em todas e cada uma das ‘novíssimas direções”. (. Lenin. 1975: 270).

Assim:

“Cada tela gramatical contém sua definição de liberdade e verdade. Na tela metafísica, estar conforme a ordem teológica define a liberdade e a verdade dos gramáticos. O absoluto é a própria tela gramatical metafísica, definido assim por Hegel. O absoluto define que não há história pós-metafísica. O fim da história em Hegel, é, por causa, o fim da tela gramatical metafísica”.

“Na gramática dialética de Perelman, se deixar modelar pela tradição define uma tela gramatical não conforme o absoluto. Então, a gramática se move por concepção de valor que permite conhecer a superioridade de um quadro ou tela sobre as outras. E se entende o porquê do abandono de uma tela e sua substituição por outra nova constitui uma decisão histórica razoável”. *Bandeira da Silveira. 2023: cap. 39).

Perelman:

“Os filósofos sempre pretendem dirigir-se a um auditório assim, não por esperarem obter consentimento efetivo de todos os homens – sabem muito bem que somente uma pequena minoria terá um dia a oportunidade de conhecer seus escritos -, mas por crerem que todos os que compreenderem suas razões terão de aderir às suas conclusões. O acordo de um auditório universal não é, portanto, uma questão de fato, mas de direito. É por se afirmar o que é conforme a um fato objetivo, o que constitui uma asserção verdadeira e mesmo necessária, que se conta com a adesão daqueles que se submetem aos dados da experiência ou às luzes da razão”. (Perelman. 1996: 35).

As luzes da democracia barroca é o fenômeno privilegiado na CPL-f estudada por Lenine e Bukharin que teve como efeito a gramática de sentido NEP ou Nova Política Econômica.     

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O discurso escrito [apidíctico] é o modelo grego da autonomia absoluta do campo cultural (das práticas culturais como festa e atletismo em relação ao campo político da politeia da multidão e dos sofistas:

‘A maioria das obras-primas da eloquência escolar, os elogios e panegíricos de um Górgias ou de um Isócrates, trechos solenes célebres em toda a Grécia, constituíam discursos do gênero apidíctico. Contrariamente, aos debates político e jurídicos, verdadeiros combates em que os dois adversários procuravam, acerca de matérias controvertidas, ganhar a adesão de um auditório que decidia o desfecho de um processo ou uma ação por empreender, os discursos apidícticos não eram nada disso. Um orador solitário que, com frequência, nem se quer aparecia perante o público, mas se contentava em fazer circular sua composição escrita, apresentava um discurso ao qual ninguém se opunha, sobre matérias que não apareciam duvidosas e das quais não se via nenhuma consequência prática”. (Perelmen. 1996: 53). 

Aí se encontra a diferença entre discurso escrito do artista, discurso do espetáculo e o discurso escrito do gramático como práxis gramatical individual de uma prática política geral. No campo gramatical da antiguidade, o discurso escrito adquire uma outra natureza, ele é uma prática de persuasão para a ação na pólemos [e na stasis]:

“Demóstenes, considerado um dos modelos da eloquência clássica, consagrou a maior parte de seus esforços não só a obter dos atenienses que tomassem decisões conformes os seus desejos, mas também a pressioná-los, por todos os meios, a que essas decisões, uma vez tomadas, fossem executadas. Ele queria, de fato, que os atenienses travassem contra Felipe não ‘uma guerra de decretos e de cartas somente, mas uma guerra em ação”. (Perelman. 1996: 55).

O discurso escrito eloquente aparece como práxis gramatical individual da prática política como polemos.  

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Perelman fala em 1988 do aparelho de hegemonia de Estado [máquina argumentativa] que aparece como um agente de produção de ideologias argumentativas como fenômeno natural da civilização policiada rousseauniana:

“Toda sociedade que preza seus valores próprios tem, portanto, de favorecer as ocasiões que permitem aos discursos epidícticos se reproduzirem num ritmo regular: cerimônias em comemoração de fatos que interessam ao país, ofícios religiosos, elogios dos desaparecidos e outras manifestações que servem à comunhão dos espíritos. Na medida em que os dirigentes do grupo buscam aumentar sua ascendência sobre o pensamento de seus membros, multiplicarão as reuniões de caráter educativo e alguns chegarão mesmo, no limite, a empregar a ameaça ou a coerção para levar os recalcitrantes a se submeterem aos discursos que os impregnarão de valores comunitários. Em contrapartida, considerando qualquer ataque contra valores oficialmente reconhecidos um ato revolucionário, esses mesmos dirigentes, mediante o controle dos meios de comunicar as ideias, forcejarão por tornar difícil, se não impossível, para os adversários, a realização das condições prévias da argumentação. Estes últimos serão compelidos se quiserem continuar a luta, ao uso da força”. (Perelman. 1996: 61).

Tal narrativa contempla a situação brasileira do governo de Bolsonaro. Antes dela, Perelman fala do campo de ideologias cientificas pós-modernas (Baudrillard. 1981:177) que modelaram a prática política dos governos do PT:

“Alguns pretenderão que, às vezes, ou mesmo sempre, o recurso à argumentação não passa de uma dissimulação. Havendo apenas uma aparência de debate argumentativo, seja porque o orador impõe ao auditório a obrigação de escutar, seja porque este último se contenta em simular escutá-lo: tanto num como noutro caso, a argumentação não seria mais que uma léria, o acordo adquirido não passaria de uma forma disfarçada de coerção ou de um símbolo de boa vontade. Esta opinião sobre a natureza do debate argumentativo não pode ser excluída a priori; no entanto a movimentação da máquina argumentativa fica mal explicada se, em certos casos pelo menos, não há persuasão verdadeira. Com feito, toda comunidade, seja ela nacional ou internacional, prevê instituições jurídicas, políticas ou diplomáticas que permitem resolver certos conflitos sem que seja obrigado a recorrer à violência. Mas é uma ilusão crer que as condições dessa comunhão das consciências estão inscritas na natureza das coisas”. (Perelman. 1996: 62).

Com a desintegração do fenômeno da consciência nacional, a comunhão na comunidade psíquica linguística da política torna-se uma ilusão. Baudrillard parte dessa realidade para estabelecer o campo das ideologias pós-modernas, ideologias da hiper-realidade. Ele opera desintegrando os conceitos de poder em geral [na desconstrução de Foucault] e o de real lacaniano:

“A partir disso só se pode conceber uma nova peripécia, catastrófica, do poder, onde ele não consegue mais produzir o real, se produzir como real, abrir novos espaços ao princípio de realidade, e onde ele cai no hiper-real e se volatiliza – é o fim do poder, o fim da estratégia do real”. (Baudrillard.1984: 50-51).

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Os jogos de shifter da comunidade psíquica linguística é a potentia psicótica do campo político sublunar da atualidade:

“Roman Jakobson tomou esse termo [shifter] de Jespersen, para designar as palavras do código que só adquirem sentido através das coordenadas (atribuição, datação, local de emissão) da mensagem. Referidos à classificação de Peirce, são símbolos-índex. Os pronomes pessoais são exemplo eminente: sua dificuldade de aquisição e seus défits funcionais ilustram a problemática gerada por esses significantes no sujeito”. (Lacan. 1966:535).

 Como potentia de gramática de sentido, as relações técnicas de produção criaram um campo de gramáticas ideológicas psicóticas paranoicas no qual a língua tende para o grau zero da narrativa. Falo de uma experiência no Brasil.

Com Michel Temer e Bolsonaro emerge do real do poder psicótico a facção generalsilviofrota (da época da presidência do general Geisel), que planejou o golpe de Estado de 08/01/2023 – contra o governo Lula – e fracassou. Hoje, o Estado lógico territorial faz um movimento de gramática de sentido político para desintegrar essa facção frotista, com potestas subjacente, no GSI/Abin. Hoje, esse poder psicótico procura produzir um real mais real que o próprio hiper-real. Ela faz uma ofensiva contra Lula e o PT, ainda indeterminada em seus efeitos, mas que imediatamente tem como tática a extração de Lula do poder governamental.      

 

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Mundialização do mercantilismo capitalista. EUA: amazon, 2021

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