José Paulo
NAS décadas de 20 e 30 do século XX, apareceu o
<pensamento autoritário brasileiro”, uma gramática ideológica do campo
ditatorial nacional e local. A
democracia 1946/1964 não produziu um pensamento democrático constitucional.
Essa ´a razão de ela ter sido facilmente desintegrada. No Brasil, uma tradição
de discurso político democrático inexiste. Daí, não se saber direito a
distinção entre liberdade expressão como liberdade do direito natural e como um
fenômeno do direito positivo. O mundo jurídico não se preocupa com esses
problemas fatais para a democracia constitucional 1988/2024. A tradição da
ditadura no campo da direita faz pendant com a tradição russa/cubana/venezuelana
do alinhamento de pensamento dos partidos políticos da esquerda, por vias
transversas, com o pensamento autoritário dos anos 20 e 30. No fim das contas,
a “esquerda” joga água no moinho do discurso político autoritário brasileiro.
Como os partidos políticos podem se deslocar do campo da
ditadura -1964/2024 para o campo da democracia constitucional- 1988/2024. Os
partidos são comunidade psíquica linguística de uma prática política geral
fabricada por práxis individuais e de grupos no campo político parlamentar e
governamental. O que significa o silêncio de cemitério dos partidos e de suas
lideranças sobre a questão democrática virtualmente e realmente existente?
Bem! Os partidos políticos em geral do regime de 1988 não
sabem criar e recriar ideias democráticas ajustada a uma prática política
democrática. Por quê? Para eles não existe sentido em fazer tal coisa, em
estabelecer um campo de ideias de um estado de coisas ou realidade democrática
constitucional-1988. Um homem inteligente, com experiencia política secular,
que estudou em Harvard, o sr. Ciro Gomes não é capa de criar ideias
democráticas. Por quê?
As ideias, as crenças, as promessas etc. são fenômenos da
gramática de sentido existente virtualmente ou realmente na realidade do campo
político nacional territorial e cosmopolita. O sr. Gomes sabe que a relação de sinceridade entre
intencionalidade e realidade requer a condição de satisfação de sinceridade e
gramática de sentido. Ele só pode dizer que está chovendo se estiver chovendo.
Não se pode abrir mão da causalidade na gramática entre o dito sobre a coisa e
a realidade da coisa, por mais ambíguo que seja a relação gramatical entre o
dizer e a coisa. (Searle: 18).
2
A prática política democrática é constituída por um conjunto
de práxis individuais institucionais em uma situação concreta espaço/temporal.
A práxis individual insiste sob o guarda-chuva de gramáticas de sentido. Lacan
e Gramsci falam da relação da gramática com a prática política:
“Se a experiência analítica se acha implicada, por receber
seus títulos de nobreza do mito edipiano, é justamente por preservar a
contundência da enunciação do oráculo e, eu diria ainda, porque a interpretação
permanece sempre nesse mesmo nível. Ela só é verdadeira por suas consequências,
tal como o oráculo. A interpretação não é submetida à prova de uma verdade que
se decida por sim ou não, mas desencadeia a verdade como tal. Só é verdadeira
na medida em que é verdadeiramente seguida”. (Lacan. S.18: 13).
O que é verdadeiramente seguida? A prática política de uma
gramática de sentido que não tem sua verdade estabelecida na relação causal do
dito está chovendo com o fato de que está chovendo? isto é, quando digo que
está chovendo para ser verdade é preciso que esteja chovendo?
Na prática política analítica parte-se da gramática
mitológica e a crença do mito tem que ter condições de satisfação do dito?
“Desse modo, se tenho uma crença de que está chovendo, o
conteúdo de minha crença é que está chovendo. E as condições de satisfação são:
que esteja chovendo – e não, por exemplo, que o chão esteja molhado ou que
esteja caindo água do céu”. (Searle: 17).
A prática política em
geral é movida pela verdade do verdadeiro pelo acontecimento da massa seguir o
discurso do partido político, e isto define a relação entre representante e
representado em geral. Por que o partido bolchevique seguia o discurso político
de Lenin? A primeira gramática de sentido de Lenin falava que a revolução seria
liberal/burguesa dirigida pelo proletariado. Tratava-se de primeiro desenvolver
o capital capitalista antes da transição socialista. A segunda gramática de
Lenin fala em o partido bolchevique iniciar a transição socialista. Por que o
partido e as massas de operário, soldado e camponeses seguiram essa gramática
puramente socialista?
Lenin e o partido seguiram a gramática de sentido das massas
que já estavam com o poder político nos sovietes em uma dualidade de poder com
o aparelho de Estado governado pelos socialdemocratas. As massas tinham uma
concepção política de mundo de produção de uma gramática de sentido que dizia
ser possível, elas massas, governarem a Rússia, no lugar dos partidos políticos
ainda sob os efeitos da gramática de uma transição democrática em conciliação
barroca com o Estado tzarista. As massas criam e recriam a partir das práxis
individuais uma prática política [um aparelho de contrahegemonia de um novo
Estado pós-tzarista] que é a gramática de sentido que se pretende hegemônica
naquela conjuntura da moderna revolução russa:
“Poder-se-ia esboçar um quadro da ‘gramática normativa’ que
opera espontaneamente em toda sociedade determinada na medida em que ela tende
a unificar-se, seja como território, seja como cultura, isto é, na medida em
que nela existe uma classe dirigente cuja função seja reconhecida e seguida”.
(Gramsci: 169).
As massas viram em Lenin e no partido bolchevique a
representação de sua gramatica de sentido que constituía sua pratica política
em uma experiencia conjuntural que combinava stásis (insurreição, guerra civil)
e pólemos (guerra mundial). Ora. Tratava-se de um contexto racional da
sociedade de classes russa em um país subdesenvolvido, na periferia da Europa
do mercantilismo do capital capitalista. (Bandeira da Silveira; 2021). Bukharin
e Lenin haviam fabricado a gramática de sentido <capitalismo monopolista de
Estado> que correspondia ao mercantilismo do capial capitalista europeu. As
massas seguram com confiança essa gramática de sentido revolucionária social
bolchevique.
3
Em diferentes graus, escala e intensidade nas Américas, EUA,
Brasil, Argentina vivem em situações catastróficas. O heteróclito invade o
campo político e a Argentina tem 50% da população abaixo da linha de pobreza.
Milei representa os outros 50% que continuam como suporte da falta de projeto
par parar a decadência argentina. Os EUA parecem não saber mais o que é uma
classe dirigente como gramática de sentido hegemônica para ser seguida pela
nação. O Brasil se move no campo
político invadido pelo heteróclito que parece desintegrar continuamente as
condições de possibilidade de fabricar uma gramática de sentido que suporte a
democracia constitucional de 1988/2024.
A Rússia de Lenin vivia em uma situação catastrófica de uma
realidade heteróclita das lutas de classes e guerra mundial no território
russo. A democracia pós-tzarista aparece como as luzes barrocas da modernidade
em um contexto racional, apesar de tudo contra. Construir um novo Estado
moderno era a gramática de sentido dos partidos do campo democrático. O Estado
delirante de Michel Temer e Bolsonaro procurou desintegrar a gramática de
sentido da prática política constituída pelas práxis individuais dos constituintes
da Constituição democrática de 1988, que projetaram, virtualmente, um contexto
racional, lógico/gramatical pós-ditadura militar. Bolsonaro é o responsável por
ao menos 300 mil mortos pela covid. As células ditatórias do Estado delirante
impedem que ele seja julgado. Assim, um outro Estado lógico não é fabricado no
lugar do Estado de Temer/Bolsonaro. A situação catastrófica aparece na eleição
da cidade de São Paulo com o eleitorado se inclinando para candidatos
bolsonaristas que apareceram, na imprensa, tendo ligações com organizações
criminosas. O contexto infralógico de São Paulo parece ser o do resto do país.
No Ceará, Ciro Gomes diz que o PT é aliado de organização criminosa. E assim
apaga-se a fronteira entre o legal e o ilegal no campo político. Este é um
fenômeno que a história da Rússia de Lenine não enfrentou. As gramáticas de
sentido da história heteróclita parecem dominar cada vez mais o campo político
brasileiro, com uma nova versão do pensamento ditatorial brasileiro dos de
baixo, agora, hic e nuc:
“Hic Rhodus, hic salta!
Aqui está Rodes, salta aqui! (Marx. 1974: 338).
Quem governará o Brasil nesse andar da carruagem!
4
Há um campo político com regiões ditatoriais com partidos
ditatorialmente ideais, partidos fáticos ditatoriais e partidos indiferentes se
estão ou não no campo ditatorial. Um homem ilustrado no pós-modernismo como o
gaúcho Tarso Genro [que foi ministro da justiça do PT} fala de democracia
liberal [democracia burguesa] e não da democracia real, concreta de 1988, a
única que existe de fato e artefato. A democracia é uma forma ideológica que
passa a existir no cérebro de uma comunidade psíquica linguística de uma nação.
Para isso, a democracia tem que existir no cérebro dos indivíduos para ter
duração e sustentação na realidade de fatos e artefatos. Assim, cada formação
social territorial tem a sua própria história democrática como forma
ideológica. A relação do discurso político com a forma ideológica cerebral é
constitutiva da comunidade psíquica linguística democrática. Os EUA têm uma
história democrática que tem como símbolo a liberdade expressão absoluta. E os
países da América Latina?
Conheço um pouco a história das formas ideológicas do Brasil.
Aqui, não foi fabricado um discurso político democrático:
‘Mas, ao entrar o discurso político – atente-se pra isso – no
avatar, produziu-se o advento do real, a alunissagem, aliás sem que o filósofo
que há em todos nós, por intermédio do jornal, se comovesse com isso, a não ser
vagamente”.
‘O que está em jogo agora é o que ajudará a extrair o
real-da-estrutura aquilo que da língua não constitui cifra, mas signo a
decifrar”. (Lacan. 2003: 535).
O discurso político é criação e recriação de signos que a
filosofia decifra. Assim, é necessário a existência do discurso político
democrático -produção de signos democráticos para que a junção da filosofia
dialética com a ciência política materialista possa transformar a democracia em
uma comunidade psíquica linguística realmente e virtualmente existente. A
democracia como um conjunto de instituições de uma prática política pode ter
uma existência sem forma ideológica, sem ser uma comunidade psíquica linguística
ideológica na realidade objetiva e no cérebro. Ao invés de ser um discurso
político, ela pode ser um fato/artefato retórico. Em gera, o discurso político
necessita da filosofia dialética e ciência política materialista para existir
como comunidade psíquica linguística. Assim, a história do discurso político
democrático na América Latina é uma forma ideológica oca, sem realidade
material e dialética. No lugar do
discurso político, pode existir o poder político retórico. Hoje, a retórica faz
pendant com um fenômeno estudado por Niklas Luhmann:
“Organizações é, destarte, uma maneira determinada de
formação de sistemas através de aumento e redução de contingências. Este
princípio se mantém no interior dos sistemas organizacionais e é expresso pela
identidade de <cargos>. Cada cargo apresenta um ponto de conexão entre
programas contingentes de comportamento (condições da correção do
comportamento) e relações contingentes de comunicação com cada pessoa
contingente. A identidade do cargo é que permite reconhecer a contingência de
cada um destes diferentes aspectos. Ao mesmo tempo, como ponto de referência da
conexão, ela reduz a arbitrariedade destas contingências, uma vez que nem todas
as pessoas e nem toda rede de comunicação convém a cada tarefa. Desta forma a
contingência pode ser especificada, sob condições restritivas crescentes, no
cada vez mais improvável. Com isto, surge uma composição mais ou menos não-contingente
na conexão de elementos que poderiam ser outros. Com uma complexidade elevada
do contingente, seu relacionamento, a não-contingência, servem à relação da
complexidade. Enquanto a escolástica ainda tinha o simples por necessário e a
composição por contingente, afirmando por esta razão :Ex multis contingentibus
non potest fieri unum necessarium , nós contemporâneos tendemos a lamentar o
poso das organizações e a imobilidade de estruturas uma vez implantadas, ou
seja, o tornar-se necessário do contingente”. (Luhmann: 83).
A
democracia como realidade do contingente, do fungível, não é idêntico ao
sistema democrático como organização sistémica cibernética. Neste, a prática
política consiste em uma pessoa ter um cargo público como propriedade privada
de uma pessoa. O caso brasileiro é o mais completo. A pessoa no cargo tem que manejar algum tipo
de discurso. O discurso do indivíduo político torna-se contingente e
desnecessário para a prática política democrática global. O discurso do
jornalista e do comentarista da política faz funcionar a prática política como
um discurso retórico. A filosofia existente universitária perde sua função
retórica na prática política de organização sistêmica cibernética. As formas de
ideologia, de gosto, de gramática se tornam fenômenos de uma realidade textual
retórica. Ora. O Brasil do século XIX inventou o seu próprio discurso jurídico
retórico como paradigma da prática política monárquica e, em seguida,
republicana. Copiadas da Europa e EUA, as Constituições retóricas tiveram um
contraponto com a Constituição de 1988 que é, virtualmente, um discurso
político brasileiro. Porém, o regime 1988 se desenvolveu como prática política
retórica das antipraxias individuais de políticos, jornalistas e
universitários, formados na escola da nossa retórica que tem como símbolo
histórico o jurista integralista Miguel Reali.
5
O IBGE do governo Lula [instituição dirigida por Marcio
Pochmann} representa o discurso político da democracia constitucional de 1988.
É um campo de saber antiretórico que vive uma reciprocidade antagônica com
discurso retórico democrático do STF. Assim, qual é a diferença entre o
discurso retórico e o discurso político lacaniano de Márcio P:
“Para quem se preocupa com o resultado, persuadir é mais do
que convencer, pois, a convicção não passa da primeira fase que leva à ação [práxis
individual]. Para Rousseau, de nada adianta convencer uma criança ‘se não
se sabe persuadi-la’”.
“Em contrapartida, para quem está preocupado com o caráter
racional de adesão, convencer é mais do que persuadir. Aliás, ora essa
característica racional da convicção depende dos meios utilizados, ora das
faculdades às quais o orador se dirige. Para Pascal, o autômato é que é
persuadido, e ele entende com isso o corpo, a imaginação, o sentimento, em
suma, tudo quanto não é razão. Com muita frequência a persuasão será
considerada uma transposição injustificada da demonstração. Segundo Dumas, na
persuasão, o indivíduo ‘se contenta com razões afetivas e pessoais, sendo em
que essa prova afetiva diferiria tecnicamente de uma prova objetiva”. (Perelman.
1988: 35).
A persuasão é a porta de entrada do discurso político nas
comunidades psíquicas de signos. Mais além o discurso político se encontra com
a filosofia dialética da ciência política materialista da forma ideológica
democrática das várias espécies de CPLs, como o IBGE de Marcio P. (Bandeira da Silveira; 2024).
6
Há comunidade psíquica linguística: de neurótico, de
perverso, de psicótico. À cada dessas corresponde uma gramática de sentido de
potentia se atualizando no campo político do real da realidade como: discurso
político ou discurso retórico, como filosofia ou sofistica.
A CPL é uma estrutura de dominação de afecções que faz
pendant como o poder do hegemonikon ou eu político estoico. Na CPL- psicótica,
este poder heteróclito tem no sofista um servo altamente útil da prática
política da democracia ou politeia. E tem no filósofo um objeto/imagem
persecutório. Então, o poder psicótico
paranoico da politeia (aristocrático) condenou Sócrates [o primeiro filósofo
popular de Atenas] a beber Cicuta. Tal acontecimento aparece como paradigma da
relação do poder em geral com o filósofo.
O poder retórico é o sofista no campo político simbólico da
multidão soberana. O problema da prática política como persuasão é a negação do
conceito com realidade objetiva, conceito que não precisa da prova objetiva na
gramática de sentido da CPL. Marx fala da CPL ideológica, como a única
existente:
“as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou
filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam
consciência deste conflito [entre relação técnica e relação social de
produções} e o conduzem até o fim”. (Marx. 1974: 136). As formas ideológicas
podem ser observadas como formas de auditório:
“A distinção que propomos entre persuasão e convicção explica
indiretamente o vínculo que se costuma estabelecer, ainda que confusamente, de
um lado entre persuasão e ação, de outro entre convicção e inteligência. Com
efeito, o caráter intemporal de certos auditórios explica que os argumentos que
lhes são destinados não constituem um apelo à ação imediata”. (Perelman. 1996 :32).
TODO auditório do CPL tem a relação persuasão/práxis
individual? Todo CPL tem auditório lógico/linguístico, isto é, Estado lógico? O
Estado delirante é um CPL de qual espécie?
Perelman;
“É, portanto, a natureza do auditório ao qual alguns
argumentos podem ser submetidos com sucesso que determina em ampla medida tanto
o aspecto que assumirão as argumentações
quanto o caráter, o alcance que lhes serão atribuídos. Como imaginamos os
auditórios aos quais é atribuído o papel
normativo que permite decidir da natureza convincente de uma argumentação?
Encontramos três espécies de auditórios, considerados privilegiados a esse
respeito, tanto na prática corrente como no pensamento filosófico. O primeiro,
constituído pela humanidade inteira, ou pelo menos por todos os homens adultos
e normais, que chamaremos de auditório universal”. (Perelman. 1996: 33-34).
Há homens adultos, normais e racionais nas três CPLs
supracitadas que podem participar do auditório universal:
“o segundo formado, no diálogo, unicamente pelo interlocutor
a quem se dirige; o terceiro, enfim, constituído pelo próprio sujeito, quando
ele delibara ou figura as razões de seus atos. Digamos de imediato que somente
quando o homem às voltas consigo mesmo e o interlocutor do diálogo são
considerados encarnação do auditório universal ´que adquirem o privilégio
filosófico confiado à razão, em virtude do qual a argumentação a eles dirigida
foi amiúde assimilada a um discurso lógico. Com efeito, conquanto o auditório
universal de cada orador possa ser considerado, de um ponto de vista, exterior,
um auditório particular, ainda assim, a cada instante e para cada qual, existe
um auditório que transcende todos os outros e que é difícil precisar como um
auditório particular. Em contrapartida, o indivíduo que delibera ou o
interlocutor do diálogo podem ser percebidos como um auditório particular,
cujas reações conhecemos e cujas características somos ao menos capazes de
estudar. Daí a importância primordial do auditório universal enquanto norma da
argumentação objetiva, pois o parceiro do diálogo e o indivíduo que delibera
consigo mesmo não são mais que encarnações sempre precárias”. (Perelman. 1996:
34).
7
O parlamento ´um auditório heterogêneo com tomada de decisão
(Perelman: 80. É o modelo de auditório análogo ao quadro de referência de uma
ordem ou época como tela gramatical narrativa. (Bandeira da Silveira. 2023:
cap.39) Ele é um auditório universal?
Perelman:
“É óbvio que o valor dessa unanimidade depende do número e da
qualidade dos que se manifestam, sendo o limite atingido, nessa área, pelo
acordo do auditório universal. Trata-se evidentemente, nesse caso, não de um
fato experimental provado, mas de uma universalidade e de uma unanimidade que o
orador imagina, do acordo de um auditório que deveria ser universal, pois
aqueles que não participam dele podem, por razões legítimas, não ser levados em
consideração”. (Perelman. 1996: 35).
O orador é o gramático de uma práxis individual que fabrica a
pratica política do auditório ou tela. Além das CPLs [de neurótico, de perveso,
de psicótico], há a comunidade psíquica gramatical do filósofo. Essa CPL cria a
polidez do espírito como afecção:
Henry Bergson fala dessa CPL do filósofo:
“É isso que o ensino da filosofia traz à tona. Sim aquela
disposição de espírito bastante frequente naqueles que se aprofundaram na
Filosofia, e que se procura por vezes confundir com o ceticismo, deveria ser
chamada tolerância, imparcialidade, cortesia, polidez. A polidez é, portanto,
diferente de um luxo; não é simplesmente uma elegância da virtude. À graça ela
aliaria a força, no dia em que, entregando-se gradualmente, substituiria em
todos os lugares a disputa pela discussão., amorteceria o choque das opiniões
contrárias, e levaria os cidadãos a se conhecerem e a se amarem melhor uns aos
outros”. (Bergson: 152).
A CPl do filosofo não
é uma comunidade/auditório das formas ideológicas e sim das formas de
gramáticas. A CPlf pressupõe a conciliação barroca na potentia de ideias da
práxis individual do gramático. A distinção entre o filósofo e o sofista é
objeto que diz respeito ao auditório universal da CPL em geral:
A propos des sophistes, Hegel rabâche en long et em large
l’idée qu’il y a dans la sofistique un élément commun à toute culture (Bildung)
en général, y compris la nôtre, à savoir la production d’arguments (Grunde) und
Gegengrund -, le raisonnement qui revient sur lui-même ‘, - l’art de trouver em
tout de points de vue différents: ((Le subjectivisme est l’absence
d’objectivisme))”. (Lenine. 1984: 255).
Lenin cita Hegel:
“<Le penser vrai pense de façon que son contenu est tout
autant non subjective mais est au contraire objectif> (44) – et chez Socrate
et Platon on voit non seulement la subjectivité (<la réduction de la
décision à la conscience lui> (à Socrate) – est commune avec les
sophistes>)- mais l’objectivité.
<objectivité a ici (chez Socrate) le sens de
l’universalité qui est en soi et pour soi, non pas celui de l’objectivité
externe> (45) – id . 46: ,non pas objectivité extérieure mais bien:
universalité de l’esprit>...”. (Lenine. 1984: 259).
Como universalidade, a objetividade insiste na tela
gramatical narrativa do campo político conjuntural. Não se trata de filosofia
do sujeito. Lenin vê a CPL-f como uma luta milenar entre dos partidos, entre
dois auditórios ou tela gramaticais: idealista e materialista:
“Marx e Engels, que eram em filosofia, desde o princípio até
o fim, homens de partido, souberam descobrir os desvios em relação ao
materialismo e o ser conciliador vulgar com o idealismo e o fideísmo em todas e
cada uma das ‘novíssimas direções”. (. Lenin. 1975: 270).
Assim:
“Cada tela gramatical contém sua definição de liberdade e
verdade. Na tela metafísica, estar conforme a ordem teológica define a
liberdade e a verdade dos gramáticos. O absoluto é a própria tela gramatical
metafísica, definido assim por Hegel. O absoluto define que não há história
pós-metafísica. O fim da história em Hegel, é, por causa, o fim da tela
gramatical metafísica”.
“Na gramática dialética de Perelman, se deixar modelar pela
tradição define uma tela gramatical não conforme o absoluto. Então, a gramática
se move por concepção de valor que permite conhecer a superioridade de um
quadro ou tela sobre as outras. E se entende o porquê do abandono de uma tela e
sua substituição por outra nova constitui uma decisão histórica razoável”.
*Bandeira da Silveira. 2023: cap. 39).
Perelman:
“Os filósofos sempre pretendem dirigir-se a um auditório
assim, não por esperarem obter consentimento efetivo de todos os homens – sabem
muito bem que somente uma pequena minoria terá um dia a oportunidade de
conhecer seus escritos -, mas por crerem que todos os que compreenderem suas
razões terão de aderir às suas conclusões. O acordo de um auditório universal
não é, portanto, uma questão de fato, mas de direito. É por se afirmar o que é
conforme a um fato objetivo, o que constitui uma asserção verdadeira e mesmo
necessária, que se conta com a adesão daqueles que se submetem aos dados da
experiência ou às luzes da razão”. (Perelman. 1996: 35).
As luzes da democracia barroca é o fenômeno privilegiado na
CPL-f estudada por Lenine e Bukharin que teve como efeito a gramática de
sentido NEP ou Nova Política Econômica.
8
O discurso escrito [apidíctico] é o modelo grego da autonomia
absoluta do campo cultural (das práticas culturais como festa e atletismo em
relação ao campo político da politeia da multidão e dos sofistas:
‘A maioria das obras-primas da eloquência escolar, os elogios
e panegíricos de um Górgias ou de um Isócrates, trechos solenes célebres em
toda a Grécia, constituíam discursos do gênero apidíctico. Contrariamente, aos
debates político e jurídicos, verdadeiros combates em que os dois adversários
procuravam, acerca de matérias controvertidas, ganhar a adesão de um auditório
que decidia o desfecho de um processo ou uma ação por empreender, os discursos
apidícticos não eram nada disso. Um orador solitário que, com frequência, nem
se quer aparecia perante o público, mas se contentava em fazer circular sua
composição escrita, apresentava um discurso ao qual ninguém se opunha, sobre
matérias que não apareciam duvidosas e das quais não se via nenhuma
consequência prática”. (Perelmen. 1996: 53).
Aí se encontra a diferença entre discurso escrito do artista,
discurso do espetáculo e o discurso escrito do gramático como práxis gramatical
individual de uma prática política geral. No campo gramatical da antiguidade, o
discurso escrito adquire uma outra natureza, ele é uma prática de persuasão
para a ação na pólemos [e na stasis]:
“Demóstenes, considerado um dos modelos da eloquência
clássica, consagrou a maior parte de seus esforços não só a obter dos
atenienses que tomassem decisões conformes os seus desejos, mas também a
pressioná-los, por todos os meios, a que essas decisões, uma vez tomadas,
fossem executadas. Ele queria, de fato, que os atenienses travassem contra
Felipe não ‘uma guerra de decretos e de cartas somente, mas uma guerra em
ação”. (Perelman. 1996: 55).
O discurso escrito eloquente aparece como práxis gramatical
individual da prática política como polemos.
8
Perelman fala em 1988 do aparelho de hegemonia de Estado [máquina
argumentativa] que aparece como um agente de produção de ideologias argumentativas
como fenômeno natural da civilização policiada rousseauniana:
“Toda sociedade que preza seus valores próprios tem,
portanto, de favorecer as ocasiões que permitem aos discursos epidícticos se
reproduzirem num ritmo regular: cerimônias em comemoração de fatos que
interessam ao país, ofícios religiosos, elogios dos desaparecidos e outras
manifestações que servem à comunhão dos espíritos. Na medida em que os
dirigentes do grupo buscam aumentar sua ascendência sobre o pensamento de seus
membros, multiplicarão as reuniões de caráter educativo e alguns chegarão
mesmo, no limite, a empregar a ameaça ou a coerção para levar os recalcitrantes
a se submeterem aos discursos que os impregnarão de valores comunitários. Em
contrapartida, considerando qualquer ataque contra valores oficialmente
reconhecidos um ato revolucionário, esses mesmos dirigentes, mediante o
controle dos meios de comunicar as ideias, forcejarão por tornar difícil, se
não impossível, para os adversários, a realização das condições prévias da
argumentação. Estes últimos serão compelidos se quiserem continuar a luta, ao
uso da força”. (Perelman. 1996: 61).
Tal narrativa contempla a situação brasileira do governo de
Bolsonaro. Antes dela, Perelman fala do campo de ideologias cientificas
pós-modernas (Baudrillard. 1981:177) que modelaram a prática política dos
governos do PT:
“Alguns pretenderão que, às vezes, ou mesmo sempre, o recurso
à argumentação não passa de uma dissimulação. Havendo apenas uma aparência de
debate argumentativo, seja porque o orador impõe ao auditório a obrigação de
escutar, seja porque este último se contenta em simular escutá-lo: tanto num
como noutro caso, a argumentação não seria mais que uma léria, o acordo
adquirido não passaria de uma forma disfarçada de coerção ou de um símbolo de
boa vontade. Esta opinião sobre a natureza do debate argumentativo não pode ser
excluída a priori; no entanto a movimentação da máquina argumentativa fica mal
explicada se, em certos casos pelo menos, não há persuasão verdadeira. Com
feito, toda comunidade, seja ela nacional ou internacional, prevê instituições
jurídicas, políticas ou diplomáticas que permitem resolver certos conflitos sem
que seja obrigado a recorrer à violência. Mas é uma ilusão crer que as
condições dessa comunhão das consciências estão inscritas na natureza das
coisas”. (Perelman. 1996: 62).
Com a desintegração do fenômeno da consciência nacional, a
comunhão na comunidade psíquica linguística da política torna-se uma ilusão.
Baudrillard parte dessa realidade para estabelecer o campo das ideologias
pós-modernas, ideologias da hiper-realidade. Ele opera desintegrando os
conceitos de poder em geral [na desconstrução de Foucault] e o de real
lacaniano:
“A partir disso só se pode conceber uma nova peripécia,
catastrófica, do poder, onde ele não consegue mais produzir o real, se produzir
como real, abrir novos espaços ao princípio de realidade, e onde ele cai no
hiper-real e se volatiliza – é o fim do poder, o fim da estratégia do real”.
(Baudrillard.1984: 50-51).
9
Os jogos de shifter da comunidade psíquica linguística é a
potentia psicótica do campo político sublunar da atualidade:
“Roman Jakobson tomou esse termo [shifter] de Jespersen, para
designar as palavras do código que só adquirem sentido através das coordenadas
(atribuição, datação, local de emissão) da mensagem. Referidos à classificação
de Peirce, são símbolos-índex. Os pronomes pessoais são exemplo eminente: sua
dificuldade de aquisição e seus défits funcionais ilustram a problemática
gerada por esses significantes no sujeito”. (Lacan. 1966:535).
Como potentia de gramática
de sentido, as relações técnicas de produção criaram um campo de gramáticas
ideológicas psicóticas paranoicas no qual a língua tende para o grau zero da
narrativa. Falo de uma experiência no Brasil.
Com Michel Temer e Bolsonaro emerge do real do poder
psicótico a facção generalsilviofrota (da época da presidência do general
Geisel), que planejou o golpe de Estado de 08/01/2023 – contra o governo Lula –
e fracassou. Hoje, o Estado lógico territorial faz um movimento de gramática de
sentido político para desintegrar essa facção frotista, com potestas subjacente,
no GSI/Abin. Hoje, esse poder psicótico procura produzir um real mais real que
o próprio hiper-real. Ela faz uma ofensiva contra Lula e o PT, ainda
indeterminada em seus efeitos, mas que imediatamente tem como tática a extração
de Lula do poder governamental.
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