quarta-feira, 27 de setembro de 2017

TRANDIALÉTICA GRAMATICAL – Merleau-Ponty e Althusser

José Paulo

Da dialética à transdialética


Minha formação de juventude é dialética e freudiana. Em Freud, me deparei com a ideia de sobredeterminação, da infância que jamais desaparece no sujeito gramatica, e, no entanto, é modificada pelo presente do adulto. A maioridade redefine retroativamente o passado no presente.
Em 1967, li o ensaio de Althusser Contradição e sobredeterminação. Althusser transportou para a ciência da história a sobredeterminação freudiana. Rigorosamente, não se trata mais da dialética hegeliana ou marxista. Trata-se de um deslizamento transliterário da dialética para um outro campo de saber fazendo pendant com outra realidade dos fatos. Há uma lacuna no discurso de Althusser onde falta o significante gramatical capaz de nomear o procedimento althusseriano com rigor, pois não se trata mais de dialética.

Althusser não pensou que sua dialética freudiana e leninista era um fenômeno novo, uma nova episteme no sentido lacaniano. Uma nova posição de ver o campo de saber fazendo pendant com a realidade dos fatos. Esta nova episteme explica a crise russa (deslocamento e condensação de contradições em um ponto de fusão) e, portanto, a revolução bolchevique como transdialética.

A transdialética (ou dialética com sobredeterminação) é a mudança do passado no presente como produção da contemporaneidade. A transdialética leninista não alterou o curso gramatical historial do século XX? O passado do capitalismo capitalista e representativo democrático do século XIX foi alterado em seus múltiplos sentidos dialéticos por um sentido transdialético único, tendo como causa o confronto e diálogo com o leninismo da revolução russa.

O capitalismo capitalista passou a ser um movimento gramatical transdialético de ruptura consigo próprio. O capitalismo capitalista adquiriu a forma do capitalismo monopolista de Estado dissipando a fronteira entre o privado e o público: na economia, cultura e sociedade. O capitalismo se misturou com o Estado na articulação do ser da economia internacional do século XX.

O globalismo neoliberal da década de 1990 é um movimento transdialético gramatical, onde o passado gramatical do século XX é modificado por um novo presente, por uma nova maioridade gramatical. Trata-se da tentativa de refundar o capitalismo capitalista do século XIX? Com efeito, o neoliberalismo tem o capital fictício no comando da economia fazendo pendant com o capitalismo corporativo mundial. Se aproximando da década de 2020, há a crise transdialética do movimento do globalismo neoliberal. No momento, o presente começa seu trabalho de sobredeterminação gramatical sobre o passado. A crise se define também como o velho que não quer morrer e o novo que ainda não saiu do útero.

No caminho visível da transdialética mundial, a gramática da guerra nuclear em narração reflexiva na cultura mundial torna-se vapor barato, articulação da realidade dos fatos por delírios psicóticos de governantes-crianças mimadas.

O livro sobre a dialética da sobredeterminação de Althusser é de 1965 (Pour Marx). Althusser não era um leitor atualizado das publicações em filosofia, assim como não leu O Capital, de Marx.  O livro O visível e o invisível (Merleau-Ponty) é de 1964, pela editora Gallimard. Trata-se de um livro que traz a transdialética gramatical freudiana no território da ontologia, antes de Althusser, portanto. Encerro citando um longo trecho sobre a criação parisiense da transdialética gramatical freudiana no terreno da episteme da filosofia de Merleau-Ponty, para a reflexão do leitor:

"De sorte que o Ser, pela própria exigência de cada uma das perspectivas do ponto exclusivo que o define, torna-se um sistema de várias entradas; não pode, portanto, ser contemplado de fora e na simultaneidade, devendo ser efetivamente percorrido; nessa transição, as etapas passadas não são simplesmente passadas, como trecho da estrada percorrido, mas chamaram ou exigiram as etapas presentes exatamente no que têm de novo e desconcertante, continuam, pois, a ser nelas, o que quer dizer também que retroativamente são por elas modificadas; aqui não se trata, pois, de um pensamento que segue uma rota preestabelecida, mas de um pensamento que abre seu próprio caminho, que se encontra a si próprio avançando, provando a viabilidade do caminho, percorrendo-o – esse pensamento inteiramente subordinado a seu conteúdo, de quem recebe incentivo, não poderia conceber-se como reflexo ou cópia de um processo exterior, é engendramento de uma relação a partir de outra. De forma que, não sendo testemunha estranha e muito menos agente puro, está implicado no movimento e não o sobrevoa”. (Merleau-Ponty: 91-92).   

MERLEAU-PONTY, M. O visível e o invisível. SP: Perspectiva, 1971 





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