terça-feira, 5 de setembro de 2017

DEMOCRACIA REPRESENTATIVA – VIRTUAL E ATUAL

José Paulo

A democracia representativa nasce na realidade virtual de ideias e estruturas de pensamento de grandes nomes do pensamento político moderno como Locke e Rousseau. A teoria política democrática faz pendant com a ideologia gramatical democrática que ao invadir o real encontra em rés do chão um sujeito gramatical que a transmuta em um fenômeno do real.

A democracia virtual é individualista em contraposição ao organicismo autocrático. O individualismo põe e repõe a biografia individual singular na base da constituição da sociedade civil (o individualismo econômico da sociedade de mercado) e da sociedade política (individualismo da representação política que tem como soberano a biografia do indivíduo singular).

A democracia se funda virtualmente na representação política onde governantes eleitos representam a sociedade dos indivíduos condensada em povo-nação. O individualismo político faz pendant com a ideia de nação e de povo moderno, e como individualismo econômico da sociedade capitalista de mercadoria.

A representação de interesses não é uma ideia da democracia. Ela é um fenômeno fático que abole a representação política e também troca no proscênio da política moderna a biografia individual pelo grupo que no século XX se transforma em um grupo burocrático.

A burocracia partidária e a burocracia economia da sociedade quase pós-capitalista (fim do homo oeconomicus) são fenômenos fáticos que atualizam a democracia virtual em uma forma política que não mais se distingue inteiramente da autocracia oligárquica. A elite (Pareto), a oligarquia (Mosca), a burocracia partidária (Michels), a elite no poder (C. Wright Mills), a democracia procedimental da plurivocidade de elite (Schumpeter) - com a presença de algumas elites disputando o voto popular (poliarquia) - constituem a realidade dos fatos políticos da democracia representativa de interesse.

Espécies de democracia de interesse se apresentam se a democracia é o governo de uma elite do poder ou de uma poliarquia. De fato, a democracia de interesse significa que o grupo ou grupos de poder exercem um mandato imperativo de grupos de interesse ou grupos econômicos. O mandato imperativo vincula organicamente o governante ao interesse econômico de seu governado. Trata-se de uma sociedade democrática economicista. Marx e os marxista falam do Estado liberal (e da democracia burguesa realmente existente) como comitê da burguesia pois se tratava de uma democracia da sociedade capitalista.  

Hoje, se trata de uma democracia procedimental de interesse de uma sociedade pós-capitalista. O partido político burocrático se transformou em uma máquina de guerra política freudiana e/ou em uma organização criminosa burocrática sociológica.

A democracia virtual expõe o desejo de quebrar o laço gramatical efetivo com a sociedade da autocracia organicista através da invasão do real da sociedade absolutista, usando a ideologia gramatical individualista da representação política. A democracia virtual é um conjunto de ideias e estruturas de pensamento que ao invadir o real como ideologia gramatical individualista é metabolizada pelo sujeito gramatical efetivo no real da realidade dos fatos. Cada atualização da democracia tem uma história em cada povo ou conjunto de povos, continente geopolítico etc.

Na cultura brasileira, o problema da atualização da democracia pode começar na discussão de Sérgio Buarque de Holanda em seu Raízes do Brasil, Capítulo V. Partindo da cultura grega da antiguidade, Sérgio rechaça Aristóteles e sua concepção organicista de que o todo vem antes das partes e de que o Estado é um prolongamento da sociedade tradicional que tem como eixo a família da antiguidade e no Brasil a família oligárquica do sertão de Euclides da Cunha ou de Guimarães Rosa. 

Sérgio diz:
“De acordo com esses doutrinadores, o Estado e as suas instituições descenderiam em linha reta, e por simples evolução da Família. A verdade, bem outra, é que pertencem a ordens diferentes em essência. Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão, ante as leis da Cidade. Há nesse fato um triunfo do geral sobre o particular, do intelectual sobre o material, do abstrato sobre o corpóreo e não uma depuração sucessiva, uma espiritualização, de formas mais naturais e rudimentares, uma procissão das hipóstases, para falar como na filosofia alexandrina. A ordem familiar, em sua forma pura, é abolida por uma transcendência”.

O Estado brasileiro tem sua origem no Estado patrimonialista português colonial. Trata-se de um Estado onde a família real é a essência do poder estatal. Trata-se de um Estado como prolongamento da Família real. O Império brasileiro do século XIX é um prolongamento de d. Pedro I, de d. Pedro II e, finalmente, da princesa Isabel que aboliu o modo de produção colonial escravagista.

A República fática brasileira põe a Família Oligárquica no lugar do poder pessoal moderador de d. Pedro II. A oligarquia sulista cria o trabalhismo getulista (populismo para USP), a democracia trabalhista de 1950-1964 (por efeito do suicídio do presidente Getúlio Vargas). Trata-se de uma democracia de representação procedimental de interesse. O Estado militar autocrático é um ciclo de política de duas décadas substituído, finalmente, (e apesar de José Sarney) pela democracia constitucional individualista 1988. Porém tratava-se de uma democracia individualista virtual.

A atualização da democracia virtual 1988 assumiu uma forma de democracia de interesse onde o partido político se transmutou em máquina de guerra política freudiana ou em organização burocrática criminosa sociológica (fenômenos fáticos que abolem a lei democrática virtual como regra do jogo político e da vida real da política). Trata-se de uma democracia onde grupos oligárquicos são soberanos e a soberania popular da biografia individual singular é a aparência de semblância da realidade dos fatos políticos na participação pelo voto de 4 em 4 anos.

Há um conflito latente e manifesto entre o individualismo virtual da democracia constitucional 1988 e a democracia procedimental de interesse que resulta na solução pela criação da forma democracia neoliberal brasileira. Esta é a democracia de interesse neoliberal provida de uma gramática em narrativa lógica economicista que unifica as várias facções oligárquicas regionais transformando-as em uma elite de poder neoliberal “nacional”.

Há contradições na elite de poder sobre quem deve exercer o poder pessoal moderador de d. Pedro II republicano (a presidência da República de representação de interesse privado). Tais contradições são resolvidas na eleição a cada 4 anos enquanto a elite do poder quebra-a-cabeça para elaborar na prática do discurso do político a forma da democracia neoliberal a ser consolidada na eleição de 2018.                                     
    
    

         

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