Engels, Freud, Nietzsche
José Paulo Bandeira
A máquina de guerra nietzschiana usa violência sem limite como a freudiana. O uso da violência na última significa felicidade, ou gozo absoluto, realização da satisfação do instinto de morte tendo como objeto a população. Uma e outra se constituem como significantes da cultura política universal?
A máquina de guerra nietzschiana usa violência sem limite como a freudiana. O uso da violência na última significa felicidade, ou gozo absoluto, realização da satisfação do instinto de morte tendo como objeto a população. Uma e outra se constituem como significantes da cultura política universal?
A máquina freudiana está
associada à cultura política freudiana da guerra. Em sua filosofia política
econômica, Engels deixou um fragmento admirável sobre a guerra; “ a força de
trabalho adquiriu então um valor. Porém, nem a própria comunidade nem o
agrupamento de que fazia parte forneciam forças de trabalho disponíveis,
excedentes. A guerra proporcionava-as, e a guerra era tão antiga como a
existência de vários grupos de comunidades próximas. Até então não tinham sabido
o que haviam de fazer com os prisioneiros, e por isso os matavam, e, em tempos
anteriores, comiam-nos. Mas quando se chegou a esta fase da “situação
econômica” os prisioneiros adquiriram um valor; por isso lhes foi concedido
viverem, para se poder aproveitar o seu trabalho. Desta maneira, a violência,
longe de dominar a situação econômica, foi posta, como se vê a serviço desta”
(Engels: 53).
A existências de vários grupos de
comunidade é condição de possibilidade da cultura política da guerra que tem como
motor o narcisismo das pequenas diferenças: “ Em outras ocasiões, examinei o
fenômeno no qual são precisamente comunidades com territórios adjacentes, e
mutuamente relacionadas também sob outros aspectos, que se empenham em rixas
constantes, ridicularizando-se umas às outras, como os espanhóis e os
portugueses, por exemplo, os alemães do Norte e os alemães do Sul, os ingleses
e escoceses, e assim por diante. Dei a esse fenômeno o nome ‘narcisismo das
pequenas diferenças’, denominação que não ajuda muito a explicá-lo. Agora
podemos ver que se trata de uma satisfação conveniente e relativamente inócuo
da inclinação para a agressão, através da qual a coesão entre os membros da comunidade
é tornada mais fácil. Com respeito a isso, o povo judeu, espalhado por toda
parte, prestou os mais úteis serviços às civilizações dos países que os
acolheram; infelizmente, porém, todos os massacres de judeus na Idade Média não
bastaram para tornar o período mais pacífico e mais seguro para seus
semelhantes cristãos. Quando o apóstolo Paulo postulou o amor universal de sua
comunidade cristã, uma extrema intolerância por parte da cristandade para com
os que permaneceram fora dela tornou-se uma consequência inevitável” (Freud:
136-137). Freud não conhecia conscientemente/formalmente/conceitualmente o significante máquina de guerra freudiana. Mas é claro e evidente que a destruição dos judeus na Idade Média é um significante-objeto da violência sem limite articulador da cultura cristã como cultura política freudiana da guerra. Assim a Igreja articula-se (pelo princípio do narcisismo das pequenas diferenças fazendo pendant com o instinto de morte) como uma máquina de guerra freudiana!
Por pensar neuroticamente a
cultura política universal a partir do homo clausus (princípio da biografia
subjetiva modernista), Freud não deu a atenção necessária ao conceito de
cultura política da guerra historial universal a partir da trans-subjetividade
das massas (princípio biográfico trans-subjetivo das massas sujeito zero) como
interseção do princípio do narcisismo com o instinto de morte. Porém, a física
freudiana retoma tal clareira freudiana!
Grupos de comunidades
estabelecem-se como máquinas de guerra freudianas. A máquina de guerra freudiana
associa uma relação fatal entre massas comunitárias pelo princípio do
narcisismo das pequenas diferenças. O assassinato do inimigo e o canibalismo
constituem significantes da cultura da guerra freudiana, não por não saberem o
que fazer com os prisioneiros, mas como parte do gozo comunitário articulado
pelo princípio do narcisismo: felicidade.
Diz Freud: “ Por um lado, visa a
uma ausência de sofrimento e de desprazer; por outro, à experiência de intensos
sentimentos de prazer. Em seu sentido mais restrito, a palavra ‘felicidade’ só
se relaciona a esses últimos” (Freud: 94). A felicidade é um significante da
filosofia política econômica freudiana: “ A felicidade, no reduzido sentido em
que a reconhecemos como possível, constitui um problema da economia da libido
do indivíduo” (Idem: 103). Pelo princípio do narcisismo freudiano, ela vai além
da subjetividade, ela articula-se à trans-subjetividade das massas
comunitárias.
O instinto inibido em sua
finalidade (Idem: 102, 122) de realização de satisfação da pulsão de morte
define o princípio da realidade em uma transdialética com o princípio do
narcisismo como felicidade. Assim, o assassinato das massas inimigas está
proibido assim como canibalizar o próximo! Fim do gozo absoluto comunitário!
Parece que esta verdade é desconhecida da oligarquia financeira internacional,
pois, esta canibaliza os povos ao redor do planeta.
Freud socorre-se em Plautus para
definir o modelo da cultura política da guerra:
“ O elemento de verdade por trás
disso tudo, elemento que pessoas estão dispostas a repudiar, é que os homens
não são criaturas gentis, que desejam ser amadas e que, no máximo, podem
defender-se quando atacadas; ao contrário, são criaturas entre cujos dotes
instintivos deve-se levar em conta uma poderosa cota de agressividade. Em
resultado disso, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial
ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a
sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação,
utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses,
humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo. Homo homini lupus.
Quem, em face de toda a sua experiência da vida e da história, terá a coragem
de discutir essa asserção? Via de regra, essa cruel agressividade espera por
alguma provocação, ou se coloca a serviço de algum outro intuito, cujo objetivo
também poderia ter sido alcançado por medidas brandas. Em circunstâncias que
lhe são favoráveis, quando forças mentais contrárias que normalmente a inibem
se encontram fora de ação, ela também se manifesta espontaneamente e revela o
homem como sua besta selvagem, a quem a consideração para a sua própria espécie
é algo estranho. Quem quer que relembre as atrocidades cometidas durante as
migrações raciais ou as invasões dos hunos, ou pelos povos conhecidos como
mongóis sob a chefia de Gengis Khan e Tarmelão, ou na captura de Jerusalém
pelos piedosos cruzados, ou mesmo, na verdade, os horrores da recente guerra
mundial, quem quer que relembre tais coisas terá de se curvar humildemente ante
a verdade dessa opinião” (Idem: 133). Freud se refere a ação agressiva/mortífera do Estado moderno na I Guerra Mundial.
A cultura política da guerra será
alterada pelo significante sublimação, por uma verdadeira cultura política
sublimatória, ou seja, pelo significante sublimação do instinto de morte: “ A
sublimação do instinto constitui um aspecto particularmente evidente do desenvolvimento
cultural; é ela que torna possível às atividades superiores, científicas,
artísticas ou ideológicas, o desempenho de um papel tão importante na vida
civilizada” (Freud: 118).
A filosofia política econômica
introduz a possibilidade do significante economia ter alterado a felicidade das
massas comunitárias. Então, o princípio da economia é o princípio da realidade
de contenção do gozo comunitário narcísico. Assim, Engels deixa de aparecer
como uma subjetividade psicótica economicista que quer explicar tudo pela categoria
de economia fática. A física de Marx e Engels não é a teoria do real (fatos
econômicos), mas uma filosofia política econômica que tem a cultura política
econômica como significante primordial. Com a filosofia política econômica lacaniana,
a economia é o real da totalidade RSIcp (Real/Simbólico/Imaginário/cultura
política) articulada pelo princípio da cultura política.
Com o globalismo neoliberal, o
Estado nacional foi tratado como um excrescência, ou então, como uma velha
maquinaria inútil, obsoleta e incômoda. A cultura política nacional foi tratada
como o inimigo do capital mundial. O capital esqueceu que as massas sujeito
zero bárbaro vivem no território existencial nacional civilizadamente
pacificado. O capital considerou estrategicamente que a lógica da ruína da
trans-subjetivação nacional pós II Guerra Mundial significava a redução do
Estado-Nação a simples ancilar da sua lógica globalista neoliberal. Não contou
com a resiliência do Estado-Nação na transdialética envolvendo nações e
capital.
Então, com a hegemonia do capital
corporativo mundial digital no bloco-no-poder mundial, algo acontece com a
trans-subjetivação das massas sujeito zero internacional nos EUA e na Europa da
União Europeia. Poderosas forças políticas nacionais ameaçam a dominação sem
Estado do capitalismo mundial. Nietzsche nos socorre.
“ Em segundo lugar, o que a
inserção de uma população sem normas e sem freios numa forma estável, assim
como tivera início com um ato de violência, foi levada a termo somente com atos
de violência – que o Urstaat (o mais antigo Estado, em consequência, apareceu
com uma terrível tirania (ditadura),
uma maquinaria esmagadora e implacável, e assim prossegui seu trabalho, até que
tal matéria-prima humana e semi-animal ficou não só maleável e dócil, mas
também dotada de uma forma. Fiz uso da categoria “Estado”, pois, está claro a
que me refiro. Trata-se de um bando de bestas louras, uma raça de
conquistadores e senhores, que, organizada guerreiramente e com força para
organizar, sem hesitação lança suas garras terríveis sobre uma população talvez
imensamente superior em número, mais ainda informe e nômade. Deste modo começa
a existir o Urstaat na terra. Penso haver-se acabado aquele sentimentalismo que
o fazia começar com um “contrato”. Quem pode dar ordens, quem por natureza é
master, quem é violento em atos e gestos nada tem a ver com contratos!”
(Nietzsche. 1971a: 96).
Está muito claro que o Urstaat do
bando de letras louras é a máquina de guerra nietzschiana que usa violência
simbólica e/ou real sem limite para transformar uma massa populacional informe
em uma forma política: povo, por exemplo. Tal máquina nietzschiana ex-siste na
cultura política da guerra nietzschiana, que começa com o bando de bestas
louras. Na civilização arcaica, tal máquina de guerra significa o trabalho do
escultor (ditadura) sobre as massas informes (o mármore bruto) para produzir
formas políticas. Isso é o Estado cultural político ditatorial na civilização
arcaica. Portanto, a ditadura não é uma invenção da cultura política romana da
antiguidade. Ela não se transformou em um significante universal com o
cesarismo de Caio Júlio César. A ditadura é um significante verdadeiramente
universal nietzschiano desde a história da cultura política universal da
civilização arcaica com o Urstaat. Porém, isso não é o Estado moderno!
Para tornar mais complexo a
relação da violência (instinto de morte) com a cultura política universal,
Nietzsche pensa a ideologia em um contraponto com a vontade de potência em uma
filosofia política econômica para almas fortes:
“ Segue-se que ‘justo’ e ‘injusto’
existem apenas a partir da instituição da lei (e não, como quer Dühring, a partir do ato ofensivo). Falar de justo e
injusto em si carece de qualquer
sentido; em si, ofender, violentar,
explorar, destruir não pode naturalmente ser algo ‘injusto’, na medida em que essencialmente, isto é, em suas funções
básicas, a vida atua ofendendo, violentando, explorando, destruindo, não
podendo sequer ser concebida sem esse caráter. É preciso mesmo admitir algo
mais grave. Do mais alto ponto de vista biológico, os estados de direito só
podem ser estados de exceção, como
restrições parciais da vontade de vida que visa o poder, e cujos fins gerais se
subordinam enquanto meios particulares, ou seja, como meios para criar maiores unidades de poder. Uma ordem de
direto concebida como geral e soberana, não como meio na luta entre complexos
de poder, mas como meio contra toda
luta, mais ou menos segundo o clichê comunista de Dühring, de que toda vontade
deve considerar toda outra vontade como igual, seria um princípio hostil à vida, uma ordem destruidora e desagregadora do homem, um atentado
ao futuro do homem, um sinal de cansaço, um caminho sinuoso para o nada”
(Nietzsche. 1971a: 83).
A filosofia política econômica
pensa o direito como ordem geral e soberana como meio de luta entre complexos de
poder que incluem homem e máquina de guerra nietzschiana movida pela vontade de
potência que é o avesso de um princípio hostil à physis política. A cultura
política da guerra nietzschiana faz pendant com uma nova metafísica que, por
sua vez, faz pendant com uma filosofia política econômica, que por sua vez, faz
pendant com uma física da cultura política universal. Mas o problema ainda era
o homem como vontade de potência, e, não a máquina de guerra como significante
que pode servir a tal vontade de potência.
No livro “Assim falou
Zaratustra”, Nietzsche avança uma filosofia política econômica da guerra na era
do último homem:
“ Deveis ser aqueles cujos olhos
estão sempre à procura de um inimigo – do vosso inimigo. Em alguns de vós,
nasce um ódio logo ao primeiro olhar.
Deveis procurar vosso inimigo,
deveis fazer a vossa guerra e fazê-la pelos vossos pensamentos! E, se vosso pensamento
for vencido, que a vossa retidão lance, ainda assim, um grito de vitória!
Deveis amar a paz como meio para
novas guerras. E mais a paz curta que a longa. A vós, não aconselho o trabalho,
mas a luta. A vós, não aconselho a paz, mas a vitória. Que o vosso trabalho
seja uma luta; e a vossa paz, uma vitória.
Só se pode ficar calado e
tranquilo quando se tem o arco e a flecha. Senão vivesse em ociosas conversas e
desavenças. Que a vossa paz seja uma vitória.
Não se diz que a boa causa
santifica até a guerra? Eu vos digo -
boa guerra santifica qualquer causa” (Nietzsche. 1971b: 64-65).
A propósito, Nietzsche
estabelece, assim, o significante máquina de guerra de pensamento fazendo pendant com a epistemologia
política da guerra. Talvez, aí se tenha suprassumido a filosofia política
econômica (metafísica em si) de Platão!
No história da cultura política
mundial, tal filosofia política econômica nietzschiana não despertou o desejo
das massas sujeito zero social pelo Urstaat na Europa na I e na II Guerra
Mundiais? A cultura política da paz europeia não se conciliou, finalmente, com
a filosofia política da guerra de Nietzsche? A cultura política da guerra
nietzschiana não faz das massas europeias sujeito zero bárbaro uma máquina de
guerra nietzschiana possuídas pela poesia aristocrática da guerra? Máquina de
guerra poética! O Estado moderno ainda era o Estado semblância nacional. Ele não é o Estado da trans-subjetivação do território existencial nacional pacífico das massas sujeito zero patriota.
Pensando o Estado moderno em sua
filosofia política econômica, Nietzsche cria um axioma terrível que se torna a
verdade do capital mundial no fim do século XX:
“ Ainda há povos e rebanhos, em
algum sítio, mas não entre nós, meus irmãos – aqui, há Estados.
Estado? Que é isto? Pois seja!
Abri bem os ouvidos, porque, vou dizer-vos a minha palavra sobre a morte dos
povos.
Chama-se Estado o mais frio de
todos os monstros frios. E, com toda frieza, também mente; e esta mentira sai
rastejando da sua boca – “Eu, o Estado, sou o povo”!
É mentira. Criadores, foram os
que formaram os povos e suspenderam por cima deles uma fé e um amor; assim,
serviram a vida.
Destruidores, são os que preparam
armadilhas para muitos e as chamam Estado; e suspendem por cima deles uma
espada e cem cobiças.
Onde existe um povo, este não
compreende o Estado e o odeia como má sorte e uma ofensa aos costumes e à
justiça.
Esta indicação eu vos dou: cada
povo fala a sua língua do bem e do mal e não a entende o vizinho. Cada povo
inventou a sua própria língua, segundo os costumes e a justiça. (Trata-se de uma língua literária política).
Mas o Estado mente em todas as
línguas do bem e do mal; e, qualquer coisa que diga, mente – e, qualquer coisa
que possua, roubo-a.
Nele, tudo é falso. Morde com os
dentes roubados, esse mordedor; falsa são até as suas estranhas.
Confusão de línguas do bem e do
mal. Isso é a marca do Estado. Essa marca significa, com efeito, vontade de
morrer. De fato, ele chama os pregadores da morte. (O Estado moderno é uma máquina de guerra freudiana)
Nasce gente demais; para os
supérfluos, inventou-se o Estado” (Nietzsche. 1971b: 66-67).
A filosofia política econômica
nietzschiana articula-se como falta de um significante. Como falta do capital
moderno. Assim, ela se transformou na filosofia política do capital que é a
vontade de se articular como falta de um significante: Estado em geral. No entanto, Nietzsche fala uma semiverdade
sobre o Estado moderno ao dizer que ele se articula no reino da aparência pelo
significante semblância mentira.
Logo, o Estado nacional do século
XXI tem que ser um Estado que não fosse semblância!
ENGELS, Friedrich. Temas
militares. Lisboa: Estampa, 1976
FREUD, Sigmund. Obras Completas.
O mal-estar na civilização. RJ: Imago, 1974
NIETZSCHE, Friedrich. La
généalogie dela morale. Paris: Gallimard, 1971ª
NIETZSCHE, Friedrich. Ainsi
parlait Zarathoustra. Paris: Gallimard, 1971b
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