terça-feira, 17 de maio de 2016

CARL SCHMITT – transdialética amigo e inimigo


O vocabulário da filosofia política econômica moderna se constitui em torno de vocábulos como política, dominação, hegemonia, ditadura, democracia representativa, soberania popular etc. Estou pensando em uma filosofia política que fosse uma releitura da linguagem moderna.
Os significantes políticos modernos se desterritorializam maritimamente (peixes que voltam para o fundo do mar da sociedade de significantes) e se reterritorializam na superfície do território trans-subjetivo mundial como cultura política da guerra freudiana, máquina de guerra de diferentes espécies, narcisismo. Tais significantes são universais, pois, da cultura política da civilização e também da sociedade tribal. A história do século XXI é a transformação dos significantes modernos em significantes da cultura política universal.
Em Carl Schmitt, a política faz pendant com a guerra. No entanto, não se trata do axioma de Carl Von Clausewitz ao avesso de que a guerra é a política através de outros meios: “ a guerra não é outra coisa senão a continuação da política do Estado por outros meios” (Clausewitz: 65). Clausewitz bebeu na filosofia política de Napoleão unificando-a à filosofia da guerra: “Napoleão transmitiu uma grande lição: o crédito da política e do poder reside na habilidade em conseguir a destruição física” (C: 15). Assim, a política é a guerra por outros meios. Quais?
A política tem dois componentes importantes (como a guerra como tal) o político e o militar. O sentido militar da política é o uso ilimitado da força real sobre o inimigo: “ a guerra é um ato de violência e não há nenhum limite para a manifestação desta violência (C.: 75). Definição de máquina de guerra freudiana antes da física freudiana.
Diz nosso pensador alemão: “ a guerra não é somente um ato político, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação das relações políticas, uma realização destas por outros meios” (C: 87). Como instrumento político, a guerra é a máquina de guerra política. Napoleão pensou a política como a guerra levada por meios políticos? A política é a continuação da guerra como tal através da máquina de guerra política como tal. Na era moderna essa é a definição da máquina de guerra partidária, que se apossou da política brasileira no século XXI, conduzindo a Nação para a sua desintegração!  
A política como cultura política da guerra põe e repõe o problema da política moderna ocidental como a transdialética materialista ditadura versus democracia ocidental: antagonismo cultural político! Problema difícil de ser tratado teoricamente, pois, ele só se resolve na investigação historial da cultura política mundial. No século XXI, a ditadura faz o ensaio geral latente de se reterritorializar como forma política objetiva, pois, como processo de trans-subjetivação das massas sujeito zero democrático, ela parece dominar a cultura política mundial em muitos países, inclusive europeus.
Carl Schmitt parte da trans-subjetivação transdialética amigo versus inimigo? Da soberania da ditadura sobre a democracia na cultura política europeia nas primeiras décadas do século XX?
Schmitt vê a cultura política (o político) como pensamento e agir independente do pensamento e do agir humano especialmente, o moral, o estético e o econômico: “ Uma determinação conceitual do político só pode ser obtida mediante a descoberta e identificação das categorias especificamente políticas. É que o político tem seus critérios próprios, que de maneira peculiar se tornam eficazes diante dos domínios diversos e relativamente independentes do pensamento e do agir humano, especialmente o moral, o estético e o econômico (...). A distinção especificamente política a que podem reportar-se as ações e os motivos políticos é a descriminação amigo e inimigo” (Schmitt: 51). A transdialética amigo e inimigo cultural política se estabelece por uma autonomia relativa em relação à moral (bom/mau) e à estética (belo/feio) e ao econômico (útil/prejudicial, rentável/ não rentável).
A transdialética amigo e inimigo estabelece a política na cultura política mundial (no território nacional dessa cultura) assim: “ A diferenciação entre amigo e inimigo tem o sentido de designar o grau de intensidade extrema de uma ligação ou separação, de uma associação ou dissociação; ela pode, teórica ou praticamente, subsistir, sem a necessidade do emprego simultâneo das distinções morais, estéticas, econômicas ou outras. O inimigo político não precisa ser moralmente mau, não precisa ser esteticamente feio; não tem que surgir como concorrente econômico, podendo talvez até mostrar-se proveitoso fazer negócios com ele. Pois ele é justamente o outro, o estrangeiro” (Schmitt: 52). Como tal trans-subjetivação transdialética chega a definir o outro como estrangeiro? O narcisismo das pequenas diferenças (Freud: 136) associado ao instinto de morte define o outro como estrangeiro/inimigo. Estamos lidando com o quê?
A interseção narcisismo e instinto de morte remete para o conceito agora racional de máquina de guerra de Clausewitz: uso da força real sem limite sobre o inimigo. Trata-se, portanto, da máquina de guerra freudiana com a razão militar no comando. Tal máquina é análoga à máquina de guerra schmittiana?   
A filosofia política econômica moderna se constituiu como máquina de guerra de pensamento cujo trabalho é a foraclusão da transdialética amigo/inimigo da linguagem política moderna no discurso da universidade ocidental e no jornalismo: “O liberalismo procurou, a partir de seu típico dilema entre espírito e economia (a ser examinado mais de perto no capítulo 8), reduzir o inimigo a um concorrente, na perspectiva da economia, e a um oponente de discussões, na perspectiva do espírito. No domínio econômico, de fato, não existem inimigos, mas apenas concorrentes, e num mundo totalmente moralizado e eticizado talvez apenas restem adversários de discussão. Aqui não vem ao caso saber se se considera condenável ou não, e, talvez até um vestígio atávico de épocas de barbárie, o fato de que povos continuam ainda, realmente, agrupando-se segundo a oposição amigo/inimigo, ou se se espera que esta diferença um dia desapareça da face da terra, se é bom ou correta, talvez, fingir por motivos pedagógicos que não existem mais inimigos. Trata-se, aqui, não de ficções e normatividade, da realidade atual e da possibilidade real desta distinção. Pode-se compartilhar ou não tais esperanças e anseios pedagógicos; é impossível, racionalmente, negar que os povos se agrupam segundo o antagonismo amigo-inimigo, que este antagonismo também hoje está dado realmente e como possibilidade real a cada povo politicamente existente” (Schmitt: 54-55).
Para Schmitt, a linguagem moderna da política é uma linguagem que fosse semblância ficcional, inautêntica, que acaba por ter a função ideológica de ocultar para as massas sujeito zero liberal a transdialética materialista amigo/inimigo da cultura política universal . Na releitura de Schmitt da física geopolítica tal linguagem moderna tardia tem por disposição da alma firmar e reafirmar que a cultura política mundial não é o governo das máquinas de guerra!  
A máquina de guerra schmittiana de pensamento trabalha à luz de princípios políticos que fazem pendant com uma lógica do sentido político que não fosse semblância, como mostra esse longo trecho abaixo:
“Palavras como Estado, República, Sociedade, Classe, e mais, Soberania, Estado de Direito, Absolutismo, Ditadura, Planejamento, Estado Neutro ou Total, etc., são incompreensíveis quando não se sabe quem, em concreto, deve ser atingido, combatido, negado ou refutado com tal palavra. O caráter polêmico rege, sobretudo, também o próprio uso linguístico da palavra “político”, quer se coloque o adversário como “apolítico” (no sentido de alienado, que esquece do concreto), quer se queira, pelo contrário, desqualificá-lo e denunciá-lo como “político”, para elevar-se acima dele como “apolítico” (no sentido de puramente objetivo, puramente científico, puramente moral, puramente jurídico, puramente estético, puramente econômico, ou baseado em purezas polêmicas semelhantes). Segundo: na forma de expressão da polêmica diária intra-estatal, “político” é empregado hoje comumente como sinônimo de “político-partidário”; a inevitável “falta de objetividade” de todas as decisões políticas, que apenas representa  um reflexo da distinção amigo/inimigo, imanente a todo comportamento político, expressa-se, então, nas pobres formas e horizontes da ocupação político-partidária de posições  e da política  de sinecuras, a exigência daí decorrente de uma  “despolitização” significa apenas a superação do político-partidário, e assim por diante. A equação político=político-partidário é possível quando a ideia de uma unidade política (do “Estado”) abrangente, que relativize todos os partidos intrapolíticos e seus antagonismos, perde sua força e, em consequência, os antagonismos intra-estatais assumem maior intensidade do que o antagonismo comum da política externa contra um outro Estado. Quando no interior do Estado os antagonismos político-partidários transformam-se completamente “nos” antagonismos políticos, alcança-se o grau extremo na escala da “política interna”, ou seja, agrupamento amigo-inimigo intra-estatais, não de política externa, são os decisivos para o confronto armado. A possibilidade real de luta que sempre deve estar presente para que se possa falar de política refere-se, por conseguinte, em tal ‘primado da política interna’ não mais à guerra entre os povos organizados em unidades políticas (Estados e Impérios), mas à guerra civil”. (Schmitt: 57-58).
A guerra civil é o significante que articula a transição do partido político paro o partido/máquina de guerra. Tal pensamento político está associado ao desejo alemão de articulação de uma cultura política que não fosse semblância liberal. Conceito como dominação (articulação na essência partidária como interesse e relação de força articulando o Estado) significa ditadura, como estabeleceu Gramsci (Buci-Gluckmann: 114). Há uma corrente de significantes que articulam a dominação: Estado ou sociedade política, aparelho de coerção (armada, polícia, administração, tribunais, burocracia), Governo (=Estado no sentido restrito) = Ditadura.
O Estado integral é a hegemonia encouraçada de coerção. Então temos sociedade civil, aparelhos de hegemonia (culturais, políticos, econômicos), Estado como organizador do consentimento, Direção intelectual e moral (Estado ético) = Hegemonia.   A filosofia política econômica de Gramsci é um diálogo com a filosofia política econômica ditatorial fascista? Gramsci estava preso na prisão fascista de Mussoline. Talvez ele não conhecesse Carl Schmitt, mas seu pensamento é o antagonista do pensamento de Schmitt.
O partido máquina de guerra é a continuação por outros meios do Estado restrito. Os meios são a guerra civil:
“ Os conceitos de amigo, inimigo e luta adquirem seu real sentido pelo fato de terem e manterem primordialmente uma relação com a possibilidade real de aniquilamento físico. A guerra decorre da inimizade, pois esta é a negação ontológica do outro ser. A guerra é apenas a realização extrema da inimizade. Ela não carece de ser algo de cotidiano, algo normal, nem precisa ser compreendida como algo ideal ou desejável, contudo precisa permanecer presente como possibilidade real, enquanto o conceito de inimigo tiver sentido” (Schmitt: 59). A máquina de guerra psicótica precisa  estar no horizonte da cultura política mundial para que se possa viver a política.
Trata-se da lógica de sentido da máquina de guerra partidária que é o avesso da lógica de sentido do partido político. A primeira é a lógica ditatorial, a segunda é a lógica da hegemonia; uma faz pendant como a lógica do Estado restrito, a outra com a lógica da sociedade civil articulada às massas sujeito zero ditatorial. Gramsci toma partido do liberalismo clássico contra Schmitt se aproximando do liberalismo marxista de Bukarin:
“ O, como lo expresó programáticamente : ‘ Nuestra economía existe para el consumidor, no el consumidor para a economia. Nunca há de olvidar-se este punto. La ‘Nueva  Economía’ difere de la vieja en que toma  por norma las necesidades de las masas’. Esta tesis combina sutilmente el argumento ético y el económico. Mas, en cuanto bolchevique, Bujarin tenía  que convencer al partido de que esto era económicamente sano, no éticamente preferible” (Cohen: 244).
No lugar da ditadura econômica socialista da máquina de guerra bolchevique, Bukarin articula uma filosofia política econômica segundo a lógica de sentido econômica da hegemonia em relação às massas sujeito zero ditatorial. O liberalismo marxista pensa a política como cultura política econômica das massas sujeito zero trans-subjetivo ditatorial= democracia. Ele pensa a economia como cultura política econômica, ou seja, o avesso da economia como lógica fática (economia real= ditadura econômica). O avesso do liberalismo marxista é o stalinismo no qual as massas democráticas são destruídas trans-subjetivamente pela máquina de guerra psicótica stalinista até se transformarem na forma política vazia povo-russo = delírio ditatorial psicótico stalinista de massas sujeito zero democrático.
Bukarin quis transformar a máquina de guerra partidária bolchevique em partido político como tal. Stalin o fuzilou!
A máquina de guerra política schmittiana  é a possiblidade real da política, do governo, da governamentalidade ex-istir com transdialética materialista amigo e inimigo:
“ A situação não se coloca, de forma alguma, como se a existência política nada mais fosse que uma guerra sangrenta, e cada ação política, uma ação militar de guerra, como se, ininterruptamente, cada povo estivesse constantemente confrontado à alternativa amigo ou inimigo, e como se o politicamente correto não residisse justamente em evitar a guerra. A definição aqui fornecida do político (cultura política intelectual) não é belicista nem militarista, imperialista ou pacífica. Também não representa uma tentativa de colocar a guerra vitoriosa ou a revolução exitosa como “ideal social”, pois guerra e revolução não são algo “social”, nem “ideal”. A própria luta militar, analisada em si, não é o prolongamento da política por outros meios”, da forma que o famoso mote de von Clausewitz é, muitas vezes, erroneamente citado, mas tem enquanto guerra, suas próprias regras e pontos de vista estratégicos, táticas e outras, que, no entanto, conjuntamente pressupõem que a decisão política acerca de quem de quem é o inimigo já se encontra presente. Na guerra, os adversários geralmente defrontam-se abertamente como tais, normalmente até caracterizados por um “uniforme”, de modo que a distinção entre amigo ou inimigo deixa de ser um problema político que tivesse de ser resolvido pelo soldado em combate. Aí repousa a correção da frase pronunciada por um diplomata inglês: O político estaria mais preparado para o combate do que o soldado, uma vez que o político lutaria a vida inteira, ao passo que o soldado apenas excepcionalmente. A guerra não é, absolutamente, fim e objetivo, sequer conteúdo da política, porém é o pressuposto sempre presente como possibilidade real, a determinar o agir e o pensar humanos de modo peculiar, efetuando assim um comportamento especificamente político” (Schmitt: 59-60).
Schmitt não parece desconhecer o confronto/diálogo na filosofia política econômica grega sobre algo que a cultura política grega queria exorcizar. Algo como: “ uma insensibilidade desta espécie não seria humana”. Trata-se da máquina de guerra psicótica? :
“Hay un número muy restringido de personas que faltan por defecto en los prazeres y los aprecian menos de lo que conviene. Una insensibilidad asi no tiene nada de humano. Em efecto, aun los animales dintinguen muy bien los distintos alimentos, recibiendo placer de los unos y no de los otros. No reciber placer de nada, ni distinguir desde este puento de vista uma cosa de outra, es mostrar-se muy alejado de la naturaleza humana. El hombre de este tipo, dado que apenas existe de hecho, no tiene una denominación particular” (Aristoteles: 343).
Aristóteles elaborou a melhor definição de psicopata como avesso da trans-subjetivação homem. O psicopata é uma pessoa-máquina de guerra psicótica articulada em RSIcp (Real/Simbóico/Imaginário/cultura política) pelo princípio do real. Por isso, Aristóteles diz que ele só existe como fato, pois,  ele é o avesso do homem livre e normal da politeia.      
Schmitt parece não metabolizar que polémios e ekhtrós  são duas espécies de inimigo na cultura política grega? (Derrida: 110-111). Trata-se da distinção entre pólemos (“a guerra”) e stásis (sedição, insurreição, revolta, combate de rua e guerra civil). A pólemos remete para a máquina de guerra militar psicótica freudiana e a stásis remete para a máquina de guerra civil nietzschiana. Uma usa violência sem limite para destruir o inimigo real e o simbólico. Trata-se de uma ‘lógica política” articulada como delírio psicótico. A outra é uma lógica política do artista plástico que usa violência física sem limite no mármore para transformar o inimigo em obra e arte, a Guerra Civil em politeia.
Ao contrário, Paz e Guerra constituem dois significantes da transdialética política que fazem pendant com o fim da política:  
“ Um mundo no qual estivesse completamente afastada e desaparecida a possibilidade de tal confronto, um globo terrestre finalmente pacificado, seria um mundo sem distinção entre amigo e inimigo e, consequentemente, um mundo sem política. Poderiam nele existir muitos contrastes, talvez muito interessantes, concorrências e intrigas de toda sorte, mas logicamente não haveria qualquer oposição com base na qual se permitisse às pessoas o derramamento de sangue e a morte de outras. Também aqui não interessa à determinação conceitual do político se ansiamos ou não por tal mundo sem política como situação ideal. O fenômeno político apenas pode ser compreendido mediante a referência à real possibilidade do agrupamento amigo-inimigo, independente do que daí decorre para a apreciação religiosa, moral, estética, econômica do político (Schmitt: 61), ou melhor, da autointerpretação cultural política universal.
A máquina de guerra platônica se separava em polémios e ekhtrós (Platon: 1046-1049). Uma destrói a polis e a outra é articulação do narcisismo das pequenas diferenças com o instinto de morte no seio da cultura política da polis cuja violência sem limite para de se inscrever no corpo político à beira da autodissolução da politeia. Há uma cultura política intelectual (Aristóteles: 313) que contempla o governo da máquina de guerra segundo o princípio da transdialética ética  das grandes coisas e das pequenas coisas que faz pendant com vida das pequenas máquinas de guerra - (homem liberal) e das grandes máquinas de guerra (tirano)? Isso é uma releitura possível (Aristoteles: 349). 
 Entre o excesso no uso da violência e a falta de violência (grau zero do instinto de morte na cultura política da polis), há o meio termo de um uso da violência temperada. A trans-subjetividade ética do homem pede uma analogia com a trans-subjetividade das máquinas de guerra. Por isso, tais máquinas são freudiana, nietzschiana, platônica, aristotélica e schmittiana, em tela. Trata-se de máquina trans-subjetiva, não de máquina sem alma! Máquina que faz pendant com a pessoa, a biografia individual subjetiva. Trata-se sim de máquina de guerra cultural política! Ela não é simplesmente da ordem do real, mas uma máquina RSIcp (Real/Simbólico/Imaginário/ cultural política). 
A máquina de guerra RSIcp é da espécie da máquina definida por Edgar Morin?
“ Não sejamos prisioneiros da ideia de repetição mecânica, da ideia da fabricação estandardizada. A palavra “máquina”, temos de “senti-la” também o sentido pré-industrial ou extra-industrial  em que designava os conjuntos ou disposições complexas cuja marcha é, no entanto, regular e regulada: a “máquina redonda” de La Fontaine, a máquina política administrativa... Temos, sobretudo, de senti-la na sua dimensão poiética, vocábulo que conjuga em si criação e produção, prática e poesia. Não devemos apagar a possibilidade de criação na ideia de produção. Pensemos que a ideia de produção ultrapassa largamente o seu sentido tecno-economístico dominante, que pode significar também como comecei a dizer: dar existência, ser origem de, compor, formar, procriar, criar. Na máquina não existe apenas o maquinal (repetitivo), há também o maquinante (inventivo). A ideia de organização ativa e a ideia de máquina (que a encarna e a coroa) não devem ser vistas à imagem grosseira das nossas máquinas artificiais (embora seja graças à máquina artificial, como vou mostrar, que emergiram na nossa consciência). Temos de pensar na produção da diversidade, da alteridade, de si mesma...Assim entendida, no sentido forte do termo “produção”, máquina é um conceito fabuloso. Leva-nos até o âmago das estrelas, dos seres vivos, das sociedades humanas. É um conceito solar; é um conceito de vida.  As ideias-chave de trabalho, praxis, produção, transformação, atravessam a physis, a biologia, e vêm fermentar no coração das sociedades contemporâneas” (Morin: 160-161).
Se diferenciando da máquina de Morin, a máquina de guerra RSIcp se define pelo uso da violência real ou simbólica sem limite sobre a população e os povos. Ela pode ser uma máquina de vida e de morte. Ela pode ser criação e produção, prática e poesia, ser prosaico e poiético.
A máquina de guerra schmittiana é a possibilidade no horizonte cultural político da guerra civil no seio do país. Mas nela encontra-se o axioma de que a guerra deve ser evitada; ela não é uma máquina de guerra movida pelo desejo psicótico de destruição seja lá qual for o objeto externo. Logo, ela se distingue da máquina psicótica hitleriana. Em 1963, Schmitt deixou claro a distância de sua máquina da máquina de guerra fascista alemã. (Colas: 83).
Na universidade francesa, Michel Maffesoli pensou o político (cultura política) e a política associados ao pathos:
“ Existiram muitos outros exemplos a dar e mostrar que o político em geral, mas também a política, em suas manifestações profissionais, partidárias e mesmo nas manifestações mais desinteressadas ou idealistas, repousa sobre um substrato comunitário de uma paixão partilhada ou sobre a nostalgia de uma fusão fraterna arquetipal. Georges Sorel não se enganou ao mostrar o papel do mito social, e precisamente do mito da greve geral, na constituição do movimento operário. O mesmo vale para a filosofia do político de C. Schmitt, segundo o qual “é dos instintos vitais profundos e autênticos, e não de raciocínios ou de considerações de utilidade, que nascem os grandes entusiasmos, as grandes decisões morais e os grandes mitos’ ” (Maffesoli: 237).
Tal concepção de um tribalismo cultural político em C. Schmitt pode ser suprassumida por uma releitura onde a máquina exija o seu lugar de direito e de fato na cultura política universal, sem ser reduzida a um pathos tribalista. Por fim, não posso deixar de dizer algo sobre a magistral fenomenologia política contida no L’essence du politique de Julien Freund.
O capitulo VII é sobre a transdialética inimigo privado e inimigo público com uma releitura de Schmitt esclarecedora: “ Os conceitos de amigo e de inimigo não devem ser tomados em um sentido metafórico ou simbólico, mas concreto e existencial” (Freund: 445). Tal concreto e existencial é o abc da discussão sobre a trans-subjetividade amigo versus inimigo na cultura política como interseção máquina de guerra/homem/animal no século XXI.  
Esse texto é uma experiência de abertura de um diálogo (sem preconceitos) com a nossa comunidade jurídica!

ARISTOTELES. Obras. Etica Nicomaquea. España: Aguilar, 1982
BUCI-GLUCKSMANN, Christine. Gramsci et l’État. Pour une théorie matérialiste de la philosophie. Paris: Fayard, 1975
COHEN, Stephen F.. Bujarin y la revolución bolchevique. España: Siglo XXI, 1976
CLAUSEWITZ, Carl von. Da guerra. SP: Martins Fontes, sem data
COLAS, Dominique. Sociologie politique. Paris: PUF, 1994
DERRIDA, Jacques. Politiques de l’amitié. Paris: Galilée, 1994
FREUD. Obras Completas. O mal-estar na civilização. v. XXI. RJ: Imago, 1974
FREUND, Julien. L’essence du politique. Paris: Sirey, 1986
MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político. A tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulina, 1997
MORIN, Edgar. La méthode. 1. La nature de la nature. Paris: Seuil, 1977
PLATON. Oeuvres Complètes. v. I. La République. Paris: Gallimard, 1950
SCHMITT, Carl. O conceito do político. Petrópolis: Vozes, 1992



              
                   


                                                                                   
                    

  

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