quinta-feira, 9 de junho de 2016

PSICOPATA BRASILEIRO




“Um menor de 16 anos, de nacionalidade brasileira, foi detido em Santa Cruz de Tenerife (Ilhas Canárias, Espanha) depois de ser acusado de ter matado seu pai, esquartejado o corpo e o colocado em uma mala que jogou no mar. A prisão ocorreu na noite de terça-feira em um bairro central da cidade” (El Pais).
O garoto brasileiro é um psicopata. E daí?
Na defesa da tese de doutorado na USP em novembro de 1964, Maria Sylvia de Carvalho Franco enfrentou como membro da banca Sérgio Buarque de Holanda. O diálogo e confronto foi sobre o paradigma homem brasileiro, ou melhor, sobre a trans-subjetividade do homem brasileiro definido por Sérgio como homo cordialis. Trata-se do capítulo V – O homem cordial do novamente livro atual Raízes do Brasil.
Sérgio pensa o Brasil pela dialética ordem cultural política fundada em princípios abstratos (sociedade moderna) e a outra ordem colonial fundada em laços de afeto e sangue (Holanda: 102-103). O homo cordialis é a pessoalização das relações cultural-políticas e a modernidade a despessoalização da cultura política. O homo cordialis é persona, não é uma máquina de guerra psicótica (isso não é o psicótico), ou seja, um psicopata. Tal tese historiográfica de uma ciência política magistral se tornou o paradigma da trans-subjetividade brasileira colonial e imperial, e adentrou na trans-subjetividade republicana. O livro de Sérgio é da década de 1930.
Um fato intelectual impressionante é o uso do significante psicopata por Holanda. Sergio introduziu o objeto sociológico de Maria Sylvia do livro Homens livres na ordem escravocrata:
“Aos que, com razão de seu ponto de vista, condenam por motivos parecidos os âmbitos familiares excessivamente estreitos e exigentes, isto é, aos que os condenam por circunscreverem demasiado os horizontes da criança dentro da paisagem doméstica, pode ser respondido que, em rigor, só hoje tais ambientes chegam a constituir, muitas vezes, verdadeiras escolas de inadaptados e até de psicopatas. Em outras épocas, tudo contribuía para a maior harmonia e maior coincidência entre as virtudes que se formam e se exigem no recesso do lar e que asseguram a prosperidade social e a ordem entre os cidadãos” (Holanda: 105).
Hoje, o leitor pode se espantar com a narrativa cultural política holandiana falando que a família é uma escola de produção de psicopatas. Em 1964, Maria Sylvia partiu das ideias holandianas ao criar o homo lumpesinalis. Trata-se da trans-subjetividade psicopata do homem popular no Brasil colonial e imperial.
Sérgio falava da família oligárquica da terra aristocrática que governou o pais imperial com mestria. O homo lumpesinalis nos remete para a atual classe governante que ex-iste como oligarquia lumpesinalis. A classe governante hoje é forjada pela cultura política lumpesinalis. Tal cultura política popular nasceu no Brasil colonial. Hoje o Brasil é inteiramente a trans-subjetividade saído do livro da nossa belíssima socióloga paulista Sylvia.
Sérgio estava equivocado sobre a família oligárquica. Era a escola da classe dominante rural de cultivo de máquinas de guerra psicóticas, ou seja, de psicopatas, na narrativa do Casa-Grande e Senzala, do nosso maravilhoso Gilberto Freyre. Oliveira Vianna fala da máquina de guerra psicopática ao estabelecer o Brasil colonial e imperial como articulado pelo estado de guerra oligárquico (anarquia branca) e suas revoltas e revoluções.
Sylvia diz: “Um dos processos examinados revela que na família, tal como nas relações de vizinhança e nos grupos de trabalho, a solidariedade e a luta aparecem como anverso e reverso” (Franco: 45). Isso é uma Banda de Moebius da física da geopolítica lacaniana. Ela acrescenta: “A incorporação da violência como um modelo socialmente válido de conduta pode ser também captada através da maneira inequívoca com que é admitida em público” (Franco: 49). Ela está falando da violência do mundo caipira marginalizado, ou seja, lumpesinal (Franco: 32). A violência é constitutiva do mundo lumpesinal caipira:
“A análise das relações sociais definidas no decorrer do mutirão confirma essa interpretação de que, na cooperação fundada em vínculos comunitários, a tensão e as forças de ruptura estão, de modo constitutivo, articuladas ao desempenho regular das atividades. O recurso à violência aparece institucionalizado, como padrão de comportamento” (Franco: 37). A máquina de guerra psicopática é um fenômeno regular da cultura política caipira, ou então, da sociedade caipira lumpesinal.
Em um livro que merece ser lido (Linchamentos. A justiça popular no Brasil), José de Souza Martins continua o debate Sérgio versus Sylvia. José narra a ex-sistência da máquina de guerra psicopática linchamento popular. Em nenhum trecho do livro o linchamento aparece como máquina de guerra psicopática, mas como um fenômeno sociológico de reunião de pessoas (multidão) para linchar pessoas. A visão cristã da pastoral da terra em Martins subsume a possibilidade de ver o linchamento com máquina de guerra lumpesinal. A possibilidade de passagem da sociologia para física geopolítica é inibida em sua finalidade.  
Martins não é capaz de ver que a multidão que lincha é uma máquina psicopática do estado de guerra lumpesinal com suas máquinas de guerra psicóticas (privadas e estatais) que tornam a vida (urbana e rural) um verdadeiro inferno. Ele prefere construir a semblância de um mundo popular que faz justiça divina quando a justiça do Estado falta. Entre nós, a semblância é um significante do Raízes do Brasil:
“Nenhum povo está mais distante dessa noção ritualística da vida do que o brasileiro. Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez. Ela pode iludir na aparência – e isso se explica pelo fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de manifestações que são espontâneas no ‘homem cordial’: é a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso, a polidez é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epidérmica do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar inatas sua sensibilidade e suas emoções” (Holanda: 107).
A cordialidade colonial é o nosso artefato trans-subjetivo civilizatório louvado pelos cronistas estrangeiros do Brasil colonial e imperial. O homo cordialis é a semblância civilizatória de uma cultura política bárbara – do homo lumpesinalis governante do século XXI.
A máquina de guerra psicopática colonial usa naturalmente (espontaneidade) a semblância polidez que faz com que ela seja vista como uma pessoa na pessoalização da sociedade brasileira dos significantes bárbaros. A pessoalização da política é o último degrau da semblância polidez dos políticos vestidos com terno italiano e gravata americana. O corpo vestido no terno e gravata é o corpo cultural político lumpesinal – homo lumpesinalis. Trata-se do corpo de uma estética verdadeiramente bárbara colonial jamais representado na cultura brasileira intelectual, pois, esta é também, até agora, irreversivelmente bárbara.  
Machado de Assis confeccionou um discurso literário sobre a nossa trans-subjetividade bárbara. Leio Machado de Assis desde minha adolescência sem jamais alcançar a etapa da trans-subjetivação da epistemologia política dos 5 leitores machadianos. O que se pode ver na trans-subjetivação machadiana? Não sei! Tenho dúvidas que algum brasileiro tenha chegado nessa fase final da leitura do discurso machadiano.
Infelizmente, a querida ABL de Machado de Assis funcionou como atractor witz do discurso machadiano na cultura política intelectual brasileira.   
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. SP: Ática, 1974
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. RJ: José Olympio, 1988
MARTINS, José de Souza. Linchamentos. A justiça popular no Brasil. SP: Contexto, 2015                               

                             

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