Platão fala de um Deus que é
antagônico aos deuses poéticos (épico lírico ou trágico). Trata-se de uma
divindade essencialmente boa, que, portanto, não pode ser nociva, prejudicar,
causar dano, que não faz algum mal, que é causa do bem-estar e da felicidade (Platão:
78).
O avesso de Deus é o tirano.
Trata-se do psicopata que, depois de provar sangue, torna-se uma máquina de
guerra psicopática: “Qual poderá ser o destino de tal homem? Não tem ele por força de perecer às mãos de
seus inimigos ou converter-se de homem em lobo, isto é, tirano” (Platão: 319).
Pois o protetor do povo é como o homo homini lupus (Plauto), que, dispondo de
uma multidão inteiramente dócil, não se abstém de derramar sangue de seus
compatriotas. Derramar sangue não é o princípio da máquina de guerra freudiana
(instinto de morte) que é análogo ao tirano psicopata de Platão?
Os deuses dos poetas não remetem
para a poética da physis? Eles prejudicam, eles são o mal, eles são o avesso da
ética socrática: “não prejudicar”. Mas eles são, essencialmente, parte da
physis biológica, pois, movidos por estados de ânimos e desejo sexual ou
aversão sexual pelos humanos. Ligado à physis, o desejo sexual dos deuses os
faz um impossível freudiano, pois os deuses não param de não se inscrever no
campo simbólico. É impossível governar o desejo (ou aversão) sexual. Ou então, trata-se do axioma lacaniano - "a relação sexual não ex-iste"!
Antes de chegar ao RSIcp (Real,
Simbólico, Imaginário/cultura política), os deuses podem ser contemplados pela transdialética
reino da necessidade e reino da liberdade. Eles são do reino da necessidade
como ditadura da physis sobre a espécie humana. A paixão sexual os torna a
mitologia ditatorial poética da physis. Platão atribui à anarquia sexual da politeia a
causa da autodissolução da politeia e sua substituição pela ditadura da máquina
psicopática: tirania.
A paixão sexual é a máquina
psicopática como recurso evolutivo da espécie humana. Tal máquina psicopática
(a paixão sexual em interseção com o instinto de morte) é a ditadura instalada
no ser humano associado à physis, como observou, com um brilho estelar,
Deleuze, ao desmontar a ideia de pulsão
de morte lacaniana (Deleuze: 124-125) fazendo pendant com o princípio da
ressexualização (idem: 126). Trata-se do tirano-lobo-máquina, ou seja, o tirano
da cultura política psicopática de Platão.
O Deus de Platão é o reino da
liberdade, reino da liberdade como algo divino livre da ditadura da physis. A
religião cristã se constrói tendo como alavanca o desejo de liberdade em
relação à miséria de uma vida dominada pelo desejo (ou aversão) sexual. Todo o
segredo do cristianismo se resume a isto. O reino de Deus é o reino estruturado
como justiça (Deus não faz o mal, não prejudica, e sim o diabo). O Diabo é a
máquina psicopática sexual de Goethe:
Mefistófeles – Sou parcela do
Além,
Força que cria o mal e também faz
o bem! (Goethe: 59)
A cultura política psicopática goethiana
é a ditadura necessária que faz o bem e o mal.
Cristo se dirigia aos possessos
como se eles fossem pessoa, e não máquina psicopática (indivíduo possuído pelo Diabo).
A cura pela palavra divina faz de Cristo a contramáquina de guerra divina judaica
que desmonta a máquina psicopática no indivíduo? O cristianismo primitivo é o
avesso comunitário da cultura política psicopática? E o judaísmo também é isso?
Tais hipóteses não merecem uma investigação da história da cultura política intelectual
cristã (e judaica)? A cristã se articula a partir de um desejo de liberdade
que suprassumisse a máquina psicopática. Com a pedofilia devastando a Igreja
católica, os padres aparecem como se fossem possuídos pelo Diabo (máquina de
guerra sexual psicopática). O sexo parece, finalmente, ter derrotado, a cultura
da liberdade cristã?
Por que Hobbes definiu o Leviatã
(Estado) como o Deus mortal?
Deleuze, Gilles. Apresentação de
Sacher-Masoch como o texto integral de “A Vênus das peles”. Masoquismo. RJ:
Taurus, 1983
GOETHE, J. W. Fausto e Werther.
SP: Nova Cultural, 2002
PLATÃO. Diálogos III. A
República. Tradução de Leonel Vallandro. RJ: Editora Tecnoprint/Edições Ouro,
sem data.
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