quinta-feira, 23 de junho de 2016

DEUS, PHYSIS, DITADURA


Platão fala de um Deus que é antagônico aos deuses poéticos (épico lírico ou trágico). Trata-se de uma divindade essencialmente boa, que, portanto, não pode ser nociva, prejudicar, causar dano, que não faz algum mal, que é causa do bem-estar e da felicidade (Platão: 78).
O avesso de Deus é o tirano. Trata-se do psicopata que, depois de provar sangue, torna-se uma máquina de guerra psicopática: “Qual poderá ser o destino de tal homem?   Não tem ele por força de perecer às mãos de seus inimigos ou converter-se de homem em lobo, isto é, tirano” (Platão: 319). Pois o protetor do povo é como o homo homini lupus (Plauto), que, dispondo de uma multidão inteiramente dócil, não se abstém de derramar sangue de seus compatriotas. Derramar sangue não é o princípio da máquina de guerra freudiana (instinto de morte) que é análogo ao tirano psicopata de Platão? 
Os deuses dos poetas não remetem para a poética da physis? Eles prejudicam, eles são o mal, eles são o avesso da ética socrática: “não prejudicar”. Mas eles são, essencialmente, parte da physis biológica, pois, movidos por estados de ânimos e desejo sexual ou aversão sexual pelos humanos. Ligado à physis, o desejo sexual dos deuses os faz um impossível freudiano, pois os deuses não param de não se inscrever no campo simbólico. É impossível governar o desejo (ou aversão) sexual. Ou então, trata-se do axioma lacaniano - "a relação sexual não ex-iste"!
Antes de chegar ao RSIcp (Real, Simbólico, Imaginário/cultura política), os deuses podem ser contemplados pela transdialética reino da necessidade e reino da liberdade. Eles são do reino da necessidade como ditadura da physis sobre a espécie humana. A paixão sexual os torna a mitologia ditatorial poética da physis.  Platão atribui à anarquia sexual da politeia a causa da autodissolução da politeia e sua substituição pela ditadura da máquina psicopática: tirania.
A paixão sexual é a máquina psicopática como recurso evolutivo da espécie humana. Tal máquina psicopática (a paixão sexual em interseção com o instinto de morte) é a ditadura instalada no ser humano associado à physis, como observou, com um brilho estelar, Deleuze, ao desmontar a ideia de pulsão de morte lacaniana (Deleuze: 124-125) fazendo pendant com o princípio da ressexualização (idem: 126). Trata-se do tirano-lobo-máquina, ou seja, o tirano da cultura política psicopática de Platão.
O Deus de Platão é o reino da liberdade, reino da liberdade como algo divino livre da ditadura da physis. A religião cristã se constrói tendo como alavanca o desejo de liberdade em relação à miséria de uma vida dominada pelo desejo (ou aversão) sexual. Todo o segredo do cristianismo se resume a isto. O reino de Deus é o reino estruturado como justiça (Deus não faz o mal, não prejudica, e sim o diabo). O Diabo é a máquina psicopática sexual de Goethe:
Mefistófeles – Sou parcela do Além,
Força que cria o mal e também faz o bem! (Goethe: 59)
A cultura política psicopática goethiana é a ditadura necessária que faz o bem e o mal.
Cristo se dirigia aos possessos como se eles fossem pessoa, e não máquina psicopática (indivíduo possuído pelo Diabo). A cura pela palavra divina faz de Cristo a contramáquina de guerra divina judaica que desmonta a máquina psicopática no indivíduo? O cristianismo primitivo é o avesso comunitário da cultura política psicopática? E o judaísmo também é isso? Tais hipóteses não merecem uma investigação da história da cultura política intelectual cristã (e judaica)? A cristã se articula a partir de um desejo de liberdade que suprassumisse a máquina psicopática. Com a pedofilia devastando a Igreja católica, os padres aparecem como se fossem possuídos pelo Diabo (máquina de guerra sexual psicopática). O sexo parece, finalmente, ter derrotado, a cultura da liberdade cristã?
Por que Hobbes definiu o Leviatã (Estado) como o Deus mortal?
Deleuze, Gilles. Apresentação de Sacher-Masoch como o texto integral de “A Vênus das peles”. Masoquismo. RJ: Taurus, 1983
GOETHE, J. W. Fausto e Werther. SP: Nova Cultural, 2002
PLATÃO. Diálogos III. A República. Tradução de Leonel Vallandro. RJ: Editora Tecnoprint/Edições Ouro, sem data.
         
              


            

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