José Paulo
A GRAMÁTICA barroca se constitui de cogitato (Taminiaux: 28):
percepção, representação, raciocínio, juízo etc. O cogitare barroco:
[Nolite cogitare quomodo, aut quid loquamini, dabitur enim
vobis in illa hora (Vieira: 71)] se constitui de práticas discursivas como o
quid que consiste nas coisas que se dizem e a outra é o quomodo, isto é, o modo
como se dizem. Assim é preciso meditar e estudar sobre o que se diz. O dito é
sobre qual objeto? O objeto escolhido define uma época. Hegel escolheu o Estado
e Marx o capital. O discurso universitário é tudo dizer sobre o objeto.
Transformar o objeto e um latifúndio feudal e o professor universitário em
proprietário feudal do capital cultural. Marx e Hegel são discurso universitário?
Eles disseram tudo sobre os objetos escolhidos? Não!
O objeto [Estado, capital} insistem em aparecer na história
como acontecimento com sentido determinado pela gramática do tempo, isto é,
como estrutura na conjuntura. Assim, o conceito e fenômeno instituem a
gramática das ideias e coisas no campo político conjuntural.
O modo de dizer o fenômeno [como campo político] é a
inteligência ou quomodo. A inteligência evita o defeito de dizer pouco e o
excesso no dizer, como faz o discurso universitário, em seu gozo feudal
infinito, que não para de não funcionar como conhecimento barroco da coisa.
Defeito e excesso são a contradição na gramática barroca, extremos no desejo de
doar e no desejo de receber. O professor quer doar em excesso e o aluno quer
receber de menos. A inteligência consiste em dizer no centro dos extremos do campo
político de uma comunidade psíquica linguística como a universidade.
A crise atual da universidade consiste nesse discurso do
universitário do tudo dizer, do tudo saber do objeto que não é um fenômeno.
Enquanto, as relações técnicas de produção cibernéticas criam e recriam
comunidades psíquicas linguísticas do pouco dizer [a juventude do quase nada
receber de sentido discursivo não é efeito de uma conspiração da elite
globalista], ou do não dizer nada, isto é, o grau zero do discurso barroco.
Vive-se a contradição materialista (que se desenvolveu na
época atual) entre aquele que doa o discurso e aquele que o recebe como
essência dessa conjuntura heteróclita?
2
Nietzsche fala da filosofia como gramática, ele que tinha
como profissão universitária a filologia:
“Le philosophe n’aurait-il pas le droit de s’élever au-dessus
de la foi qui régit la grammaire? Tous nos respects aux governantes; mais ne
serait-il pas temps pour la philosophie d’abjurer le foi des gouvernantes?”
(Nietzsche. 1971b: 54).
A filosofia do super-homem o que é?
O super-homem é o sentido da terra, da vida, da saúde em um
contraponto ao homem que é o sentido do céu, da mortificação e do envenenamento
da vida, da doença social. (Nietzsche. 1998: 36; 1971a:22).
O homem é um híbrido de planta e animal. (Nietzche. 1998:
36). Esse conceito da filosofia gramatical do super-homem [que não é o
supra-homem] vai definindo o campo político como resuperfície (superfície
superfície) e superfície profunda (Nietzsche. 1977:15,12) como profundidade:
O Sol e o filósofo do super-homem descem a superfície
profunda da escuridão:
“Por isso, é preciso que eu baixe às profundezas, como fazes
à noite, quando desapareces atrás do mar, levando ainda a luz ao mundo de
baixo, ó astro opulento”. (Nietzsche. 1998: 33).
Hannah Arendt fala das aparências de semblância autênticas e
inautênticas que na filosofia gramatical diz respeito aos fenômenos do campo
político conjuntural: todo fenômeno é a luz do sol da tela verbal narrativa
[estrutura] na conjuntura, no contingente e no acaso:
“De acordo com a distinção de Portmann faz entre aparências
autênticas e inautênticas, poder-se-ia falar de semblâncias autênticas e inautênticas. Estas últimas,
miragens como a de alguma fada Morgana, se desintegram espontaneamente ou
desaparecem com a inspeção mais cuidadosa; as primeiras, como o movimento do
Sol levantando-se pela manhã para pôr-se ao entardecer, ao contrário, não
cederão a qualquer volume de informação científica, porque esta é a maneira
pala qual a aparência do Sol e da Terra parece inevitável a qualquer criatura
presa à Terra e que não possa mudar de moradia. Aqui estamos lidando com
aquelas <ilusões naturais e inevitáveis> de nosso aparelho sensorial, a
que Kant se referiu na introdução à dialética transcendental da razão”.
(Arendt: 31).
A tela verbal metafísica gera um discurso de aparências de
semblância autênticas e inautênticas como objetos, coisas, fenômenos do campo
político conjuntural. Uma época histórica pode ser vista a partir de suas
ilusões de comunidade psíquica linguística conjuntural. A felicidade é uma
aparência de semblância de uma época passada, da antiguidade grega do ethos
[ética a Nicômaco] ao século XX - de Freud:
“Não admira que, sob a pressão de todas essas possibilidades
de sofrimento, os homens se tenham acostumado a moderar suas reivindicações de
felicidade tal como, na verdade, o próprio princípio de prazer, sob a
influência do mundo externo, se transformou no mais modesto princípio de
realidade -, que um homem pense ser ele próprio, simplesmente porque escapou à
infelicidade ou sobreviveu ao sofrimento , e que, em geral, a tarefa de evitar
o sofrimento coloque a de obter prazer em segundo plano”(Freud: 95-96).
A felicidade pode ter sido trocada pela comunidade psíquica
linguística de narcose:
“As pessoas receptivas à influência da arte não podem
atribuir um valor alto de mais como fonte de prazer e consolação da vida.
Todavia, a suave narcose a que a arte nos induz, não faz mais do que ocasionar
um afastamento passageiro das pressões das necessidades vitais, não sendo
suficiente forte para nos levar a esquecer a aflição real”. (Freud: 100).
Nietzsche anteviu uma época sem a forma de gosto da
felicidade:
“Vede, eu vos ensino o super-homem: ele é o mar onde pode
submergir o vosso grande desprezo”.
“Que podeis experimentar de mais elevado? A hora do grande
desprezo. A hora em que também a vossa felicidade se converte em náusea, do
mesmo modo que a vossa razão e vossa virtude”
“A hora em que dizeis: ‘Que me importa a minha felicidade!
Não passa de miséria, sujeira e mesquinha satisfação. Mas, justamente, é minha
felicidade que deveria justificar a existência! (Nietzsche. 1998: 37).
Na comunidade psíquica linguística, a forma estética (forma
de juízo de gosto} evita o caos no mundo do cérebro humano:
“Mas o caráter do mundo é, ao contrário, não pelo fato de
ausência de uma necessidade, mas pelo de uma ausência de ordem, de encadeamento
de forma, de beleza, de sabedoria, em resumo, de toda a estética humana [...].
Ora, como poderemos permitir-nos censurar ou louvar o universo! Defendamo-nos
de lhe censurar uma falta de coração ou de razão, ou o contrário dessas coisas:
não é nem perfeito, nem belo, nem nobre, e não quer se transformar-se em nada
disso; não procura de forma alguma imitar o homem! Não é tocado por nenhum dos
nossos juízos estéticos e morais. Não possui qualquer instinto de conservação,
não possui qualquer instinto e ignora toda a espécie de lei. Defendemo-nos de
dizer que eles existem na natureza. Essa só conhece necessidades: nela não há
ninguém que ordene, nem obedeça, ninguém que infrinja”. (Nietzsche1982:138).
A relação entre comunidade psíquica linguística e mundo
externo tem na filosofia das afecções de Aristóteles um sentido excepcional
para se entender a vida na época atual.
Os fenômenos da comunidade psíquica linguística são as
afecções:
“Bem! parece que todas as afecções da alma estão ligadas ao
corpo: ira, educação, medo, piedade, valentia, alegria, assim como o amor e o
ódio, já que quando essas afecções aparecem, também o corpo é afetado”. (Aristoteles: 109).
As afecções se expressam no campo político psíquico como:
forma ideológica, forma gramatical e forma de juízo de gosto. Marx fez da forma
ideológica da consciência o fenômeno soberano na comunidade psíquica
linguística da sociedade e da política. Assim, é necessário falar, antes de
tudo, da relação ente filosofia e ideologia.
Marx:
“Na consideração de tais transformações é necessário
distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas de
produção, que pode ser objeto de rigorosa verificação da ciência natural, e as
formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo,
as formas ideológicas ´pelas quais os homens tomam consciência deste conflito e
o conduzem até o fim”. (Marx. 1974: 136).
No “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, Marx fala das formas
ideológicas – como espectro- no cérebro dos vivos. (Marx. 1974:335)).
A relação entre filosofia e ideologia se encontra na 11 Tese
sobre Feuerbach:
“Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo
diferentemente, cabe transformá-lo”. (Marx. 1974: 59).
A filosofia é uma forma ideológica no cérebro. Ora, ela é
também uma forma de gramática a partir da qual se expressam as afecções:
“A euforia experimentada por Nietzsche ao sair de cada uma d
suas crises, de 1877 a 1881, o leva cada vez mais a escrutar as forças que se
exprimem através das perturbações do seu organismo [...]. o testemunho ativo ou
passivo dessas forças: as mesmas que acabam de dar uma trégua ao seu cérebro,
ao seu organismo: ou sejam, a ira, a ternura, a impaciência ou a calma, num
contexto de motivos e circunstâncias já consagrados pelos termos usuais. A
opressão ou a distensão, o afluxo ou o refluxo dessas forças traduzidas em
palavras, em imagens, em raciocínios, em refutações, encontram nisso uma saída
apenas aparente; logo chega o momento em que elas se confundem, se enredam, se
tornam obscuras, foram; despachadas, desviadas para longe de um objetivo; nem a
história, nem a ciência, nem a investigação , nem mesmo as formas de arte
convergiam para esse objetivo; a redação é interrompida, as palavras apagadas e
uma nova e espantosa agressão se exerce sobre seu cérebro”. (Klossowski:35).
A relação entre comunidade psíquica linguística e
doença/saúde substitui o problema da moralidade como forma ideológica na
filosofia como gramática:
“Para Nietzsche, a questão moral de saber o que é verdadeiro
ou falso, justo ou iníquo é colocada agora nos seguintes termos: o que é
mórbido ou são? O que é gregário ou singular? “
“[...]”
“Pareceu igualmente revelador a Nietzsche , sujeito à
variações valetudinárias, sempre temeroso de que seu próprio pensamento se
ressentisse dos seus estados de depressão, sondar esse ângulo, aquilo que os
pensadores anteriores a ele tinham produzido como pensamento: a relação deles
com a vida, com o ser vivo, ou seja, graus de altas e quedas de intensidade,
sob todas as formas de agressividade, de tolerância, de intimidação, de
angústia, de necessidade de solidão ou, ao contrário, do esquecimento de si mesmo,
em meio à efervecência de uma época”. (Klossowski: 26). A comunidade psíquica
linguística é criação e recriação de sentido a partir do caos cerebral:
“[...]. Toda significação continua sendo função do Caos
gerador de sentido”.
“A intensidade obedece a um caos movediço sem começo nem
fim”.
‘Desse modo, aparentemente no interior de cada um, move-se
uma intensidade cujo fluxo e refluxo formam as flutuações significantes ou
insignificantes do pensamento que, de fato, não pertence a ninguém, não têm
começo nem fim”. (Klossowski: 82).
A comunidade psíquica linguística é uma nova espécie de
conceito além de um conceito como sociedade. Ela insiste e resisti na relação
com o Estado no campo político conjuntural, sendo ela um conceito
transcendental que atravessa as épocas com essências eternas, isto é, afecções
da alma/corpo:
“Se porém, contrariamente a esse elemento ondulante, cada um
de nós forma um conjunto fechado e aparentemente delimitado, isso se dá em
virtude desses vestígios de flutuações significantes: ou seja, um sistema de
signos que chamarei aqui de código dos signos cotidianos. Onde começam, onde
terminam nossas flutuações para que esses signos nos permitam significar,
falar, tanto conosco quanto com o outro, sobre isso nada sabemos, a não ser
que, nesse código, um signo responde sempre ao grau de intensidade, ora mais
alto, ora mais baixo; ou seja, o eu, o pronome, sujeito de todas as
nossas frases. É graças a esse signo, que, no entanto, não é nada, senão um
vestígio de flutuação sempre variável, que nós nos constituímos como algo que
pensa, que temos um determinado pensamento – embora não saibamos nunca ao certo
se não seriam os outros que pensam e continuam a pensar em nós; mas o que é
esse outro que forma o exterior, em relação a esse interior que acreditamos
ser? Tudo se resume a um só discurso, ou seja, á flutuações de intensidade que
correspondem ao pensamento de cada um e de ninguém”. (Klossowski: 83).
3
O que insiste e resiste ao tempo das épocas é a comunidade
linguística pasíquica-indivíduo, -polis, -sociedade, -Estado. A comunidade é
constituída por afecção, e formas: ideológica, gramatical, de gosto. As formas
políticas são condensação das três formas supracitadas. Gramaticais:
democracia, tirania, oligarquia. Nietzsche fala delas no <Zaratustra> no
mesmo tempo narrativo de sua filosofia. Então, vejamos.
No nosso tempo, a comunidade psíquica linguística do século
XX [últimos homens] resiste no século XXI ao lado da comunidade psíquica
linguística do século XXI: extra-territorial homem ou super-homem ou homem
virtual cibernético.
Nietzsche:
“O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem
– uma corda sobre um abismo”. (Nietzsche. 1998: 38).
A filosofia do século XXI cria e recria o campo de ideologias
caminhando na corda homem sobre o abismo, a escuridão barroca da superfície
profunda do campo político conjuntural:
“Quero ensinar aos homens o sentido de seu ser: que é o
super-homem, o raio que rebenta da negra nuvem chamada homem”
“longe deles e o sentido do que eu falo não diz nada aos ses
sentidos. Ainda sou, para os homens, um ponto intermédi8o entre um doido e um
cadáver”. (Nietzsche. 1998: 44).
O cadáver é uma afecção que se tornou universal a partir da
comunidade psíquica linguística dos jesuítas:
“O risco de vida, é aí que está o essencial do que podemos
chamar de ato d dominação, e seu garante não é outro senão aquele que, no
Outro, é o escravo, como o único significante perante o qual o senhor se
sustenta como sujeito. O apoio que nele encontra o senhor não é outra coisa
senão o corpo do escravo, no que ele é perinde ac cadáver, digamos, para
empregar uma formulação que não chegou à toa ao primeiro plano da vida
espiritual. Mas o escravo, assim, está apenas no campo em que sustenta o senhor
como sujeito”. (Lacan. S. 16: 370).
4
Nietzsche pode estar falando da comunidade psíquica
linguística com dois extremos: o filósofo e o tirano?
Quem o filósofo da atualidade adora?
Nietzsche:
“Amo aquele que justifica os seres futuros e redime os
passados: porque quer perecer dos presentes”. (Nietzsche. 1998: 39).
Os espectros ideológicos do futuro serão legitimados, os
espectros do passado perdoados e as formas gramaticais do presente são mortais
para os últimos homens:
“Amo aquele cuja alma é tão transbordante, que se esquece de
sim mesmo e que todas as coisas estão nele: assim, todas as coisas tornam-se o
seu ocaso”.
“Amo aquele cujo espírito e coração são livres: assim, nele,
a cabeça é apenas vísceras do coração, mas o coração o arrasta para o ocaso”.
(Nietzsche. 1998: 39).
O filósofo da atualidade é uma comunidade psíquica
linguística que no qual todas as coisas do mundo nele enunciam o seu ocaso. O
que é uma comunidade psíquica linguística com espírito e afeto livres? Mas nela
o cérebro é a víscera do afeto, no cérebro se encontra as afecções/ vísceras do
campo de afetos, e o campo de afetos o conduzem para o seu ocaso? Há a comunidade psíquica linguística -filósofo
em contradição com a comunidade psíquica linguística da forma de governo do
tirano? Aquela vive o ocaso e esta quer se eterna?
Leo Strauss comparou a tirania antiga com a do século XX:
“Il n’est pas nécessaire de faire preuvre de beaucoup
d’attention ou de réflexion pour s’apercevoir qu’il y a une différence
essentiel entre la tyrannie telle que l’ont analysée les classiques et celle de
notre temps. La tyrannie d’aujourd’hui, contrairement á la tyrannie classique ,
dispose de la <technologie> et de l’<ideologie>. D’une façon plus
Générale, elle présuppose l’existence de la <Science>, c’est-à-dire d’une
interprétation particulière de la science ou d’une certaine science.
Inversement, la tyrannie classique, contrairement à la tyrannie moderne,
trouvait en face d’elle, en fait ou virtuellement, une science qui n’avait pas
pour but la <conquête> de la nature>, qui ne voulait être ni
vulgarisée ni répandue”. (Strauss: 38).
A tirania moderna é vulgarizada e generalizada; a relação
dela com o filósofo é substituída pela relação dela com o general intellect
gramatical (Bandeira da Silveira; 2022), com a ciência política de Estado como
ideologia e técnica, a ciência e a concepção política de mundo moderna como
relação técnica de produção de conquista da natureza. Assim, ela tem um começo
no campo da ciência natural:
“As coisas não se foram satisfeitas, em todo caso, pela nova
matemática. O seu racionalismo depressa se alastra para a ciência da natureza,
e cria para esta a ideia, inteiramente nova, da ciência matemática da natureza:
a ciência galilaica, conforme, com justiça, foi há muito denominada. Tão logo
esta enceta o passo de uma realização bem-sucedida, transforma-se também toda a
ideia de filosofia (como ciência do universo, do ente como um todo)”. (Husserl:
16).
5
Uma época é um novo começo, um leão que é o <querer> da
criança inocente, mas que esquece um dia após o outro, que toma o territorial
pelo virtual, como a tirania do general intellect gramatical:
“Mas dizei, meus irmãos, que poderá ainda fazer uma criança,
que nem sequer pôde o leão? Por que o rapace leão precisa ainda tornar-se
criança? “
“inocência, é a criança, e esquecimento; um novo começo, um
jogo, uma roda que gira a si mesma, um movimento inicial, um sagrado dizer
<sim>”.
“sim, meus irmãos, para o jogo da criação é preciso dizer um
sagrado <sim>: o espírito, agora, quer a sua vontade, aquele que está
perdido para o mundo conquista o seu mundo”. (Nietzsche. 1998: 53).
O novo começo inocente insiste como comunidade psíquica
linguística-Estado virtual cibernético no sagrado dizer <sim> para o
<criminoso>:
“Olhai-os, os bons e os justos! A quem odeiam mais que todos?
Àquele que parte suas tábuas de valores, o destruidor, o criminoso – mas esse é
o criador”.
“Olhai-os, os crentes de todas as fés! A quem odeiam mais que
todos? Àquele que parte suas tábuas de valores, o destruidor, o criminoso – mas
esse é o criador”.
“Companheiros, procura
o criador, e não cadáveres; nem tampouco, rebanhos e crentes. Participantes na
criação, procura o criador, que escrevam novos valores em novas tábuas”.
“[...]”.
Companheiros, procura o criador, e tais que saibam afiar suas
foices. Destruidores, serão chamados, e desprezadores do bem e do mal. Mas são
eles que farão a colheita e a festejarão”. (Nietzsche. 1988: 47).
A época nietzschiana do super-homem do século XXI se choca
com o passado do século XX dos últimos homens na atualidade?
O diabo romântico de Goethe é uma criatura do Zaratustra? O
campo heteróclito é o alfa e o ômega do século XXI? ele se encontra em toda
parte?
Goethe:
“MEFISTÓFOLES
Sou parcela do Além,
Força que cria o mal e faz o bem?
FAUSTO
Que dizes com palavras dúbias, meu herói?
MEFISTÓFOLES
Eu sou aquele que nega e destrói!
E o faço com razão; a obra da Criação
Caminha com vagar para a destruição.
Seria bem melhor se nada fosse criado.
Por isso, tudo aquilo a que chamas pecado,
Ou também <destruição>, ou simplesmente < o mal>
Constitui um elemento eleito e natural”. (Goethe: 59-60).
6
A divisão do trabalho cultural entre filosofia e ciência
política da Academia, do Liceu, da universidade feudal é distinta da divisão do
trabalho no qual a filosofia é uma ideologia em um contraponto agônico com a
ciência da história ou da ciência política de Marx. Porém, a universidade
americana criou um a ciência política na qual a política é um sistema
autotélico em relação à sociedade e o Estado. Nietzsche é da linhagem doas
antigos e medievais, dos renascentistas e barrocos. A ciência política materialista/dialética
(Bandeira da Silveira: 2024a; 2024b) é antessala de uma filosofia da atualidade
além da pós-modernidade.
Nietzsche é da época do novo Estado mercantilista europeu
como comunidade psíquica linguística alemã:
430. Cultura e casta – Uma cultura superior pode surgir
apenas onde houver duas diferentes castas na sociedade: a dos que trabalham e a
dos ociosos, os que são capazes de verdadeiro ócio, ou, expresso de maneira
mais forte: a casta do trabalho forçado e a casta do trabalho livre. A
consideração da partilha da felicidade não é essencial, quando se trata de
produzir uma cultura superior; mas de todo modo a casta dos ociosos é mais
capacitada para sofrer, sofre mais, seu gosto em existir é menor, e sua tarefa,
maior”. (Nietzsche. 2000:238; 1988:264).
A casta superior do trabalho livre é o general intellect
gramatical e na atualidade se tornou uma pequena burguesia proprietária de
capital cultural na sociedade do capital feudal e no Estado territorial ou
virtual. A concepção política de mundo dessa classe social estabelece o campo
das ideologias do século XXI nos países desenvolvidos no Ocidente e Oriente. A
diferença entre a casta nietzschiana do trabalho livre a pequena burguesia
cultural de hoje é o gosto de existir eternamente para a última, tela de gosto
expressa na comunidade psíquica linguística cyber:
“SE acontece uma troca entre as duas castas, de modo que as
famílias e os indivíduos mais obtusos e menos intelectuais da casta superior
são rebaixadas para a inferior e os homens mais livres desta têm acesso à
superior, atinge-se um estado além do qual se vê apenas u mar aberto dos desejos
indefinidos. – Assim nos fala cada voz, cada vez mais distantes, dos tempos
antigos; mas onde ainda há ouvidos para escutá-la”. (Nietzsche. 2000: 238)
No Brasil, o presidente Lula criou um sistema universitário
estatal para incluir as classes baixas de: branco pobre, negro e índio. Tomando
a si como modelo [que veio da pobreza do Sertão e se tornou o Príncipe moderno],
viu na formação de uma comunidade psíquica linguística (CPL) dos de cima e dos
debaixo o caminho para retirar o Brasil do subdesenvolvimento do capital feudal
territorial. Viu aí a fabricação de uma CPL-aparelho de hegemonia
nacional-popular barroco, um fenômeno que, como diz Nietzsche- faz analogia real-concreta
com a antiguidade da politeia
7
A gramática dialética de Nietzsche estabelece uma comunidade
psíquica linguística transbordante de alegria e otimismo em uma aporia à
gramática metafísica pessimista:
“Nossas mentes rechaçam a ideia do nascimento de uma coisa
que pode nascer de uma coisa contrária, por exemplo: a verdade do erro; a
vontade do verdadeiro da vontade de erro; o ato desinteressado do egoísmo ou a
contemplação pura do sábio, da cobiça. Tal origem parece impossível: pensar
assim parece próprio de loucos. As realidades mais sublimes devem ter outra
origem, que lhes seja peculiar5. Não pode ser sua mãe esse mundo efêmero,
falaz, ilusório e miserável, esta emaranhada cadeia de ilusões, desejos e frustrações.
No seio do ser, no qual não morrerá nunca, num deus oculto, na <coisa em
si> é onde deve se lobrigar seu princípio, ali e em nenhuma outra parte”.
“Este é o preconceito característico dos metafísicos de todos
os tempos, este gênero de apreciação se encontra na base de todos seus
procedimentos lógicos”. (Nietzsche. 1981: 17-18).
A concepção política de mundo da comunidade psíquica
linguística burguesa americana é a metafísica determinista. Tal gramática do
mundo é a força histórica que mantem o país no subdesenvolvimento, como
descobriu o presidente Lula. A classe superior cultural tem a imagem
textualizada das massas populares como algo abjeto:
“461. Príncipe e deus. – Frequentemente os homens se
relacionam com seus príncipes como fazem com seu deus, o príncipe tendo sido
muitas vezes o representante do deus, seu sumo sacerdote, ao menos. Tal
sentimento, quase inquietante, de reverência, medo e vergonha, já se tornou e
conti8nua se tornando mais fraco, mas ocasionalmente se inflama e se liga a
pessoas poderosas. O culto ao gênio é um eco dessa veneração a príncipes e
deuses. Em todo lugar onde s busca elevar indivíduos a um plano sobre-humano,
surge também a tendencia a imaginar camadas inteiras do povo como sendo mais
baixas e grosseiras do que são na realidade”. (Nietzsche. 2000: 248).
O príncipe e a massa popular são os dois extremos universais
virtuais do campo político da civilização; a veneração ao príncipe e deuses
[virtuais] são fenômenos da realidade virtual do campo político como essência.
No contingente da conjuntura, pode ser que os agentes políticos não vejam a
realidade virtual sagrada e não se guiem pelas essências, mas estas acabam por
determinar a prática política em situações de crise catastrófica.
A forma de governo presidencialista das Américas se pretende,
é vivida como positivista, realidade de puros fatos positivos, isto é, sem
fenômeno transcendental.
8
O próprio Marx fala da política como realidade
transcendental:
“A Assembleia Nacional eleita está em relação metafísica com
a nação ao passo que o presidente eleito está em relação pessoal com ela. A
Assembleia Nacional exibe realmente, em seus representantes individuais, os
múltiplos aspectos do espírito nacional, enquanto que no presidente esse
espírito nacional encontra a sua encarnação. Em comparação com a Assembleia,
ele possui uma espécie de direito divino; é presidente pela graça do povo”.
(Marx. 1974: 346).
Ao falar do “grande homem” [para os franceses] Napoleão III,
Marx vê o espírito nacional como a tela metafísica verbal narrativa do campo
político francês. Aqui nessa “frase” se encontra a intervenção da filosofia de
Marx em sua ciência política da plurivocidade de tela gramatical narrativa.
(Faye:150).
Nietzsche fala também do grande homem
“460. O grande homem da massa – É fácil dar a receita para o
que a massa denomina o grande homem. em qualquer circunstância, arranjem-lhe
algo que lhe seja agradável, ou lhe ponham no cérebro que isto ou aquilo seria
muito agradável e lhe deem tal coisa. Mas de modo algum imediatamente: deve-se
lutar por isso com grande esforço, ou parecer lutar. A massa deve ter a
impressão de que há uma força de vontade poderosa e mesmo invencível; ao menos
ela deve parecer que está presente. Todos admiram a vontade forte, pois ninguém
a tem, e cada um diz a si mesmo que, se tivesse, não haveria mais limite para
si e seu egoísmo. Vendo-se que uma tal vontade forte produz algo bastante
agradável à massa, em vez de escutar os apelos de sua própria cobiça, as
pessoas ficam novamente admiradas e felicitam a si mesmas. Quanto ao resto, ele
deve ter todas as qualidades da massa; quanto menos se envergonhar ela diante
dele, tanto mais popular ele será. Logo, ele deve ser violento, invejoso,
explorador, intrigante, adulador, servil, arrogante, tudo conforme as
circunstâncias. (Nietzsche. 2000:248).
Na relação grande homem e massa, a política é um jogo de luta
por conservar, defender, ou desintegrar imagens textualizadas do presidente da
república, por exemplo. Na época
nietzschiana atual, a grotesca
subjetividade da alma da massa é explorada como imagens textualizadas na tela
do cinema cyber. Aristóteles fez a filosofia do grotesco da multidão, massa que
ele designou como bárbara em contradição com civilizado:
“Algumas coisas são agradáveis por natureza, e destas umas
são irrestritamente agradáveis, enquanto outras o são em relação a determinadas
classes de animais ou de pessoas; por outro lado, outras não são naturalmente
agradáveis, mas algumas destas se tornam agradáveis por causa de aberrações,
outras por causa de hábitos e outras ainda por causa de taras”.
“Sendo assim, é possível descobrir em relação a cada uma das
espécies da segunda classificação disposições de caráter similares às
identificadas a respeito do primeiro caso; refiro-me às disposições bestiais,
como no caso da mulher que, segundo dizem, abria o ventre das mulheres grávidas
e devorava os fetos, ou das coisas com que, de acordo com certas narrativas,
algumas das tribos selvagens do litoral do mar Negro tinham o hábito
deleitar-se – com alimentos crus ou carne humana, ou com a troca de crianças entre
as tribos para serem seviciadas em suas festas – ou como na história que se
conta de Fálaris”. (Aristóteles. 1992: 137).
9
O grotesco é a tela de gosto do campo heteróclito sagrado,
virtual; um conceito da teologia secular. (Funkenstein: 1-3). A tela grotesca
tem uma versão fílmica no “ Gabinete
do dr. Caligare”. UM conceito secular não teológico de heteróclito [como
comunidade psíquica linguística-sociedade epocal] se encontra em Bataille:
“É porque a sociedade heterogênea dos sem eira nem beira de
todos os países, os ‘imigrantes’ de hoje, para não falar, como outrora, dos
‘proletários’, ainda precisa acreditar nisto, neste Rei imortal, habitada como
está por uma convicção inextinguível: não é possível que aquele que exerce o
poder efetivo de punir ou de perdoar não se situe em uma esfera tão heterogênea
como aquela em que frequentemente se encontram, excluídos tal como são de toda
prosperidade e situados abaixo do que se costuma chamar, depois da morte do
rei, de um ‘estado de direito’, supostamente protetor universal dos sujeitos
que continuam, contudo, pensando que não saberiam viver de forma justa sem Rei,
uma vez que é graças somente a ele que eles poderiam dispor do famoso habeas
corpus”. (Nassif: 88).
A tela verbal do heteróclita se encontra em Bataille. Vejam
com os próprios olhos as imagens textualizadas do grotesco na relação com o
belo, na comunidade psíquica linguística-espécie humana:
“A beleza não deixa de ser subjetiva, variando de acordo com
a inclinação dos que a apreciam. Em certos casos, podemos crer que certos
animais a apreciam como nós, mas a hipótese ´é temerária. Retenho apenas que,
na apreciação da beleza humana, deve intervir a resposta dada ao ideal da
espécie. Este ideal varia, mas é dado num tema físico suscetível de variações,
sendo algumas delas muito infelizes. A margem de interpretação pessoal não é
tão grande. Seja como for, eu devia reter um elemento muito simples, que
intervém na apreciação tanto da beleza animal como na beleza humana. [A
juventude, em princípio, soma-se a esse elemento primeiro].
‘Chega a um elemento que, apesar de não aparecer claramente,
não deixa de intervir no reconhecimento da beleza de um homem ou de uma mulher.
Um homem, uma mulher são em geral julgados belos na medida em que suas formas
estão distantes da animalidade”.(Bataille. 1987: 134).
A gramática do belo e do grotesco [que vai
além do feio e pode incluir o agradável] tem uma verdade?
A imagem da verdade:
“Do que eu disse, parece-me necessário reter uma verdade
indubitável. Mas a verdade contrária, que só aparece num segundo momento, não é
menos certa. A imagem da mulher desejável, que se nos oferece como tal, seria
insipida – ela não provocaria o desejo – se ela não anunciasse, ou não
revelasse, ao mesmo tempo, um aspecto animal secreto, de uma enorme sugestão. A
beleza da mulher desejável anuncia suas partes pudendas: justamente suas partes
pilosas, suas partes animais. O instinto inscreve em nós o desejo dessas
partes. Mas, para além do instinto sexual, o desejo erótico responde a outros
componentes. A beleza negadora da animalidade, que desperta o desejo, vai dar
na exasperação do desejo, na glorificação das partes animais”. (Bataille1987.
134).
A comunidade psíquica linguística-gosto mais costumes é a
essência do grotesco, do heteróclito. O iluminismo foi a preocupação de evitar
o grotesco e o heteróclito no campo político europeu do modernismo moderno. As
duas grandes guerras mundiais do século XX aparecem como resposta da comunidade
psíquica linguística [do grotesco e do heteróclito] europeia ao iluminismo da glorificação do belo da
civilização policiada:
“Mesmo que as situações variem de acordo com os gostos e os
costumes, uma coisa é certa: a beleza ( a humanidade} de uma mulher ajuda a
tornar menos sensível – e chocante – a animalidade do ato sexual. O que importa
em primeiro lugar é a beleza, visto que a fealdade não pode ser maculada, e a
essência do erotismo é a mácula. A humanidade, significativa do interdito, é
transgressão no erotismo. Ela é transgredida, profanada, maculada. Quanto maior
a beleza, maior a conspurcação. (Bataille. 1987: 136).
Bataille fala da relação entre belo (elite, rico), agradável
e o grotesco (classes baixas, pobre) como guerra social por imagens a partir da
comunidade psíquica linguística- cristã:
‘Com o cristianismo a alternância da glorificação e de
angústia, de suplícios e de orgias, constituindo a vida religiosa, é levada a
se conjugar por um tema mais trágico, a se confundir com uma estrutura social
doente, dilacerando-se com a mais suja crueldade. O canto de triunfo dos
cristãos glorifica Deus porque ele entrou no jogo sanguinolento da guerra
social, porque ele ‘precipitou as potências do alto de sua grandeza e exaltou
os miseráveis’. Seus mitos associam a ignomínia social, a desgraça cadavérica
do supliciado ao esplendor celestial. É assim que o culto assume a função total
de oposição de forças de sentidos contrários, repartida até então entre os
ricos e os pobres, dos quais uns consagram os outros à perda. Ele se liga
estreitamente ao desespero terrestre, sendo ele próprio apenas um epifenômeno
do ódio sem medida que divide os homens, mas um epifenômeno que tende a se
substituir ao conjunto dos processos divergentes por ele resumidos. [...] a
religião não procura de modo algum fazer desaparecer o que outros consideraram
como a chaga humana: sob sua forma imediata, na medida em que seu movimento
permaneceu livre, a religião, ao contrário, se atola em uma imundice
indispensável a seus termos extáticos”.
‘O sentido do cristianismo é dado no desenvolvimento das
consequências delirantes da despesa de classes, em uma orgia agonística mental
praticada às expensas da luta real. (Bataille. 1975: 43).
A guerra barroca dos abjetos contra os nobres é parte da
constituição da tela verbal narrativa da comunidade psíquica
linguística-espécie humana:
“Todavia, por mais importância que tenha adquirido na
atividade [prática política] humana a humilhação cristã é apenas um
episódio na guerra histórica dos abjetos contra os nobres, dos impuros contra os puros. Como se a sociedade consciente de
seu dilaceramento intolerável tivesse ficado por algum tempo inteiramente
embriagada, a fim de usufruir disso sadicamente: a embriaguez mais forte não
esgotou as consequências da miséria humana e, com as classes exploradas,
opondo-se às classes superiores com uma maior lucidez, nenhum limite concebível
pode ser determinado para o ódio. Só, na agitação histórica, a palavra
Revolução domina a confusão habitual e carrega com ela promessas que respondem
às exigências ilimitadas das massas: os patrões, os exploradores, cuja função é
criar formas desprezadoras que excluem a natureza humana – tal como essa
natureza existe no limite da terra, isto é, da lama -, uma simples lei de
reciprocidade exige que se espere que sejam entregues ao medo, na grande noite
em que suas belas frases serão cobertas pelos gritos de morte das insurreições.
Está aí a esperança sanguinolenta que se confunde a cada dia com a existência
popular e que resume o conteúdo insubordinado da guerra de classes”. (Bataille.
1975: 43).
10
450. Novo e velho conceito de governo – Diferenciar entre
governo e povo, como se duas distintas esferas de poder, uma mais forte, mais
elevada, e outra mais fraca, mais baixa, negociassem e entrassem em acordo, é
um traço da sensibilidade política herdada, que ainda hoje corresponde exatamente
ao dado histórico das relações de poder na maioria dos Estados. Quando, por
exemplo, Bismarck define a forma constitucional como um compromisso entre
governo e povo, ele fala segundo um princípio que tem sua razão na história (e,
precisamente por isso, também seu grão de irracionalidade, sem o qual nada
humano pode existir)”
Como forma de compromisso constitucional entre governo e
soberania popular, o Estado é uma prática política - lógico e, ao mesmo tempo, infralógico
ou supralógico:
“Mas agora devemos aprender – conforme um princípio que
brotou puramente do cérebro e que ainda deve fazer história – que o governo
nada é senão um órgão do povo, e não um providente e venerável <acima>
que se relaciona a um <abaixo> habituada à modéstia”.
Como realidade objetiva da atualidade saída do cérebro da
comunidade psíquica linguística-governo-povo-nietzschiano, há uma superfície
profunda, isto é, não há o encima (governo) e o embaixo (soberania popular):
“Antes de aceitarmos tal formulação do conceito de governo,
que até o momento é a-histórica e arbitrária, ainda que mais lógica, vamos
considerar as consequências: pois a relação entre governo e povo é a mais forte
relação exemplar, o modelo segundo o qual se forma involuntariamente o comércio
entre professor e aluno, pai e família, patrão e empregado, comandante e
soldado, mestre e aprendiz. Todas essas relações se reorganizam agora um pouco,
sob a influência da forma constitucional de governo que domina: elas se tornam
compromissos. Mas como deverão elas se transformar e se deslocar, mudar de nome
e de natureza, quando esse novíssimo conceito tiver se apoderado de todas as
cabeças” – para o que , no entanto, talvez necessite de mais um século. Nisso
nada é mais desejável do que cautela e uma lenta evolução”. (Nietzsche.
2000:243).
Em uma assembleia
recente com uma multidão de operários, o presidente Lula diz: <eu sou vocês,
vocês são eu>. Trata-se da noção de hegemonikón [eu político estoico] a
partir do qual a fronteira ideológica burguesa (acima/embaixo) é abolida no
discurso político do <grande estadista> - que para a multidão <faz o
tempo na política>:
“449. Aqueles que fazem o tempo na política – Assim o povo,
no caso daquele que entende do tempo e o prevê com um dia de antecedência,
supõe secretamente que ele faz o tempo, mesmo pessoas cultas e sabedoras
atribuem a grandes estadistas, fazendo uso da crença supersticiosa, todas as
importantes mudanças e conjunturas que sobrevieram durante seu governo, como
sendo obra particularmente sua,, se está claro que eles sabiam algo sobre elas
antes dos outros e que então fizeram seus cálculos: eles são igualmente vistos
como <fazedores do tempo> - e essa crença não é o instrumento menor do
seu poder”. (Nietzsche. 2000: 242).
11
Heidegger elevou as alturas altíssimas do céu dos céus da
gramática o conceito comunidade psíquica linguística-nietzschiano:
16. As características essenciais do ente como tal.
5) Ali, o ente como mundo – vida- Dasein – realidade como
ser.
6) o caos eterno da necessidade”. (Heidegger. 2015: 25).
A comunidade psíquica... é ente e necessidade como duas
regiões dominantes em contradição no cérebro da espécie humana. Como diz
Nietzsche, as estruturas gramaticais de estado já se encontram no cérebro
humano. O Estado neomercantilista europeu já se encontrava no cérebro alemão.
(Nietzsche. 2000: 441, p. 239):
“440. De sangue – o que homem e mulheres de boa linhagem têm
como vantagem diante dos outros, e que lhes dá o direito indubitável a uma
maior estima, são as duas artes crescentemente aumentadas pela hereditariedade:
a arte de saber comandar e a arte da obediência orgulhosa. – Em todo lugar onde
comandar é parte da vida diária (Como no mundo da indústria e do comércio [mundo
do capital feudal]) forma-se algo semelhante ás linhagens ‘de sangue’, mas
em que falta a atitude nobre da obediência [por causa da guerra de classe],
que naquelas é uma herança de condições feudais e que no clima de nossa cultura
já não cresce”. (Nietzsche. 2000: 239).
O real é o objeto sangue e hereditariedade da monarquia
feudal, do Estado feudal que é
substituído na sociedade do capital capitalista pelo choque entre o Estado
liberal do capital capitalista e o Estado feudal do neo-mercantilismo. A
história da modernidade é a alternância da época mercantilista com a época
liberal em um campo político transcendental/imanente conjuntural , sobretudo, o
choque entre o Estado secular e o Estado religioso:
“472. Religião e governo – Enquanto o Estado ou, mais
precisamente, o governo se souber investido da tutela de uma multidão menor de
idade, e por causa dela considerar se a religião deve ser mantida ou eliminada,
muito provavelmente se decidirá pela conservação da religião. Pois, esta
satisfaz o ânimo do indivíduo em tempos de perda, de privação, de terror, de
desconfiança, ou seja, quando o governo se sente incapaz de diretamente fazer
algo para atenuar o sofrimento psíquico da pessoa: mesmo em se tratando de
males universais, inevitáveis, inicialmente irremediáveis (fome coletiva,
crises monetárias, guerras), a religião confere à massa uma atitude calma,
paciente e confiante. Onde as deficiências necessárias ou casuais do governo de
Estado, ou os perigosos efeitos de interesses dinásticos, fazem-se notórias
para o homem perspicaz e o dispõem á insurreição, os não perspicazes pensam
enxergar o dedo de Deus e pacientemente se submetem ás determinações do alto
(conceito em que habitualmente se fundem os modos humano e divino e governar):
assim se preserva a paz civil interna e a continuidade do desenvolvimento. O
poder que reside na unidade de afeto popular, em opiniões e fins comuns a
todos, é protegido e selado pela religião, excetuando os raros casos em que o
clero e o poder de Estado não chegam a um acordo quanto ao preço e entram em
conflito. Normalmente, o Estado sabe conquistar os sacerdotes, porque tem
necessidade de sua privadíssima, oculta educação as almas, e estima servidores
que aparentemente, exteriormente, representam um interesse bastante diverso.
Sem a ajuda dos sacerdotes nenhum poder é capaz, ainda hoje, de tornar-se
<legítimo>: como bem entendeu Napoleão. – Assim, governo tutelar absoluto
e cuidadosa preservação da religião caminham necessariamente juntos”.
(Nietzsche. 2000: 251-252).
A relação entre Estado democrático e religião é outro aspecto
do campo político europeu que voa nas Américas:
“Nisto se pressupõe que as pessoas e classe governantes sejam
esclarecidas a respeito das vantagens que a religião lhes oferece, e que até
certo ponto se sintam superiores a ela, na medida em que a usam como
instrumento: eis aqui a origem do livre-pensar. – Mas o ocorre, quando, começa
a prevalecer a concepção totalmente diversa de governo que é ensinada nos
Estados democráticos? Quando nele se enxerga apenas o instrumento da
soberania/vontade popular, não um <alto> em comparação com um
<baixo>, mas meramente uma função do único soberano, do povo? Também
nesse caso o governo só poderá ter a mesma atitude do povo ante a religião;
toda propagação das Luzes terá de encontrar eco em seus representantes, uma
utilização e exploração das forças motrizes e consolação religiosas para fins
estatais não será tão fácil (a não ser que poderosos líderes partidários
exerçam temporariamente uma influência semelhante à do despotismo esclarecido).
Mas se o Estado já não pode tirar proveito da religião, ou se o povo pensa
muito variadamente sobre coisas religiosas para permitir ao governo um
procedimento homogêneo e uniforme nas medidas religiosas – então
necessariamente aparecerá o recurso de tratar a religião como assunto privado e
remetê-la à consciência e ao costume de cada indivíduo. (Nietzsche. 2000:
252-253).
A filosofia da gramática da ciência política de Estado
estabelece a analogia entre Nietzsche e a comunidade psíquica linguística que
alterna entre o Estado mercantilista democrático e o Estado liberal da
globalização:
“Enfim- pode-se dizer com segurança – a suspeita em relação a
todos os que governam, a percepção do que há de inútil e desgastante nessas
lutas de pouco fôlego tem de levar os homens a uma decisão totalmente nova: a
abolição do conceito de Estado, a supressão da aporia <privado e
público>. As sociedades privadas incorporam passa a passo os negócios do
Estado: mesmo o resíduo mais tenaz do velho trabalho de governar (por exemplo,
as atividades que s destinam a proteger as pessoas privadas umas das outras) termina
a cargo de empreendedores privados”. (Nietzsche. 2000: 254).
A gramática nietzschiana acima se tornou hegemônica no campo
político mundial na globalização liberal. No entanto, os países recuaram na
desintegração da gramática do Estado. O Brasil não acompanhou esse movimento
mundial. Assim:
“O desprezo, o declínio e a morte do Estado, a liberação da
pessoa privada (guardo-me dizer: do indivíduo), são efeito da noção democrática
de Estado, nisso está sua missão. Se ele cumpriu a sua tarefa – que, como todo
humano, traz em si muita razão e muita desrazão -, se todas as recaídas da
velha doença foram superadas, então se abrirá uma nova página no livro de
fábulas da humanidade, em que serão lidas todas as espécies de histórias
estranhas e talvez alguma coisa boa. (Nietzsche. 2000: 254).
No campo político da conjuntura atual, a realidade virtual
[religiosa] e a realidade territorial [secular] aparecem em aporia implosiva?
Nietzsche:
“Repetindo brevemente o que foi dito: os interesses do
governo tutelar e os interesses da religião caminham de mãos dadas, de modo
que, quando esta última começar a definhar, também o fundamento do Estado é
abalado. A crença numa ordenação divina das coisas políticas, no mistério que
seria a existência do Estado, é de procedência religiosa: se desaparecer a
religião, o Estado inevitavelmente perderá seu antigo véu de Ísis e não mais
despertará reverência. Observada de perto, a soberania popular serve para afugentar
também o último encanto superstição no âmbito destes afetos; a democracia
moderna é a forma histórica do declínio do Estado. [...]. Confiemos, portanto,
na <sagacidade e interesse pessoal dos homens>, para que o Estado
subsista por bastante tempo ainda, e sejam rechaçadas as tentativas
desintegradoras de supostos sábios zelosos e precipitados!”. (Nietzsche. 2000: 254-255).
12
Há diferença entre a <profecia racional> de Weber e a
gramática sobre o futuro de Nietzsche?
Weber:
“Para quebrar a força de tal magia e impregnar uma vida nova,
com racionalismo, somente foi possível, em todos os tempos, através das
profecias racionais. Todavia, nem toda profecia destruiu a invocação mágica. É
possível que um profeta, acreditado, pelos milagres e outros meios, quebre as
normas sagradas e tradicionais. Às profecias cabem o mérito de haver rompido o
encanto mágico do mundo, criando o fundamento para a nossa ciência moderna,
para a técnica e, por fim, o capitalismo”. (Weber. 1968: 316).
A partir de sua ciência política Weber fez uma profecia
racional sobre o pós-capitalismo:
“Se acabasse eliminado o capitalismo privado, a burocracia
estatal dominaria sozinha. As burocracias privada e pública – que agora
trabalham uma ao lado da outra e, ao menos possivelmente, uma contra a outra,
vigiando-se, pois, mais ou menos reciprocamente, fundir-se-ia, então, numa
hierarquia única. A situação seria análoga à do Egito da Antiguidade, só que
assumiria uma forma incomparavelmente mais racional e, por isso, muito mais
inescapável”. (Weber. 1999: 541).
A potência da tela gramatical é diferente da profecia
racional que não se realiza. O desenvolvimento da potência da essência da
gramática depende da história imanente no campo político de contexto racional.
Nietzsche:
“475. O homem europeu e a destruição das nações – O comércio
e a indústria, a circulação de livros e cartas, a posse comum de toda a cultura
superior, a rápida mudança de lar e de região, a atual vida nômade dos que não
possuem terra – essas circunstâncias trazem necessariamente um enfraquecimento
e por fim uma desintegração das nações, ao menos das europeias: de modo que a
partir delas, em consequência de contínuos cruzamentos, deve surgir uma raça
mista, a do homem europeu”. (Nietzsche. 2000: 257).
Os fenômenos enumerados da desintegração do Estado-nação são
precisos: o capital que é uma gramática que não tem pátria; a cultura superior
que se transforma no general intellect gramatical do cosmopolitismo mundial; os
povos nômades que são a causa da desterritorialização da segurança do
território nacional, todos esses fenômenos se tornaram a história do campo
político europeu e um contexto racional que acabaram por fabricar a União Europeia
da globalização liberal do final do século XX.
O campo ditatorial nacionalista virtual artificial é um
fenômeno do século XXI. Há uma analogia dele com os fenômenos da gramática de
Nitzsche:
‘Hoje em dia o isolamento das nações trabalha contra esse
objetivo, de modo consciente ou inconsciente, através da geração de
hostilidades nacionais, mas a mistura avança lentamente, apesar dessas
momentâneas correntes contrárias; esse nacionalismo artificial é, aliais, tão
perigoso como era o catolicismo artificial, pois é na essência um estado de
emergência e de sítio que alguns poucos impõem a mitos, e que requer astúcia,
mentira e força para manter-se respeitável. Não é o interesse de muitos (dos
povos), como se diz, mas sobretudo o interesse de algumas dinastias reinantes,
e depois de determinadas classes do comércio e da sociedade, o que impele a
esse nacionalismo; uma vez que se tenha reconhecido isto, não é preciso ter
medo de proclamar-se um bom europeu e trabalhar ativamente pela fusão das
nações no que os alemães, graças à sua antiga e comprovada qualidade de
interprestes e mediadores dos povos, serão capazes de colaborar”. (Nietzsche.
2000: 257).
O nacionalismo de hoje é pensamento mágico de uma época de
crise do campo político de contexto racional europeu e norte-americano. No
Brasil, ele é uma farsa do simulacro de nacionalismo que adora os EUA, e quer
se submeter ao Estado norte-americano. O lugar do judeu na gramática
nietzschiana evoca Hegel?
Hegel fala da gramática das afecções dos povos orientais como
determinante do ser desses povos. E Nietzsche:
“Diga-se de passagem que o problema do judeus existe apenas
no interior dos Estados nacionais, na medida em que neles a sua energia e
superior inteligência, o seu capital de espírito e de vontade, acumulado de
geração em geração em prolongada escola de sofrimento, devem preponderar numa
escala que desperta inveja e ódio, de modo
que em quase todas as nações de hoje – e tanto mais quanto mais
nacionalista é a atitude que adotam – aumenta a grosseria literária de conduzir
os judeus ao matadouro, como bodes expiatórios de todos os males públicos e
privados. Quando a questão não for mais conservar as nações, mas criar uma raça
europeia mista que seja a mais vigorosa possível, o judeu será um ingrediente
tão útil e desejável como qualquer outro vestígio nacional. características
desagradáveis, e mesmo perigosas, toda nação, todo indivíduo tem: é cruel
exigir que o judeu constitua exceção. [...].
gostaria de saber o quanto, num balanço geral, devemos relevar num povo
que, não sem culpa de todos nós, teve a mais sofrida história entre todos os
povos, e ao qual devemos o mais nobre dos homens (Cristo), o mais puro dos
filósofos (Spinoza), o mais poderoso dos livros e a lei moral mais eficaz do
mundo. e além disso: nos tempos mais sombrios da Idade Média, quando as nuvens
asiáticas pesavam sobre a Europa, foram os livres-pensadores, eruditos e
médicos judeus que, nas mais duras condições pessoais, mantiveram firma a
bandeira das Luzes da independência intelectual, defendendo a Europa contra a
Ásia”. (Nietzsche. 2000: 257-258).
Nietzsche fala do iluminismo judeu medieval em uma época de
trevas feudais. O iluminismo é um fenômeno universal da civilização política. O
judeu aparece como a força pratica do iluminismo feudal. O iluminismo começa na
antiguidade:
“tampouco se deve menos aos seus esforços o fato de finamente
vir a triunfar uma explicação do mundo mais natural, mais conforme a rzão e
certamente não mitológica, e de o anel da cultura que hoje nos liga às Luzes da
Antiguidade greco-romana não ter se rompido. Se o cristianismo tudo fez para
orientalizar o Ocidente, o judaísmo contribuiu de modo essencial para
ocidentalizá-lo de novo: o que, num determinado sentido, significa fazer da
missão e da história da Europa uma continuação da grega”. (Nietzsche. 2000:
258).
13
Hegel fala do campo das afecções cerebrais de povos
orientais:
‘Como concepção dominante encontramo-lo sobretudo entre os
árabes que, nos desertos, nas imensas extensões planas cobertas de um céu puro
e queimadas por um sol ardente, só podiam contar, para s defender, com a sua
coragem e a força do seu braço, com os seus camelos, cavalos, lanças e espadas.
É aqui que, a contrário da moleza e inércia indus, e do panteísmo da poesia
islâmica mais tardia, se veem formar caracteres animados da mais feroz
independência e que deixam aos objetos exteriores o que eles têm de realidade
definida e estável. A este sentimento de independência individual liga-se então
um conjunto de qualidades que delas são corolários: a amizade livre, a
hospitalidade generosa, a nobre distinção nas atitudes e nas relações
cotidianas, e também defeitos tais como a sede infinita de vingança, a
lembrança inapagável de um ódio que alimenta paixão implacável e uma crueldade
sem qualquer sentimento. O que se passa neste domínio parece puramente humano e
no círculo humano encerrado; são actos de vingança, relações amorosas,
dedicações à prova de todos os sacrifícios, factos de onde desaparece qualquer
elemento maravilhoso e fantástico, de tal modo que tudo acontece de maneira
firme e precisa tendo em conta as relações necessárias que existem entre as
coisas”. (Hegel. 1993: 243).
A gramática do povo árabe faz pendant com a gramática do povo
judeu no contexto racional de sentido:
“Já antes encontramos entre os Hebreus a mesma concepção dos
objetos reais, isto é, a mesma redução das coisas à sua medida e às suas
relações firmes e estáveis, o mesmo reconhecimento da sua liberdade e não
apenas da sua utilidade. Uma firme independência de carácter e a crueldade na
vingança e no ódio, eram também traços inerentes à primitiva nacionalidade judaica mas com a diferença de que, entre os
Judeus, as manifestações e os fenômenos mais poderosos da natureza são
considerados e representados menos por si mesmos do que por serem testemunhos
do poder de Deus em face do qual toda a independência desaparece; e até o ódio
e as perseguições, em vez de serem pessoas, voltam-se contra povos inteiros,
como vingança nacional ao serviço de Deus”. (Hegel. 1993: 243).
A época da globalização liberal consistiu na desintegração do
Estado nacional, nações etc. O fenômeno da desintegração da concepção política
de mundo dos povos orientais no Oriente Médio é o que sobrou da prática
política do Estado liberal da globalização pós-modernista - das formas ideológicas do século XX no século
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