segunda-feira, 16 de setembro de 2024

burguesia iluminista, religião, magia, máquina

 

José Paulo 

 

 

Os cientistas do homem universitários não gostam de fazer pesquisa sobre a mentalidade burguesa, sobre o campo das ideologias burguesas. Eles evitam falar do burguês rico proprietários dos meios de comunicação de massas. No século XVIII a gramática do iluminismo se transformaria no século XIX na gramática da burguesia iluminista europeia. A burguesa aparece como uma forma ideológica iluminista legítima (Merquior: 1980). Na crítica das ideologias científicas burguesas [economia política e outras] Marx fala da decadência d burguesia iluminista como aparelho de hegemonia de uma comunidade psíquica linguística do rico:

“já não se tratava de se este ou aquele teorema era verdadeiro, senão d se ao capital lhe resultava útil ou prejudicial, cômodo ou incômodo., de se era um delito menor ou não que abalava o Estado de polícia. Os espadachins a soldo substituíram a investigação desinteressada., a má consciência e as ruins intenções da apologética ocuparam o espaço da investigação científica sem preconceitos”. (Lukács. 1986:19).

A burguesia europeia [como prática política ideológica da razão iluminista] desapareceu. O que entrou no lugar dela, qual burguesia como forma ideológica?   

A decadência da forma ideológica iluminista resultou na abertura de um campo de ideologias burguesas em uma guerra do capital feudal cultural com a ciência política materialista do dominado. Vivemos essa situação concreta muito real no Brasil. Nesse texto discuto a forma ideológica da burguesia brasileira como ontologia religiosa secular.

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A história da burguesia é diferente de país para país, de região para região, de continente para continente. A burguesia brasileira se divide em frações dominantes sendo que três frações  controlam o país: a burguesia territorial, rural, latifundiária, a burguesia virtual e /ou territorial dos jogos de azar e a burguesia das telas do capital feudal. Esta última tem  a seu dispor jornalistas, cientistas políticos etc. um general intellect gramatical que nada tem a ver com a concepção política de mundo das ´própria burguesias supracitadas.

A burguesia rural preparou um golpe de Estado contra o governo Lula e fracassou. O exército se envolveu no golpe, mas o comando das Forças Armadas se dividiu e o golpe foi contido. A burguesia rural do Centro-Oeste conspirou, financiou e organizou o golpe bolsonarista. Como os cientistas sociais mais talentosos trabalharam ou querem trabalhar para a burguesia das telas do capital, eles evitam falar nas telas sobre a burguesia brasileira territorial rural.

A concepção política da burguesia rural é a ontologia da causalidade mecanicista de mundo. Assim, para ela é evidente, no campo político, que tudo tem uma causa que produz efeitos. Que nada sucede no mundo que não tenha uma causa. Que a mesma causa sempre produz o mesmo efeito. Que tudo o que chega a ser, nasce por obra de alguma causa. O começo deve ter alguma causa. (Bunge: 16).

Para a burguesia rural, o começo de suas desgraças é o lulismo/petismo. Este é a causa que produz o mesmo efeito: estatismo. As burguesias brasileiras partem da concepção política de mundo liberal gerada pela globalização da época pós-modernista, que se acelera na década de 1990. Esta tem no privatismo do capital feudal o alfa e o ômega da prática política da comunidade psíquica linguística do capital feudal. As burguesias são feudos com seus intelectuais que criam as aparências de semblância (Arendt): 31) de que fazem ciência da sociedade capitalista. A legitimidade da burguesia brasileira foi pensada como forma ideológica iluminista. (Merquior; 1980). A burguesia é uma forma ideológica <donos do poder patrimonialistas >. (Faoro; 1975). A terra para a burguesia existe em uma causalidade com propriedade privada patrimonialista, isto é, ela não é terra do capital capitalista, e sim do capital feudal patrimonialista. O direito patrimonialista feudal da terra aparece como o poder absoluto sobre a terra, chegando a uma concepção criminosa de que pode pôr fogo na terra em um cálculo de uma causalidade econômica de subsunção da natureza ao lucro do capital feudal rural. Esta é uma comunidade psíquica linguística análoga ao PCC, organização criminosa de São Paulo que incendiou as fazendas que são base social do governo bolsonarista de Tarcísio, inimigo figadal do Primeiro comando da Capital. O leitor pode observar que aí o país vive no campo heteróclito da meia-noite dos filhos de Caim.      

A Constituição de 1988 define o poder sobra a terra de um outro modo:

“ Cap. 1,

XXIII - a propriedade atender à sua função social

XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

XXV – e caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dado; (Constituição :19).

A burguesia rural faz uma guerra feudal particular contra o governo botando fogo no país nas quatro regiões. Se o Estado territorial nacional manejasse o conceito de guerra feudal privada, ele poderia aplicar aos artigos do cap. 1 Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Como o governo não é o Estado da democracia constitucional de 1988 [o governo é do campo da ditadura do general Golbery de 1964], ele não tem legitimidade para uma prática política constitucional em guerra barroca pública contra a guerra feudal particular da burguesia rural que pé um ersatz de organização criminosa - enquanto comunidade psíquica linguística privada. Se José Guilherme Merquior pode falar de uma burguesia iluminista na década de 1980 (Merquior. 1983: 176), hoje, a realidade é bem o contrário de uma burguesia iluminista europeia do século XIX.

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Não existe evicção na história do campo científico:

“É intencionalmente que falamos de evicção, isto é, de expropriação jurídica de um bem adquirido de boa fé. Há muito que deixamos de qualificar, como o fazia Voltaire, as superstições e as falsas ciências como maquinações e fraudes, cinicamente inventadas por dervixes e perpetuadas por amas de leite ignorantes”. (Canguilhem: 31).

 Não é evicção a noção de crise moderna:

“34. Passado e presente. O aspecto da crise moderna que se lamenta como <onda de materialismo> está ligado ao que se chama de <crise de autoridade>. Se a classe dominante perde o consenso, isto é, não é mais <dirigente>, mas unicamente <dominante>, detentora de pura força coercitiva, isto significa exatamente que as grandes massas se destacaram das ideologias tradicionais, não acreditam mais no que acreditavam etc. A crise consiste justamente no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer: neste interregno, verificam-se os fenômenos monstruosos os mais variados”. (Gramsci. 2014: 187).

 A época atual é a da inexistência de classe dirigente. E, no entanto, não se trata de uma classe dominante detentora de pura força no campo político conjuntural; não se trata do uso do Estado como puro aparelho de coerção. O que acontece? O interregno dos fenômenos monstruosos se tornou um fenômeno permanente na história política, econômica, ideológica. O interregno aparece como um campo religioso da história, uma realidade virtual de ersatz de deuses e demônios. Assim, o conceito de campo heteróclito de Weber não ´uma evicção pós-modernista. O presidente Milei da Argentina tem um cão com o qual ele se consulta, o cão aparece no campo político ou como um deus ou como um demônio:  

“Os deuses e demônios antropomorfizados só relativamente, ao menos em princípio, tem uma superioridade qualitativa sobre os homens. Suas paixões são sem medida, como a do homem forte, e desmesurado seu desejo de gozo. Porém, não são oniscientes e todos poderosos- no último caso, não pode haver muitos deles – nem tão pouco, ao menos na Babilônia e entre os germanos, necessariamente eternos; só que a menudo sabem como prolongar a duração de sua esplêndida existência mediante comidas especiais e bebedizos , que guardam para si, o mesmo que o elixir do feiticeiro prolonga a vida. Entre eles são separados qualitativamente aqueles que são úteis ao homem daqueles que representam poderes malévolos. Como é natural, os primeiros são<deuses> , bons e superiores , adorados de um modo regular, ao contrário, os últimos são os <demônios> inferiores, a menudo adornados de uma perfídia refinada, e não são adorados senão magicamente conjurados. Porém, não sempre se realiza uma separação sobre esta base; e, desde logo, não sempre nesta forma de degradação das potencias diabólicas a demônios. O grau de adoração de que gozam os deuses não depende de sua bondade e nem sequer de sua importância universal. Precisamente, os deuses grandes e bons do céu carecem a menudo de todo culto, não porque estejam <demasiado longe> do homem, senão porque sua ação é demasiado harmônica e parece assegurada, devido a sua regularidade, sem necessidade de influir neles. Ao contrário, poderes de caráter diabólicos bem evidentes, como, por exemplo, o deus das epidemias, Rudra, na índia, não aparecem como mais débeis que os deuses <bons>, senão que podem estar revestidos de um por enorme”. (Weber: 348).

 

O campo dos podres heteróclito tem como suporte as formas ideológicas e a gramática no cérebro humano. Trata-se de um campo ontológico no qual o lúdico pode existir como jogos de azar diabólicos ou divinos. Uma comunidade psíquica linguística burguesa virtual se realiza como desejo de gozo com o Estado bets. Os Bancos aparecem como instrumento econômico de entrada das classes baixas no campo dos bets. O Banco fornece o cartão de crédito que permite as donas de casa das classes baixas serem membros da comunidade psíquica linguística bets, comunidade dos jogos de azar que os propagandistas apresentam como o Eldorado. A comunidade psíquica linguística bets cria a afecção diabólica – nas classes populares- auri sacra fames. O algoritmo é um diabo que primeiro cria a afecção [vício] como a repetição de vitória no jogo, e depois o jogador se endivida, pois, não consegue parar de jogar mesmo perdendo quase sempre. Essa realidade virtual lúdica diabólica cria e recria os influenciadores como uma classe de magos virtuais diabólicos:

“Não raras vezes, os magos têm constituído uma corporação fechado, em certas circunstancias uma casta hereditária, em certas comunidades pode esta ter o monopólio da magia [...] O que distingue os sacerdotes dos magos e dos <profetas> enquanto aqueles possuem um saber específico, uma doutrina firmemente estabelecida e uma qualificação profissional, enquanto os magos possuem dons pessoais [carisma] que põem a prova por meio do prodígio ou da revelação pessoal, segundo se trate do mago ou do profeta”. *(Weber: 346).

Um mago digital emergiu do real do campo político heteróclito paulistano e disputa a prefeitura da cidade de São Paulo. O mago Pablo Marçal gerou uma reação na comunidade psíquica linguística da burguesia rica paulista, sendo que uma metade dela apoia a magia digital de Pablo Marçal e a outra a rejeita.   

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Demônios [Sedutor de Kierkegaard]  e anjos [Nikita] não são mais figuras de uma comunidade psíquica literária, elas habitam o campo político. Na TV Globo, as atrizes revelaram a prática orgiástica quase sagrada entre homens jovens adultos e jovens fêmeas. O Sedutor e Nikita deixam de ser fantasma literário virtual [como a madame Bovary o a Xantipa] e se tornam fantasia atual.

As relações técnicas de produção produzem máquinas angelicais ou demoníacas de uma comunidade psíquica gramatical. Freud fala de um aparelho de Estado animal, orgânico, de uma comunidade psíquica gramatical orgânica, animal. Ele fala na época do Estado mercantilista colonialista e imperialista europeu da primeira metade do século 20:

“Por que nossos parentes, os animais, não representam uma guerra cultural desse tipo? Não sabemos. Provavelmente, alguns deles [abelhas, formigas, térmitas] batalharam durante milhões de anos antes de alo alcançarem o aparelho de Estado, antes e chegarem à distribuição de funções e às restrições ao indivíduo pelas quais hoje os admiramos. Constitui um signo de nossa condição atual o fato de sabermos, por nossos próprios afetos, que não nos seriamos felizes em qualquer desses aparelhos de Estado animais ou em qualquer dos papéis atribuídos ao indivíduo. No caso das outras espécies animais, pode ser que um equilíbrio temporário tenha sido alcançado entre influências de seu meio ambiente e s pulsões mutuamente conflitantes dentro delas, havendo ocorrido assim uma cessação de desenvolvimento. Pode ser que no homem primitivo um novo acréscimo de libido tenha provocado um surto renovado de atividade por parte do instinto destrutivo. Temos aqui muitas questões para as quais ainda não existe resposta”. (Freud: 146).

Koyré fala sobre máquinas:

“Com efeito, quando estudamos os livros de máquinas dos séculos XVI e XVII , quando fazemos a análise das máquinas [reais ou apenas projetadas] das quais nos oferecem descrições e desenhos, ficamos chocados com o caráter aproximativo de sua estrutura [gramática] de seu funcionamento, de sua concepção. Frequentemente são descritas com suas dimensões [reais] exatamente mensuradas. Em contrapartida, nunca são < calculadas>. Por isso, a diferença entre as que são irrealizáveis e as q1ue foram realizadas não consiste no fato de terem sido as primeiras <mal> e as segundas <bem> calculadas>.  Pois, com efeito, nem umas nem utas foram calculadas. Todas – com exceção, talvez, dos aparelhos para levantar materiais pesados e alguns outros, como o moinho, que empregavam junções de rodas de engrenagem como meio de transmissão de força motriz, meios que positivamente convidam ao cálculo – foram concebidas e executadas <a olho>, <por avaliação>. Todas pertencem ao mundo do <mais ou menos>. E é também por isso que apenas as operações mais grosseiras da indústria, tais como bombear a água, moer o trigo, pisoar a lã, acionar os foles das forjas, podem ser confiadas Ás máquinas. As operações mais delicadas só podem ser executadas pela mão do homem”. (Koyré: 275).

O algoritmo cibernético, ou é apresentado como uma máquina de mais ou menos, ou querem   professores que não conhecem sociologia ou ciência política que ele seja uma instituição ou mesmo uma Constituição digital: ‘

A palavra constituição provém do latim constituio, que, por sua vez, provém do verbo constituere: instituir, fundar [...] a lógica da denominação é esta: quando algo é estabelecido por meio das decisões de uma magistratura, então, é uma constitutio] isto é, tem sido instituído por esta]”. (Sartori: 13).

A instituição é uma forma ideológica da gramática do homem, não da máquina. A máquina industrial virtual digital não é capaz de instituir forma de governo, de constituir um campo político humano, mas pode destruí-lo se os homens e mulheres não agirem contra a desintegração da forma de governo pelo algoritmo.  

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A tela gramatical possui lógica de sentido?  O mundo deixou de ter sentido? A gramática dialética acolhe a lógica de sentido? Há sentido na razão linguística?

A gramática do sentido é parte da guerra feudal do dominante conta o dominado. A consciência histórica é um fenômeno que requer a forma gramatical de sentido como seu pressuposto. No Brasil, a estrutu7ra de dominação burguesa faz um ataque sistemático  às classes populares visando impedir que ela – tenham em seu cérebro – a forma lógica do sentido:

“Isso não prova, entretanto, que, para vencer na vida, basta ter um bom vocabulário: outras qualidades se fazem, evidentemente, necessárias. Mas parece não restar dúvida de que, dispondo de palavras suficientes e adequadas `s expressão do pensamento de maneira clara, fiel e precisa, estamos em melhores condições de assimilar conceitos, de refletir, de escolher, de julgar, do que outros cujo acervo léxico seja insuficiente ou medíocre para a tarefa vital da comunicação”. (Garcia:155).

A guerra feudal da burguesia contra as classes populares consiste na desintegração da escola pública, na negação do direito à escola para as classes populares.  Daí que o governo de Lula aparece como lógica de sentido – no campo político – como inimigo da burguesia. Lula criou um sistema universitário público em todas as regiões e a entrada nesse sistema das classes populares se tornou uma realidade contra a concepção política de mundo da elite burguesa. Para eat sempre fez sentido que as classes populares ficassem fora da educação formal. O governo de Bolsonaro representou a burguesia ao procurar desintegrar o ensino público universitário. A guerra feudal à universidade inclui criar uma imagem textualizada dela como jardim das delícias da carne etc.

Deleuze:

‘Inseparavelmente o sentido é o exprimível ou o expresso da proposição e o atributo do estado de coisas. Ele volta uma face para as coisas, uma face para as proposições”. Deleuze: 23).

O sentido insisti, subsiste em uma tela gramática, não se diz que ela existe nela:

“Consideramos o estatuto complexo do sentido ou do expresso> De um lado, não existe fora da proposição que o exprime. O expresso não existe fora de sua proposição. Daí porque o sentido não pode ser dito existir, mas somente insistir ou subsistir”. (Deleuze: 22).

O que seria o sentido na prática política?

O dicionário de semiologia diz:

‘quer como aquilo que fundamenta a atividade humana enquanto intencionalidade. Anteriormente à sua manifestação sob forma de significação articulada, nada poderia ser dito do sentido, a não ser que se façam intervir pressupostos metafísicos carregados de consequências. (Greimas: 416-417).

O ser do sentido:

“É ,exatamente, a fronteira entre as proposições e as coisas. É este aliquid, ao mesmo tempo extra-ser e insistência, este mínimo de ser que convém às insistências. É neste sentido que é um <acontecimento>: com a condição de não confundir o acontecimento com sua efetuação espaço-temporal em um estado de coisas. Não perguntaremos, pois, qual é o sentido de um acontecimento; o acontecimento é o próprio sentido”. (Deleuze: 23).

O sentido como acontecimento na tela metafísica paulina aparece na comunidade psíquica linguística religiosa do anticristo na parúsia :

“A aparência do anticristo não é um mero acontecimento transitório, mas é algo que em se decide o destino de cada indivíduo, também dos já crentes. Enquanto [...], que se levanta contra o divino, o inimigo é o crente, embora apareça e se apresente na forma do divino. O ser manifesto [...] só é tal para alguém que possua a capacidade de discernir”. (Heidegger2010:102).

Discernir o Ser manifesto é perceber claramente, distinguir a gramática de sentido de fenômeno do campo heteróclito, diabólico:

“Daí a advertência de que (2Ts 2,3) ninguém deveria deixar enganar-se. 2,11: Os que se perdem acreditam na mentira, eles não são indiferentes , estão ocupados em grau máximo, porém acabam se enganando e sucubem ao Anticristo. (Heidegger. 2010: 102).

A analogia real-concreta ente a comunidade psíquica linguística paulina e o campo político heteróclito atual produz o efeito dissolvente nos conceitos da tela gramatical milenar europeia. A gramática do sentido dos fenômenos [poder, aparelho de Estado, sociedade, mais-valia pública, Estado lacaniano etc.] é desintegrada pela experiencia de vida fática da sedução:

“O feminino não é justamente nem da ordem da equivalência, ou da ordem do valor: é portanto, insolúvel no poder. Não é nem mesmo subversivo, é reversível. O poder, ao contrário, é solúvel na reversibilidade do feminino. Se então não é possível decidir com <fatos> quem, masculino ou feminino, dominou o outro ao longo dos éculos (ainda uma vez, a tese da opressão do feminino repousa sobre um mito falocrático caricatural), é claro que também e3m matéria de sexualidade a forma reversível prevalece sobre a forma linear. A forma excluída prevalece em segredo sobre a forma dominante. A forma <sedutiva prevalece sobre a forma produtiva”. (Baudrillard. 1991: 23).

A produção de sentido como fenômeno é abolida na tela heteróclita. A tela midiática do capital tem como função naturalizar o campo heteróclito, ou melhor, a superfície reprofunda do diabólico (Godin:732) como a nova realidade virtual [mitológica] do campo político da atual conjuntura mundial. O <poder> se define como o poder do homem contra o feminino. A experiência da vida fática da sedução desintegra o poder do homem sobre a mulher e, para isso, é necessário a abertura da superfície reprofunda do feminino como tela heteróclita.

A gramática de Baudrillard desintegrou a gramática milenar de poder [da ciência política de Estado] ao fazer a crítica da ideia de poder em Michel Foucault:

“A própria perfeição desta crônica analítica do poder é inquietante. Qualquer coisa nos diz, mas em filigrana, em silhueta, desta escritura bela demais para ser verdadeira, que, se é possível falar enfim do poder, da sexualidade, do corpo, da disciplina com esta inteligência definitiva, e até mesmo das suas mais sutis metamorfoses, é porque, em algum lugar, tudo isso está desde já ultrapassado, e que Foucault só pode estabelecer um quadro tão admirável porque opera no ocaso de uma época (talvez a <era clássica>, da qual ele seria o último grande dinossauro) que é definitivamente finito”. (Baudrillard. 1984: 14-15). 

A experiencia da vida fática virtual cyber insiste, resiste a partir do princípio da sedução, que se encontra além do princípio de prazer e do princípio de realidade. A realidade tal como conceituada durante mil anos desaparece na gramática da ciência do homem e é substituída pela hiper-realidade da lógica do simulacro de simulação de sentido. (Baudrillard. 1981:177).  Uma comunidade psíquica linguística cyber passa a ser a estrutura de dominação ideológica no campo político das relações técnicas de produção digital, superfície reprofunda heteróclita do campo político da atualidade. 

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O ser do mundo de sentido:

“Ainsi se conclut  “La struture du comportement’: <La <chose> naturelle, l’organisme, le comportamento révèle d’outrui et le mien n’existent que par le sens [...]”. Barbaras:23).

 A ciência política materialista faz pendant com a gramática dialética do sentido do mundo da essência e do mundo do fenômeno, sentido como acontecimento, a parecer do Ser no campo político da resuperfície e da superfície ´profunda.

A essência deve aparecer, deve acontecer (=sentido) como ser do fenômeno. Assim aparece a essência. (Hegel. 1976:145):

Le phénoméne est ce que la chose est en soi, ou as vérité. Mais cette existence seulement posée, réfléchie dans l’être-autre., est pareillement l1’outre-passer de soi dans son infinité; en face du monde du phénomène se place le monde étant en soi, réfléchi dans soi”. (Hegel. 1976: 146).

O mundo da essência é a reprofundidade do campo político com o trabalho produtivo produzindo a riqueza da nação. O trabalho capital variável já é um fenômeno:

L’objet de premier chapitre consistera à expliciter la signification de l’apparence immédiate de l’essence, c’est-a-dire à la fois sa proximité d’avec lêtre et son opposition différentielle à celui-ci”. (Biard: 26).

A significação da aparência imediata da essência com o ser e em oposição ao mesmo ser é a antessala da gramática dialética de sentido do mundo da essência e do mundo do fenômeno. Tal complexidade dialética entre esses mundos fez muito cientista político materialista desistir da dialética hegeliana. Então é preciso retomar a gramática de Hegel como acontecimento, aparecer de sentido dialético. A gramática dialética é relação essencial:

“Assim, a lei é relação essencial. A verdade do mundo inessencial é, inicialmente, um mundo que é em si e para si, outro para ele; mas essa é a totalidade na medida em que ele é si mesmo e aquele primeiro; assim, ambos são existência imediatas e, com isso, reflexões dentro de seu ser outro, como também, justamente por isso, existência veridicamente refletidas dentro de si. Mundo exprime em geral a totalidade sem forma da plurivocidade. Esse mundo, tanto como mundo da essência quanto mundo que aparece [mundo do fenômeno] foi ao fundo, na medida em que a plurivocidade cessou de ser uma plurivocidade meramente diversa; assim, o mundo é ainda uma totalidade ou universo, mas como relação essencial. Originam-se duas totalidades do conteúdo dentro do aparecimento, elas estão determinadas como [elemento] autossubsistentes indiferentes um frente ao outro, e cada um tem, com efeito, a forma nela mesma, mas também como sua relação e a relação essencial é a realização plena de sua unidade de forma”. Hegel. 2017: 168-169).

 O mundo do fenômeno insiste, resiste, subsiste ao mundo da essência como reflexão que põe e repõe o sentido imediato da coisa como acontecimento, aparecer do ser da profundida como a mais-valia econômica. A mais-valia púbica já é o aparecer do ser do fenômeno como riqueza territorial ou virtual. A Forma ou relação essencial da tela gramatical narrativa suporta a unidade da forma ou estrutura do campo político dialético/materialista como forma de governo. A gramática dialética de sentido da forma de governo materialista explica a atual crise da forma de governo presidencialista nas Américas.

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Padre António Vieira fala da forma de governo tirânica em uma relação dialética com a comunidade psíquica linguística dos apóstolos sacrificados:

“’Não vos peço, Pai meu, que os tireis do mundo para cuja conversão são necessários; mas o que muito vos rogo é que os guardei, e livreis de mal’. Esta foi a Oração, e parece verdadeiramente que não foi ouvida. Que pobrezas, que fomes, que sedes; que perseguições , que cárceres, que acusações, que desterros; que afrontas, que desprezos, que ignomínias; que calúnias, que acusações, que injustiça; que açoites, que tormentos que martírio, não padeceram aqueles apóstolos em todas as partes do mundo, e em todos os  dias, e horas da vida, até finalmente a perderem cruel, e afrontosamente, uns crucificados , como Pedro, outros aspados, como André, outros esfolados, como, como Bartolomeu, e todos sem exceção de um só, tão bárbara, e desumanamente atormentados, quanto era a impiedade, o ódio infernal dos tiranos”. (Vieira: 60).  

A forma ideológica celestial da comunidade psíquica linguística cristã no cérebro do crente erguia uma tela dialética de sentido, de acontecimento, de aparecer - que abala impérios. Lacan fala do discurso político barroco:

“O sofrimento tem sua linguagem, e é realmente uma pena que qualquer um posso dizê-lo sem saber o que diz. Mas, enfim, esse é precisamente o inconsciente do discurso”. (Lacan. S. 16: 68). O SER de sentido  do discurso político é barroco na história do inconsciente da civilização política

 

ARENDT, Hannah, A vida do espírito. RJ: UFRJ, 1992

BARBARAS, Renaud. De l’être du phénomène. Sur l’ontologie de Meerleau-Ponty. Paris: Millon, 1991

BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981

BAUDRILLARD, Jean. Esquecer Foucault. RJ: Rocco, 1984

BAUDRILLARD, Jean. Da sedução. Campinas: Papirus, 1991

BIARD, j E AUTRES. Introduction à la lecture de la Science de la logique de Hegel. V. 2. La doctrine de l’essence. Paris: Aubier, 1983

BUNGE, Mario. Causalidad. El principio de causalidad en ciência moderna. Buenos Aires, 1956

CANGUILHEM, Georges. Ideologia e racionalidades na ciência da vida. Lisboa: Edições 70, 1977

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SP: Edipro, 2022

DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. SP: Perspectiva, 1974

FAORO, Raymundo. Os donos do poder; SP: USP, 1975

FREUD. Obras Completas. V. 21. O Mal-Estar na Civilização. RJ: Imago, 1974

GARCIA, Othon M. comunicação em prosa moderna. RJ: Fundação Getúlio Vargas, 1988

GODIN, Christian. La totalité. V. 1. De l’imaginaire au symbolique. Paris: Champ Vallon, 1998

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. V. 3. RJ: Civilização Brasileira, 2014

GREIMAS/Courtés. Dicionário de semiótica. SP: Cultrix, 1979

HEGEL. Science de la logique. Premier tome – Deuxième livre. La doctrine de l’essence. Paris: Aubier, 1976

HEGEL. Ciência da lógica. @. A doutrina da Essência. Petrópolis: Vozes, 2017  

HEIDEGGER, Martin. Fenomenologia da religião. Petrópolis: Vozes, 2010

KOYRÉ, Alexandre. Estudos de história do pensamento filosófico. RJ: Forense Universitária, 1991        

LACAN, Jacques. O seminário. De um Outro ao outro. Livro 16. RJ: Zahar, 2008

LUKACS, Georges. Marx y el problema de la decadência ideológica. Espana: Suglo 21, 1986

MERQUIOR, José Guilherme. Rousseau e Weber. Dois estudos sobre a Teoria da legitimidade. RJ: Guanabara, 1980

MERQUIOR, José Guilherme. O argumento liberal. RJ: Nova Fronteira, 1983

SARTORI, Giovanni. Elementos de teoría política. Madried: Alianza Editorial, 1992

WEBER, Max. Economia y sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1984

VIEIRA, Padre António. Sermões do rosário. Maria Rosa Mística I. SP: Loyola, 2015

 

   

 

              

 

 

         

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