domingo, 12 de abril de 2020

NOVA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO - PARTE 2


José Paulo

Com a covid-19, há uma crise real do capitalismo que pode afetar o modelo hegemônico de capitalismo do presente?
Qual o modelo dominante de capitalismo? O capitalismo neoliberal ou capitalismo misto?
No Ocidente, no Japão, e na Coréia do Sul é hegemônico o modelo capitalista neoliberal. Na China, o modelo de economia mista é dominante.
O que os capitalistas ocidentais e orientais privados não aceitam mais é a crise nas relações de valor da produção de capital, pois, isto crise significa metabolizar a responsabilidade pela crise enquanto esta é uma expressão econômica das relações de exploração entre capital e trabalho.
A crise capitalista real que o mundo atravessa significará a reorganização da estrutura total de capital capaz de permitir uma nova fase de expansão de capital? Haverá uma concentração de capital que permita colocar a produção de mais-valia nas mãos de um número de corporações capitalistas relativamente menor?
NO capitalismo atual temos a competição entre o capitalismo corporativo mundial privado e o capitalismo corporativo de Estado, concentrado e centralizado na China.
A crise real capitalista mundial levará a uma destruição de capital do capitalismo corporativo mundial privado na Europa, Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul?     
A crise real significa que a acumulação de capital foi interrompida pela intervenção humanitária do Estado-cientista cibernético/natural na divisão internacional de trabalho.
Vivemos em um capitalismo corporativo globalizado. A interrupção da produção de valores de uso de capital na China afeta a produção global de valores de uso de capital ao redor do planeta. A coisa complica com a paralisação da acumulação ampliada de capital na América do Norte e Canadá, Japão e Coréia do Sul, Índia e Indonésia, Austrália e América Latina, Europa.
A vida parou ou foi o capitalismo?
Para salvar vidas humanas, o Estado-cientista aparece como centro do campo de poderes/saberes político mundial no comando da interrupção da acumulação de capital cibernético do capitalismo globalizado.
Salvar vidas não faz parte da gramática do capitalismo neoliberal globalizado - que consiste em um processo histórico de exploração econômica inumano da sociedade salarial. O capitalismo neoliberal fez desaparecer, inclusive, o capitalismo social europeu que se preocupava com a vida humana, dos europeus.
Com a crise real do capitalismo neoliberal, o espírito do capitalismo social europeu ronda o capitalismo neoliberal? Assim, a sociedade do trabalho aparece como fator mais importante do que a acumulação de capital no campo de poderes/saberes político mundial?
A sociedade do trabalho da modernidade se regula pela fórmula M-D-M (mercadoria-dinheiro-mercadoria).  A vida do trabalho obedece à gramática da produção de mercadorias simples; ela vive em função do consumo de valores de uso. Mesmo a “acumulação” da sociedade do trabalho é norteada pelo desejo e necessidade social de valores de uso, através de bancos capitalizadores, companhia de seguros, enfim, de programas de poupança para a velhice.
A subjetividade do capitalista é regulada pela fórmula D-M-D’, ou seja, dinheiro-mercadoria/força de trabalho- dinheiro acrescentado. O capitalista é movido pelo desejo de lucro e de acumulação de capital, movido pela obtenção de riqueza no abstrato. A inexorável paixão pelo lucro, a auri sacra fames (fome de ouro) é o motor da vida do capitalista. (Sweezy: 170).
A gramática do capitalismo neoliberal é uma força histórica que altera a subjetividade da sociedade salarial ao substituir M-D-M pelo espectro de D-m-D’ na vida da ordem do trabalho. D-M-D’ é o fantasma que ronda a vida do trabalho no capitalismo neoliberal globalizado.
Na velha linguagem marxista, o capitalismo neoliberal faz promessas ao mundo operário de o transformar em um mundo de empreendedores, de pequeno-burgueses prósperos. Trata-se de auri sacra fames para o mundo do trabalho.
O fim da organização do mundo do trabalho como luta do trabalho contra o capital é abandonado no Ocidente capitalista desenvolvido. A luta de classes é jogada para as calendas gregas. A vida do trabalho torna-se algo simbolizado e vivido como uma <via crucis>: “Milhares de expressões da vida cotidiana nos lembram que o trabalho para obtenção do pão nosso de cada dia é um fardo pesado”. (Schumpeter:21). 
 A crise do capitalismo neoliberal globalizado é o resultado das elites governamentais dos países desenvolvidos antigos e novos porem e reporem a vida humana da sociedade do trabalho como superior axiologicamente à acumulação ampliada de capital cibernético - capital hegemônico na divisão internacional de capital globalizada?
                                                                          2
O Estado-cientista cibernético/natural no comando da economia, política e cultura mundial não é uma categoria retórica, como em François-Châtelet. (Châtelet: 610). No presente, o Estado-cientista é uma categoria histórico-empírica como avatar de uma nova ordem econômica mundial.
Na fase atual de acumulação ampliada de capital da internet das coisas, há uma luta estratégica entre China e países neoliberais desenvolvidos pelo domínio da internacionalização da tecnologia 5G. A hegemonia mundial nas relações internacionais passa pelo domínio da internacionalização da 5G na divisão de trabalho de capital mundial de países industriais desenvolvidos, industriais subdesenvolvidos e subdesenvolvidos sem sociedade industrial urbana.
A nova ordem econômica mundial será produzida pelo capital corporativo globalizado 5G, ou seja, pela acumulação ampliada de capital cibernético no departamento 4, ou departamento da internet das coisas. A crise da covid-19, pôs o capital natural capital vinculado às ciências da natureza e outras ciências da matematização da natureza (Husserl:27) como setor estratégico de acumulação ampliada de capital, sob a égide do Estado-cientista cibernético/natural.
A crise real do capitalismo tem esse aspecto de definir o futuro da acumulação ampliada de capital pela internacionalização das relações de produção capitalista corporativa estatal em junção com o Estado-cientista.    
                                                                        
A crise real se transforma em crise do modelo de hegemonia capitalista corporativa neoliberal mundial?
Na passagem do modelo de subdesenvolvimento da década de 1940 para o modelo de desenvolvimento do capitalismo burocrático de Estado da década de 1950-60, o Estado burocrático industrial fez uma aliança com o capital nacional privado e as transnacionais.
A América Latina produziu o pensamento econômico cepalino da sociedade industrial burocrática dependente e associada ao capital estrangeiro. O capitalismo corporativo globalizado neoliberal do século XXI criou a sociedade corporativa industrial cibernética que significou a passagem do capitalismo industrial burocrático para um estado econômico obsoleto.
O resultado desse fenômeno econômico foi o desaparecimento da sociedade industrial dependente em países como Brasil e Argentina. Na história do fim da sociedade industrial dependente, o capital industrial vive a interrupção do processo de acumulação que significa crise capitalista tout court da formação industrial da América do Sul.
A Argentina reage à crise industrial mergulhando no capitalismo neoliberal financeirizado de um Macri. O fracasso de Macri faz retornar o peronismo de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner - que enfrentam a crise da covid-19 se alinhando à política do Estado-cientista mundial.
A velha cultura econômica cepalina de origem argentina (e brasileira) é a cultura do capitalismo burocrático industrial de Estado. Ela é extemporânea na terceira década do século XXI. Com o peronismo do século XXI, abre-se uma janela para a produção de uma cultura econômica (pensamento, ideias e fatos e artefatos econômicos) do capitalismo corporativo de Estado cibernético natural? Resta saber se a elite governamental é capaz de ser hegemônica em um bloco histórico capitalista que combine o capitalismo corporativo industrial de Estado cibernético natural com o capitalismo corporativo industrial mundial privado, desfinanceirizado.
O Brasil se encontra prisioneiro de uma louca elite governamental neoliberal de aprofundamento do subdesenvolvimento do capitalismo industrial rural de commodities. Todavia, o Brasil é o terreno mais propicio de criação de um capitalismo corporativo de Estado natural.
A Amazônia é o território natural de alavanca para a produção de um Estado-cientista cibernético natural. Como na Argentina, o Brasil possui uma ciência nacional que pode ser o alicerce na construção do capitalismo corporativo de Estado natural cibernético.
No entanto, no Brasil, há uma reunião de forças históricas (economia, política, cultura) contrárias a instalação do capitalismo misto da nova hegemonia mundial. Como a Argentina, o Brasil não possui cultura econômica que seria a vontade de um pensamento econômico atualizado em uma força prática capaz de conduzir o país para o desenvolvimento econômico de amanhã.  
                                                          3     
A categoria chave da história econômica do século XXI é o subdesenvolvimento industrial. Trata-se de uma regressão econômica de ricos países industriais à condição de subdesenvolvimento. O caso dos Estados Unidos é o modelo, por excelência, dessa história econômica.
Os economistas americanos falam de uma passagem da América de um país no qual a sociedade industrial se encontrava no comando da economia, política e cultura para um país no qual o setor de serviço assume o comando da vida nacional. 
O que se chamou de sociedade pós-capitalista ou <sociedade dos empregados> (Drucker: 38) foi o rumo que a sociedade industrial americana tomou em direção à hegemonia nacional  do subdesenvolvimento industrial da economia de petróleo, mineração, complexo industrial militar etc., sob a égide do capital fictício financeirizado.  Trata-se de um capitalismo predatório do meio ambiente e de permanente ameaça paz mundial.
A <sociedade de organizações> (Drucker:28) parecia o rumo do capitalismo americano em direção à sociedade de conhecimento cibernético, como aconteceu nos Estados neomercantilistas das Ásia oriental, em especial, a China.
Os Estados Unidos são dominados por uma gramática econômica que rechaça a presença do Estado nacional na vida americana produtiva e na vida da sociedade. Essa gramática tem muitos nomes (anarco-capitalista, liberalismo individualista, neoliberalismo). No essencial, ela é a força histórica de bloqueio da formação da economia mista em território americano.
Mesmo sendo o centro universitário hegemônico de pesquisa no domínio natural e cibernético, os Estados Unidos rejeitam a construção de um Estado-cientista cibernético-natural, como o da China. Assim, a América do Norte acaba ficando fora da linha de força gramatical hegemônica da história do século XXI. Esta hegemonia se deslocou para o conjunto de Estados nacionais do neomercantilismo da sociedade industrial cibernética natural da Ásia oriental.
A crise do capitalismo americano se deve a desterritorialização do capitalismo corporativo mundial privado em solo americano. As corporações privadas americanas enfraqueceram seus laços sociais e identidade econômica com os Estados Unidos. E o capitalismo americano parece não suportar o modelo de economia mista (capitalismo corporativo mundial privado e capitalismo corporativo de Estado), que vai se tornando hegemônico no capitalismo globalizado planetário.
                                                               4
Façamos um cotejamento com a crise do capitalismo americano da década de 1980:
“É importante compreender que as causas da crescente fragilidade do mercado monetário só em parte dependem do próprio sistema financeiro: a verdadeira raiz do problema reside na persistente estagnação da produção e da acumulação. Como as instituições capitalistas, os bancos e outras firmas financeiras operam sob os mesmos imperativos de crescimento das empresas industriais. São impulsionados pela concorrência e pela necessidade de aumentar a base de lucros. Como a mercadoria com que transacionam é o dinheiro, a chave para o crescimento e os maiores lucros está na comercialização de um volume cada vez maior de dívidas. Em si, e por isso mesmo, isso não é necessariamente perigoso, desde que a produção e a acumulação de capital continuem a avançar em ritmo suficientemente rápido. Se tal exigência é atendida, as maiores cargas de dívida podem ser suportadas com segurança, já que os pagamentos necessários para a manutenção dos empréstimos de empresas e consumidores podem se extraídos dos crescentes lucros e maiores rendas pessoais”. (Magdoff: 10).
A década de 1980 é o horizonte de uma crise do capitalismo industrial no comando da economia mundial:
“A incessante expansão da dívida levou a repetidas explosões de instabilidade financeira, mas é importante não perdemos de vista o fato de que, em última análise, a causa básica do problema foi a estagnação persistente nos processos de produção e formação real de capital. E é importante ter presente que essa forma específica de enfermidade econômica, longe de limitar-se aos Estados Unidos, contaminou todo o mundo capitalista adiantado durante a década de 1970”. (Magdoff: 10-11).
A crise capitalista em tela é resolvida com a produção de uma nova gramática capitalista, a saber: a gramática do capitalismo globalizado Ocidente/Oriente.
A gramática da globalização capitalista é aquela do modo de produção capitalista corporativo mundial privado neoliberal sob comando do capital fictício financeirizado. A criação do departamento 4 (departamento capitalista cibernético) aparece como o domínio de acumulação capitalista mundial hegemônico e de acumulação de capital ampliada cibernética. Hoje, o 5G abrirá uma nova etapa para a acumulação capitalista ampliada via internet das coisas, sob protestos de ambientalistas.  
A crise real capitalista da covid-19 não é a crise da gramática capitalista cibernética. Ela é a crise da hegemonia do capitalismo neoliberal e de seu império, a América do Norte. A China trás um novo modelo econômico com a combinação de capitalismo corporativo mundial privado com capitalismo corporativo de Estado (CCE). O Estado-cientista chinês é um artefato econômico produzido pelo CCE, um Estado capaz de enfrentar crises sanitárias como a da covid-19.
O novo tipo de Estado é muito diferente do Estado burocrático weberiano. Na política mundial, a Terra vai se afastando da era weberiana e de seu Estado burocrático contra o qual o capitalismo neoliberal se rebelou.
O capitalismo neoliberal (CN) destruiu o Estado burocrático como força histórica de desenvolvimento econômico. O CN consegui provar que o Estado weberiano e seu capitalismo burocrático de Estado (CBE) faziam parte estratégica da crise do capitalismo pré-capitalismo globalizado.
Na América Latina, a década de 1980 é aquela da crise do modelo econômico como capitalismo burocrático industrial de Estado como força histórica do desenvolvimento econômico. A era do capitalismo corporativo industrial globalizado levaria à crise da sociedade industrial do CBE na América latina e outras regiões do planeta.  
O desenvolvimento econômico na história econômica mundial tomou um rumo para fora do CBE e do capitalismo neoliberal corporativo financeirizado. O modelo do desenvolvimento econômico é aquele da economia mista. Uma combinação de capitalismo corporativo de Estado privado desfinanceirizado com capitalismo corporativo de Estado cum Estado cientista cibernético natural desenha o novo desenvolvimento econômico capitalista da segunda metade do século XXI.  
A internacionalização do novo desenvolvimento econômico é a nova ordem econômica mundial. Como pátria do neoliberalismo, os Estados Unidos enfrentarão bloqueios naturais para tomarem o rumo do novo desenvolvimento econômico.
Na América Latina, as elites governamentais são despojadas da cultura econômica do novo desenvolvimento econômico mundial. O México se tornou refém da cultura econômica neoliberal americana. A Argentina saiu da loucura anarco-capitalista de um Macri, mas continua refém do capitalismo burocrático de Estado associado ao capitalismo das transnacionais e economia de commodities.
Para trilhar o novo desenvolvimento econômico, a Argentina teria primeiro que fazer uma revolução no campo de poderes/saberes da cultura econômica. O centro intelectual e moral da revolução da cultura econômica só pode ser o governo central. No entanto, não há signos apontando para uma revolução argentina do século XXI.
O Brasil mergulhou fundo no atraso do subdesenvolvimento neoliberal. Um bloco histórico anarco-capitalista é a força a partir da qual gravita a intelligentsia nacional. A crise brasileira é uma crise de falta de homens públicos e ideias em um espaço público procedural. Dificilmente, o Brasil criara a cultura do novo desenvolvimento econômico para a América Latina. O Brasil não verá nascer seu Celso Furtado do século XXI e sua CEPAL do CCE:
“A história econômica viu uma transformação no campo de poderes econômico com a luta do capital estrangeiro contra o capital estatal com sua vontade hegemônica. Desde o governo Sarney, a vontade política de excluir a burguesia estatal do bloco no poder se tornou a luta principal no campo de poderes econômico. Tratava-se da fabricação de uma outra gramática na história econômica. Finalmente, a luta em tela encontrou sua gramática no monetarismo neoliberal do governo Temer e Bolsonaro”. (Bandeira da Silveira: 139).
O neoliberalismo recente se tornou a tradição econômica da vida brasileira em uma época de um novo desenvolvimento econômico pós-neoliberal.
O que será do Brasil?    

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado Books, 2019.  
CHÂTELET & PISIER-KOUCHNER, François e Évelyne. Les conceptions politiques du XX° siècle. Paris: PUF, 1981
DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista. SP: Pioneira, 1993
HUSSERL, Edmund. La crise des sciences européennes et la phénoménologie transcendantale. Paris: Gallimard, 1976
MAGDOFF & SWEEZY, Harry e Paul. A crise do capitalismo americano. RJ: Zahar Editores, 1982
SCHUMPETER. A teoria do desenvolvimento econômico. SP: Nova Cultural, 1985
SWEEZY, Paul. Teoria do desenvolvimento capitalista. RJ: Zahar Editores, 1976
                   



               
         




Nenhum comentário:

Postar um comentário