segunda-feira, 6 de abril de 2020

HENRY KISSINGER E O MUNDO PLANIFICADO amanhã


José Paulo



Em Marx, a passagem da filosofia (ideologia metafísica ocidental) para a economia significa uma reinvenção da economia como <crítica da economia política>. Poderia ser, somente, mais um capítulo na história das ideias científica, se Lenin não tivesse transformado a <crítica do capital> na revolução socialista russa, em 1917.

A gramática do capital em Marx encontra sua força prática histórica na junção do marxismo russo com o povo russo: proletários e camponeses. Há um salto qualitativo contingente na relação marxismo e prática a partir da II Guerra Mundial. Esta foi o motor da formação da uma ordem mundial socialista em contraposição à ordem mundial capitalista.
A ordem capitalista vê na derrota do marxismo econômico um domínio estratégico na hegemonia do capitalismo no planeta. A luta teórica contra o marxismo econômico foi desenvolvida como luta agônica entre duas ordens mundiais, depois da II Guerra Mundial, é claro!
A luta teórica burguesa contra o marxismo consistia em negar a teoria do valor-trabalho como essência da realidade capitalista e do desenvolvimento econômico. O valor-trabalho põe e repõe o homem comum urbano como a força de criação humana de riqueza nacional e mundial. A teoria capitalista liberal-burguesa põe o capitalista (personificação do capital privado) como o único criador, que importa, da riqueza material da sociedade capitalista.
Outro aspecto diz respeito a controvérsia entre o que é o motor do desenvolvimento econômico capitalista. O liberalismo diz que é o capital e que o Estado nacional deve ser descartado como motor do desenvolvimento capitalista.
Na sociedade socialista, o Estado soviético é a força econômica do desenvolvimento da história econômica socialista. Se olharmos para a história da URSS, o desmoronar do sistema socialista coincide com o desenvolvimento da ordem capitalista neoliberal, que deslegitimou o Estado nacional como força prática de desenvolvimento econômico. Forças hegemônicas soviéticas chegaram à conclusão de que o Estado era um fracasso como motor de desenvolvimento econômico, depois de Chernobyl.  
A URSS acaba por consequência do choque histórico entre a ordem mundial socialista e a ordem mundial capitalista. O método maoísta de sintetização entre capitalismo e socialismo aparece na realidade do socialismo após o fim da URSS, antecipando, a história da China como sintetização exitosa entre capitalismo cibernético e socialismo como planificação do capitalismo corporativo de Estado, com o Estrado-cientista  no comando da economia., dividindo o poder político com o PCC. .    
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O confronto entre capitalismo e marxismo tem como centralidade estratégica a interrogação: <o que é a realidade capitalista>? Trata-se da luta pelo monopólio da percepção cognitiva da história do mundo.
Então, se trata de saber se a realidade capitalista é a forma acabada da realidade econômica, ou se a realidade socialista é capaz de suprassumir a realidade capitalista.
A realidade capitalista e sua linguagem econômica (formada por categorias como valor-de-troca, renda, salário, lucro etc.) são tratados como significantes universais da história econômica em geral. Ou podemos perguntar se esta realidade capitalista da produção de mercadorias é a <reificação> das relações sociais (Lukacs: 97-126), exercendo influência efetiva na cultura econômica mundial.
A reificação apresenta o mundo, a percepção sensível do mundo, como parências de semblância da realidade econômica capitalista. A realidade capitalista da produção de mercadorias se apresenta como realidade ahistórica ou como realidade histórica econômica do <fim da história>. Esta aparência de semblância autêntica é uma página esplêndida de Hannah Arendt:
“De acordo com a distinção que Portmann faz entre aparência autêntica e inautêntica, poder-se-ia falar de semblâncias autênticas e inautênticas. Estas últimas, miragens como a de alguma fada Morgana, dissolvem-se espontaneamente ou desaparecem com uma inspeção mais cuidadosa; as primeiras, como o movimento do Sol levantando-se pela manhã para pôr-se ao entardecer, ao contrário, não cederão a qualquer volume de informação científica, porque esta é a maneira pela qual a <aparência> do Sol e da Terra <parece> inevitável a qualquer criatura presa à Terra e que não pode mudar de moradia. Aqui estamos lidando com aquelas ‘ilusões naturais e inevitáveis’ de nosso aparelho sensorial, a que Kant se referiu na introdução à dialética transcendental da razão. Ele chamou a ilusão no juízo transcendente de ‘natural e inevitável’ porque era ‘inseparável da razão humana e..., mesmo depois que seu caráter ilusório foi exposto, não deixará de lográ-la e de atraí-la continuamente para aberrações momentâneas que sempre pedem outras correções (...) e que semblâncias naturais e inevitáveis são inerentes a um mundo de aparências do qual não podemos escapar. Todas as criaturas vivas capazes de perceber aparências através de seus órgãos sensoriais e de exibir-se como aparências estão sujeitas a ilusões autênticas que não são as mesmas para todas as espécies, mas encontram-se vinculadas à forma e à modalidade de seu processo vital específico”. (Arendt: 31).
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A reificação é a sociedade como as relações sociais entre homens (e mulheres) articuladas na relação capital e trabalho percebidas como coisa. Essa percepção da vida faz do capital uma <coisa> um conjunto de meios de produção produzidos. (Böhm-Bawerk: 46).
Sem relação social, o trabalho aparece como <coisa> trocada por salário no circuito da troca de mercadoria. Em outra aparência de semblância, o trabalho é uma coisa (mão-de-obra) que não produz valores econômicos, ou seja, não produz a riqueza material e social das nações. Todos os sistemas da história econômica são julgados pelas aparências de semblâncias reificantes da história como produção capitalista de mercadorias.
Na reificação das relações sociais, o Estado nacional aparece como coisa. Trata-se do Estado como aparelho administrador. O Estado não parece como condensação de relações de forças sociais, como luta envolvendo homens e mulheres distribuídos em grupos sociais. (Poulantzas:166, 167). O Estado nacional é uma coisa sem articulação com a moderna relação social (materializada na divisão de trabalho capitalista) subjacente ao processo de produção de mercadorias.
Na realidade das aparências de semblância capitalista, o Estado nacional é exterior ao capitalismo. Assim, ele não pode ser percebido como uma força econômica de desenvolvimento da história econômica no capitalismo ou de qualquer outro sistema econômico de produção de mercadorias. Sem a produção de mercadorias, a história econômica moderna é incompreensível. E mais ainda, O fim da sociedade como produção de mercadorias é o fim da história universal.  
A história econômica universal é a história da razão econômica capitalista da sociedade de produção de mercadoria. Uma sociedade socialista moderna desprovida de razão econômica seria uma sociedade irracional na história universal.
Para o capitalista e seus economistas sicofantas, as aparências de semblância do mundo capitalista constituem a verdadeira realidade capitalista. Para Marx, a relação social é a realidade subjacente às aparências de semblância reificantes da sociedade capitalista de produção de mercadorias. Definir a realidade capitalista sem a relação entre capital e trabalho como relação entre homens e mulheres distribuídos por grupos sociais, eis o que o capitalismo neoliberal globalizado fez, com êxito, a partir da década de 1970. 
A crise capitalista da covid-19 abalou as ideias neoliberais reificantes. A crise fez aparecer o homem, a mulher e a criança como sujeitos do campo de poderes/saberes mundial.
O Estado nacional reaparece na forma do Estado-cientista natural e cibernético para salvar os sujeitos supracitados da morte. A ciência no comando da economia e da vida em sociedade põe a lógica do interesse a curto e a longo prazo da humanidade acima do capital. A crise capitalista da covid-19 é traduzida como a primeira crise ciclópica humanitária de uma nova época.
O mundo capitalista neoliberal fabricou uma cultura econômica mundial hegemônica na qual a sociedade de classes não é percebida como realidade capitalista. A relação entre capital e trabalho é reificada, ela se transforma em uma relação entre coisas e não como relação entre grupos sociais habitados por homem, mulher e criança. A ideia de que homens e mulheres são <suportes> da sociedade classes, eis a linguagem da coisificação da humanidade. A coisa é um significante que abole a luta de classes como luta de homens, mulheres e crianças contra a exploração de si pelo capital.
A percepção do mundo como coisificação significa a derrota mais profunda da ordem socialista e do marxismo ocidental. Significa a vitória de um mundo capitalista no qual se vê o mercado no comando da economia, política e cultura. Mercado significa a realidade como aparências de semblância da realidade neoliberal de produção de mercadorias capitalista.
O capitalismo globalizado neoliberal procurou modelar a China em um mundo de aparências de semblância do capitalismo como produção de mercadorias cibernéticas.
Trata-se de uma questão chave da história atual.
A China é uma história econômica como sintetização objetiva prática  maoísta de socialismo com capitalismo. (Zizek: 219). O modelo econômico chinês combina o capitalismo corporativo privado mundial com o capitalismo corporativo de Estado globalizado:
“Na terceira década do século XXI, a China continuará a exportação do capital chinês como comércio de mercadoria. Trata-se de uma etapa do neocolonialismo chinês superficial que antecipa a internacionalização neomercantilista profunda do capital cyber chinês no espaço econômico da internet das coisas. Há um sistema neomercantilista de Estados fortes na sociedade industrial asiática cyber que se expandirá na primeira metade do século XXI”. (Bandeira da Silveira. 2019a: 87).
A crise capitalista afeta, definitivamente, o modelo econômico neoliberal com o capital privado excluindo o capital público no comando da economia, política e cultura. A época da história econômica pós-covid está sendo vista como uma época de planificação do mundo por intelectuais republicanos do capitalismo americano, como Henry Kissinger.
A crise da hegemonia do capitalismo neoliberal faz surgir a necessidade de uma nova razão econômica planificada, com o Estado-cientista dividindo  a hegemonia mundial com o capital (relação social entre capital constante e capital variável), que se define como gramática econômica que leva em consideração os interesses da humanidade a curto e longo prazo.   
A China é um poder mundial do campo de poderes/saberes capitalista. Ela faz de seu Estado-cientista um motor de desenvolvimento histórico da realidade mundial. A China é um campo regional de poderes/saberes estatizado que disputa a hegemonia com os Estados Unidos no campo de poderes econômico mundial com seu modelo econômico de capitalismo corporativo de Estado.  
A ideia da China de que a disputa da hegemonia econômica é algo pacífico desconsidera a realidade do Estado nuclear americano cibernético. A hegemonia se conquista na economia, na política e na definição da realidade mundial armada das relações internacionais.   
A hegemonia mundial é intelectual e moral. O problema gravíssimo da época atual é a China aparecer como a conquista definitiva do Ocidente político (civilização democrática liberal) pela política despótica oriental chinesa comunista, do Partido Comunista Chinês.
No presente, a fenomenologia política nos faz crer em um planeta dividido entre uma ordem mundial capitalista neoliberal em destroços e uma ordem mundial comunista, ordem chinesa.
As mentes mais livres vão propor uma nova ordem mundial planificada em junção com uma sociedade de produção de mercadorias.
O capitalismo corporativo de Estado globalizado carrega consigo o <espírito da planificação> capitalista. O capitalismo corporativo mundial privado terá que fazer a passagem de um neoliberalismo em destroço para um funcionamento segundo a planificação capitalista cibernética.
O desenvolvimento histórico dos países deve suprimir contradições econômicas centenárias:
“O fato de que essa condição seja atendida pela produção de mercadorias não significa que o sistema deva ser considerado como um todo planificado ou racional. Ao contrário, o desenvolvimento da produção de mercadorias sob condições capitalistas mostra, de um lado, uma racionalização intensa de aspectos do processo, e, de outro, uma crescente irracionalidade no comportamento do sistema como um todo”. (Sweezy: 68).
As sociedades europeias retomam o conceito de desenvolvimento econômico a partir da intervenção do Estado nacional na economia alemã e construção de um Estado-cientista cibernético avançado de uma sociedade desenvolvida. A Alemanha recorrerá ao capitalismo corporativo de Estado como via de seu desenvolvimento econômico?
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A crise da covid-19 abriu as entranhas das sociedades do capitalismo subdesenvolvido:
“A metabolização da gramática dominante pelos sujeitos depende do funcionamento dos dispositivos empresariais de poder como os mass media. Estes fazem girar o discurso do mestre <imperialismo neoliberal do americanismo> na realidade objetiva <capitalismo subdesenvolvido pós-moderno>. Habitando a junção do campo de sujeitos com o campo dos poderes/saberes, intelectuais neoliberais do americanismo nativos (economistas, jornalistas, cientistas políticos, historiadores, psicólogos, políticos) criam e recriam a narrativa econômica alimentada por ideias criminosas contra a existência da Nação, do Estado nacional, e população paupérrima, a ser descartada. No Facebook, fala-se em política de extermínio”. (Bandeira da Silveira. 2019b: 53).
O presidente Bolsonaro se apresenta como o único inimigo importante da política de planificação capitalista (contra a covid-19) do governo mundial cientista natural.
Há o fenômeno do duplo poder no Estado neoliberal bolsonarista. Um governo da administração pública federal e os governadores se alinham com o Estado-cientista mundial contra a política biológica de extermínio de Bolsonaro:
“Ideias criminosas nada tem a ver com a definição e/ou prática da política ocidental. Elas definem a tirania que já não é política tout court. A tirania é percebida como tal pelos sujeitos? E se é assim, há no campo dos sujeitos o <amor à tirania>? A tirania pode funcionar em um campo de sujeitos em junção com o campo de poderes de uma formação social democrática liberal?”. (Bandeira ad Silveira. 2019b: 53).
59% da população não querem a renúncia de Bolsonaro. Eles preferem a tirania como política consciente de extermínio do que a hipótese da política sem Bolsonaro.
Os 59% significam que o Brasil não quer pensar a crise capitalista subdesenvolvida neoliberal. O parlamento brasileiro vai aprofundando a produção de uma legislação neoliberal de ataques econômicos contra o trabalho do mundo privado. Na pauta do Congresso, há os ataques, previstos, ao mundo do trabalho público. A destruição do Estado nacional continua mesmo com a entrada do planeta em uma nova ordem pós-neoliberal mundial. Enfim, o neoliberalismo se tornou uma <tara brasileira>.
Tudo leva a crer que a América se alinhará à gramática da nova ordem mundial planificada pós-neoliberal, de Henry Kissinger. Em breve, o Brasil será o único país possuído por uma ideologia neoliberal.   
Depois de uma longa história, o Brasil se revela um país africano da necropolítica. O Brasil encontra-se sob o domínio de uma burguesia africana pós-moderna:
“A burguesia africana é aquela do pensamento do tribalismo do capitalismo neocolonial satélite do capitalismo corporativo mundial cyber. Este detém a hegemonia sobre a economia mundial produtiva e da circulação de mercadorias. Aquele ergue uma superestrutura política e de conquista das almas usando os mass media para amplificar o discurso político do tribalismo americano”. (Bandeira da Silveira. 2019a: 195).
O Brasil não metaboliza o desmoronar do mundo em tela. Ele transformou o neoliberalismo em sua tradição econômica sans phrase.
Então, esquecer o Brasil?
ARENDT, Hannah. A vida do espírito. O pensar, o quere, o julgar. RJ: UFRJ/Relume Dumará, 1992
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramáticas do capitalismo, Lisboa: Chiado Books, 2019a    
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado Books, 2019b
BÖHM-BAWERK. Teoria positiva do capital. V. 1. SP: Nova Cultural, 1986
LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe. Porto: Escorpião, 1974
POULANTZAS, Nicos. L’état, le pouvoir, le socialisme. Paris: PUF, 1978
SWEEZY, Paul. Teoria do desenvolvimento capitalista. RJ: Zahar Editores, 1976       
ZIZEK, Slavoj (apresenta). Mao. Sobre a prática e a contradição. RJ: Zahar, 2008


  
      

     
               
        
  




     

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