domingo, 3 de fevereiro de 2019

CAPITALISMO GLOBALIZADO CYBER EM COLAPSO


José Paulo



Quando li na década de 1990 o livro “A transfiguração do político. A tribalização do mundo”, não vi esta teoria pós-modernista como sendo a teoria fazendo pendant com qualquer história econômica mundial. Hoje, vejo o livro de Maffesoli como uma profecia racional de uma realidade econômica que surge como parte do capitalismo mundial em colapso.

 O caminho a seguir começa com a semelhança entre significantes do mundo colonial do Novo Mundo e neocolonial da contemporaneidade. Por motivo econômico, a emigração é um significante do Novo Mundo. A emigração atual ocorre por causa da guerra e do terrorismo e motivo econômico, pois pessoas buscam asilo econômico em países que não se encontram no meio da tempestade do capitalismo mundial em colapso.
                                                                  II
O raptor é um significante do Mundo Colonial. O raptor era apelidado “espírito”, aquele que que pega homens, mulheres e crianças e os vende num navio para serem transportados além-mar para trabalhar na economia da escravidão. Tal atividade ocorria em Londres e Bristol. O sequestro de crianças, mulheres e jovens hoje alimenta a economia da escravidão entre a periferia e os países desenvolvidos. Fato sobejamente explorado pela sociedade de comunicação de massa. O raptor de hoje conta com uma rede de espionagem criminal exuberante nas cidades e quase a céu aberto na tela gramatical da polis. O raptor é uma figura da atmosfera da economia da escravidão capitalista do século XXI.   O raptor atual neocolonial só é possível como agente do capitalismo mundial em colapso.

                                                                          III

O colonialismo moderno está indissoluvelmente associado ao significante racismo. Um livro da década de 1940 diz: “a escravidão não nasceu do racismo: ao contrário, o racismo nasceu da escravidão”. (Williams: 18). O racismo é um efeito da história  econômica da escravidão moderna.  

Marc Ferro fala do racismo como efeito da expansão colonial europeia:
“a expansão colonial tornou-se a solução para todos os problemas: pobreza, luta de classes, superpopulação. Argumentava-se que ela representava o interesse comum, que estava acima dos partidos. Aliás, nas coloniais o funcionário público ou o colono proclamavam-se, acima de tudo, franceses – ou ingleses -, e nem de esquerda nem de direita; era realmente a raça que os definia, e não sua atividade ou sua função social. Era ela que definia a elite, justificava a opressão.
Por certo, as teorias raciais já existiam antes da colonização, antes do imperialismo, mas tinham pouca repercussão. O imperialismo deu-lhes substância e vida, propagou-as. (Ferro: 42).

Me remeto ao  brasileiro Octavio Ianni para falar do racismo como significante da segunda metade do século XX.

Sobre a racialização das relações sociais como tribalização do mundo, Ianni faz uma citação
“Hoje, por todos os lados, a etnicidade é a causa da desagregação de nações. A União soviética, Iugoslávia, Índia, África do Sul estão todas em crise. As tensões étnicas perturbam e dividem Sri Lanka, Burma, Etiópia, Indonésia, Iraque, Líbano, Israel, Chipre, Somália, Nigéria, Libéria, Angola, Sudão, Zaire, Guiana, Trindade, e outras nações. Mesmo nações como a Inglaterra e a França, a Bélgica, Espanha, e Tchecoslováquia enfrentam perturbações étnicas e raciais. O tribalismo..., adormecido por anos, reacende para destruir nações”. (Ianni: 192).

Ianni fala da retomada dos problemas raciais devido á universalização do capitalismo globalizado cyber, ou então,  por causa da de manifestações de movimentos e configurações da sociedade global em formação.  (Ianni: 193). A tribalização do mundo faz pendant com o capitalismo globalizado cyber. Aí se encena a racialização da política.

O racismo pode ser o efeito de uma superpopulação absoluta produzida pela expansão do capitalismo globalizado cyber:
‘superpopulação absoluta; isto é, uma superpopulação composta de um contingente relativo, que se forma e dissolve, e um contingente que não encontra possibilidades de emprego, nunca voltam. Conforme ocorre no capitalismo globalizado, quando a microeletrônica, a automação, a robótica, a informática e as redes aceleram e multiplicam a capacidade produtiva da força de trabalho, nessa época um contingente pode tornar-se permanentemente residual ou excedente. Nessa época agrava-se a questão social. Mesclam-se e dinamizam-se as tensões sociais, umas vezes manifestando-se no âmbito do desemprego estrutural, outras aparecendo em fundamentalismos, xenofobias, etnicismos ou racismos”. (Ianni:199-200).

O capitalismo globalizado cyber  faz um nova leitura da racialização, pois, a ideia de raça superior branca ocidental será colocada em cheque no século XXI com o deslizamento da cadeia de significantes capitalismo corporativo mundial cyber para a Ásia fazendo pendant com um sistema neomercantilista  de Estados asiáticos cyber.

No campo imaginário ocidental, a raça deixa de ser um significante com acesso ao real geográfico. Assim, o mundo não aparece mais como uma história natural de uma distribuição do poder mundial a partir das raças branca, amarela, negra. Ianni ajuda a entender tal fenômeno:
“Neste ponto cabe um esclarecimento indispensável. Ainda que em forma breve. ‘Etnia’ é o conceito científico habitualmente utilizado para distinguir os indivíduos ou as coletividades por suas características fenotípicas; ao passo que ‘raça’ é o conceito científico elaborado pela reflexão sobre a dinâmica das relações sociais, quando se manifestam estereótipos, intolerâncias, discriminações, segregações ou ideologias raciais. A ‘raça’ é construída socialmente no jogo das relações sociais. São indivíduos, grupos ou coletividades que se definem reciprocamente como pertencentes à ‘raça’ distintas”. (Ianni: 205-206).
                                                                             IV
No Ocidente, o novo equilíbrio de poder econômico mundial provoca um efeito político regressivo. Um neofascismo ganha terreno político na Europa, EUA e América Latina. Trata-se de um fenômeno grotesco e derrisório, risivelmente charlatanesco, pois, o movimento neofascista é despossuído do significante raça ariana superior no comando da economia, política e cultura.

No entanto, o capitalismo globalizado cyber  gera um efeito sobre a sociedade de classes sociais que a sociologia designa como subclasse. Esta é a base de novas formas de radicalização social fazendo pendant com o neofascismo na política representativa:
“É principalmente nas grandes cidades, metrópoles, megalópoles, e, frequentemente, nas cidades globais, que se localiza a subclasse: uma categoria de indivíduos, famílias, membros das mais diversas etnias e migrantes, que se encontram na condição de desempregados mais ou menos permanentes. São grupos e coletividades, bairros, e vizinhanças, nos quais reúnem-se e sintetizam-se todos os principais aspectos da questão social como questão urbana: carência de habitação, recursos de saúde, educação, ausência ou precariedade de recursos sociais, econômicos e culturais para fazer face a essas carências;  desemprego permanente de uns e outros, muitas vezes combinado com qualificações profissionais inadequadas à novas formas de organização técnica do processo de trabalho e produção; crise de estruturas familiares; tensões sociais permanentes, sujeitas a explodirem em crises domésticas, conflitos de vizinhança, riots”. (Ianni: 75-76).  

Fazendo parte da subclasse, aposentados, pensionistas acabam formando uma força social gramatical que se faz notar tanto no movimento de rua como na política. Trata-se de um fenômeno demográfico na divisão do trabalho internacional, pois, são corpos vivos (plenos de necessidades e desejos) que deixaram de ser produtivos como força de trabalho do capitalismo globalizado cyber.

A subclasse na periferia do capitalismo globalizado aparece como a força social dos de baixo fazendo laço social com a expansão irrevogável do crime organizado:
“Estas são algumas das características da subclasse; minorias raciais, desempregados por longo tempo, falta de especialização e treinamento profissionais, longa dependência do assistencialismo, lares chefiados por mulheres, falta de uma ética do trabalho, droga, alcoolismo. (Ianni: 76).

A subclasse, os aposentados e a tribalização do mundo acabam aparecendo como sintomas exuberantes do capitalismo globalizado em colapso. A tribalização do mundo põe e repõe em cena uma nova espécie de racionalização regressiva extemporânea no capitalismo globalizado cyber. Talvez, o primeiro sintoma do capitalismo em colapso seja, paradoxalmente, o apocalipse historial do socialismo realmente existente. O apocalipse põe e repõe em cheque a utilidade da gramática econômica do Estado moderno (fazendo parelha com a nação moderna como força secular da Ilustração) como força motora de uma sociedade burguesa socialista realmente existente como alternativa ao capitalismo mundial ocidental em colapso. A vontade de potência niilista historial universal aprende o caminho e o método para a dissolução das gramáticas econômicas da modernidade:   
“Logo que desabou o bloco soviético, quando se movimentam mais abertamente os vários setores da sociedade civil em cada nação e debilita-se como núcleo e síntese da sociedade, nessa ocasião eclodem os nacionalismos, localismos, provincianismos, fundamentalismos, etnicismos, e racismos. O mesmo processo de desagregação política e econômica é também de desagregação social e cultural. Em pouco tempo, desintegram-se nações e nacionalidades no Leste Europeu e na Rússia. Multiplicam-se as novas repúblicas eslavas ou islâmicas, orientais ou europeizantes. É o que acontece com a Iugoslávia, a Tchecoslováquia e a Rússia, sendo que em alguns casos as novas repúblicas também são atravessadas por movimentos de desintegração mais ou menos radicais, quando se afirmam identidades e diversidades, muitas vezes com base em vivencias e ilusões pretéritas. Está em curso nova onda de racialização no mundo”. (ianni; 209).  

          
                                                                       V

                                                                    
A teoria do tribalismo da política mundial de Maffesoli é aquela da história econômica do capitalismo neocolonial internacional satélite (CNIS) do capitalismo corporativo mundial cyber (CCMc)? Ela parece ser a teoria da implosão da gramática moderna racional no domínio da política da nação e sociedade com ideologias sem ligação com a história econômica do capitalismo. A tribalização da política não funciona como superestrutura do capitalismo. É o método da sociologia pós-modernista.
“Excesso de luz escurece. Esse aforismo pascalino pode servir-nos, ao contrário, para aceitar o claro-escuro induzido pela ambiência emocional e as contradições que lhe são inerentes. Esse clima emocional é particularmente perceptível na implosão, em cadeia, que atinge o Estado-nação e os grandes impérios ideológicos. Uns e outros estão cedendo lugar a confederações que, de maneira mais leve, cimentam comunidades, de proporções diversa, repousando mais sobre um sentimento de vinculação que sobre a moderna noção de contrato social, ao qual se atrela uma conotação racional e voluntária”. (Maffesoli: 18).

A tribalização do mundo remete para a lógica familial, uma lógica arcaica pré-moderna que em Weber se vê na dominação tradicional. No entanto, esta é ainda baseada em uma racionalidade tradicional. Como sintoma do capitalismo mundial em colapso, a lógica familial política substitui a razão instrumental ´pelo estado sentimental ou Estado sentimental:
“Numerosos são os indícios que, nacional ou internacionalmente, exprimem esse sentimento de vinculação comunitária ou tribal. Regiões, cidades, departamentos, levantam-se contra o centralismo jacobino, em torno de um herói epônimo: prefeito, notável local, estrela esportiva ou personalidade de renome afirmam um imaginário que os constitui como tal. O mesmo vale nos quatros cantos do mundo, a partir de uma reivindicação étnica, de uma especificidade cultural ou de um fanatismo religioso.  Em cada um desses casos, afirma-se o que Wittgenstein chamava de <semelhança de famílias>. Desde então, não é mais possível pensar nessas pequenas sociedades fragmentadas com os conceitos de instituição, de estrutura e de relação entre eles, conceitos elaborados em três séculos de modernidade homogeneizadora. Talvez seja necessário pensar fora da História, pois, o que tende a predominar é da ordem das pequenas histórias locais, dos acontecimentos, do que acontece, de maneira mais ou menos efervescente, em estado puro”. (Maffesoli: 19).

O livro de Maffesoli é de 1992. Nosso autor parisiense não contava com o contexto pré-diluviano, no qual se insere o início da década de 1990, estabelecido pela narrativa universal do capitalismo globalizado cyber. No entanto, ele viu a tribalização do mundo da política mundial como superestrutura do capitalismo neocolonial internacional satélite (CNIS) do CCMc.

A superestrutura política do CNIS é exposta de um modo brilhante por Maffesoli:
É a partir disso que tento analisar a emergência de uma cultura do sentimento (capítulo 3) na qual predomina o ambiente, a vivacidade das emoções comuns e a necessária abundância de supérfluo que parece estruturar a sociedade pós-moderna. Essa cultura permite compreender a transfiguração do político em esboço sob os nossos olhos. De fato, quem diz sentimento partilhado, diz pluralização, pois se declina ao infinito a atração ou a repulsão que me liga, ou separa, ao outro, do outro. Isso, o político, por natureza normativo, tendendo sempre para o estado (Estado) de direito, não pode compreender, a fortiori admiti-lo. Não é mais decretando o que devem ser a sociedade e o indivíduo que se consegue entendê-los ou conhecer, em realidade, suas transformações. De onde o despertar brutal de alguns fenômenos, suscitados pela afirmação da identidade étnica, pela semelhança de família, aos quais está atrelada a classe política em seu conjunto”. (Maffesoli: 21-22).  

A sociedade pós-moderna virou fumos machadianos (delírio social em Machado de Assis) com o capitalismo globalizado cyber em colapso. Agora trata-se de investigar a gramática dos capitalismos (CCMc e CNIS) no comando da economia, política e cultura em colapso como tribalização do mundo.


FERRO, Marc. História das colonizações. SP: Companhia das Letras. 1996
IANNI, Octavio. A era do globalismo. RJ: Civilização Brasileira, 1996
MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político. A tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulina, 1997
WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. RJ: americana, 1975        

     

  

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