José Paulo
Freud não estabeleceu uma relação
entre a psicanálise e Marx. Lacan estabeleceu o campo freudiano tendo como
significante lapidar a sociedade em Marx a partir do Seminário 16. A
psicanálise em gramática econômica parte do Seminário 16 para articular o
problema das formas de capitalismo e o capitalismo em colapso no século
XXI.
A psicanálise em gramática
econômica parte da relação entre sociedade e política, entre sociedade como
articulação de mais-valia e plus-de-jouir,
ou Mehwert e Mehrlust. (Lacan. Seminário 16:29-31) e a política como soberania
historial do Há-um fazendo pendant
com o ao menos um (Lacan. Seminário
19: 132-133).
Se em Marx a propriedade dos
meios de produção faz pendant com o poder alheio que domina o trabalho ou, por
conseguinte, a sociedade salarial, a força criadora do trabalho (criadora da
riqueza da nação e criadora e recriadora da sociedade) enquanto força do
capital se estabelece como poder alheio à sociedade salarial e em relação à
toda realidade. (Marx. 1982:XXVII).
A sociedade capitalista
industrial tem dois fundamentos:
“Si consideramos el intercambio
entre capital y trabajo, tenemos que se descompone en dos procesos contrapuestos,
diferentes no sólo desde el punto de vista formal, sino también
cualitativamente:
1) El
trabajador intercambia su mercancia – el trabajo, el valor de uso que como
mercancía, también tiene un precio,
como todas las demás mecancías -, por determinada suma de valores de cambio,
determinada suma de dinero, que el capital lo cede.
2) El
capitalista recibe en cambio el trabajo mismo, el trabajo como actividade
creadora de valores; es decir, recibe en cambio la fuerza productiva que
mantiene y reproduce al capital y que, con ello, se transforma en fuerza
productora y reproductora del capital, en una fuerza perteneciente al proprio
capital”. (Marx. 1982:215).
A propriedade da sociedade pelo
capitalista também faz pendant com a propriedade da realidade pelo poder alheio
força criadora do trabalho (que cria e recria a própria realidade capitalista)
como força do capital.
Todos são iguais perante à lei da
política liberal-democrática. A cada indivíduo um voto. Como espaço da
liberdade entre iguais (cidadãos) na escolha da representação política, a
soberania popular faz pendant com os sujeitos iguais na economia capitalista:
“Cad sujeto es un intercambiante,
esto es, tiene con el otro la misma relación social que éste tiene con él.
Considerado como sujeto de intercambio, su relación es pues la de igualdad. Imposible es hallar entre
ellos cualquier diferencia o aun contraposición, ni siquiera una disparidad.
Por añadidura, las mercancías que esos individuos intercambian son equivalentes
– en cuanto valor de cambio -, o al menos pasan por tales . Sólo puede
producirse un error subjetivo en la valoración recíproca, y si un individuo trampea
en algo a otro , ello no se debe a naturaliza de la función social
en la que ambos se enfrentan, pues ésta es la misma, en ella son los dos iguales,
sino sólo a la astucia natural, al arte de la pesuasión, etc.; em suma sólo a
la pura superioridad individual de un individuo sobre el outro”. (Marx. 1982:
XXIII-XXIV).
A gramática da realidade
capitalista estabelece a igualdade como fundamento da economia e da política,
na democracia liberal, ou em quaisquer regimes de representação política criado
e recriado pela soberania popular. Não
se deve jogar a criança fora da bacia com a água suja. Viemos uma gramática capitalista em colapso que pode custar a impossibilidade
de manter a política democrática liberal.
A realidade capitalista é relação
social de produção e forças produtivas materiais mais fantasia. As formas
jurídico-políticas e as relações de propriedade não são as relações de produção
tout court, e sim uma expressão destas relações. Aliás, Marx demonstra que na
sociedade burguesa o dinheiro não é um mero objeto natural e sim a forma
objetivada da relação social básica dentro da qual a produção capitalista tem
lugar. O dinheiro é o laço social que une aos produtores e consumidores que de
outra forma se encontrariam separados dentro da sociedade capitalista; ele
constitui os pontos de partida e de conclusão do processo de acumulação. A
relação social sobre a qual descansam todas as relações legais e políticas
capitalistas – e da qual as últimas são expressões – é a relação de cambio. O
imperativo social é que nem a produção nem o consumo podem produzir-se sem a
intervenção do valor de troca. Ou em outras palavras, o capitalista deve
extrair mais-valia e também realizar mais-valia mediante a conversão do produto
excedente em dinheiro, e que o individuo deve ter necessidade [e desejo =
fantasia sobre a coisa-mercadoria] de bens de consumo e também deve possuir
dinheiro necessário para adquiri-las. (Marx. 1982: XXIX).
Em resumo, para o homem comum viver
na realidade capitalista, é preciso ganhar e pagar.
O ponto de partida é a produção
como apropriação da natureza. Apropriação significa que o homem – como sujeito
natural – tem a propriedade de um objeto: a natureza. A apropriação que não se
apropria é uma contradição in subjecto.
Assim, a história universal é a história das formas de propriedade, também. A
produção determina a superestrutura do Estado ao direito e formas ideológicas:
‘a los economistas burgueses les
parece que con la policía moderna la producción funciona mejor que, p. ej.,
aplicando el derecho del más fuerte. Olvidan solamente que el derecho del más
fuerte es también un derecho, y que este derecho del más fuerte se perpetúa bajo
otra forma en su ‘estado de derecho’”. (Marx. 1982: 8).
O “estado de direito” sofreu uma
inversão servindo ao direito do indivíduo contra os poderes absolutistas da atualidade.
No entanto, na sociedade periférica do
capitalismo neocolonial satélite do capitalismo corporativo cyber, o
estado de direito como realidade virtual da Constituição não se atualiza como
vida prática constitucional.
ii
A realidade como sociedade
aparece claramente em Lacan:
“Chamo de realidade o que é a realidade, ou seja, por exemplo, a existência
própria de vocês, sua forma de sustento, que certamente é material, e, antes de
mais nada, porque ela é corpórea”. (Lacan. S. 19: 135).
A realidade é a realidade
material da sociedade capitalista francesa de 1972. A realidade é aquela da
existência individual ou de um conjunto (“existência de vocês”) como existência
corpórea. Lacan acrescenta a fantasia à sociedade na definição da realidade. A
realidade é material e fantasia:
“É exatamente nessa perspectiva
que podemos tomar o que chamamos de realidade, a realidade natural, no nível de
um certo discurso. E não recuo na pretensão de que o discurso analítico seja
esse. A realidade, sempre podemos toma-la no nível da fantasia”. (Lacan. S. 19:
135-136).
A fantasia estrutura a categoria
de consumo capitalista ao lado da necessidade na história econômica. Aliás, a história econômica já se articula
como realidade material e fantasia para além da história natural da espécie
humana.
A diferença entre história
natural e história econômica se baseia no impulso ao objeto e percepção do
objeto no gozo estético da arte na relação consumo e produção:
“Cuando el consumo emege de su primera inmediatez y de su tosquedad
natural – y el hecho de retrasarse en esta fase sería el resultado de uma
producción que no há superado la tosquedad natural – es mediado como impulso
por el objeto. La necesidad de este último
sentida por el consumo es creada por la percepción del objeto. El objeto
de arte – de igual modo que cualquier otro produto – crea un público sensible al
arte, capaz de goce estético. De modo que la producción no solamente produce un
objeto para el sujeto, sino también un sujeto para el objeto. La producción
produce, pues, el consumo, 1) creando el material de éste; 2) determinando el
modo de consumo; 3) provocando en el consumidor la necesidad de produtos que
ella há creado originariamente como objetos. En consecuencia, el objeto del
consumo, el modo de consumo y el impulso al consumo”. (Marx. 1982: 12-13).
A produção cria a pulsão ao
consumo e, portanto, ao objeto da arte; ela cria um público sensível capaz de
gozo estético; o objeto da arte como paradigma do objeto de consumo diz que a
produção cria o gozo estético; o gozo estético envolve a fantasia.
A história econômica mundial
parece caminhar para o capitalismo globalizado em colapso como fantasia (utopia
capitalista realmente existente) e realidade material. Chefe do FMI, Christine
Lagarde fala das “4 nuvens” que pairam sobre a economia global: guerra
comercial estabelecida por Donald Trump contra China, especialmente; ajustes de
juros que empobrecem mais ainda lares, famílias, nações e governos e criam
problemas para a reprodução ampliada do capitalismo; incertezas relacionadas ao
Brexit; desaceleração da economia chinesa.
A desaceleração da economia
chinesa é o elo mais fraco do neomercantilismo dos Estados industriais
asiáticos.
III
Há uma alteração na história
econômica que ilumina o século XXI. Trata-se da substituição da propriedade do
objeto-mercadoria pela posse do objeto. Chama-se economia da recorrência. Antes
o consumidor pagava para ser proprietário de um produto. Agora, o consumidor
paga para ter acesso. Joremy Rifkin fala da economia da posse em seu livro ‘A
era do acesso: a nova cultura do hipercapitalismo”. As corporações capitalistas
passaram a cobrar “aluguéis” – cobram taxas para o acesso a um bem, serviço ou
experiência. O consumidor adquire o direito de uso pela posse do objeto.
Estamos diante de uma alteração
na história da economia que significa a substituição da economia política moderna
pelo tribalismo econômico hipercapitalista:
En cambio, sería justo decir que
existen familias, tribus, que se limitan a poseer,
pero que no tiene propriedade. Frente
a la propriedad, la relación de simples comunidades de familias o de tribus
aparece como la categoria más simples. En la sociedad de un nivel más elevado
la propriedad aparece como la relación más simple dentro de una organización
desarrollada. Pero el substrato más concreto, cuyo vínculo es la posesión, está siempre supuesto”. (Marx. 1982:
23).
Posse e propriedade encontram-se
no cerne da história do capitalismo, pois, o processo particular de apropriação
do trabalho pelo capital significa que o capital é proprietário do trabalho:
“La diferencia del segundo acto
respecto del primero – o sea que el proceso particular de apropriación del
trabajo por parte del capital es el segundo acto - es exactly la diferencia que va del
intercambio entre capital y trabajo al intercambio en el cual el dinero oficia
de intermediario entre mercancías”. (Marx. 1982: 216).
O capital é, enfim, o
proprietário maior da realidade capitalista. Contra o capital se ergue o
partido revolucionário marxista como proprietário da realidade como realidade socialista
realmente existente. Falo do partido bolchevique no extremo-Ocidente e do partido
maoísta no Oriente asiático. Eis o nosso passado que se autodissolveu.
IV
A época do partido político
proprietário da realidade foi suplantada pela época dos mass media e cybertribos
proprietários da realidade. Ambos se articulam na política do há um. Eles são o ersatz do partido
político na era da política democrática liberal em colapso e também do
presidencialismo em colapso.
A lógica do colapso não significa
o império do caos como dissolução do país. Ela aponta para novas formas do há um em uma era do capitalismo globalizado
em colapso. Falo de formas do há um adequadas
ao capitalismo neocolonial satélite (entre nós) do capitalismo corporativo
mundial cyber - como ao menos um.
Ao menos um significa a criação
do numero extravagante, do número irracional que sai do campo do Um. (Lacan. S.
19: 137).
Esse um número extravagante está
sendo criado a partir do campo (presidencialismo em colapso) do Um no Brasil. A
atividade que legitima o número extravagante é aquela do proprietário da
realidade irracional: mass media e cybertribo.
Quando surge o ao menos um chefe de um rebanho (Lacan. 2012:140), ou significante extravagante, tal fato se articula ao surgimento do Há um ou significante-mestre de uma nova época. (Lacan. 2012: 146) com seu matema. Este é o saber que por ser apenas produzido está ligado às normas do mais-de-gozar e mais-valia do mensurável das formas econômicas de capitalismo do século XXI: capitalismo neocolonial satélite - satélite do capitalismo corporativo mundial industrial cyber.
Quando surge o ao menos um chefe de um rebanho (Lacan. 2012:140), ou significante extravagante, tal fato se articula ao surgimento do Há um ou significante-mestre de uma nova época. (Lacan. 2012: 146) com seu matema. Este é o saber que por ser apenas produzido está ligado às normas do mais-de-gozar e mais-valia do mensurável das formas econômicas de capitalismo do século XXI: capitalismo neocolonial satélite - satélite do capitalismo corporativo mundial industrial cyber.
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro
16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008
LACAN. Jacques. O Seminário. Livro
19. ...ou pior. RJ: Zahar, 2012
MARX. Elementos fundamentales
para aa crítica de la economía política. Borrador (1857-1858). Vol. 1. España:
Siglo XXI Editores, 1982
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