terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

PSICANALISE E MARX


José Paulo

Freud não estabeleceu uma relação entre a psicanálise e Marx. Lacan estabeleceu o campo freudiano tendo como significante lapidar a sociedade em Marx a partir do Seminário 16. A psicanálise em gramática econômica parte do Seminário 16 para articular o problema das formas de capitalismo e o capitalismo em colapso no século XXI. 

A psicanálise em gramática econômica parte da relação entre sociedade e política, entre sociedade como articulação de mais-valia e plus-de-jouir, ou Mehwert e Mehrlust. (Lacan. Seminário 16:29-31) e a política como soberania historial do Há-um fazendo pendant com o ao menos um (Lacan. Seminário 19: 132-133).

Se em Marx a propriedade dos meios de produção faz pendant com o poder alheio que domina o trabalho ou, por conseguinte, a sociedade salarial, a força criadora do trabalho (criadora da riqueza da nação e criadora e recriadora da sociedade) enquanto força do capital se estabelece como poder alheio à sociedade salarial e em relação à toda realidade. (Marx. 1982:XXVII).

A sociedade capitalista industrial tem dois fundamentos:
“Si consideramos el intercambio entre capital y trabajo, tenemos que se descompone en dos procesos contrapuestos, diferentes no sólo desde el punto de vista formal, sino también cualitativamente:
1)      El trabajador intercambia su mercancia – el trabajo, el valor de uso que como mercancía, también tiene un precio, como todas las demás mecancías -, por determinada suma de valores de cambio, determinada suma de dinero, que el capital lo cede.
2)      El capitalista recibe en cambio el trabajo mismo, el trabajo como actividade creadora de valores; es decir, recibe en cambio la fuerza productiva que mantiene y reproduce al capital y que, con ello, se transforma en fuerza productora y reproductora del capital, en una fuerza perteneciente al proprio capital”. (Marx. 1982:215).
A propriedade da sociedade pelo capitalista também faz pendant com a propriedade da realidade pelo poder alheio força criadora do trabalho (que cria e recria a própria realidade capitalista) como força do capital.

Todos são iguais perante à lei da política liberal-democrática. A cada indivíduo um voto. Como espaço da liberdade entre iguais (cidadãos) na escolha da representação política, a soberania popular faz pendant com os sujeitos iguais na economia capitalista:
“Cad sujeto es un intercambiante, esto es, tiene con el otro la misma relación social que éste tiene con él. Considerado como sujeto de intercambio, su relación es pues la de igualdad. Imposible es hallar entre ellos cualquier diferencia o aun contraposición, ni siquiera una disparidad. Por añadidura, las mercancías que esos individuos intercambian son equivalentes – en cuanto valor de cambio -, o al menos pasan por tales . Sólo puede producirse un error subjetivo en la valoración recíproca, y si un individuo trampea en algo a otro  , ello no se debe a naturaliza de la función social en la que ambos se enfrentan, pues ésta es la misma, en ella son los dos iguales, sino sólo a la astucia natural, al arte de la pesuasión, etc.; em suma sólo a la pura superioridad individual de un individuo sobre el outro”. (Marx. 1982: XXIII-XXIV).


A gramática da realidade capitalista estabelece a igualdade como fundamento da economia e da política, na democracia liberal, ou em quaisquer regimes de representação política criado e recriado pela soberania popular. Não se deve jogar a criança fora da bacia com a água suja. Viemos uma gramática capitalista em colapso que pode custar a impossibilidade de manter a política democrática liberal.

A realidade capitalista é relação social de produção e forças produtivas materiais mais fantasia. As formas jurídico-políticas e as relações de propriedade não são as relações de produção tout court, e sim uma expressão destas relações. Aliás, Marx demonstra que na sociedade burguesa o dinheiro não é um mero objeto natural e sim a forma objetivada da relação social básica dentro da qual a produção capitalista tem lugar. O dinheiro é o laço social que une aos produtores e consumidores que de outra forma se encontrariam separados dentro da sociedade capitalista; ele constitui os pontos de partida e de conclusão do processo de acumulação. A relação social sobre a qual descansam todas as relações legais e políticas capitalistas – e da qual as últimas são expressões – é a relação de cambio. O imperativo social é que nem a produção nem o consumo podem produzir-se sem a intervenção do valor de troca. Ou em outras palavras, o capitalista deve extrair mais-valia e também realizar mais-valia mediante a conversão do produto excedente em dinheiro, e que o individuo deve ter necessidade [e desejo = fantasia sobre a coisa-mercadoria] de bens de consumo e também deve possuir dinheiro necessário para adquiri-las. (Marx. 1982: XXIX).
Em resumo, para o homem comum viver na realidade capitalista, é preciso ganhar e pagar.

O ponto de partida é a produção como apropriação da natureza. Apropriação significa que o homem – como sujeito natural – tem a propriedade de um objeto: a natureza. A apropriação que não se apropria é uma contradição in subjecto. Assim, a história universal é a história das formas de propriedade, também. A produção determina a superestrutura do Estado ao direito e formas ideológicas:
‘a los economistas burgueses les parece que con la policía moderna la producción funciona mejor que, p. ej., aplicando el derecho del más fuerte. Olvidan solamente que el derecho del más fuerte es también un derecho, y que este derecho del más fuerte se perpetúa bajo otra forma en su ‘estado de derecho’”. (Marx. 1982: 8).

O “estado de direito” sofreu uma inversão servindo ao direito do indivíduo contra os poderes absolutistas da atualidade. No entanto, na sociedade periférica do  capitalismo neocolonial satélite do capitalismo corporativo cyber, o estado de direito como realidade virtual da Constituição não se atualiza como vida prática constitucional.  

             

                                                                               ii


A realidade como sociedade aparece claramente em Lacan:
“Chamo de realidade o que é a realidade, ou seja, por exemplo, a existência própria de vocês, sua forma de sustento, que certamente é material, e, antes de mais nada, porque ela é corpórea”. (Lacan. S. 19: 135).

A realidade é a realidade material da sociedade capitalista francesa de 1972. A realidade é aquela da existência individual ou de um conjunto (“existência de vocês”) como existência corpórea. Lacan acrescenta a fantasia à sociedade na definição da realidade. A realidade é material e fantasia:
“É exatamente nessa perspectiva que podemos tomar o que chamamos de realidade, a realidade natural, no nível de um certo discurso. E não recuo na pretensão de que o discurso analítico seja esse. A realidade, sempre podemos toma-la no nível da fantasia”. (Lacan. S. 19: 135-136).

A fantasia estrutura a categoria de consumo capitalista ao lado da necessidade na história econômica.  Aliás, a história econômica já se articula como realidade material e fantasia para além da história natural da espécie humana.

A diferença entre história natural e história econômica se baseia no impulso ao objeto e percepção do objeto no gozo estético da arte na relação consumo e produção:
“Cuando el consumo emege de su primera inmediatez y de su tosquedad natural – y el hecho de retrasarse en esta fase sería el resultado de uma producción que no há superado la tosquedad natural – es mediado como impulso por el objeto. La necesidad de este último  sentida por el consumo es creada por la percepción del objeto. El objeto de arte – de igual modo que cualquier otro produto – crea un público sensible al arte, capaz de goce estético. De modo que la producción no solamente produce un objeto para el sujeto, sino también un sujeto para el objeto. La producción produce, pues, el consumo, 1) creando el material de éste; 2) determinando el modo de consumo; 3) provocando en el consumidor la necesidad de produtos que ella há creado originariamente como objetos. En consecuencia, el objeto del consumo, el modo de consumo y el impulso al consumo”. (Marx. 1982: 12-13).

 A produção cria a pulsão ao consumo e, portanto, ao objeto da arte; ela cria um público sensível capaz de gozo estético; o objeto da arte como paradigma do objeto de consumo diz que a produção cria o gozo estético; o gozo estético envolve a fantasia.    
A história econômica mundial parece caminhar para o capitalismo globalizado em colapso como fantasia (utopia capitalista realmente existente) e realidade material. Chefe do FMI, Christine Lagarde fala das “4 nuvens” que pairam sobre a economia global: guerra comercial estabelecida por Donald Trump contra China, especialmente; ajustes de juros que empobrecem mais ainda lares, famílias, nações e governos e criam problemas para a reprodução ampliada do capitalismo; incertezas relacionadas ao Brexit; desaceleração da economia chinesa.
A desaceleração da economia chinesa é o elo mais fraco do neomercantilismo dos Estados industriais asiáticos.   
                                                                                       III
Há uma alteração na história econômica que ilumina o século XXI. Trata-se da substituição da propriedade do objeto-mercadoria pela posse do objeto. Chama-se economia da recorrência. Antes o consumidor pagava para ser proprietário de um produto. Agora, o consumidor paga para ter acesso. Joremy Rifkin fala da economia da posse em seu livro ‘A era do acesso: a nova cultura do hipercapitalismo”. As corporações capitalistas passaram a cobrar “aluguéis” – cobram taxas para o acesso a um bem, serviço ou experiência. O consumidor adquire o direito de uso pela posse do objeto.

Estamos diante de uma alteração na história da economia que significa a substituição da economia política moderna pelo tribalismo econômico hipercapitalista:
En cambio, sería justo decir que existen familias, tribus, que se limitan a poseer, pero que no tiene propriedade. Frente a la propriedad, la relación de simples comunidades de familias o de tribus aparece como la categoria más simples. En la sociedad de un nivel más elevado la propriedad aparece como la relación más simple dentro de una organización desarrollada. Pero el substrato más concreto, cuyo vínculo es la posesión, está siempre supuesto”. (Marx. 1982: 23). 

Posse e propriedade encontram-se no cerne da história do capitalismo, pois, o processo particular de apropriação do trabalho pelo capital significa que o capital é proprietário do trabalho: 
“La diferencia del segundo acto respecto del primero – o sea que el proceso particular de apropriación del trabajo por parte del capital es el segundo acto -  es exactly la diferencia que va del intercambio entre capital y trabajo al intercambio en el cual el dinero oficia de intermediario entre mercancías”. (Marx. 1982: 216).

O capital é, enfim, o proprietário maior da realidade capitalista. Contra o capital se ergue o partido revolucionário marxista como proprietário da realidade como realidade socialista realmente existente. Falo do partido bolchevique no extremo-Ocidente e do partido maoísta no Oriente asiático. Eis o nosso passado que se autodissolveu.  
                                                                       IV
A época do partido político proprietário da realidade foi suplantada pela época dos mass media  e cybertribos proprietários da realidade. Ambos se articulam na política do há um. Eles são o ersatz do partido político na era da política democrática liberal em colapso e também do presidencialismo em colapso.
A lógica do colapso não significa o império do caos como dissolução do país. Ela aponta para novas formas do há um em uma era do capitalismo globalizado em colapso. Falo de formas do há um adequadas ao capitalismo neocolonial satélite (entre nós) do capitalismo corporativo mundial cyber - como ao menos um.

Ao menos um significa a criação do numero extravagante, do número irracional que sai do campo do Um. (Lacan. S. 19: 137).

Esse um número extravagante está sendo criado a partir do campo (presidencialismo em colapso) do Um no Brasil. A atividade que legitima o número extravagante é aquela do proprietário da realidade irracional: mass media e cybertribo.

Quando surge o ao menos um chefe de um rebanho (Lacan. 2012:140), ou significante extravagante, tal fato se articula ao surgimento do Há um ou significante-mestre de uma nova época. (Lacan.  2012: 146) com seu matema. Este é o saber que por ser apenas produzido está ligado às normas do mais-de-gozar e mais-valia do mensurável das formas econômicas de capitalismo do século XXI: capitalismo neocolonial satélite -  satélite do capitalismo corporativo mundial industrial cyber.        

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008
LACAN. Jacques. O Seminário. Livro 19. ...ou pior. RJ: Zahar, 2012
MARX. Elementos fundamentales para aa crítica de la economía política. Borrador (1857-1858). Vol. 1. España: Siglo XXI Editores, 1982         

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