sábado, 16 de fevereiro de 2019

IRREVERSÍVEL MUNDO CAPITALISTA EM COLAPSO?


José Paulo




“Não é a toa que aqui nos serviremos da palavra termo para designar o simbólico em questão”. (Lacan. S. 19: 167).

Termo é um conceito de Charles S. Peirce:
“Ou pode haver uma relação que consiste no fato da mente associar o signo com seu objeto; neste caso, o signo é um nome (ou símbolo). (Peirce: 11-12).

O signo representa a linguagem ou campo simbólico e o objeto ou referente a realidade. A gramática faz pendant com a posição de verdade na linguagem através da lógica:
“porque a lógica é isso, é situar na gramática aquilo que assume a forma da posição de verdade, aquilo que torna a linguagem adequada para produzir a verdade. Adequada não significa que ela sempre o conseguirá. Então, investigando bem suas formas, acredita-se chegar perto do que vem a ser a verdade”. (Lacan. S. 19; 177).

O problema da existência da realidade como posição de verdade separa Lacan e Marx?
Lacan diz:
“Mais de uma coisa no mundo é passível do efeito do significante. Tudo o que está no mundo só se torna fato, propriamente, quando com ele se articula o significante. Nunca, jamais surge sujeito algum até que o fato seja dito”. (Lacan. S. 16: 65). 

Marx diz:
“Como en general en toda ciencia histórica, social, al observar el desarrollo de las categorías económicas hay que tener siempre en cuenta que el sujeto – la moderna sociedad burguesa en este caso – es algo dado tanto en realidad como en la mente, y que las categorías expresan por lo tanto formas de ser, determinaciones de existencia, a menudo simples aspectos, de esta sociedade determinada, de este sujeto, y que por lo  tanto, aun desde el punto de vista científico, su existencia de ningún modo comienza en momento em  que se comienza a hablar de ella como tal”. (Marx. 1982: 27).

A gramática materialista de Marx diz que a sociedade burguesa moderna (sujeito) tem uma existência anterior ao Marx começar falar dela. Lacan diz que Marx estabeleceu a sociedade moderna burguesa como sujeito a partir da articulação do significante dito por Marx: capital do livro “O Capital” ou do “Grundrisse”. O capital é o fato dito que produz a sociedade burguesa moderna como efeito do significante ou discurso capitalista.

 A lógica do capital situa na gramática ou discurso de Marx a posição da verdade, ou seja, aquilo que torna a linguagem marxista adequada para produzir a verdade. Ela nem sempre conseguirá produzir a verdade - “Então, investigando bem suas formas, acredita-se chegar perto do que vem a ser a verdade”.
                                                                            II
Lacan diz:
“Há uma face do saber sobre a verdade que extrai sua força de negligenciar totalmente o conteúdo dela.
Isso permite asseverar que a articulação significante é de tal forma sua hora e seu lugar que a verdade não é nada senão essa articulação”. (Lacan. S. 19: 168).

A verdade do nosso mundo é a articulação significante capital/trabalho da sociedade industrial: sua gramática capitalista. No Ocidente, estratégias tornaram precária a articulação significante em tela.  A articulação significante define a realidade (sujeito) como seu efeito. Mas a realidade continua se distinguindo do significante, do discurso:
“Resta deixar claro que é realmente de sujeito que se trata, o que é corroborado pelo fato de que, na minha lógica, o sujeito, se exaure ao se produzir como efeito de significante, mantendo-se tão distinto deste”. (Lacan. S. 19; 166).

O sujeito se enfraquece, torna-se exausto, absorvido, consumido, haurido e também está sujeito a ser invadido por estratégias de sua precarização absoluta ao ser produzido como efeito do significante e não ser reduzido a um epifenômeno do significante capital. Isto significa uma porta aberta para o sujeito em colapso?

Lacan diz:
“A verdade ser mostrada, no sentido passivo, revela assumir um sentido ativo e se impor como demonstração ao ser falante, que nesse momento não pode fazer mais do que reconhecer não apenas que habita o significante, mas que não é nada além da marca deste. A liberdade de escolher seus axiomas, isto é, o ponto de partida escolhido para essa demonstração, consiste apenas, com efeito, em dela sofrer como sujeito as consequências, as quais, por sua vez, não são livres”. (Lacan. S. 19: 168).

O sujeito sociedade burguesa moderna habita o significante capital/trabalho. Ao ser produzido como efeito do significante (discurso capitalista), ele se exaure, e estar sujeito à invasão de estratégias que geram sua precarização absoluta como sociedade moderna articulada por uma ordem do direito moderna.: sociedade de direito do trabalho ocidental.

A pauperização absoluta do trabalho é uma relação da origem da sociedade industrial moderna. A luta de classe do trabalho, a mias -avalia relativa e a sociedade salarial significam a saída da pauperização. Hoje, há o retorno da pauperização absoluta sob novas formas, todas significando a desarticulação da sociedade de direito do trabalho com consequências graves para o sujeito sociedade capitalista.      

O Ocidente criou estratégias (capitalismo globalizado, por exemplo) para desfazer a potenciada da gramática articulação significante para sua autodestruição:
“El capital es la contradicción en proceso (puesto) que se esfuerza por reducir a um mínimo el tiempo de trabajo como única medida y fuente de la riqueza. Disminuye el tiempo de trabajo en la forma de tiempo de trabajo necessario, para aumentarlo en la forma del superfluo; pone, por tanto, cada vez más el superfluo como condición – question de vie et de mort – del necesario. Por un lado despierta a la vida de todos los poderes de la ciencia y de la naturaliza, así como de la cooperación social y del intercambio social, para hacer que la creación de la riqueza sea (relativamente) independiente del tienpo de trabajo empleado em ella. Por el otro lado, procura medir con el tienpo de trabajo esas gigantescas fuerzas sociales creadas por esta suerte y reducirlas a los límites imprescindibles para que el valor ya creado se conserve como valor. Las fuerzas productivas y las realaciones sociales  - unas y otras, aspectos diversos del desarrollo del individuo social – se le aparecen al capital únicamente como medios, y no son para él más que medios para producir fundándo-se em su mezquina base. In fact, empero, constituyen las condicines materiales para hacerla volar por los aires”. (Marx. 1982: XXXVI-XXXVII).

 O desenvolvimento capitalista gerou a sociedade do trabalho científico, ou mais exatamente, trabalho simbólico como trabalho supérfluo como condição do trabalho necessário para o ato da produção da riqueza. Esta condição se tornou um peso inútil para a reprodução ampliada do capitalismo ocidental e um fato utópico de uma sociedade de classes em direção a uma revolução criativa pós-capitalista. Tal fato está na base da criação da estratégia capitalismo globalizado (globalização que tem como elo mais débil a União Europeia), e também estratégias para o deslocamento da sociedade industrial capitalista - via capitalismo corporativo mundial para a Ásia, em especial, a China e Índia. A técnica cyber só se torna tempo de trabalho supérfluo utilmente preponderante na reprodução da acumulação planetária com o capitalismo corporativo mundial cyber fazendo pendant como o neomercantlismo de Estados asiático.
                                                                                      IV
O capitalismo é a realização do capital/trabalho como processo:
Es de la naturaleza de este proceso el que su comienzo y su fin deban no sólo estar separados el uno del otro, sino hasta en aparente conflicto. Pero el conflito no es otro que aquél que hay etre potencia y acto, entre el mero ‘proyecto’ de un concepto y su completo desarrollo y repercusión”. (Cassirer1971: 19).

O “projeto” de um conceito é o discurso em potência, discurso virtual ou gramática atualizado no processo em discurso completo desenvolvido e sua repercussão. O capitalismo é uma gramática ocidental em potência em conflito com o ato (atualização) do “projeto” de um conceito ou gramática, gramatica atualizada no Oriente asiático. 

A totalidade concreta é potência e ato. Assim, é necessário que o sujeito (sociedade capitalista ocidental) esteja sempre presente na gramática como premissa. Ao substituir a sociedade capitalista ocidental por uma sociedade capitalista asiática no comando da economia mundial, o fim entra em conflito com o começo.
Marx diz:
“El sujeto real mantiene, antes como después, su autonomía  fuera de la mente, por lo menos durante el tiempo en que el cerebro se comporte únicamiente de maneira especulativa, teórica. En consecuencia, también en el método teórico es necesario que el sujeto, la sociedade, esté siempre presente en la representación como premissa”. (Marx> 1982: 22).

O sujeito real não é mais a sociedade capitalista ocidental e sim a sociedade capitalista industrial asiática do capitalismo corporativo mundial cyber. Na mente ocidental, o sujeito real continua sendo uma inexistente sociedade capitalista ocidental. A que se deve tal autoilusão?  

                                                                 V
O idealismo tem como objeto as formas culturais da história universal como linguagem, conhecimento, religião e mito. As formas são estudadas como totalidade concreta do espírito como princípio lógico ou lei do método dialético em Hegel, apogeu do idealismo clássico. (Cassirer1971:24). Com o materialismo da modernidade, a cultura passa a ser um campo ao lado dos campos econômico e político. Marx trabalha neste diapasão.

O princípio lógico do campo cultural da história universal cede seu lugar à gramática da sociedade da modernidade que põe e repõe a unidade das formas econômica, política e cultural. A gramática da sociedade é capitalista; ela tem como princípio lógico da gramática em narrativa capitalista a articulação significante capital/trabalho.  

No século XXI, há as estratégias de substituição da sociedade industrial capitalista pelo capital fictício no comando da economia, cultura e política no Ocidente. As estratégias são: a financeirização da economia, o capitalismo globalizado, a União Europeia, a economia industrial asiática, em especial a chinesa, o sistema neomercantilista de Estados asiáticos, os Estados Unidos como enclave científico do capitalismo corporativo mundial cyber cuja história natural econômica faz pendant com o neomercantilismo asiático. Todos os fatos supracitados constituem os elos da cadeia capitalista mundial.  

Na atualidade, o financista e profeta capitalista Soros diz que a união Europeia é o elo mais fraco da cadeia em questão. Ele fala de uma União Europeia em colapso pois a lógica da União Europeia se dissolve no ar com o Brexit. A chefe do FMI Lagarde fala da desaceleração da economia chinesa, do Brexit, do ajustamento dos juros, da guerra comercial mundial entre EUA e China como fenômenos que seriam a causa múltipla da gramática capitalista em colapso.

A gramática capitalista em colapso é irreversível?
Se EUA e China fazem parar a guerra comercial, a China reverterá a desaceleração econômica? Se a política britânica suspender o Brexit, a União Europeia evita o colapso? Se o capital fictício mundial mudar a política de ajustamento de juros, o capitalismo globalizado deixará de ser um capitalismo em colapso?

Vivemos em uma ´época da lógica da reversibilidade?

CASSIRER, Ernest. Filosofía de las formas simbólicas. México: Fondo de Cultura Económica, 1971
LACAN, Jacques. O Seminário. De um outro ao outro. Livro 16. RJ: Zahar, 2008
LACAN, Jaques. O seminário. Livro 19. RJ: Zahar, 2012
MARX. Elementos fundamentales para la crítica de la economia política. Grundrisse (1857-1858). España: Siglo XXI, 1982
PEIRCE, Charles S.  Semiótica. SP: Perspectiva: 2000



         






 

         





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