sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

PSICANALISE – DELEUZE-GUATTARI, GRAMSCI, MARX.


José Paulo


A psicanálise em gramática econômica começa na junção do inconsciente com os complexos do inconsciente:
“Falam-nos de família fusional, cisional, tubular, forcluinte. Mas de onde vêm os cortes e sua distribuição, que precisamente impedem a família de ser um ‘interior’? Há sempre um tio da América, um irmão que se deu mal, uma tia que fugiu com um militar, um primo desempregado, falido ou arruinado, um avô anarquista, uma avó louca ou extremamente alquebrada, internada em um hospital. A família não engendra seus próprios cortes: as famílias são cortadas por cortes que não são familiares: a Comuna, o caso Dreyfus, a religião e o ateísmo, a guerra da Espanha, a escalada do fascismo, o stalinismo, a guerra do Vietnã, Maio de 68...tudo isso forma os complexos do inconsciente, muito mais eficazes do que o eterno Édipo”. (Deleuze e Guattari: 1972:119).  

É necessário acrescentar aos complexos do inconsciente signos, acontecimentos, fatos e artefatos (Lacan. S. 18: 15-16) da história econômica mundial do capitalismo neocolonial satélite, satélite do capitalismo corporativo industrial mundial cyber (CCMc); acrescentar o supracitado do CCMc.

Tomando um nível de concretude dos complexos do inconsciente, o desfazer do poder civil e a fabricação do poder militar na conjuntura da terceira década do século XXI no Brasil domina a tessitura da tela gramatical dos complexos do inconsciente que deriva para fora do Brasil. Os devires deste complexo do inconsciente já fazem pendant como os devires dos complexos do inconsciente dos EUA, da América Latina, Hungria, Polônia, Turquia e geografias de corpo sem órgãos afins.

Falando de Proust, Deleuze e Guattari dizem:
“Seu interesse próprio é dirigido à maneira pelo qual o caso Dreyfus e, em seguida, a guerra de 1914 recortam as famílias e nelas introduzem novos cortes e novas conexões que trazem consigo um remanejamento da libido heterossexual e homossexual (por exemplo, no meio em decomposição que é o dos Guermantes). É próprio da libido investir o campo social sob formas inconscientes e assim alucinar toda a história, delirar as civilizações, os continentes e as raças, e ‘sentir’ intensamente um devir mundial”. (Deleuze. 1972: 120).

Um delírio populista americano parece capaz de varrer o continente e arrastá-lo para a guerra.

Deleuze diz:
“É com razão que os helenistas lembram que, mesmo no venerável Édipo, era já da ‘política’ que se tratava”. (Idem: 119).

O problema consiste em ver o Édipo na junção da política, história e economia estrito senso com a economia da política analítica na qual um inconsciente expressivo edipiano, sempre artificial, repressivo e reprimido, mergulhado em familismo cede seu lugar para que a psicanalise em gramática econômica atinja o inconsciente produtivo imediato.
A libido investe em elementos disjuntivos de Édipo; esses elementos nunca formam uma estrutura mental autônoma e expressiva; ao contrário são os cortes extrafamiliares, subfamiliares, essas formas de produção social que estão em relação com a produção desejante que desorganizam ou organizam a política. Assim como a esquizoanálise não esconde ser uma psicanálise política e social militante, a psicanálise em gramática econômica não esconde sua relação com o Marx, Engels e Gramsci. Aliás, a psicanálise edipiana: “se contentou em compreender a resposta a partir de um simbolismo expressivo ainda familiar, em vez de a interpretar num sistema inconsciente da produção enquanto tal [economia analítica]. (Deleuze. 1972: 120).

                                                         II
No “18 Brumário de Luís Bonaparte”, Marx fala sobre a democracia republicana em colapso.
“A história da Assembleia Nacional constituinte a partir das jornadas de junho é a história do domínio e da desagregação da fração republicana da burguesia, da fração conhecida pelos nomes de republicanos tricolores, republicanos puros, republicanos políticos, republicanos formalistas, etc.”. (Marx. 1974: 342).

A dissolução da fração republicana faz um corte na política como complexo do inconsciente, atingindo a família burguesa; o corte gera a produção social de desejo na burguesia de se desvincular da forma política democrática:
“A linguagem respeitável, hipocritamente moderada, virtuosamente corriqueira da burguesia, revela seu significado mais profundo na boca do autocrata da Sociedade de 10 de Dezembro e no herói de piquenique de St. Maur e Satory”. (Marx. 1974: 375).

A burguesia é Napoleão III, a forma democrática é também a forma do império bonapartista; o delírio imperial de Luís é o delírio da burguesia; Napoleão III é a figura paterna (pai tirânico) do Édipo em colapso francês na linguagem familial da burguesia. O delírio supracitado é produção social de uma forma política da história universal da modernidade. Trata-se do cesarismo:
“27. O cesarismo. César, Napoleão i, napoleão III, Cromwell, etc. catalogar os eventos históricos que culminaram em uma grande personalidade ‘heroica’ “. (Gramsci. 1975. V. 3: 1619).

Para falar de um fato recente, no Brasil, na eleição de 2018, Jair Bolsonaro se apresentou como uma personalidade “heroica” (“mito”) capaz de resolver a crise política catastrófica:
“Mas o cesarismo, embora expresse sempre a solução ‘arbitral’, confiada a uma grande personalidade, de uma situação histórico-política caracterizada por um equilíbrio de forças de perspectiva catastrófica, não tem sempre o mesmo significado histórico”. Pode haver um cesarismo progressista e um cesarismo regressivo; e, em última análise, o significado exato de cada forma de cesarismo só pode ser reconstruído a partir da história concreta e não de um esquema sociológico”. (Gramsci. 1975. V. 3: 1619).


A crise política catastrófica se mantinha a partir de forças sociais materializadas em dois partidos - PT e PSDB como forças indutoras dos complexos do inconsciente na política. Uma outra força indutora dos complexos do inconsciente é o fenômeno conhecido como Lava Jato (agir de um Estado de polícia-judicial voltado para cuidar da corrupção público-privada). A Lava Jato desorganizou a potência das forças catastróficas e abriu a porta para que a personalidade “heroica” chegasse ao poder nacional pelas mãos majoritária da soberania popular.

A personalidade heroica brasileira se inscreve na política em extensão da sociedade civil  familial. A época do PT (Lula e Dilma Rousseff) no poder nacional significou o Édipo em colapso com o movimento da mulher e do LGBT no comando da cultura, mass media, política educacional. O aparelho de Estado - e o poder de Estado (Balibar: 94) - se tornou aberto à intervenção das lutas multiculturalistas. A crise catastrófica brasileira vai da política até o Édipo em colapso nas famílias, instituições e na rua (carnaval).  

Na eleição 2018, o discurso eleitoral de Bolsonaro se dirigiu à crise catastrófica em sua totalidade. A imprensa chamou a crise Édipo em colapso como elemento da campanha “pauta de costumes” do messianismo (de Jair Messias Bolsonaro). Depois, o jornalista não entendeu o porquê da pauta dos costumes ter se transformado em pauta de governo. Resolver o Édipo em colapso é uma responsabilidade do messianismo consigo mesmo como grande política dos complexos do inconsciente da nossa geografia política do corpo sem órgãos do CNS.

                                                                  III
Os poderes na política geram cortes concretos nos complexos do inconsciente de uma nação. Recorro a Marx;
“Bonaparte que precisamente por ser um boêmio, um príncipe lumpen-proletário, levava vantagem sobre o burguês vil porque podia conduzir a luta por meios vis, viu agora, depois que a própria Assembleia o guiara, por sua própria mão, através do terreno escorregadiço dos banquetes militares, das revistas de tropas, da Sociedade de 10 de Dezembro e, finalmente, do Código Penal, que chegara o momento em que poderia passar de uma aparente defensiva à ofensiva. As pequenas derrotas sofridas nesse interim pelos ministros da Justiça, da Guerra, da Marinha e da Fazenda, através das quais a Assembleia Nacional expressava seus rosnados e desagrado, incomodavam-no muito pouco. Não só impediu que os ministros renunciassem, e com isso admitissem a supremacia do Parlamento sobre o Poder Executivo, como se sentiu capaz de consumar agora o que começou durante o período de recesso da Assembleia Nacional; a separação entre o poder militar e o Parlamento, a destituição de Changarnier”. (Marx. 1974: 379).

Um governo do Bolsonaro com uma facção de generais no comando do aparelho estatal e se preparando para assumir o poder de Estado parece ou não ser o signo de um cesarismo americano – do militarismo nas Américas?

O nosso cesarismo se realiza: pelo enfraquecimento do poder civil e a fabricação de um poder militar; pelo enfraquecimento do poder secular e a fabricação de um poder político religioso. Devemos levar as últimas consequências a interpretação do cesarismo:
“O cesarismo é progressista quando sua intervenção ajuda a força progressista a triunfar, ainda que com certos compromissos e acomodações que limitam a vitória; é regressivo quando a sua intervenção ajuda a força regressiva a triunfar, também neste caso com certos compromissos e limitações, os quais, no entanto, têm um valor, um alcance e um significado diversos daqueles do caso anterior. César e Napoleão I são exemplos de cesarismo progressista. Napoleão III e Bismarck, de cesarismo regressivo. Trata-se de ver se, na dialética revolução-restauração, é o elemento revolução ou o elemento restauração que predomina., já que é certo que, no movimento histórico, jamais se volta atrás e não existem restaurações in toto. (Gramsci. 1977. V.3: 1619).
 A cada vez mais perto guerra (polemos) contra a Venezuela de Maduro seria um organizador de complexos do inconsciente épicos? Pois, lançaria a política brasileira em uma estética do épico histórico como fenômeno equivalente à tragédia e comédias históricas da estética da política do “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”. (Marx. 1974: 336; 372-373). 


No passado, o cesarismo progressista de Napoleão I fez cortes nos complexos do inconsciente americano:
“A invasão da Península Ibérica, em 1808, por Napoleão, por exemplo, estilhaçou grande parte do império ultramarino espanhol. Dentro de poucos meses, na maior parte da América Latina espanhola organizaram-se movimentos de independência, e nos dez anos seguintes quase toda a região se fragmentou em estados independentes”. (Telly:70)     

A guerra europeia fez cortes nos complexos do inconsciente latino-americano com a fundação de Estado-nações em uma geografia política que chega ao século XXI. Hoje, os EUA aparecem como candidatos a indutores de corte dos complexos do inconsciente, arrastando vários países do continente para a formação de um exército das Américas contra Maduro?

                                                                       IV

O Brasil vive entre a restauração do capitalismo neocolonial satélite (CNS) apoiado por forças econômicas e sociais (Mercado Financeiro, Banco, mass media) e a revolução do capitalismo corporativo mundial cyber (CCMc) industrial com suporte em forças culturais e do socius como universidade estatal, instituições científicas em geral, classe operária do capitalismo dependente e associado em processo de dissolução, psicanalise em gramática econômica, trabalho simbólico, especialmente o trabalho científico.   
A questão cadente é se a acumulação de capital na economia de commodities agrícola e pastoril pode ser um fenômeno de transferência de renda para a acumulação de capital da revolução capitalista em direção ao CCMc  ou para a restauração do CNS  



BALIBAR, Étienne. Cinq études du matérialisme historique. Paris: Maspero, 1974
DELEUZE & GUATTARI, Gilles e Félix. L’anti-oedipe. Capiatlisme et schizophrénie, v, 1. Paris: Minuit, 1972
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del Carcere. V. 3. Torino: Einaudi, 19778.
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. RJ: Zahar, 2009
MARX. Pensadores. O 18 brumário de Luís Bonaparte. SP: abril Cultural, 1974
TYLLY, Charles. Coerção, capital, e Estados europeus. SP: EDUSP, 1996

  

      



  



 

     



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