José Paulo
A psicanálise em gramática
econômica começa na junção do inconsciente com os complexos do inconsciente:
“Falam-nos de família fusional,
cisional, tubular, forcluinte. Mas de onde vêm os cortes e sua distribuição,
que precisamente impedem a família de ser um ‘interior’? Há sempre um tio da
América, um irmão que se deu mal, uma tia que fugiu com um militar, um primo
desempregado, falido ou arruinado, um avô anarquista, uma avó louca ou
extremamente alquebrada, internada em um hospital. A família não engendra seus
próprios cortes: as famílias são cortadas por cortes que não são familiares: a
Comuna, o caso Dreyfus, a religião e o ateísmo, a guerra da Espanha, a escalada
do fascismo, o stalinismo, a guerra do Vietnã, Maio de 68...tudo isso forma os
complexos do inconsciente, muito mais eficazes do que o eterno Édipo”. (Deleuze
e Guattari: 1972:119).
É necessário acrescentar aos
complexos do inconsciente signos, acontecimentos, fatos e artefatos (Lacan. S.
18: 15-16) da história econômica
mundial do capitalismo neocolonial satélite, satélite do capitalismo
corporativo industrial mundial cyber (CCMc); acrescentar o supracitado do CCMc.
Tomando um nível de concretude
dos complexos do inconsciente, o desfazer do poder civil e a fabricação do
poder militar na conjuntura da terceira década do século XXI no Brasil domina a
tessitura da tela gramatical dos complexos do inconsciente que deriva para fora
do Brasil. Os devires deste complexo do inconsciente já fazem pendant como os
devires dos complexos do inconsciente dos EUA, da América Latina, Hungria,
Polônia, Turquia e geografias de corpo sem órgãos afins.
Falando de Proust, Deleuze e
Guattari dizem:
“Seu interesse próprio é dirigido
à maneira pelo qual o caso Dreyfus e, em seguida, a guerra de 1914 recortam as
famílias e nelas introduzem novos cortes e novas conexões que trazem consigo um
remanejamento da libido heterossexual e homossexual (por exemplo, no meio em
decomposição que é o dos Guermantes). É próprio da libido investir o campo
social sob formas inconscientes e assim alucinar toda a história, delirar as
civilizações, os continentes e as raças, e ‘sentir’ intensamente um devir
mundial”. (Deleuze. 1972: 120).
Um delírio populista americano
parece capaz de varrer o continente e arrastá-lo para a guerra.
Deleuze diz:
“É com razão que os helenistas
lembram que, mesmo no venerável Édipo, era já da ‘política’ que se tratava”.
(Idem: 119).
O problema consiste em ver o
Édipo na junção da política, história e economia estrito senso com a economia da
política analítica na qual um inconsciente expressivo edipiano, sempre artificial,
repressivo e reprimido, mergulhado em familismo cede seu lugar para que a
psicanalise em gramática econômica atinja o inconsciente produtivo imediato.
A libido investe em elementos
disjuntivos de Édipo; esses elementos nunca formam uma estrutura mental
autônoma e expressiva; ao contrário são os cortes extrafamiliares,
subfamiliares, essas formas de produção social que estão em relação com a
produção desejante que desorganizam ou organizam a política. Assim como a
esquizoanálise não esconde ser uma psicanálise política e social militante, a
psicanálise em gramática econômica não esconde sua relação com o Marx, Engels e
Gramsci. Aliás, a psicanálise edipiana: “se contentou em compreender a resposta
a partir de um simbolismo expressivo ainda familiar, em vez de a interpretar
num sistema inconsciente da produção enquanto tal [economia analítica].
(Deleuze. 1972: 120).
II
No “18 Brumário de Luís
Bonaparte”, Marx fala sobre a democracia republicana em colapso.
“A história da Assembleia
Nacional constituinte a partir das jornadas de junho é a história do domínio e
da desagregação da fração republicana da burguesia, da fração conhecida pelos
nomes de republicanos tricolores, republicanos puros, republicanos políticos,
republicanos formalistas, etc.”. (Marx. 1974: 342).
A dissolução da fração
republicana faz um corte na política como complexo do inconsciente, atingindo a
família burguesa; o corte gera a produção social de desejo na burguesia de se
desvincular da forma política democrática:
“A linguagem respeitável,
hipocritamente moderada, virtuosamente corriqueira da burguesia, revela seu
significado mais profundo na boca do autocrata da Sociedade de 10 de Dezembro e
no herói de piquenique de St. Maur e Satory”. (Marx. 1974: 375).
A burguesia é
Napoleão III, a forma democrática é também a forma do império bonapartista; o
delírio imperial de Luís é o delírio da burguesia; Napoleão III é a figura
paterna (pai tirânico) do Édipo em colapso francês na linguagem familial da burguesia.
O delírio supracitado é produção social de uma forma política da história
universal da modernidade. Trata-se do cesarismo:
“27. O
cesarismo. César, Napoleão i, napoleão III, Cromwell, etc. catalogar os eventos
históricos que culminaram em uma grande personalidade ‘heroica’ “. (Gramsci.
1975. V. 3: 1619).
Para falar de
um fato recente, no Brasil, na eleição de 2018, Jair Bolsonaro se apresentou
como uma personalidade “heroica” (“mito”) capaz de resolver a crise política
catastrófica:
“Mas o cesarismo,
embora expresse sempre a solução ‘arbitral’, confiada a uma grande
personalidade, de uma situação histórico-política caracterizada por um
equilíbrio de forças de perspectiva catastrófica, não tem sempre o mesmo
significado histórico”. Pode haver um cesarismo progressista e um cesarismo
regressivo; e, em última análise, o significado exato de cada forma de
cesarismo só pode ser reconstruído a partir da história concreta e não de um
esquema sociológico”. (Gramsci. 1975. V. 3: 1619).
A crise
política catastrófica se mantinha a partir de forças sociais materializadas em
dois partidos - PT e PSDB como forças indutoras dos complexos do inconsciente
na política. Uma outra força indutora dos complexos do inconsciente é o
fenômeno conhecido como Lava Jato (agir de um Estado de polícia-judicial
voltado para cuidar da corrupção público-privada). A Lava Jato desorganizou a
potência das forças catastróficas e abriu a porta para que a personalidade
“heroica” chegasse ao poder nacional pelas mãos majoritária da soberania popular.
A
personalidade heroica brasileira se inscreve na política em extensão da
sociedade civil familial. A época do PT
(Lula e Dilma Rousseff) no poder nacional significou o Édipo em colapso com o
movimento da mulher e do LGBT no comando da cultura, mass media, política educacional.
O aparelho de Estado - e o poder de Estado (Balibar: 94) - se tornou aberto
à intervenção das lutas multiculturalistas. A crise catastrófica brasileira vai
da política até o Édipo em colapso nas famílias, instituições e na rua (carnaval).
Na eleição
2018, o discurso eleitoral de Bolsonaro se dirigiu à crise catastrófica em sua
totalidade. A imprensa chamou a crise Édipo em colapso como elemento da
campanha “pauta de costumes” do messianismo (de Jair Messias Bolsonaro).
Depois, o jornalista não entendeu o porquê da pauta dos costumes ter se
transformado em pauta de governo. Resolver o Édipo em colapso é uma
responsabilidade do messianismo consigo mesmo como grande política dos
complexos do inconsciente da nossa geografia política do corpo sem órgãos do
CNS.
III
Os poderes na
política geram cortes concretos nos complexos do inconsciente de uma nação.
Recorro a Marx;
“Bonaparte que
precisamente por ser um boêmio, um príncipe lumpen-proletário,
levava vantagem sobre o burguês vil porque podia conduzir a luta por meios vis,
viu agora, depois que a própria Assembleia o guiara, por sua própria mão,
através do terreno escorregadiço dos banquetes militares, das revistas de
tropas, da Sociedade de 10 de Dezembro e, finalmente, do Código Penal, que
chegara o momento em que poderia passar de uma aparente defensiva à ofensiva.
As pequenas derrotas sofridas nesse interim pelos ministros da Justiça, da
Guerra, da Marinha e da Fazenda, através das quais a Assembleia Nacional
expressava seus rosnados e desagrado, incomodavam-no muito pouco. Não só
impediu que os ministros renunciassem, e com isso admitissem a supremacia do
Parlamento sobre o Poder Executivo, como se sentiu capaz de consumar agora o
que começou durante o período de recesso da Assembleia Nacional; a separação
entre o poder militar e o Parlamento, a destituição de Changarnier”. (Marx.
1974: 379).
Um governo do
Bolsonaro com uma facção de generais no comando do aparelho estatal e se
preparando para assumir o poder de Estado parece ou não ser o signo de um
cesarismo americano – do militarismo nas Américas?
O nosso
cesarismo se realiza: pelo enfraquecimento do poder civil e a fabricação de um
poder militar; pelo enfraquecimento do poder secular e a fabricação de um poder
político religioso. Devemos levar as últimas consequências a interpretação do
cesarismo:
“O cesarismo é
progressista quando sua intervenção ajuda a força progressista a triunfar,
ainda que com certos compromissos e acomodações que limitam a vitória; é
regressivo quando a sua intervenção ajuda a força regressiva a triunfar, também
neste caso com certos compromissos e limitações, os quais, no entanto, têm um
valor, um alcance e um significado diversos daqueles do caso anterior. César e
Napoleão I são exemplos de cesarismo progressista. Napoleão III e Bismarck, de
cesarismo regressivo. Trata-se de ver se, na dialética revolução-restauração, é
o elemento revolução ou o elemento restauração que predomina., já que é certo
que, no movimento histórico, jamais se volta atrás e não existem restaurações in toto. (Gramsci. 1977. V.3: 1619).
A cada vez mais perto guerra (polemos) contra
a Venezuela de Maduro seria um organizador de complexos do inconsciente épicos?
Pois, lançaria a política brasileira em uma estética do épico histórico como
fenômeno equivalente à tragédia e comédias históricas da estética da política do
“O 18 Brumário de Luís Bonaparte”. (Marx. 1974: 336; 372-373).
No passado, o
cesarismo progressista de Napoleão I fez cortes nos complexos do inconsciente
americano:
“A invasão da
Península Ibérica, em 1808, por Napoleão, por exemplo, estilhaçou grande parte
do império ultramarino espanhol. Dentro de poucos meses, na maior parte da América
Latina espanhola organizaram-se movimentos de independência, e nos dez anos
seguintes quase toda a região se fragmentou em estados independentes”. (Telly:70)
A guerra
europeia fez cortes nos complexos do inconsciente latino-americano com a
fundação de Estado-nações em uma geografia política que chega ao século XXI. Hoje,
os EUA aparecem como candidatos a indutores de corte dos complexos do
inconsciente, arrastando vários países do continente para a formação de um
exército das Américas contra Maduro?
IV
O Brasil vive
entre a restauração do capitalismo neocolonial satélite (CNS) apoiado por forças
econômicas e sociais (Mercado Financeiro, Banco, mass media) e a revolução do capitalismo corporativo mundial cyber
(CCMc) industrial com suporte em forças culturais e do socius como universidade estatal, instituições científicas em
geral, classe operária do capitalismo dependente e associado em processo de
dissolução, psicanalise em gramática econômica, trabalho simbólico,
especialmente o trabalho científico.
A questão
cadente é se a acumulação de capital na economia de commodities agrícola e
pastoril pode ser um fenômeno de transferência de renda para a acumulação de
capital da revolução capitalista em direção ao CCMc ou para a restauração do CNS
BALIBAR,
Étienne. Cinq études du matérialisme historique. Paris: Maspero, 1974
DELEUZE &
GUATTARI, Gilles e Félix. L’anti-oedipe. Capiatlisme et schizophrénie, v, 1.
Paris: Minuit, 1972
GRAMSCI,
Antonio. Quaderni del Carcere. V. 3. Torino: Einaudi, 19778.
LACAN,
Jacques. O Seminário. Livro 18. De um discurso que não fosse semblante. RJ:
Zahar, 2009
MARX. Pensadores.
O 18 brumário de Luís Bonaparte. SP: abril Cultural, 1974
TYLLY,
Charles. Coerção, capital, e Estados europeus. SP: EDUSP, 1996
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