terça-feira, 21 de agosto de 2018

PERCEPÇÃO ESTRATÉGICA E FUTURO


José Paulo



O futuro não é algo que faça parte da gramática do mercado. A gramática da política pode ter o futuro como objeto. Aí se põe e repõe o problema da percepção e da consciência histórica, como saber ler gramáticas e saber tecer gramáticas e situações (Gadamer: 73).

A percepção pode ser: uma pessoalização do mundo; uma coisificação do mundo; uma percepção ideológica; uma percepção tática e/ou estratégica.

A percepção-pessoalização remete o sujeito para o sentir o mundo:
“O problema é compreender estas relações singulares que se tecem entre as partes da paisagem ou entre a paisagem e mim como sujeito encarnado, e pelas quais um objeto percebido pode concentrar em si toda uma cena, ou tornar-se a imago de todo um segmento de vida. O sentir é esta comunicação vital com o mundo que o torna presente para nós como lugar familiar de nossa vida. É a ele que o objeto percebido e o sujeito que percebe devem sua espessura”. (Merleau-Ponty: 64-65).     

  O sentir é essa comunicação vital com o mundo que o torna presente como lugar familiar de nossa vida; o sentir e a percepção sgrammaticatura (contradição em termos) e o espaço da espontaneidade perceptiva das massas; a gramática da percepção começa com uma certa apropriação conceitual do mundo. A percepção-pessoalização é 90% sgrammaticatura e 10% gramática. Ela subssume a conceitualização do mundo ao sentir. No Brasil, ela é conhecida como percepção do homem cordial, pois remete para uma inscrição no mundo pelo campo de afetos (Holanda:102-107).

A percepção-coisa é aquela percepção do mundo como coisificação. A gramática da mercadoria capitalista estrutura o sujeito como metafísica da coisa e o mundo como physis econômica. Assim, o mercado capitalista é incapaz de pensar o futuro do planeta, para além da era fóssil.

A coisificação da consciência é um mal atroz para os homens, mulheres e crianças:
“˂O movimento da sociedade que é o seu próprio movimento, diz Marx, toma para eles a forma de um movimento das coisas a cujo controlo se submetem, em vez de as controlarem>”. (Lukács: 62).

A percepção tática é aquela das classes dominantes visando a apropriação da riqueza da nação ou a privatização capitalista desta. Portanto, a percepção tática é incapaz de pensar o futuro do planeta ou da nação. 

A percepção ideológica estrutura a relação entre significante e significado social (laço ideológico entre as classes sociais e suas facções e partidos políticos) e político (laço ideológico entre representante e representado na soberania popular) como avesso da relação arbitrária entre significante/significado, em Saussure. (Saussure: 81).

A percepção estratégica se constitui como uma percepção gramatical do futuro; trata-se da consciência histórica capaz de pensar os limites de existência das gramáticas do presente e ser capaz de criar as gramáticas do futuro.

Hegel fala da percepção estratégica com  a única forma  de percepção:
“11 – (Die unmittelbare). A certeza sensível não se apossa do verdadeiro, já que a verdade dela é o universal, mas a certeza sensível quer captar o isto. A percepção, ao contrário, toma como universal o que para ela é o essente. Como a universalidade é seu princípio em geral, assim também são os universais seus momentos, que nela se distinguem imediatamente: o Eu é um universal, e o objeto é um universal”. (Hegel.1992: 83)

                                                                                      II  

É razoável estabelecer laços entre as Minas Gerias do Brasil do século XVIII e o fim da era fóssil?
Em sua prosa maravilhosa, Euclides da Cunha fala, no artigo “Garimpeiros”, fala  da percepção do garimpeiro  e de império português na exploração das jazidas de ouro.

O forasteiro chegando das Minas Gerais teria uma percepção estratégica da sociedade do ouro, pois, veria que tanto o garimpeiro como a Coroa portuguesa tinham uma visão tática de apropriação extrativista mercantil do ouro:
“E se conseguisse abarcar de um lance a multidão doudejante e inquieta, que atestava as vielas e torvelinhava nas praças, teria a imagem estranha de uma sociedade artificial, feita de elementos díspares transplantados de outros climas e mal unidos sobre a base instável, dia a dia destruída, ruindo solapada pela vertigem mineradora – da própria terra em que pisavam –” (Euclides da Cunha: 146).  

A sociedade artificial extrativista mercantil é o actrator no horizonte de um Brasil petrolífero, pois, o Brasil está longe do peak oil (ápice da extração).  Assim, espera nosso país uma situação histórica que guarda equivalência com a sociedade artificial extrativista do ouro do século XVIII. 

Na sociedade do ouro, há o conflito e a luta (que toma conta das Minas Gerais) entre a Coroa e os garimpeiros, com a instalação de um Estado totalitário na região das minas de ouro e diamantes, com monopólio militarizado da exploração através de um Urstaat cesarista colonial (Vianna: 185) Era de se esperar que o império português usasse o ouro e os diamantes estrategicamente para construir, prematuramente com a acumulação primitiva grandiosa de capital: o ersatz de sociedade capitalista.

Ao contrário, a Coroa tinha a mesma percepção tática do garimpeiro da exploração do ouro e diamantes:
“É que a terra, desentranhando-se nos minérios anelados, não era um lar, senão um campo de exploração predestinado a próximo abandono quando as grupiaras ricas se transmudassem nas restingas, e fossem avultando, maiores, mais solenes e impressionadoras, sobre a pequenez dos povoados decaídos, as Catas silenciosas e grandes – montões de argila revolvidos tumultuando nos ermos à maneira de ruína babilônicas... (Euclides da Cunha: 147).

A exploração das minas de ouro e diamantes das Minas Gerais possuía um limite natural como valo-de-uso; como valor-de-troca a exploração possuía um limite econômico, pois, Portugal se definia com uma sociedade artificial extrativista mercantilista, voltada para a apropriação patrimonialista da riqueza natural pela família real e aristocracia parasita.  
                                                                                            III  

Hegel diz: “a história universal é o progresso na consciência da liberdade”. (Hegel. 1995: 25). E vai além: “Na história universal só se pode falar dos povos que formam um Estado. É preciso saber que tal Estado é a realização da liberdade”. (Hegel.1995: 39).

Há uma relação da filosofia com o Estado que ilumina a história universal:
“Também a filosofia precisa surgir na vida do Estado, já que, como foi mencionado, é por meio de um conteúdo que se obtém a cultura, a qual é a forma inerente ao pensamento. A filosofia, que nada mais é do que a consciência dessa forma, o pensar do pensar, prepara, com isso, o material singular para a estrutura ainda em formação”. (Hegel. 1995: 64).

A história universal acaba quando a consciência histórica fica reduzida à consciência do garimpeiro ou à consciência do império português de Euclides da Cunha.

O marxismo fez da sociedade civil (sociedade das classes sociais) o palco da história no lugar do Estado. A filosofia cedeu seu lugar maravilhoso para o campo de saberes da consciência de classe constituída na história das lutas de classes. Como forma inerente do pensamento, a cultura doa seus conteúdos para a consciência de classe como forma da cultura.

A gramática do capitalismo neocolonial existe como um poder de violência simbólica de destruição da cultura, da consciência de classe, da luta de classe, da sociedade nacional (existência de classes sociais sem sociedade de classes), do partido político (substituído pela facção política) - onde os fenômenos supracitados se realizam. A causa desta destruição é o surgimento de problemas para os quais a classe dominante não tem solução:
“A barreira que faz da consciência de classe da burguesia uma ‘falsa’ consciência é, pois, objectiva; é a própria situação de classe. É consequência objectiva da estrutura econômica da sociedade e não algo de arbitrário, de subjetivo ou psicológico, pois a consciência de classe da burguesia, mesmo que possa reflectir o mais claramente possível todos os problemas da organização desta dominação, da revolução capitalista e da sua penetração no conjunto da produção tem necessariamente que se obscurecer a partir do momento em que  mesmo no interior da experiência da burguesia, surjam problemas cuja solução está para além da sociedade burguesa”. (Lukács: 68).

A situação que vivemos se define como: “surjam problemas cuja solução está para além da sociedade burguesa”?

Os problemas dizem respeito aos limites da physis natural em junção com a physis econômica da gramática capitalista fóssil. O capitalismo mundial entrou em sua última etapa, a saber: a do capitalismo neocolonial.

O capitalismo neocolonial é o declínio material do capitalismo, pois, o peak oil é um fator de desenvolvimento desigual das nações, regiões e continentes geoeconômicos no uso da energia fóssil.

Este declínio deixa de ser um fenômeno pensado pela cultura burguesa.

Com Donald Trump, a consciência burguesa ambientalista sofreu um golpe mortal, pois, o problema do peak oil deixa de existir como fenômeno cultural, como algo a  ser pensado pela consciência de classe burguesa. Também, os efeitos maléficos do regime fóssil de acumulação são foracluído do âmbito da cultura mundial: efeito estufa, aquecimento global, mudanças climáticas etc.

Ainda com Donald Trump, os problemas se retiram do domínio do pensamento e tornam-se um problema do princípio utilitário (Bentham: 9-10) a ser vivido conforme eles se manifestem como dor (desprazer ou prazer) para homens, mulheres e crianças. A narrativa utilitária da dor define a consciência dos mass media que ocupa o lugar da consciência de classe burguesa; esta consciência não é um fenômeno cultural, pois, incapaz de pensar os problemas sem solução que surgem no capitalismo neocolonial.

O marxismo brasileiro faz pendant com a consciência da cultura que pensa o problema da não-solução dos problemas do capitalismo neocolonial como totalidade histórica:
“Ora, é tarefa de uma análise histórica muito meticulosa mostrar claramente, graças a categoria de possibilidade objectiva, em que situação efetiva se torna possível desmascarar realmente a ilusão e penetrar até à conexão com a totalidade”. (Lukács: 66).

A totalidade é a própria gramática capitalismo neocolonial. Esta gramática significa um estado de insegurança catastrófica do meio ambiente, alimentar, habitacional e de saúde. Claro que o peak oil global não significa já o fim do capitalismo neocolonial, pois, o território subjetivo dos discursos dos mass media (de papel, eletrônico e digital) se tece como um evangelho milenarista às avessas.

Não se trata mais de salvar o capitalismo por uma revolução capitalista, pois, este recurso evolutivo deixou de existir. O capitalismo agora existe pela sua última gramática: capitalismo neocolonial. Se trata de beber até a última gota ideológica a vida da gramática capitalista neocolonial. Trata-se de beber até a última gota o gozo vida finita capitalista, individualmente, e como classe burguesa neocolonial. O milenarismo neocolonial dos mass media de salvação individual e grupal prega o gozo (Hegel. 1992: 131) da vida finita frente ao senhor absoluto, ou seja, a morte. (Hegel. 1987: 119).

 A gramática dos mass media metabolizou o estado de insegurança supracitado como um fato natural da história do homem. Não é mais possível proteger a natureza do capitalismo e  homens, mulheres e crianças de uma natureza catastrófica produzida pelo capitalismo como ˂natureza objetiva> distinta da ˂natureza em si>. (MacCarthy:139).

O estado de insegurança em tela gerará “o mal” que pode chegar na forma de migração de grandes massas populacionais. A burguesia americana crê que pode criar uma barreira policial e militar contra este mal. A União Europeia se divide, por nações, em como tratar este mal. A migração ainda não é um efeito global direto do estado de insegurança gerado pelo capitalismo neocolonial, mas ainda será.

A burguesia americana neocolonial se vê como um fenômeno hegeliano:
“A América é, portanto, a terra do futuro, na qual se revelará, em tempos vindouros, o elemento importante da história universal - talvez a disputa entre a América do Norte e a do sul. É uma terra de aspirações para todos os que deixam o museu das armas históricas da velha Europa. Menciona-se que Napoleão tenha dito: ‘Cette Vieille Europe m’ennui’. Cabe à América abandonar o solo sobre o qual se tem feito a história universal. O que nela aconteceu até agora nada amis é do que o eco do Velho Mundo, a expressão de uma vida estrangeira. (Hegel.1995 79)   

As migrações latino-americanas para os EUA são uma forma de guerra civil econômico-demográfica regional dos povos latinos conta o Tio Sã. Elas foram uma alavanca (consciência americana tomada pelo medo, pelo temor da migração latina) para Donald Trump se apoderar do poder americano. A história americana não começa uma outra época da história universal, pois, se encontra sob o domínio do capitalismo neocolonial americano!   

Os países desenvolvidos funcionam como um atractor para as massas da migração catastrófica. Porém, há um limite natural para a absorção dessas massas migratórias. As massas migratórias agem como um fenômeno político que o capitalismo neocolonial metaboliza como necessidade de pôr um fim na história universal hegeliana como caminho para a liberdade.

O Brasil é a décima economia do mundo. Portanto, ela pode funcionar como um atractor para as massas migratórias catastróficas, ao lado dos EUA. No entanto, a migração venezuelana para o Brasil (oriunda da catástrofe político do bolivariano) mostra um Brasil despreparado para abrigar os povos latinos destroçados por situações catastróficas.

A não-resolução dos problemas brasileiros mais elementares (reversão das estrutura de emprego e profissões em desintegração, sistema de transporte caótico, condições de higiene, saúde popular, condições de vida em geral, megalópoles tomadas por organizações criminosas e violência real generalizada) pesa como chumbo na subjetividade a na consciência da população. O povo brasileiro tornou-se insensível ao destino dos povos vizinhos, pois, crê que seu próprio destino é a dos povos da América Central. O brasileiro crê que o êxodo encontra-se no horizonte de sua história no século XXI.

As eleições 2018 se apresentam como um espetáculo políticos de candidatos que não falam da situação verdadeira atual. Os candidatos vivem o processo eleitoral como candidatos de facções políticas, pois, não representam partidos políticos. Um partido político é um agregado de pessoas que formam constelações de grupos rivais. No entanto:
“Os partidos ultrapassam as facções porque se baseiam não apenas em interesses. E não apenas em afetos (a ‘afeição’ de Hume), mas também, e principalmente, em princípios comuns”. (Sartori: 29)

Para Burke:
“˂O partido é um grupo de homens unidos para a promoção, pelo seu esforço conjunto, do interesse nacional com base em algum princípio com o qual todos concordam>”. (Sartori: 29).

A facção política é um efeito da gramática do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. Isto significa que a devastação da economia nacional não será gramaticalizada como um problema a ser resolvido. Encerro com um problema cadente!

O petróleo só pode entrar no mercado (ou seja, no mercado de petróleo e nos mercados de futuros) e nele ser negociado se a matéria-prima for extraída do subsolo e apropriada. O ato de valorização primária do petróleo pressupõe o controle das jazidas, a concessão de direitos implementáveis de propriedade, quer dizer, também a exclusão legal (não necessariamente legítima) de pretensões alheias”. (Alvater: 255).

Uma história política do petróleo brasileiro criou a consciência nacional de que o petróleo era um problema de segurança nacional energética. O monopólio da extração e refino do petróleo em solo brasileiro é um dos grandes fatos da formação de uma consciência nacional.

O monopólio do petróleo foi quebrado pelo general-presidente Geisel, sob pressões formidáveis dos EUA. A América negociou a permanência do Estado militar brasileiro em troca da quebra do monopólio do petróleo. No regime 1988, o petróleo torna-se alvo da corporatocracia (governo autocrático econômico das corporações capitalistas mundiais). Candidatos presidenciais já falam da privatização da Petrobrás. O modelo a ser adotado é o da indonésia, onde o petróleo é monopólio da corporatocracia.

Onde a corporatocracia fóssil governa, os territórios petrolíferos formam uma espécie de ˂Estado no  interior do próprio Estado>. Rigorosamente, a corporatocracia fóssil se estabelece como um poder real (econômico, político, cultural) na gramática do campo de poderes nacionais. Com as facções políticas neocoloniais, todo um campo de poderes neocoloniais se ergue a céu aberto. Para as facções políticas só importam criar condições para que elas participem da pilhagem da riqueza nacional junto com as facções econômicas capitalistas locais e as facções dos mass media – que dominam a nossa política.

As eleições 2018 se constituem como um momento no qual as facções brasileiras (seguindo a gramática neoliberal, neoconservadora e neocolonial) disputam os poderes estatais para adquirirem posições para melhor usufruto da riqueza nacional.  

ALTVATER, Elmar. O fim do capitalismo como o conhecemos. RJ; Civilização Brasileira, 2010
BENTHAM. Pensadores. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. SP: Abril Cultural, 1974
EUCLIDES DA CUNHA. Obra Completa. v. 1. RJ: Nova Aguilar, 1995
GADAMER, Hans-Georg. El problema de la consciencia histórica. Madrid: Tecnos, 1993
HEGEL. Fenomenología del  espíritu. México: Fondo de Cultura Económica, 1987  
HEGEL. Filosofia da história. Brasília: UNB, 1995         
HEGEL. Fenomenologia do espírito. Petrópolis: Vozes, 1992
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. RJ: José Olympio, 1988
LUKÁCS. História e consciência de classe. Lisboa: Escorpião, 1974
MAcCARTHY, Thomas. La teoria crítica de Jürgen Habermas. Madrid: Tecnos, 1992
MERLEAU-PONTY. Phénoménologie de la perception. Paris: Gallimard, 1945
SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. RJ/Brasília: Zahar Editores/UNB, 1982
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. SP: Cultrix, Sem Data
VIANNA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil. v. 1. Belo Horizonte/Niterói: Itatiaia/UFF, 1987
       

  
      
        
     
  

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