quarta-feira, 15 de agosto de 2018

BONAPARTISMO DE CHUMBO → AUTOCRACIA NEOCOLONIAL


José Paulo



O Brasil deixou de fazer parte das redes marxistas europeias de investigação do desenvolvimento capitalista mundial. A nacionalização de tais redes exige um trabalho de publicação de livros em inglês, mericano e alemão. Há um declínio visível no setor editorial capitalista (de ideologia capitalista ilustrada, ou bolivariana, ou editora universitária pública) capaz de traduzir e publicar o debate sobre crescimento, capitalismo da sociedade fóssil, natureza e adaptação do capitalismo à época atual. Também a crise do marxismo na América Latina (não há publicação em espanhol dos materiais marxistas europeu ou americano) é uma causa do fenômeno supracitado. 

As altas temperaturas do verão londrino fazem os mass media falarem de uma situação anormal  no clima da Terra como uma fatalidade. Por quê?

Em Marx, os spaltungen são cisões, cortes que traduzem: “ora a incapacidade de compreender a estrutura do real e as relações internas que o organizam, ora a incapacidade de ocultá-los graças a sistemas de mistificação”. (Labica: 69). O trabalho executado de resolução da quebra (spaltung) do mundo (Labica: 113) leva aos spaltungen. O capitalismo moderno do século XIX é uma quebra do mundo que a economia política clássica não dá conta. Ao contrário, Marx fala do surgimento da sociedade capitalista industrial colonialista no comando da economia, política, cultura, vida.

A quebra (spaltung) do mundo da sociedade capitalista é descrita pelo formidável marxista alemão Elmer Altvater, que faleceu na primeira metade do ano 2018:
“Na longa história do sistema mundial capitalista nunca existiu uma fase tão dinâmica como aquela entre o fim da Segunda Guerra Mundial e meados da década de 1970. Mas a ‘Era de Ouro” chegou a um fim abrupto com a crise do petróleo, o desemprego em massa e o surgimento de um setor informal, com discursos sobre a ‘ingovernabilidade’ e a ‘crise da democracia’ e, sobretudo, com o colapso do sistema monetário mundial de Bretton Woods. O  intervencionismo do Estado nacional de matriz keynesiana, determinante ao menos nos países industrializados durante o período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial,  foi destruído a partir do início da década de 1970 pela  ‘contrarrevolução neoliberal’, proclamada já em 1962 por Milton Friedman”. O conceito de ‘destruição’ (para não usar o conceito benjaminiano de ‘destroçamento’ – ver no  capítulo I) não é nenhum exagero, e, apesar disso, essa destruição praticamente não foi percebida como  tal pelos contemporâneos. Ao contrário: foram empreendidas tentativas insuficientes de reviver o keynesianismo, embora o fundamento de seus negócios já tivesse se perdido. Refiro-me à soberania do Estado-nação na política econômica, ao compromisso corporativista de classes entre o trabalho assalariado e o capital,  e ao primado do lucro na economia real  diante dos rendimentos monetários”. (Altvater: 175).

A destruição de Altvatter significa spaltung do mundo capitalista gramaticalizado por Marx.
Afinal, o que foi destruído?

O capitalismo se desvinculou de qualquer moral. Ele se tornou um ser social de Maquiavel como fenômeno econômico. Em Maquiavel, a política com autonomia absoluta em relação à moral define o condottiere, o Príncipe da política pós-feudal. Trata-se também de uma quebra (spaltung) do mundo político como era vivido na cultura:
“Le discours de Machiavel procède à une lente et méthodique destruction de l’enseignement politique traditionel”. (Lefort: 399).  

Maquiavel diz:
“Ainda que não se possa considerar ação meritória a matança de seus concidadãos, trair os amigos, não ter fé, não ter piedade nem religião, com isso pode-se conquistar o mando, mas não a glória”. (Maquiavel: 42).

O Príncipe cultiva as aparências da semblância, pois sem elas, é destruído:
“Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo é levado pelas aparências e pelos resultados dos fatos consumados, e o mundo é constituído pelo vulgo, e não haverá lugar para a minoria se a maioria não tem onde se apoiar. Um príncipe de nossos tempos, cujo nome não convém declarar, prega incessantemente a paz e a fé, sendo, no entanto, inimigo acérrimo de uma e de outra. E qualquer delas, se ele efetivamente a observasse, ter-lhe-ia arrebatado, mais de uma vez, a reputação ou o Estado”. (Maquiavel: 81).

                                                                                 II

O capitalismo neocolonial é um Príncipe econômico? Ele é um ser desvinculado da moral, embora tenha a aparência de semblância de uma religião.  (Altvater: 178). O capitalismo neocolonial é o novo evangelho das massas, uma espécie de religião secular da mercadoria como Deus. Tal capitalismo é o ersatz do Estado como Deus mortal (Hobbes: 110) da modernidade heteróclita e compósita do século XXI. E ele precisa da gramática dos mass media para a tecelagem das aparências de semblância onde a mercadoria é o Deus mortal e o evangelho das massas no século XXI.

A gramática dos mass media trabalha com o princípio doa narcisismo das pequenas diferenças (Freud. v. XXI: 136), e se não trabalhar assim, perde a reputação ou seu lugar como um centro de poder cultural na gramática de estatização dos poderes. Mesmo um autor brasileiro obscuro pode ver que os mass media são uma máquina de narciso sedutora (Sodré: 14-17) do mundo como aparências de semblância e resultado dos fatos consumados.
  
O capitalismo neocolonial é a mercadoria como Deus mortal: a percepção de que o mundo é uma mercadoria planetária. Em Weber, o espírito do capitalismo como fenômeno religioso faz pendant com a ética protestante. Sobre o espírito:
“Se puder ser encontrado algum objeto ao qual este termo possa ser aplicado com algum significado compreensível, ele apenas poderá ser uma individualidade histórica, isto é, um complexo de elementos associados na realidade histórica, que unimos em um todo conceptual do ponto de vista de um significado cultural”. (Weber.  1981: 28).

Lendo Weber por Marx, espírito é uma categoria metafísica com sinônimos como espectro, fantasma. (Marx. 1974: 371). Weber fala do capitalismo como um todo conceitual como significado cultural metafísico.  Com Marx, o capitalismo é um fenômeno da física:
“Le physicien, pour se rendre compte des procédés de la nature, ou bien étudie les phénomènes lorsqu’ils se présentent sous la forme la plus accusée, et la moins abscurcie par de influences pertubatrices, ou bien il expérimente dans des conditions qui assurent autant que possible la régularité de leur marche. J’étudie dans cet ouvrage le mode de production capitaliste et les rapports de production et d’échange qui lui correspondente”. (Marx. 1977: 12).  

No século XXI, ele é um fenômeno econômico da física (o capitalismo neocolonial como determinismo sobre os agentes econômicos) e metafísico: religião da mercadoria
Como ser heteróclito e compósito, o capitalismo coloniza a subjetividade como efeito de LALANGUE:
“La mathématisation seule atteint à un réel – et c’est en quoi elle est compatible avec notre discuors, le discours  analytique – un réel qui n’a rien à faire avec ce que la  connaissance traditionnelle a supporté, et qui n’est pas ce qu’elle croit, réalité, mais bien fantasme.
Le réel, dirai-je, c’est le mystère du corps parlant, c’est le mystère de l’inconscient”. (Lacan. 1975: 118).


Assim, ele é o capitalismo neocolonial, pois coloniza topologicamente a última fronteira do humano: o inconsciente. Ele matematiza o inconsciente dando prosseguimento à matematização galileniana da natureza:
“Mais dans la mathématisation galiléenne de la nature désormais c’est la nature même qui, sous la direction de la nouvelle mathématique, se trouve idéalisée: elle devient elle-même, pour employer une expression moderne, une multiplicité mathématique”. (Husserl: 27).     

A matematização do inconsciente é o lucro e a racionalidade europeia instrumental do cálculo contábil no comando da economia, política, cultura e vida. Trata-se de um fenômeno para além  do bem e do mal. Ele tem como princípio de funcionamento de sua gramática a transdialética nietzschiana:
“ ˂Comment une chose pourrait-elle procéder de son contraire, par exemple la vérité de l’erreur? Ou la volonté du vrai de la volonté de tromper? Ou le désintéressement de l’égoisme? Ou la pure et radieuse contemplation du sage de la  convoitise? Une telle genèse est impossible; qui fait ce rêve un insensé, ou pis encore; les choses de plus haute valeur ne peuvent q’avoir une autre origine, un fondement propre. Elles ne sauraient dériver de ce monde éphémère, trompeur, illusoire et vil, de ce tourbillion de vanités et d’appétits. C’est bien plutôt au sein de l’être, dans l’impérissable, dans le secret de Dieu, dans ˂la chose en si> que doit résider leur fondement, et nulle part ailleurs>. Ce genre de jugement constitue le préjugé typique auquel on reconnaît les métaphysiciens de tout les temps. (Nietzsche.1971: 22).   

A metafísica do capitalismo adquiriu uma outra forma nos países desenvolvidos como, por exemplo, na administração da grande empresa europeia ocidental: um novo espírito para a segunda metade do século XX. Uma metafísica (com ideologias materiais) capitalista foi estabelecida por Boltanski e Chiapello:
“Ela também pretende, através desse exemplo histórico, propor um quadro teórico mais geral para compreender o modo como se modificam as ideologias associadas às atividades econômicas, contanto que se dê ao termo ideologia não o sentido redutor – que tantas vezes lhe foi dado pela vulgarização marxista – de  discurso moralizador voltado a velar interesses materiais e incessantemente desmentido pelas práticas, mas sim o  sentido – desenvolvido, por exemplo, na obra de Louis Dumont – de conjunto de crenças compartilhadas, inscritas em instituições, implicadas em ações e, portanto, ancoradas na realidade”. (Boltanski: 33).

O novo espírito do capitalismo pode ser compreendido como uma nova gramática transdialética capitalista com suas ideologias, com lugar para o espectro, para a fantasia de Marx a Lacan (Lacan. 1975:75):
“Todos os  dispositivos associados ao novo  espírito do capitalismo  - quer se trate da terceirização,  quer da proliferação nas empresas de centros autônomos de lucros, de círculos de controle de qualidade ou das novas formas de organização do trabalho – de fato vieram, em certo sentido, atender às demandas de autonomia e responsabilidade que se fizeram ouvir no início da década de 70 em tom reivindicativo: os  executivos desligados de  suas linhas hierárquicas para assumirem ‘centros autônomos de lucro’ ou para realizar ‘projetos’ e os operários subtraídos às formas mais divisionárias de organização do trabalho em linha  de montagem, realmente perceberam que  seu nível de responsabilidade aumentou, ao mesmo tempo que era reconhecida sua capacidade para agir de maneira autônoma e para demonstrar criatividade. (Boltanski: 430).    

A nova gramática do capitalismo do primeiro-mundo é uma forma de resistência à invasão dos centros desenvolvidos pelo domínio da gramática do capitalismo neocolonial, e um modo de transformar as ideologias administrativas em fator de aumento da produtividade. É também um meio de evitar a luta de classe na empresa e na sociedade civil.  No capitalismo neocolonial, a velha burocracia weberiana é a forma de administração dominante com sua rígida hierarquia e triste coação real do trabalho pelo capital.       

                                                                                   III

Qual o lugar do empresário no capitalismo neocolonial?

A gramática do capitalismo da modernidade tem a empresa capitalista como motor do desenvolvimento e/ou do crescimento:

O impulso fundamental que inicia e mantém o movimento da máquina capitalista decorre dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados, das novas formas de organização industrial que a empresa capitalista cria”. (Schumpeter: 112).

Uma nova gramática no comando do capitalismo transforma a economia mundial na década de 1930:
“La interpenetración entre el Estado y los monopolios nacionales en la década de 1930 condujo al capitalismo monopolista de Estado y a la eliminación de la frontera, en el terreno económico, entre el capital público y el capital privado; la tecnocracia estatal se funde, a la vez, con la tecnocracia empresarial y con la oligarquía financeira. Surge, pues, una nova clase dominante produto de esa fusión y que será hegemónica hasta el final de la Segunda Guerra Mundial”. (Fioravante: 126).

Na gramática em tela, a lógica da destruição criativa é o aspecto comum entre as gramáticas capitalistas do século XIX e XX:
“A abertura de novos mercados – estrangeiros ou domésticos – e o desenvolvimento organizacional, da oficina artesanal aos conglomerados como a U.S. Steel, ilustram o mesmo processo de mutação industrial – se me permitem o uso do termo biológico – que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma nova. Esse processo de Destruição Criativa é o fato essencial acerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas as empresas capitalistas”. (Schumpeter: 112-113).
Talvez a alteração da lógica da destruição criativa seja o mistério que assombra o capitalismo neocolonial. Há uma captura da lógica da destruição criativa por um pequeno grupo de países desenvolvidos do primeiro-mundo?

Os economistas burgueses chamam de 4° revolução industrial a mutação na produtividade capitalista via destruição criativa. O aumento da produtividade exige que um número crescente de trabalhadores seja substituído e liberado pelo capital. A sociedade digital faz pendant com a 4°revolução industrial, pois ela permite a liberalização dos trabalhadores do processo de trabalho; ela é parte da destruição criativa do século XXI. No entanto, para evitar a invasão dos centros capitalistas desenvolvidos pelo ser social da sociedade neocolonial, se faz necessário um novo processo da ciência e da técnica capitalista pós-digital que afete a produtividade capitalista.

Uma nova gramática econômica é anunciada no processo de destruição criativa, deixando para trás a velha gramática da revolução industrial tout court:
“De onde vem a mania do crescimento? A resposta é: do cerne das sociedades capitalistas e do uso engenhoso das fontes fósseis de energia. Antes da Revolução Industrial, o crescimento do produto social assentava em primeiro lugar no aumento da população, que, por sua vez, dependia do aumento de bens  e serviços para assegurar a subsistência e a reprodução das pessoas, sobretudo mediante estratégias de apropriação por meio  de desapropriação,  conforme foi mostrado antes (capítulo III). Contudo, desde a Revolução industrial crescimento não depende mais sobretudo do aporte de mão-de-obra e de fertilidade dos solos, mas sim do aumento da produtividade do trabalho industrial. Esse aumento é uma consequência do aproveitamento sistemático da ciência e da técnica para o desenvolvimento das forças produtivas (ferramentas, máquinas etc.) da organização social da produção capitalista da mais-valia e – por fim, mas não em último lugar – de uso maciço de fontes de energia fósseis de  energia para o acionamento das ferramentas e máquinas da era industrial. (Altvater: 158).

A gramática do capitalismo neocolonial é o anverso de uma globalização como destruição criativa:
“O conjunto formado pela desregulamentação, pela liberalização e pela privatização é o reverso da globalização, da qual também se fala desde meados da década de 1970. O mercado ‘desarraiga-se’ da sociedade. Isso significa apenas que o cálculo do capital antes mencionado (Max Weber) – ou o princípio do lucro – determina a ação dos agentes econômicos, não a moral baseada em princípios fundamentais de natureza ética, solidariedade na sociedade global ou o comportamento agradável aos olhos de um ‘ser superior’” (Altvater: 177).           


No capitalismo neocolonial, a grandes empresas mundiais se constituem em centros de poder privados de uma gramática de estatização às avessas do campo de poderes econômicos mundiais:
En definitiva, pensamos que antes de que acabe el  siglo, si no media un proceso revolucionario que conduzca al final de la oposición entre el capital y el trabajo,  existirá un capitalismo internacional universal donde los Estados nacionales guradarán una función honorífica y el mundo aparecerá dividido por las grandes empresas, no em naciones ni em zonas de influencia, sino en ramas de producción distintas, que interpenetrarán unos países con otros en función de la nueva estructura económica que surja de la actual competencia internacional entre las grandes empresas mundiales”.  (Fioravanti: 422).        

No capitalismo neocolonial, o Estado realiza a profecia sociológica de Giddens e se redefini:
“Todas as organizações têm perfis políticos, mas apenas no caso de Estados é que envolve a consolidação de um poder militar em associação ao controle dos meios de violência dentro de uma extensão territorial. Um Estado pode ser definido como uma organização política cujo domínio é territorialmente organizado e capaz de acionar os meios de violência para sustentar esse domínio. Tal definição é próxima daquela de Weber, mas não destaca uma reivindicação ao monopólio dos meios de violência ou o fator de legitimidade”. (Giddens.2001: 45).

Na gramática do capitalismo neocolonial, o Estado constitucional não é o espaço-tempo da política como monopólio da violência real ou como produção de legitimidade. A legitimidade não se constitui como vínculo necessário entre governante e governado; a representação  política torna-se uma produção arbitrária do laço entre representante e representado, uma relação saussuriana entre significante e  significado (Saussure: 81-83). Por um lado, temos aí o princípio de funcionamento saussuriano da gramática da estatização do campo de poderes.  Por outro lado, sgrammaticatura (falta de gramática) torna-se, também, um fator de vínculo entre representante e representado; a soberania popular é afetada pela quebra (spaltung) do mundo da política democrática da modernidade.

O capitalismo neocolonial não trabalha com o princípio da destruição criativa, e, assim, os países que ele domina deixam de ser centros do poder industrial da economia mundial, levando à corrosão e corrupção do Estado-nação.  

                                                                                    IV

A dúvida sobre o marxismo brasileiro gramatical se dilui assim:
“18. ˂Eu sei> significa frequentemente: tenho razões fundamentais para a minha afirmação. Assim, se o outro conhecer o jogo de linguagem, admitirá que eu sei. O outro, se conhecer o jogo de linguagem, tem de ser capaz de imaginar como é que alguém pode saber esse tipo de coisa”. (Wittgenstein: 19).

A quebra (spaltung) do mundo capitalista é parte da história do século XX. Trata-se da quebra da gramática apogeu capitalismo, estabelecida por Werner Sombart. A Spaltung da gramática capitalista tem um fato histórico como causa. Trata-se da luta na URSS por uma industrialização rápida e pela prioridade dada à indústria pesada. O Plano Quinquenal significa que o socialismo passa a operar com um fenômeno da gramática apogeu do capitalismo:  ACELERAÇÃO. (Sombart: 49; Betelheim. Deuxième période, 1923-1930: 441).

Em 1929, há o que muitos  consideram como  a formação  de uma classe burguesa na URSS:
“Il ajoute que, désormais, ˂toutes les rênes de l’administration de la vie économique de l’usine doivent être concentrées entre les mains du directeur de l’usine>. (Bethelheim. Troisième période, 1930-1941. Les dominants: 186).

Há uma homologia entre o diretor soviético da empresa e o diretor de sociedades anônimas, pois, ambos estão livres de toda preocupação pela própria fortuna. (Sombart: 45).  O especialista no funcionamento da empresa capitalista forma uma camada burguesa da gramática apogeu do capitalismo, também, na URSS; ele está desvinculado da propriedade do capital. (Sombart: 31).

 Aceleração da vida econômica e empresa capitalista na URSS constituem o fator externo que levará a quebra da gramática apogeu. Trata-se de uma sintetização socialismo e capitalismo. (Zizek: 219).

Trata-se:
“de la conjunción de todos los hechos económicos que se realizan simultánea o sucesivamente en una economía hacia una unidade abstracta, la cual aparece después como el portador de los actos económicos aislados  y lleva una vida propria que sobrepasa en duración a la vida de los indivíduos”. (Sombart: 50).

Qual é a gramática apogeu capitalista que sofre a spaltung?

Trata-se da cultura capitalista no comando da vida econômica. De que se trata?

Falamos de uma junção do desejo frenético de lucro ou ganancia (obter um  excedente acima  do gasto), sede de poder econômico e afán  pela ação capitalista. Na cultura capitalista, o tempo supera o espaço: time is Money. A racionalidade econômica instrumental é um fato europeu ocidental, que mede o tempo econômico com precisão de um relógio suíço.

Falar de um espírito capitalista secularizado como ersatz da religião (Sombart: 43) explica muito a sedução metafísica capitalista, inclusive sedução da URSS stalinista:
“3. Este espíritu capitalista que ha llegado interiormente ala pureza total, esta rara mezcla de pasional impulso ilimitado y fria reflexión racional, se extiende (exteriormente) cada vez con mayor amplitude. Y esta realización intensiva y extensiva del espíritu capitalista es precisamente el signo capitalista que distingue la época de apogeo del capitalismo de la del nacimiento. La generalizaciòn extensiva debe entenderse en múltiples sentidos: primeramente alcanza a todos los empresarios; después se contagian de ella los empleados, y finalmente círculos cada vez más amplios de los trabajadores. Por último, la extensión se realiza en sentido geográfico; toda la tierra – hasta el interior de Africa, India y China,  queda sometida al demonio del espíritu capitalista". (Sombart: 41). 

O capitalismo neocolonial transforma a secularização do espírito capitalista (realização da fantasia lacaniana capitalista) em uma religião da mercadoria, como já foi dito. O sujeito econômico aparece agora como efeito do Deus mortal mercadoria.

Tal efeito altera o significado do homem como sujeito econômico:
“Sin embargo, sería un imperdonable error admitir que en este mundo mecanizado la significación de la personalidad humana queda dismunuída. Exactamente ocurre lo contrario; la significaión del hombre, naturalmente del prominente, es hoy mayor que nunca en la vida económica”. (Sombart: 54).

O homem desaparece como parte da secularização da metafísica do capitalismo. Ele cede seu lugar para a coisa:
“Há uma relação física entre coisas físicas. Mas, a forma mercadoria e a relação de valor entre os produtos do trabalho, a qual caracteriza essa forma, nada têm a ver com a natureza física desses produtos nem com as relações materiais dela decorrentes. Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas”. (Marx. 1996: 81).
                                                                                           V           
 

O capitalismo neocolonial tem um funcionamento fático; ele possui uma autonomia quase absoluta em relação à esfera do direito. Desregulamentação da economia da globalização financeira neoliberal. Nova burguesia financeira neocolonial faz pendant com os novos ricos (Alvater: 176) e se distingue da oligarquia financeira de Lenin, pois, seu laço gramatical com o  capital industrial é de uma outra espécie:
“Une part toujours croissante du capital industrial, écrit Hilferding, n’appartient pas aux industriels qui l’utilizent. Ces deniers n’en obtiennent la disposition que par le canal de la banque, qui est pour eux le représentant des propriétaires de ce capital. D’autre part, force est à la banque d’investir une part de plus en plus grande de ses capitaux dans la industrie. Elle devient ainsi, de plus en plus, un capitaliste industriel. Ce capital bancaire – c’est-à-dire ce capital-argent – qui se transforme ainsi en capital industriel, je l’appelle ˂capital financier>. ˂Le capital financier est donc un capital dont disposent les banques et qu’utilisent les industriels>”. (Lenine:245).    

A burguesia financeira neocolonial é um fenômeno econômico criminoso (Platt: 20) e de pilhagem de nações inteiras (Altvater:  177).
Na gramática apogeu, o legislador capitalista opera fazendo um mínimo de leis que criem obstáculo ao desenvolvimento do capitalismo. (Sombart: 46). No capitalismo neocolonial, a atividade criminosa se desenvolve como parte da acumulação primitiva do capital, e a legislação burguesa não consegue criar leis que tipifiquem os crimes da acumulação primitiva do capital neocolonial do terceiro-mundo.

A contradição entre o desenvolvimento do capitalismo neocolonial e o Estado constitucional é a causa da corrosão da democracia moderna. A autocracia neocolonial encontra-se no horizonte da destruição da democracia constitucional como a forma bonapartista do presente e do futuro.

Domenico Losurdo pensou o bonapartismo soft americano como cânone do regime presidencialista no mundo:
“O bonapartismo soft se configura como um regime não só em virtude da sucessão ordenada e indolor de um líder para outro, mas também pelo fato de que a competição se desenvolve com base numa plataforma substancialmente unitária e comum aos diversos candidatos que concorrem ao cargo de guia e intérprete supremo da nação.
É o que se verifica em particular nos Estados Unidos” (Losurdo: 303).

Na terceira década do século XXI, o bonapartismo soft é substituído por um bonapartismo de chumbo: a autocracia capitalista neocolonial.  

O capitalismo neocolonial funciona pelo princípio do narcisismo das pequenas diferenças (Freud. v. XXI: 136)), que eclode, sem disfarces, na questão da migração de povos do terceiro-mundo para o primeiro-mundo! O capitalismo neocolonial é o ersatz do Estado como racialização da política (Foucault: 96); ele é   racialização das relações sociais e do mundo (Ianni: 201).

Um fenômeno do capitalismo neocolonial em  sua forma extrema de capitalismo do terceiro-mundo é a destruição do  significante sociedade capitalista (Marx) como palco  da luta de classes. Não se trata de desarraigamento da sociedade (Altvater: 178), e sim da destruição do conceito de sociedade como teoria e prática sociológica atualizada:
“Finalmente, cumpre mencionar a tendência generalizada de estender a todas as formas de totalidade social características que, de fato, são específicas das sociedades modernas enquanto nações-Estados”. (Giddens.1989: 134).   

A sociedade neoliberal já não é uma sociedade? É a metáfora de uma sociedade realmente existente, sociologicamente moderna?

Derrida expõem um problema rousseauniano quanto à sociedade:
“A formação das sociedades desempenhou um papel compensador na economia geral do mundo. Nascida da catástrofe, a sociedade apazigua a natureza desencadeada. Cumpre que ela tenha, por sua vez, este papel regulador sem o qual a catástrofe teria sido mortal. A própria catástrofe obedece a uma economia”. (Derrida: 316).

O lugar do homem na gramatologia remete para a história universal:
“e o homem é aos olhos de Rousseau o único animal capaz simultaneamente de falar, de viver em sociedade e de cozinhar o que come”. (Derrida: 317).

O homem é o único animal que faz a guerra dos homens:
“A guerra dos homens tem por efeito reduzir a guerra dos elementos naturais. Esta economia marca bem que a degradação surgida da catástrofe deve ser, como verificamos em outro lugar, compensada, limitada, regularizada, por uma operação suplementar cujo esquema havíamos destacado. ‘Sem isso, não vejo como o sistema poderia subsistir’”. (Derrida:316).

A gramática do capitalismo neocolonial faz junção da guerra entre os homens com a guerra contra a natureza. Ela não pede que uma plurivocidade de gramática substitua a gramática capitalista no comando da economia, política, cultura e vida?   

ALTVATER, Elmar. O fim do capitalismo como o conhecemos. RJ: Civilização Brasileira, 2010
BETTELHEIM, Charles. Les luttes de classes en URSS. 2ème période. 1923-1930. Paris: Seuil/Maspero, 1977
BETTELHEIM, Charles. Les luttes de classes en URSS. 3ème période. 1930-1941. Les dominants. Seuil/Maspero, 1983
BOLTANSKI & CHIAPELLO, Luc e Ève. O novo espírito do capitalismo. SP: Martins Fontes, 2009
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. SP: Perspectiva, 1973
FIORAVANTI, Eduardo. El capital monopolista internacional. Barcelona: Ediciones Península, 1976
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. SP: Martins Fontes, 1999
FREUD. OBRAS Psicológicas Completas. v. XXI. RJ: Imago, 1974
GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. SP: Martin Fontes, 1989
GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. SP: EDUSP, 2001
HOBBES. Pensadores. Leviatã. SP: Abril Cultural, 1974
HUSSERL. La crise des sciences européenes et laa phénoménologie transcendental. Paris; Gallimard, 1976
IANNI, Octavio. A era do globalismo. RJ: Civilização Brasileira, 1996
LABICA, Georges. As “teses sobre Feuerbach” de Karl Marx. RJ: Jorge Zahar, 1990
LACAN, Jacques. Le Seminaire. Livre XX. Encore. Paris: Seuil, 1975
LEFORT, Claude. Le travil de l’ouevre Machiavel. Paris: Gallimard, 1972
LENINE. Oeuvres. v. 22. Moscou/Paris: Edition du Progrès/Edition Sociales, 1977
LOSURDO, Domenico. Democracia ou bonapartismo. RJ/SP: UFRJ/Unesp, 2004

MARX & ENGELS. La ideologia alemana. Barcelona: Grijalbo, 1970
MARX. Le capital. Livre premier. Paris: Edition Sociales, 1977
MARX. O capital. Livro 1. V. 1. RJ: Bertrand Brasil, 1996
MAQUIAVEL. Pensadores. O Príncipe. SP: Abril Cultural, 1973
NIETZSCHE. Par-delà bien et mal. Paris: Gallimard, 1971
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
SAUSSURE. Curso de linguística geral. SP: Cultrix, Sem Data
SCHUMPETER. Capitalismo, socialismo e democracia. RJ; Zahar Editores, 1984
SODRÉ, Muniz. A máquina de narciso. SP:  Cortez, 1990
SOMBART, Werner. El apogeo del capitalismo. México: Fondo de Cultura Económica, 1946
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. SP/Brasília: Pioneira/ UNB, 1981
WITTGENSTEIN. Da certeza. Lisboa: Edições 70, 1990  
ZIZEK, Slavoj. Mao. Sobre a prática e a contradição. RJ: Zahar, 2008

    

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