sábado, 18 de agosto de 2018

DA ONU NEOCOLONIAL


José Paiulo


O mundo-da-vida é sustentado pela physis econômica ou materialidade econômica do mundo. (Marx. 1977. V. 1: 12-13). A materialidade do mundo tem a sua metaphysis: a mercadoria como Deus mortal no capitalismo neocolonial.

A physis passa por mutações, pois, o princípio de funcionamento da gramatica do campo de poderes econômicos capitalista mundial é: “tudo que é sólido desmancha no ar”. (Marx. 1975. V. 1: 25).
Qual é a estrutura da physis capitalista do século XXI?

Há uma mutação em desenvolvimento gerada a partir da crise da gramática de acumulação financeira de 2008?

A gramática em tela funciona pela senhoriagem do dólar em uma “economia monetária” no comando da “economia real”. Trata-se da hegemonia cum dominação material dos EUA sobre o planeta. Nesta dominação econômica, o princípio econômico da balança comercial (que valoriza as vantagens concorrenciais da “economia real” dos territórios geopolíticos, onde a moeda funciona como meio de circulação de mercadorias e serviços) é subsumida pelo balanço de capitais, onde são expressos os atrativos comparativos das respectivas “praças financeiras, onde a moeda funciona como de pagamento, como crédito. ”. (Altvater: 207). 

O funcionamento da physis econômica dos países, regiões econômicas, continentes econômicos é ligado ao regime de senhoriagem do dólar. Não se pode interpretar a inflação de um país sem articulá-lo ao regime de senhoriagem que tem como pedra angular o aumento da taxa de juros para a estabilização da moeda nacional. As taxas de juros nominais podem ser um fato/artefato (Lacan. 200: 15) de uma política de atores políticos e/ou de atores privados. Elas estão engolfadas pela concorrência intermonetária que implica a gestão das taxas de câmbio, entregues aos atores privados em mercados financeiros globais, aos bancos, às corporações capitalistas mundiais, às agências de rating e ao sujeito suposto saber econômico analistas, que operam em escala internacional.

A hegemonia da gramática em tela é o inferno econômico dos países na periferia do capitalismo mundial. No Brasil, a política se define pelas experiências governamentais de tratar com a hegemonia da senhoriagem evitando um determinismo absoluto desta sobre a economia nacional e a sociedade brasileira. Trata-se de uma luta na qual o país evita o pior da política do “Consenso de Washington” que receita o neoliberalismo com Estado mínimo. Isto significa uma verdadeira contrarrevolução mundial com uma transformação radical na sociedade de classes, que deixa de ser uma sociedade nacional.

A era do bolivariano se autroproclama como guiada por uma ideologia de autonomia nacional  econômica em relação às instituições do capitalismo mundial: FMI, Banco Mundial, governo americano, OMC etc. Lula e o PT  se arvoravam em maîtres do desenvolvimento capitalista, entre nós, que usavam o aumento da taxa de juros como meio de estabilização do valor da moeda nacional, visando evitar uma suposta ameaça iminente inflacionária. O aumento extravagante  das taxas de juro nominais, fixadas pelo  Banco Central, leva a uma situação  orgânica de contração de credito. Assim, a estabilização da moeda na economia monetária se define como princípio de destruição da economia capitalista real. Possuído pela religião capitalista da economia monetária mundial, o Brasil se deixa mover por uma gramática econômica  extemporânea.

A gramática de articulação da hegemonia cum dominação da physis capitalista mundial tem como fundamentos: o domínio da physis pela globalização do capital-dinheiro fictício (Marx. 1985. Livro 3. V. 5: 540-541), e a corporatocracia da globalização das empresas transnacionais. Um elemento desta gramática é que os EUA não seguem o “Consenso de  Washington”, apesar dos  déficits estruturais no balanço de transações correntes e no orçamento público. Ele não se encontra submetido ao poder coativo da realidade econômica do capitalismo  mundial. Assim, os EUA não se veem obrigados a efetuar adequações estruturais como as impostas pelo FMI aos países endividados do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo> Pois, os EUA estão  endividados em sua própria moeda. Um outro fundamento da dominação do capitalismo mundial é o endividamento (uma dívida impagável) dos países, principalmente do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

O endividamento significa um poder monetário real da gramática do capitalismo mundial sobre os países endividados. Com dívidas impagáveis, os países do terceiro-mundo têm sua política tour court transformada em uma realidade fantasmagórica na qual não existe autonomia relativa em relação ao poder coativo da gramática do capitalismo mundial.  A política se torna um efeito (determinismo econômico) do funcionamento da economia monetária capitalista mundial.  A política nacional torna-se uma ficção; torna-se uma estrutura de ficção da verdade (Lacan. 2008: 186) do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo.

A gramática dos mass media sustenta o discurso da necessária dominação do capitalismo mundial sobre o Brasil e a América Latina. E sustenta o direito dos EUA como país privilegiado na physis econômica monetária. O imaginário dos EUA como “potência mundial única’ se deve a sua posição de um país dotado de privilégios extraordinários no concerto das nações; ele desfruta de ambas as vantagens, a de credor e a do devedor, e evita todas as desvantagens; assim, graças a senhoriagem da moeda americana, a América convive confortavelmente com déficits no orçamento público e no balanço de transações correntes; o imperialismo econômico americano é um efeito da sua hegemonia monetária no real da economia capitalista mundial.

Então:
“O discurso que se sustenta é aquele que pode manter-se por muito tempo sem que vocês tenham razão para lhe pedir que explique sua verdade”. Lacan. 2008: 42). 
                                                                          II

No entanto, há uma mutação qualitativa na gramática da vida americana. Antes da mutação, ela  causava inveja aos olhos dos  europeus, pois:
“Na condição de devedores, os EUA tiram proveito das desvantagens da senhoriagem, pois podem, à diferença de outros países endividados, conviver bem com déficits no orçamento público e no balanço das transações correntes. Os cidadãos norte-americanos podem permitir-se o elevado padrão de consumo – vale dizer, o American way of life -, embora estejam altamente endividados nos planos exterior e interno. Além disso, as dívidas dos EUA são em grande parte públicas, sendo o fiador a nação mais poderosa do planeta tanto em termos políticos quanto militares. Contudo, o pressuposto disso é, em primeiro lugar, uma quota de poupança elevada em outras regiões do mundo, que permite aos EUA e seus cidadãos ultrapassarem os limites. Em segundo lugar, os mercados financeiros devem funcionar de modo que a poupança mundial seja canalizada para os EUA. Um mecanismo é o déficits norte-americano na balança comercial e no balanço das transações correntes; outro, os estímulos à exportação de capitais aos EUA. Estes consistem em rendimentos e juros atraentes e na garantia oferecida pela potência política e militar superior”. (Altvater: 212).

O declínio do American way of life no século XXI primeiro levou ao poder americano um marginal na estrutura dominante do partido democrata. Barak Obama é eleito presidente contra a burguesia democrata. Em seguida, o declínio supracitado levou ao poder americano um marginal na estrutura dominante do partido republicano, pois Donald Trump é um capitalista que não sai das fileiras da burguesia republicana.

No poder americano, Donald Trump se guia por uma ideologia econômica de reterritorialização do regime industrial tout court, usando a guerra de manobra comercial e. assim, corroendo a gramática do globalismo neoliberal. A política econômica de Trump parece um raio caído de um céu azul. E, contudo, ela se volta para a desmontagem do Estado social do partido democrata de Obama. O princípio da precariedade para a saúde das massas não parece ser um problema  de consciência  para o republicanismo Trump. O primeiro governo Trump é um ensaio sério de  invasão da vida americana do Amercan way of life pelo capitalismo neocolonial americano.

No domínio das relações internacionais, a invasão da China pela gramática do capitalismo neocolonial asiático entra em um antagonismo transdialético com a gramática  do  capitalismo neocolonial americano no comando  da economia mundial. Hoje, vivemos em uma nova época, a saber: aquela do comando da economia mundial pelo capitalismo neocolonial.

Desfazer a gramática do globalismo neoliberal tira o tapete do poder chinês, pois, graças a esta gramática o poder chinês se definiu como uma engenharia geoeconômica de conquista geopolítica do terceiro-mundo e também do segundo-mundo e primeiro-mundo dos países desenvolvidos.

A geoeconomia chinesa é o ersatz da gramática geopolítica asiática para o mundo (que tem como fundamento a sintetização maoísta de socialismo e capitalismo), que o gramático Trump põe por terra. O desaparecimento da geoeconomia da globalização neoliberal associado à guerra comercial mundial americana inclina o império asiático em direção à encenação do confronto militar com os EUA, em uma era na qual a lógica do simulacro de simulação perdeu força de realidade.      

A época que nos assombra agora já aparece na consciência dos intelectuais do capitalismo  neocolonial americano. Uns poucos falam que o capitalismo da era Trump contém o germe da autodestruição do capitalismo mundial. É como se agora a ideia leninista da etapa superior (e última etapa) do modo de produção e circulação capitalista, finalmente, se anunciasse, como uma fantasia lacaniana, no horizonte.  
                                                                                  III

Em algum momento da globalização neoliberal, a gramática do capitalismo neocolonial veio a luz fazendo pendant com o regime de acumulação do capital financeiro mundial. O capitalismo neocolonial expande as fronteiras para a reprodução do capitalismo mundial com a simultaneidade de globalismo e neonacionalismo economicista dos EUA.

As fronteiras são deslocadas para a acumulação se realizar como privatização de bem púbicos, como a privatização das reservas em divisas em dólares dos países do capitalismo neocolonial emergente, que chegou a 3 trilhões e 400 bilhões de dólares em 2004. As reservas são uma  tática do capitalismo neocolonial para se armar  contra as crises financeiras, embora, as reservas em divisas constituem um bem público nas mãos dos bancos centrais como um território monetário à espera  de sua privatização pelo regime de acumulação financeira mundial neocolonial.

As reservas acumuladas aparecem como uma estratégia de sentido econômico-técnico de evitar o colapso financeiro dos países emergentes. A expectativa é estar preparados contra ataques especulativos à sua moeda e poder defender a sua taxa de câmbio.

Depois as reservas passam a fazer parte da gramática de acumulação do capital do capitalismo neocolonial. AS reservas têm um sentido político no regime de acumulação do capitalismo neocolonial. Elas são reservas para a acumulação ampliada do capitalismo neocolonial. Assim, reservada, elas não podem ser usadas para investimento industrial, ou gastos sociais, ou investimentos públicos em infraestrutura, ou na melhoria das condições de vida da população, ou para elevar para patamares mais elevados o consumo.

Uma outra fronteira a ser deslocada é o da destruição do Estado social no capitalismo neocolonial americano, no capitalismo neocolonial europeu e no terceiro-mundo de países como o Brasil. A certeza de que a gramática do capitalismo neocolonial não sofrerá ataques destrutivos pelas massas subalternas é a condição para realizar a acumulação de capital usando a aparência de semblância de democracia em países regidos por regimes de bonapartismo soft.

O capitalismo neocolonial torna intenso os antagonismo (e desenvolve as contradições) que giram em volta da apropriação da riqueza nacional pelas facções da elite política e econômica, locais. Lutando entre si dramaticamente, as facções precisam conviver em um bloco-no-poder (Poulantzas: 125-131) para governar as massas, e a si próprias. No entanto, as facções têm que governar para o regime de acumulação neocolonial e sua ideologia neoliberal. Isto implica em  transformar a esfera pública em um território econômico de acumulação  de capital visando a estabilidade da economia. Isto inclui a privatização da Floresta Amazônica pelo capitalismo neocolonial de commodities.  No  horizonte, encontra-se a destruição do Estado ampliado e sua substituição por um Estado mínimo autocrático neocolonial que seria o ersatz de um Estado totalitário:
“L’Etat totalitaire n’est pas un maximum d’Etat, mais bien plutôt, suivant la formule de Virilio, l’Etat minimum de l’anarcho-capitalisme”. (Deleuze: 578).  

Farei uma citação longa de Alvater de 2005 sobre a gramática neocolonial de estatização do campo de poderes, ressaltando-se, descritivamente, o criminostat (Virilio: 55) e seu capitalismo criminoso (Platt:20):
“A expressão do crime organizado mostra o quanto o capitalismo de arbitragem e especulativo, também denominado ‘capitalismo desastroso’ (Fidler 2005), desandou. No nexo de desregulamentação, liberalização, e privatização, por um lado, e minimização do Estado, por outro, os mercados privados passaram a ocupar o proscênio dos acontecimentos, em detrimento das instituições públicas e das organizações da sociedade civil. Apagam-se as fronteiras entre a busca legal do lucro, as transgressões ilegais do marco legal e a exploração criminosa dos novos espaços de atuação. Eron, Wordcom, Parmalat, o contrabando de drogas, pessoas e armas, a corrupção em grande escala, a chantagem política etc. já não são mais fenômenos marginais. Aproximadamente 15% do comércio mundial ou cerca de 5% do PPIB mundial são gerados de forma ilegal e criminosa. Destroem-se assim os recursos morais internos do sistema capitalista – em consequência da abertura neoliberal dos mercados, da desregulamentação e expulsão do Estado dos processos no âmbito da economia. Os atores econômicos orientam-se segundo os sinais emitidos pelo mercado. Quando rendimentos de dois dígitos emitem o sinal e, por conseguinte, são a medida, isso sugere apenas que é recomendável atender, mesmo que com métodos criminosos, ao sedutor canto das sereias,  que promovem  rendimentos elevados.
As tendências de crise dos mercados financeiros globais e o lado negro do crime organizado, da lavagem de dinheiro, da corrupção e das fraudes devem  ser interpretados como indícios do  acirramento  das  contradições internas do  capitalismo moderno. Em virtude da desigualdade extrema num mundo cindido em credores e devedores, elas já comprometeram e minaram os recursos morais (Pogge 2005) necessários para um mínimo de coerência num mundo  globalizado. Uma das suas consequências é também uma  frenagem na dinâmica do sistema capitalista. Se ela for acompanhada do golpe externo da desestabilização, conforme enfatiza Fernand Braudel, é bem possível que o capitalismo, tal como o conhecemos, esbarre nas suas fronteiras”. (Altvater: 218).  

A gramática da estatização neocolonial do campo de poderes mundial põe e repõe, lado a lado,  e simultaneamente, poderes privado e público, legal e ilegal, judicial e criminoso, civil e militar, secular  e religioso, Estado constitucional e criminostat, sociedade gramatical e comunidade tribal (Maffesoli: 219) regida pela sgrammaticatura do  sentimento, e campo de animus  como efeito do regime de acumulação ampliada do capitalismo neocolonial, simultaneamente, mundial e nacional. 
Um exemplo clamoroso da falta de moral do capitalismo neocolonial é a invasão  da ONU no processo eleitora presidencial brasileiro.  O Comitê de Direitos Humanos da ONU exige, moralmente, que o judiciário brasileiro reestabeleça os direitos políticos de um criminoso comum: Lula. O Comitê supracitado já é um órgão moral do capitalismo neocolonial. O uso cínico da moral mundial (Sloterdijk: 124) aparece com todo a sua potência no cenário político das instituições multilaterais do capitalismo neocolonial em sua relação com as nações como enclaves.

A ONU não sabe que sabe que liberar Lula para concorrer à presidência da República  significa uma alteração radical no equilíbrio geral de forças com um efeito catastrófico na  vida brasileira:
“Tudo esteve aí inúmeras vezes, na medida em que a situação global de todas as forças sempre retorna. Se algum vez, sem levar isso em conta, algo esteve aí, é inteiramente indemonstrável. Parece que a situação global forma as propriedades de modo novo, até nas mínimas coisas, de modo que duas situações globais diferentes não podem ter nada de igual”. (Nietzsche: 439)    

A ONU não sabe que sabe que, assim, trabalha para o avanço estratégico do criminostat no Brasil e na América Latina? Este mínimo detalhe da situação global de força 2018 é a prova que estamos vivendo uma situação global neocolonial de forças.

Uma mínima coisa é a candidatura de Bolsonaro. Ela parece remeter para a situação global de força  1964, se Bolsonaro é a representação política  das Forças  Armadas brasileiras. Com efeito, ele representa as massas que desejam a repetição de um Estado militar 1964. No entanto, as forças armadas não se incluem em uma gramática de Estado militar da terceira década do século XXI. Assim, Bolsonaro é a condensação de um fenômeno da nova situação global de forças: bonapartismo de chumbo cum Okhrana!  

A destruição da democracia 1988 vai no sentido da autocracia do capitalismo neocolonial do terceiro-mundo. Esta espécie de regime político é a forma extrema da política como instrumento de acumulação capitalista mundial da gramática da estatização do campo neocolonial de poderes. A gramática em tela significa a quebra (spaltung) do mundo (physis e mataphysis) tal como o conhecemos!

ALTVATER, Elmar. O fim do  capitalismo como o conhecemos. RJ: Civilização Brasileira, 2010
DELEUZE & GUATTARI. Capitalisme et schizophrénie. v. 2. Mille Plateaux. Paris: Minuit, 1980
LACAN, Jaques. O Seminário. De um Outro ao outro. Livro 16. RJ: Zahar, 2008
LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 18. RJ: Zahar, 2009
MARX. Obras Escogidas de Marx y Engels. Tomo 1. Madrid:  Fundamentos, 1975
MARX.  Le capital. Livre premier. Paris: Éditions Sociales, 1977
MARX. O capital. Livro 3. V. 5. SP: Difel, 1985
MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político. A tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulina, 1997
NIETZSCHE. Os Pensadores. SP: nova Cultural, 1999
PLATT, Stephen. Capitalismo criminoso. SP: Cultrix, 2017
POULANTZAS, Nicos. Pouvoir politique et classes sociales. v. 2. Paris: Maspero, 1975
SLOTERDIJK, Peter. Crítica de a razón cínica. v. 1. Madrid: Taurus,1983
VIRILIO, Paul. Vitesse et politique. Paris: Galilée, 1977    
                                       

   




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