quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

POR UMA GRAMATOLOGIA DA POLÍTICA


José Paulo

ESCRITURA E PODER  

A desintegração do sistema representativo ocidental moderno avança em todo o planeta. Trata-se da crise orgânica e crônica da democracia representativa. Europeus ocidentais e americanos dos EUA têm debatido tal crise sem chegar a essência dela.

Há um desenvolvimento desigual e combinado da crise entre os países do capitalismo desenvolvido e os países do capitalismo subdesenvolvido, ou melhor, subcapitalismo: capitalismo sem capitalista, democracia representativa sem democratas.

Consideramos que o subdesenvolvimento avança nos países desenvolvidos. Portanto, torna-se útil e universal descobrir a relação entre subdesenvolvimento e crise da representação democrática. Sou brasileiro e por isso é natural que minha percepção gramatical empírica se sustente na observação dos rastros da crise no deserto da política no Brasil do contemporâneo.
                                                                    II

A soberania popular faz pendant com o sistema representativo democrático em geral. Começo por esta relação.

Em um sentido do léxico da língua moderna, soberania significa um estado jurídico-político onde há o poder de mando em última palavra em uma cultura política; note-se a diferença entre esta e as sociedades sem cultura política onde não se encontra o poder supremo exclusivo e não-derivado. Trata-se do poder político da modernidade ocidental como transformação da violência (uso da força real) em poder político gramatical como dominação e articulação hegemônica. O processo da soberania popular é o modo de produção e circulação de um poder gramatical como autoridade do gramático governante entre os governantes e do governante em relação ao governado.

O poder gramatical soberano autêntico tem no eleitor seu fundamento essencial, sua produção gramatical de governante. Também, trata-se de um poder que é o exercício da escritura política sobre a sociedade através da cultura política representativa da modernidade europeia.

A leitura gramatical da soberania popular tem, na sua origem, a ideia de que o eleitor-soberano é inocente, cordial, altruísta, ou melhor, não é um efeito de uma cultura utilitarista, vulgar. O voto não deve ser visto e praticado como um exercício utilitarista, onde o eleitor o usa como meio de troca por favores pessoais. O voto não deve ser articulado por interesse em seu sentido usual econômico privatista: apropriação individual da riqueza pública através do voto. O voto é articulado pelo interesse geral da nação, pelo Bem Comum.

A soberania popular é envelopada nesse alto valor sublimatório do interesse egoísta de satisfação de desejo ou necessidade pessoal em tela. A soberania popular é o processo de sublimação do egoísmo pessoal em Bem Comum. Para isto acontecer, o eleitor tem que ser o eleitor de uma nação constituída por um povo ou povos habitando um território geográfico determinado na Terra.

A invasão da cultura política do utilitarismo na modernidade da política provoca a clausura do eleitor no homo clausus da modernidade na era do capitalismo industrial, onde o significante interesse econômico capitalista é poder gramatical como dominação e articulação da hegemonia.

Trata-se do fim do eleitor sagrado da cultura liberal clássica?

O eleitor dessa cultura supracitada era o burguês ou seu sucedâneo, era um proprietário ou alguém que se classificava como eleitor possuidor de determinado bem econômico. Esta coisa é a soberania do burguês liberal como ersatz de soberania popular. A autêntica soberania popular começa na passagem do sistema representativo liberal-burguês para o sistema representativo democrático do sufrágio universal no século XIX. Tal fenômeno alterou a essência da relação entre governante e governado. Na França, a passagem em tela se faz regida pela escritura da luta de classes. Há outros caminhos e desertos!

A soberania popular é o povo-eleitor sem escritura? Só quando se inscreveu a ideologia na soberania popular, esta passou a possuir uma escritura de segunda-mão, pois escritura ideológica? Então, temos o eleitor como subdito (aristotelicamente) pela escritura. O subdito é o eleitor como um sub dizer efeito da escritura; ele não é um cidadão, ou melhor, um eleitor livre. No Brasil, o eleitor é subdito, pois, a Constituição 1988 estabelece o voto obrigatório. O eleitor é transformado em um escravo ou subdito da escritura constitucional.

Trata-se da inscrição gramatical do totalitarismo na modernidade brasileira pós-Estado militar fascista 1968. A Constituição 1988 é a continuação por meio de uma escolha consciente intencional (dos constituintes da Assembleia Constituinte) de um estado jurídico-político do gramático general do Estado militar fascista 1968. A rigor, o eleitor-subdito é o jogador de um jogo político que faz do Brasil um país africano terceiro-mundista. É verdade que o subdito tem uma genealogia historial como rastros da escritura da democracia representativa populista. A tradição dessa democracia pesou como chumbo no cérebro do constituinte de 1988.
                                                                       III

Em geral e de fato, a subescritora ideológica em sentido usual não é uma norma da política democrática da modernidade. A soberania popular não é um efeito ideológico no eleitor. Podemos concluir (segundo uma visão espontaneista) que o eleitor é um povo sem escritura?

No Brasil de 1988-2017, um certo sistema cultural oligárquico articula a política estrita e ampla. Trata-se, portanto, de uma escritura oligárquica a brasileira presente nas páginas, por exemplo, de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Oliveira Vianna, e mais atualmente nas ciências gramaticais da política.

A escritura oligárquica define a política (relação eleitor/representante e governante/governado) pela transformação do eleitor em subdito da escritura política como relação de exploração do homem pelo homem. A ideia da escritura em geral como exploração do homem pelo homem é de Claude Lévi-Strauss, no livro Tristes Trópicos.

O eleitor-marxista, pois, explorado, se deixa embalar pelas promessas de retribuição pessoal de seu voto. Trata-se de um estado de servidão oligárquica na qual o eleitor é extraído do estado de inocência onde o voto adquire sentido gramatical como doação e como um bem que é uma graça oferecida à nação, ao povo de uma escritura nacional.

O poder escritural oligárquico 1988 dissolveu (em teoria e prática) os significantes: povo brasileiro, cultura política brasileira e nação brasileira. Tal poder oligárquico se constitui como um monopólio da política restrita e ampla. Ele é um sistema cultural oligárquico em extensão da política, pois, inclui os aparelhos de poder como meios de comunicação de massa que fazem pendant com os partidos oligárquicos dominantes nos governos, senado e câmara de deputados e mais ainda no poder judicial atravessado pelo poder gramatical oligárquico.

O poder escritural oligárquico inclui a sociologia da dependência o multiculturalismo latino-americano do subescritor bolivariano petista/lulista/dilmista. Tal poder oligárquico jogou o país na travessia do subdesenvolvimento capitalista para a periferia lacaniana do subescritor africano terceiro-mundista totalitário. Não se trata, porém, de um destino fatídico. Forças inconscientemente democráticas institucionais podem tomar consciência da necessidade da democracia e acabar, por exemplo, com o voto obrigatório.

O Congresso está prestes a votar pela continuação do voto obrigatório ou pela instituição do voto livre, pois, facultativo. De luta em luta, o país pode se manter no estado do subdesenvolvimento capitalista, onde possuiu universidade pública, empresas estatais necessárias, ciência médica decente, hospitais públicos e privados confiáveis, capitalismo de commodities etc. Além disso, o país pode acalentar a ideia de uma revolução social visando estabelecer um gramático rhetor percipio industrial material no lugar do subescritor oligárquico subindustrial dependente e associado.     

Há sinais estatísticos (70% da população não quer a privatização das estatais; a maioria da população é contra as reformas do Estado pelo governo Michel Temer; candidatos de centro-direita oligárquico à eleição presidencial 2018 possuem no máximo 5% de intenção de voto; a televisão não faz mais a cabeça do eleitor, mesmo com a propaganda maciça diária pelo candidato centro-direita) que apontam para uma rejeição en masse do sistema cultural oligárquico. O perigo desta situação é o subescritor oligárquico dissolver o sistema representativo democrático, como fez com os fenômenos povo brasileiro, cultura política nacional brasileira e nação.     

Este texto abre a investigação sobre o colapso do sistema cultural representativo democrático nos países do subcapitalismo, ou seja, do subdesenvolvimento capitalista cercados pelo modelo do subescritor africano terceiro-mundista!    

   
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