José Paulo
DA BOLHA/BOMBA SUJA DA CORRUPÇÃO
I
“Si j’ai dit le langage est ce
comme quoi l’inconscient est structuré, c’est bien parce que le langage,
d’abord, ça n’existe pas. Le langage est ce qu’on essaye de savoir concernent
la fonction de lalangue”. (Lacan. 1975: 126).
“Changement de discours – ça bouge, ça vous, ça nous, ça se traverse, personne n’accuse le coup. J’ai beau dire que cette notion de discours est à prendre comme lien social, fondé sur le langage, et semble donc n’être pas sans rapport avec ce qui dans la linguistique se spécifie comme grammaire, rien ne semble s’en modifier”. (Lacan. 1975: 21).
“La mathématisation seule atteint à un réel – et c’est en quoi elle est compatible avec notre discours, le discours analytique – un réel qui n’a rien à faire avec ce que la connaissance traditionnelle a supporté, et qui n’est pas ce qu’elle croit, réalité, mais bien fantasme.
Le réel, dirait-je, c’ets le
mystère du corps parlant, c’est le mystère de l’inconscient”. (Lacan. 1975:
118).
A linguagem persiste no real da sociedade gramatical dos significantes lacaniana em função de lalangue. Eis a questão da linguagem transportada do campo lacaniano para as ciências gramaticais da política. Temos percorrido este caminho como acontecimento lacaniano-gramatical até agora.
O Seminário XX (Encore) talvez mantenha um vínculo gramatical com o livro Gramatologia de Jacques Derrida?
Derrida fala na década de 1960 de transbordamento e desaparecimento (como um único fenômeno) da linguagem como técnica de escritura fonética:
“Mas, para além das matemáticas
teóricas, o desenvolvimento das práticas
da informação amplia imensamente as possibilidades da ‘mensagem’, até onde esta
já não é mais a tradução ‘escrita’ de uma linguagem, o transporte de um
significado que poderia permanecer falado na sua integridade. Isso ocorre
também simultaneamente a uma extensão da fonografia e de todos os meios de
conservar a linguagem falada, de fazê-la funcionar sem a presença do sujeito
falante. Este desenvolvimento, unido aos da etnologia e da história da
escritura, ensina-nos que a escritura fonética, meio da grande aventura
metafísica, científica, técnica, econômica do Ocidente, está limitada no tempo
e no espaço, e limita-se a si mesma no momento exato em que está impondo sua
lei às únicas áreas culturais que ainda lhe escapavam. Mas esta conjunção
não-fortuita da cibernética e das ‘ciências humanas’ da escritura conduz a uma
subversão mais profunda”. (Derrida. 1973: 12).
O que é a subversão mais profunda?
Trata-se da passagem da época histórico-metafísica para uma época como fantasia lacaniana do futuro derridaiano? Época da soberania da ciência da escritura ou gramatologia na cultura ocidental?
A época se define pela junção da cultura como ciência com a praxis. A praxis da gramatologia está sendo exposta já algum tempo nas ciências gramaticais da política através do significante tela gramatical.
A tela gramatical remete-nos aos acontecimentos, fenômenos e sistemas de práticas ou praxis. Com a tela, o conceito de escritura excede e compreende o de linguagem em um sentido prático, no sentido da praxis.
Se dá um passo à frente ao conjugar ciência da escritura com tela gramatical?
Primeiro é preciso problematizar a relação entre escritura e linguagem em Derrida:
“Afirmar, assim, que o conceito
de escritura excede e compreende o de linguagem supõe, está claro, uma certa
definição da linguagem e da escritura. Se não a tentássemos justificar,
estaríamos cedendo ao movimento de inflação que acabamos de assinalar, que
também se apoderou da palavra ‘escritura’, o que não aconteceu fortuitamente.
Já há algum tempo, com efeito, aqui e ali, por um gesto e por motivos
profundamente necessários, dos quais seria mais fácil denunciar a degradação do
que desvendar a origem, diz-se ‘linguagem’ por ação, movimento, pensamento,
reflexão, consciência, inconsciente, experiência, efetividade etc. Há, agora, a
tendência a designar por ‘escritura’ tudo isso e mais alguma coisa: não apenas
os gestos físicos da inscrição literal, pictográfica ou ideográfica, mas também
a totalidade do que a possibilita; e a seguir, além da face significante, até
mesmo a face significada; e, a partir daí, tudo o que pode dar lugar a uma
inscrição em geral, literal ou não, e mesmo que o que ela distribui no espaço não pertença
à ordem da voz: cinematografia, coreografia, sem dúvida, mas também ‘escritura’
pictural, musical, escultural etc. Também se poderia falar de uma escritura
atlética e, com segurança ainda maior, se pensarmos nas técnicas que hoje
governam estes domínios, em escritura militar ou política. Tudo isso para
descrever não apenas o sistema de notação que se anexa secundariamente a tais
atividades, mas a essência e o conteúdo dessas atividades mesmas. É também
neste sentido que o biólogo hoje fala de escritura e pro-grama, a respeito dos processos mais da informação na célula
viva. Enfim, quer tenha ou não limites essenciais, todo o campo coberto pelo programa
cibernético será campo de escritura”. (Derrida. 1973: 11).
O campo coberto pelo programa cibernético inclui a tela digital, isto é, a tela gramatical digital onde ocorre o laço social lacaniano, ou melhor, o laço social gramatical das ciências gramaticais da política: gramático rhetor percipio digitalis!
Trata-se do trans-sujeito gramatical digitalis.
A tela gramatical digital da política transforma a linguagem da política em praxis escritural ou gramatical da política. Toda a linguagem da política transborda e tende a evanescer. Só nos partidos marxistas se fala uma linguagem da política com palavras como dominação e hegemonia, consciência de classe, classe social, lutas de classes. O próprio conceito de dominação de Foucault (Foucault. 1997: 24-25) não é usado nem nos meios jurídicos que dirá nas ciências humanas.
A propósito, a bela linguagem (junção da filosofia com a historiografia pós-modernista) transbordou e desapareceu na alta cultura e na baixa cultura ou cultura de massa ocidental. Não se ouve mais falar, como antigamente, em sociedade disciplinar, biopoder ou tecnologia política dos indivíduos (Foucault. 1994: 813).
A cultura é um também efeito de lalangue na tela gramatical cultural. O efeito de lalangue é o desaparecimento da linguagem como se fosse a estrutura do inconsciente freudiano. Lalangue nos remete para o algoritmo, a escritura matemática. (Derrida. 1973: 4). Lacan percebeu que a fonetização da escritura significava o evanescer da soberania da linguagem na cultura ocidental e um bloqueio do campo científico na área de ciências humanas. Derrida também considera tal hipótese:
“Mas exclusivamente em nossa
época, no momento em que a fonetização da escritura – origem histórica e
possibilidade estrutural tanto da filosofia como da ciência, condição da
episteme –tende a dominar completamente a cultura mundial, a ciência não pode
mais satisfazer-se em nenhum de seus avanços”. (Derrida. 1973: 4).
Na década de 1990, o planeta sofre uma transformação que consiste na aquisição da tela gramatical digital da via prussiana do globalismo neoliberal. Esta tela possuía uma aversão inata ao marxismo do século XX assim como à totalidade das ciências humanas e à literatura.
O eclipse das formas culturais supracitadas abriu as comportas para um capitalismo mundial desterritorializado em relação às nações, assim como o enfraquecimento do Estado-nação no Ocidente. Trata-se de uma época na qual o capital fictício assume o comando da política mundial e se torna uma sociedade em redes econômicas financeiras digitais que enreda continentes, países, povos, nações e Estados (Castells: 173).
A via prussiana atual é um conglomerado de significações que levam ao nazismo do século XXI (forma gramatical heterogênea, heteróclita de fascismo). A irracionalidade da cultura do contemporâneo é efeito da gramática heteróclita da via prussiana. Foi Lukács que fez a leitura da via prussiana pela dialética racionalismo versus irracionalismo no seu livro O assalto à razão. Com o trabalho de desconstrução conceitual, Derrida jogou na lata do lixo o conceito de racionalidade e, portanto, o de irracionalidade:
“A ‘racionalidade’ – mas talvez fosse preciso abandonar esta
palavra, pela razão que aparecerá no final desta frase -, que comanda a
escritura assim ampliada e radicalizada, não é mais nascida de um logos e
inaugura a destruição, não a demolição mas a sedimentação, a desconstrução de
todas as significações que brotam da significação de logos”. (Derrida> 1973:
13).
Antes de abrir mão de Lukács o queremos não como lógica dialética. A via prussiana do século XXI suprassumiu a via prussiana do século XX, pois, ela não é um problema de lógica dialética e sim de transdialética, ou melhor, de gramática em narrativa lógica transdialética.
II
Sobre o logos, lógica, racionalidade, metafísica e gramática apelo a Heidegger.
Como ciência do raciocínio, ou
seja, da racionalidade, a lógica não é capaz de mostrar, revelar, trazer à luz
o significante-mestre (categoria primeira em Aristóteles). Sem o
significante-mestre, a tela gramatical inexiste. O que traz a luz o
significante-mestre na tela é o gramático como exercício da gramática da
sociedade de significantes. Heidegger limpa o terreno da associação da lógica
com a racionalidade:
“O reportar-se e o retorno do
restante das categorias para com a primeira, de que fala Aristóteles,
desenrola-se no λόγος. Então, se seguirmos essa via e dissermos de forma
abreviada que essa relação das categorias para com a primeira é uma relação
‘lógica’, isso significa apenas: Essa relação funda-se no λόγος tomando essa
palavra no sentido já explicitado. Mas todas as representações tradicionais
referentes a ‘lógico’ e ‘lógica’, representações que acabaram se tornando
usuais, devem ser mantidas definitivamente afastadas, supondo-se que sob a
palavra ‘lógica’ e ‘lógico’ se pense algo de determinado e verdadeiramente
fundamentado”. (Heidegger. 2007: 13-14).
Heidegger diz:
“Aέγειν significa ‘colher’ (lesen) – a saber, ajuntar, (zusammenlesen), recolher (sammeln), colocar uma coisa junta de
outra, contar uma coisa junto com outra, referir uma à outra. Esse ajuntar é um
ex-por (Dar-legen) e um pro-por (Vor-legen) (um colocar à disposição e
a-apresentar, um tornar acessível de modo
unitariamente reunido. E visto que um tal ex-por e pro-por reunitivo
desenrola-se sobretudo no narrar e falar (no trans-mitir e comunicar), o λόγος
recebe o significado de discurso (...) Enquanto discurso, λόγος, é o pôr de
manifesto que reúne no dizer, e é enunciado que desvela, dizendo algo sobre
algo”. (Heidegger. 2007: 13).
O discurso pode ser a tela gramatical do dizer e enunciado que desvela do sujeito gramatical como ente, ou seja, gramático, pois, ele o discurso é fala como articulação gramatical em narrativa lógica das palavras. Este é o outro sentido de racionalidade, ou melhor, racionalidade da tela gramatical, sendo o seu avesso a sgrammaticatura. A tela gramatical é constituída por Banda de Moebius: direto (gramática racional); anverso (sgrammaticatura, irracional).
“Em seu exercício concreto, o discurso (deixar ver) tem o caráter de fala, de articulação em palavras. O λόγος é φΦνή e, na verdade, φΦγνή μετα φανταοÍαζ - articulação verbal em que, sempre, algo é visualizado”. (Heidegger. 1988: 63). Heidegger torna idêntico λόγος e discurso no Ser e Tempo, na página 62-63.
A tela gramatical pode ser o mostrar o ente como fenômeno ou como sujeito gramatical e significante gramatical. Heidegger faz, neste instante, fenomenologia. Vamos a ela:
“A expressão grega φαÍνóμενον, a que remonta o termo ‘fenômeno’,
deriva do verbo φαÍνεδθαλ. φαÍνεδθαλ significa mostrar-se e, por
isso, φαÍνóμενον
diz o que se mostra, o que se revela. Já em si mesmo, porém, φαÍνεδθαλ é a forma média de φαÍνóφ - trazer para a luz do dia, pôr
no claro, οραίνοο pertence a raiz ορα- como, por exemplo, ορίως, a luz, a
claridade, isto é, o elemento, o meio, em que alguma coisa pode vir a ser
revelar e a se tornar visível em si mesma. Deve-se manter, portanto, como significado da expressão ‘fenômeno’ o que se
revela, o que se mostra em si mesmo,
τ`α φαÍνóμενα , ‘os fenômenos’,
constituem, pois, a totalidade do que está à luz do dia ou se pode pôr à luz, o
que os gregos identificavam, algumas vezes, simplesmente, com τ`α δντα (os entes), a totalidade de tudo que
é”. (Heidegger. 1988: 58).
O meio (em que alguma coisa pode vir a se revelar e a se tornar visível em si mesma na totalidade de tudo o que é R.S.I. [Real/Simbólico/Imaginário]) é a tela gramatical da política, em se tratando de ciências gramaticais da política. A tela gramatical da política é aquela da racionalidade gramatical [gramática em narração lógica da política] fazendo pendant com o sujeito sgrammaticatura, ou seja, um sujeito articulado, também, como irracionalidade da política como é o caso da via prussiana, de Lukács.
O Logos (em grego λόγος, palavra) significava inicialmente a palavra escrita ou falada—o Verbo. Depois, passa a ser um conceito filosófico traduzido como razão. Trata-se de tomar λόγος como linguagem; pensamento ou razão; (3) norma ou regra; ser ou realidade íntima de alguma coisa. Como regra ou norma da linguagem, ser ou realidade da sociedade de significantes da política, o λόγος é o gramático da gramática da política em sentido amplo.
Enfim, no princípio era o Verbo (λόγος) e o Verbo estava com Deus. Na teologia cristã o conceito filosófico do Logos viria a ser adaptado no Evangelho de João; o evangelista se refere a Jesus Cristo como o Logos, isto é, a Palavra sagrada, o λόγος de Deus. Jesus é o rhetor percipio como gramático da gramatica do cristianismo primitivo.
Na década de 1960, Caio Prado Júnior estabelece tal problema e cria a filosofia brasileira. Ele não era um filósofo universitário, mas um marxista do PCB (Partido Comunista Brasileiro):
“A Lógica, em sentido amplo, se
destina, como disciplina científica, a determinar e fixar a condução do
pensamento na elaboração do Conhecimento. Não há assim como fugir à necessidade
de abordar o tratamento da Lógica, pela análise da atividade pensante. Do seu
lado, a Lógica formal – em que se inclui tanto a Lógica aristotélica, como a
moderna Logística -, tem por objeto a análise e pesquisa das formas lógicas
incluída e implícitas na Linguagem (tanto a Linguagem discursiva, como o
simbolismo matemático, que também constitui uma linguagem), formas essa
análogas às formas gramaticais nisso
que se destinam, tanto quanto estas últimas, a darem estrutura à Linguagem e a
tornarem apta a exprimir o pensamento e o Conhecimento”. Prado Jr. 1968: 11).
Caio Prado fala de duas estruturas da língua: a lógica e a gramática. Elas são a condição de possibilidade para a expressão do pensamento e do conhecimento, ou melhor, para essas duas práticas associadas ou ao homo logicus ou ao homo gramaticalis. Trata-se de um desvio arquitetônico do fluxo normal da filosofia dos professores brasileiros. Espanto!
Caio Prado vê dois caminhos para a dialética: o lógico dialético e o gramatical dialético. No historial político, é o choque dialético homo logicus versus homo gramaticalis.
A tela gramatical em narrativa lógica digital da política contém a transdialética (homo gramaticalis fazendo pendant com o homo logicus-digitalis) como princípio de seu funcionamento.
RACIONALIDADE E IRRACIONALIDADE NA ECONOMIA.
De Stephen Platt, o livro Capitalismo criminoso em uma primeira
leitura pode parecer uma radiografia descritiva do capitalismo do século XXI.
No entanto, ele pode ser lido, também, como uma gramática geográfica
cartográfica da realidade dos fatos do capitalismo do contemporâneo do século
XXI.
A cartografia é a ciência e técnica de elaboração de cartas geográficas, ou estudo sobre mapas ou sua descrição. A cartografia de Platt é, ainda, uma geografia pós-moderna?
No final da década de 1980, Edward Soja escreveu sobre a desconstrução e construção da modernidade do nosso contemporâneo. A citação é longa mais muito útil para o jovem leitor:
“Essa geografia desordenada e
inquietante é, ao meu ver, parte da situação pós-moderna, de uma crise
contemporânea que está repleta – como o pictograma chinês da crise e a nebulosa
descrição bermaniana da modernidade em transição – de perigos e de novas possibilidades;
repleta de choque simultâneo do antigo e do novo. Retomando uma tese anterior,
outra cultura do tempo e do espaço parece estar-se formando nesse contexto
contemporâneo e redefinindo a natureza e a experiência da vida cotidiana no
mundo moderno – e, com elas, todo o tecido da teoria social. Eu situaria a
instauração dessa passagem para a pós-modernidade no fim dos anos sessenta e na
sucessão dos acontecimentos explosivos que assinalaram, em conjunto, o término
do longo surto de crescimento do pós-guerra na economia capitalista mundial. E,
para identificar os primeiros e mais perspicazes cartógrafos dessa portentosa
transformação, eu me voltaria novamente para os textos prefigurativos de
Lefebvre e Foucault, Berger e Mandel, pois foi ali que a geografia da
pós-modernização foi mais agudamente percebida. Embora os laços entre eles nem
sempre sejam diretos e intencionais, as trajetórias intelectuais desses quatro
geógrafos pós-modernos fundadores cruzam-se na desconstrução e reconstituição
contemporâneas da modernidade”. (Soja:78).
Modernidade, modernismo e modernização foram armas de combate na cultura ocidental que no uso atual pelos intelectuais burgueses e classe política adquire um tom farsesco e de desesperança para quem ainda acredita em desenvolvimento capitalista. Platt fica longe dessa envelhecida gramática da ideologia capitalista, pois, o globalismo neoliberal da década de 1990 foi o último sopro de vida dela como cultura gramatical pós-modernista.
Platt aborda, principalmente, a estrutura e funcionamento do domínio do capital fictício sobre a economia do planeta. O domínio em tela é a destruição do capitalismo como gramática da destruição criativa. Este antigo conceito de Schumpeter é capaz de iluminar toda a desgraça do capitalismo do século XXI:
“A abertura de novos mercados –
estrangeiros ou domésticos – e o desenvolvimento organizacional, da oficina aos
conglomerados como a U.S. Steel, ilustram o mesmo processo de mutação
industrial – se me permitem o uso do termo biológico – que incessantemente
revoluciona a estrutura econômica a partir
de dentro incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando uma
nova. Esse processo de Destruição Criativa é o fato essencial acerca do
capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas
as empresas capitalistas”. (Schumpeter: 112-113).
A modernidade, a modernização, o modernismo, a Destruição Criativa são águas passadas para o capitalismo do século XXI. Em 2008 ocorreu uma bolha imobiliária criada pelo sistema financeiro americano que foi vivida como o apocalipse econômico do capitalismo mundial. Agora, é possível deduzir da narrativa cartográfica de Platt a existência de uma bolha suja de corrupção do capitalismo mundial na América, América Latina, Ásia, China comunista, Oriente Médio...
Como se alcançou esse patamar de destruição da civilização capitalista ocidental que não significa Destruição Criativa?
III
A racionalidade do capitalismo
começa na empresa burocrática moderna. Em sua profecia racional do futuro,
Weber diz:
Las burocracias privada y
pública, que ahora trabajan una al lado de la otra y, por lo menos posiblemente,
una contra outra, manteniéndose, pues, hasta cierto punto mutuamente en jaque,
se fundirían en una jerarquía única; a la manera, por ejemplo, del Egipto
antiguo, sólo que en forma incomparablemente más racional y, por tanto, menos
évitable”. (Weber: 1074).
Habermas lista a pletora de fenômenos do racionalismo ocidental de Weber. (Habermas: 213-214). A ciência moderna encabeça a lista. Habermas fala também do direito moderno, da ética econômica como modo racional de vida. Destaca-se a burocracia racional do Estado-nação e a empresa capitalista:
“que trabaja con vistas al lucro,
que supone la separación de la hacienda doméstica y el negocio, esto es, el
deslinde entre el patrimonio personal y el de la empresa, que dispone de una
contabilidad racional, que organiza el trabajo formalmente libre desde el punto
de vista de su eficiencia, y que utiliza los conocimientos científicos para la
mejora de los dispositivos de producción y de su propria organización interna”.
(Habermas. 1987: 214).
Finalmente, Habermas fala da ética econômica capitalista que é parte de um modo racional de vida (rationale Lebensführung), e cita Weber:
"Pues el racionalismo económico
depende en su origen tanto de la técnica racional y del derecho racional como
de la capacidad y disposición de los hombres para determinadas formas de
gobernarse racionalmente en la práctica de sus vidas”. (Habermas. 1987: 214).
Weber vê na razão instrumental capitalista o gramático da econômica que organiza e articula a sociedade capitalista (Habermas: 454). A crítica da racionalidade instrumental em Adorno e Horkheimer explora a vida americana pela invasão da racionalidade instrumental no domínio da reprodução cultural via cultura de massa. (Habermas. 1987: 467). A razão instrumental torna-se gramático da sociedade capitalista em sua totalidade.
Na década de 1960. Marcuse fala de um totalitarismo técnico industrial:
“A tecnologia serve para
instituir formas novas, mais eficazes e mais agradáveis de controle social e
coesão social. A tendência totalitária desses controles parece afirmar-se ainda
em outro sentido – disseminando-se pelas áreas menos desenvolvidas e até mesmo
pré-industriais e criando similaridades no desenvolvimento do capitalismo e do
comunismo”. (Marcuse: 18).
A tendência totalitária da técnica industrial ocidental (gramático como razão instrumental) ganha o mundo através, também, da cultura de massa. No entanto, há um efeito digno de nota, pois, a razão instrumental irracionaliza a história:
“Esta dialéctica de la
racionalización se explica por la estructura de una razón que es
instrumentalizada para el fin, convertido en fin absoluto, de la
autoconservación. La historia de la subjetividad demuestra cómo esta razón
instrumental irracionaliza a la vez todos los progresos que genera”. (Habermas.
1987: 484).
Max Weber parte do modelo teleológico de ação. Ele chama de poder a capacidade de disposição sobre meios que permitem influenciar a vontade de outrem. O poder em Weber se refere a finalidade ou causa final do gramático razão instrumental totalitária. A reprodução totalitária da sociedade capitalista usa a cultura de massa como poder racional instrumental que desliza para a irracionalidade no domínio da cultura e do mundo-da-vida. A via prussiana do século XXI, a via prussiana do globalismo neoliberal é uma continuação por outros meios do gramático totalitário da razão instrumental da década de 1960.
Contudo lidamos com uma realidade dos fatos em uma tela gramatical transdialética. Trata-se da narrativa dialética entre o poder instrumental e o poder comunicativo da cultura digital:
“H. Arendt parte de um outro
modelo de ação – o comunicativo: ‘o poder resulta da capacidade humana, não
somente de agir ou de fazer algo, como de unir-se a outros e atuar em
concordância com eles’. O fenômeno fundamental do poder não consiste na
instrumentalização de uma vontade alheia para os próprios fins, mas na formação
de uma vontade comum, numa comunicação orientada para o entendimento
recíproco”. (Habermas. 1980: 101).
IV
A transdialética da tela gramatical capitalista (ou pós-capitalista) não se orienta mais pela ética racional da vida (oriunda da revolução protestante no início da modernidade). Esta é substituída por uma ética flexível (Boltanski: 229) baseada no desejo do trabalhador e do administrador flexíveis. Trata-se de uma adaptação do capitalismo à era freudiana. O novo espírito do capitalismo é um salto da era protestante para a era freudiana no mundo trabalho. (Boltanski: 472-473).
O modo ético de produção capitalista flexível é a base cultural do novo espírito do capitalismo:
“As múltiplas transformações
iniciadas durante os anos 70 foram coordenadas, reunidas e rotuladas durante a
década seguinte num vocábulo único: flexibilidade.
A flexibilidade, que é em primeiro lugar possibilidade de as empresas adaptarem
sem demora seu aparato produtivo (em especial o nível de emprego) às evoluções
da demanda, também será associada ao movimento rumo à maior autonomia no
trabalho, sinônimo de adaptação mais rápida do terreno às circunstâncias
locais, sem que fossem esperadas as ordens de uma burocracia ineficiente. O
termo é adotado ao mesmo tempo pela gestão empresarial, pelo patronato e por
certos socioeconomistas do trabalho oriundos do esquerdismo (como B. Coriat),
que, abandonado a postura crítica adotada até então, agem como se a necessidade
de uma ‘flexibilização qualificada da dinâmica’, vista como ‘nova forma de
totalização, se impusesse como coisa indiscutível”. (Idem: 229).
O gramático do capitalismo totalitário instrumental sofrerá uma alteração no modelo japonês com a inscrição da democracia do trabalho na empresa, como efeito das lutas de classes na narrativa mundial:
“Essa nova política mostrava-se
condizente também com a evolução da reflexão feita em organismos internacionais
de coordenação econômica e política. Assim, por exemplo, a Comissão Trilateral,
que expressa as posições das organizações financeiras e das multinacionais na
busca de promover a internacionalização do capital (Sklar, 1980, p. 73), em seu
relatório de 1975, mostrava-se favorável à colaboração com ‘líderes sindicais
responsáveis’ com ‘real autoridade sobre seus membros’ (p. 7). Num novo
relatório, publicado em 1978, os redatores optam pelo desenvolvimento de formas
de participação direta no trabalho: ‘A consideração de ineficiência da
administração autoritária e das limitações dos sistemas representativos levou a
elaborar aquilo que o professor Trist chama de democracia no trabalho (work-linked
democracy). O cerne dessa abordagem consiste em substituir a gestão
empresarial autoritária por grupos de
trabalho semiautônomos, responsabilizados pela organização do trabalho
confiado ao grupo. Os gerentes, em todos os níveis, tornam-se essencialmente
exemplos, conselheiros técnicos e, melhor ainda, líderes democráticos, em vez
de ditadores. Os princípios da democracia no trabalho podem ser facilmente
aplicados nas organizações e, de fato, o método é frequentemente aplicado no
nível mais elementar da hierarquia administrativa. É o que ocorre no Japão, com
o método ringi seido de tomadas de
decisão”. (Boltanski: 222).
Há uma convergência entre o novo espírito do capitalismo e o desejo dos movimentos críticos da esquerda que reivindicavam o sujeito gramatical trabalhador na fábrica definido por autocontrole, autonomia em relação ao poder administrativo e responsabilidade pessoal quanto à produtividade capitalista. O novo sujeito trabalhador queria o fim da coerção do poder instrumental:
“Todos os dispositivos associados
ao novo espírito do capitalismo – quer se trate de terceirização, quer da
proliferação nas empresas de centros autônomos de lucro, de círculos de
controle de qualidade ou de novas formas de organização do trabalho – de fato,
vieram, em certo sentido, atender às demandas de autonomia e responsabilidade
que se fizeram ouvir no início da década de 70 em tom reivindicativo: os
executivos desligados de suas linhas hierárquicas ‘centros autônomos de lucro’
ou para realizar ‘projetos’ e os operários subtraídos às formas mais
divisionárias de organização do trabalho em linha de montagem, realmente
perceberam que seu nível de responsabilidade aumentou, ao mesmo tempo que era
reconhecida sua capacidade para agir de maneira autônoma e para demonstrar
criatividade”. (Boltanski: 430).
O poder gramatical capitalista se redefiniu, redefinindo o mecanismo da coerção:
“O mínimo que se pode dizer, ao
ler esses indicadores, é que a coerção não desapareceu no mundo do trabalho. Ao
contrário, revela-se extremamente intensa, apesar de exercida hoje de um modo
novo. As novas formas de gestão empresarial estão associadas a novas formas de controle que são menos
visíveis – por implicarem menos ação de uma supervisão direta, exercida face a
face por pessoas investidas de poder sobre outras pessoas que não o têm -, mas
nem por isso estão ausentes: autocontrole, controle pelo mercado e controle
informático em tempo real, mas a distância, combinam-se para exercer uma
pressão quase permanente sobre os assalariados”. (Idem: 433).
A crítica estética da esquerda freudiana da liberação do desejo no novo espírito do capitalismo significou o fim da ética protestante burocrática weberiana, não a derrubada do capitalismo:
“Fracasso porque a liberação do
desejo não significou a morte do capitalismo, anunciada pelo marxismo-freudiano
dos anos 30 aos 70. Aliás, para acreditar nisso, era preciso ignorar implicação
da liberdade no regime do capital e sua profunda conivência com o desejo, sobre
o qual repousa grande parte de sua dinâmica. Ao contribuir para derrubar as
convenções ligadas ao antigo mundo doméstico e também para superar a rigidez da
ordem industrial – hierarquias burocráticas e produção padronizada -, a crítica
estética criou a possibilidade de o capitalismo apoiar-se em novas formas de
controle e mercantilizar novos bens, mais individualizados e mais ‘autênticos’.
A crítica estética, por isso,
está hoje presa a uma alternativa cujos dois ramos manifestam igualmente sua
impotência”. (Idem: 272-273).
O essencial de minha interpretação consiste em que o gramático da tela gramatical do capitalismo funciona segundo determinados limites ou fronteiras:
“O capitalismo, como processo de
acumulação ilimitada, deve estimular incessantemente as tendências à
insaciabilidade e ativar diferentes formas de desejo de acumular: acumulação de
propriedade; concentração de poder, especialmente importante nas formas
associadas ao segundo espírito do capitalismo que, a partir da década de 30,
acompanha o desenvolvimento de empresas burocratizadas; ou também, como se vê
hoje, capitalização de recursos que favorecem a mobilidade e a criatividade. O
capitalismo só pode desenvolver-se apostando na inclinação humana para acumular
ganhos, poder, invenções, experiências diferentes.
“Mas só essa força é totalmente insuficiente,
porque, sem fundamento exterior, o desejo de acumulação em si se torna
problemático e, ao longo da vida (ou pelo menos na geração seguinte) tende a
esgotar-se. Isso não ocorreria, como vimos, se os homens fossem insaciáveis por
natureza. Mas então haveria tendência à autodestruição, porque a busca de
lucros ilimitados aumenta a concorrência que, se não for freada nem regulada,
redunda em violência. O que seria, por exemplo, do capitalismo sem a proibição
do roubo (ou seja, sem o respeito pelo direito de propriedade)?
O espírito do capitalismo pode
então ser concebido como uma solução para esse problema, pois ele ativa a
insaciabilidade na forma de excitação e de libertação, ao mesmo tempo que
estabelece exigências morais que a limitam, impondo sobre ela injunções de bem
comum”. (Boltanski: 484).
[A propósito. No Brasil, o economista Celso Furtado escreveu um livro que é o efeito do gramático flexível. Para Celso, a história passa por sobredeterminação freudiana do presente do gramático flexível da acumulação a ser lido como racionalidade e criatividade. (Furtado: 45). ]
Assim alcançamos a fronteira da
crise global do capitalismo do contemporâneo com a irracionalidade tomando
lugar da racionalidade ocidental na fantasia lacaniana do futuro próximo
designada como bolha da corrupção
capitalista em geral.
Trata-se da bolha suja da
corrupção ou bomba suja:
“No dicionário a palavra
é mera ideia abstrata.
Mais que palavra, diarreia
é a arma que fere e mata.
(..)
Bomba colocada nele
pelos séculos de fome
e que explode em diarreia
no corpo de quem não come
Não é uma bomba limpa:
É uma bomba suja e mansa
que elimina sem barulho
vários milhões de crianças”.
(Gullar: 156-157).
V
Stephan Platt faz a cartografia dos acontecimentos em tela para o qual só se pode dizer que o Ocidente atual é homólogo ao Império português patrimonialista quinhentista onde não havia a articulação da sociedade pelo princípio gramatical da separação entre o público e o privado. O Império português estava longe de ser semelhante ao gramático da racionalidade instrumental ocidental. Caindo esta fronteira gramatical da racionalidade ocidental da separação entre privado e público (que inexiste na maioria dos países africanos e não é levada a sério na América-Latina, em grande parte da Ásia e no conjunto dos países do Oriente Médio), a bolha suja da corrupção se transforma em um fenômeno universal da história capitalista do século XXI.
O capitalismo do contemporâneo consiste em um trabalho da toupeira da história universal de destruição das fronteiras (incluindo a fronteira Ocidente/Oriente; da moral capitalista/da amoral lumpesinal criminosa etc.) que se volta para a destruição do Ocidente e, portanto, para o aniquilamento da espécie capitalismo ocidental weberiano. E com a bolha suja da corrupção para a destruição do novo espírito do capitalismo.
O princípio da esperança capitalista consiste em uma rearticulação da cultura “ocidental” pelo significante poder comunicativo digital de Hannah Arendt/Habermas. Todavia, o poder financeiro do capital fictício sobre o planeta impõe a via prussiana como o poder da irracionalidade cultural que nos governa a todos.
O CAPITAL FINANCEIRO
Há uma virada de uma gramática da sociedade capitalista instrumental para uma gramática da sociedade pós-capitalista digital do comerciante de dinheiro. (Marx. 1985:371). Ela faz pendant com o domínio do capital fictício na cultura da economia política mundial. Marx diz:
“Ligado a esse comércio de
dinheiro desenvolve-se o outro aspecto do sistema de crédito, a administração
do capital produtor de juros ou do capital-dinheiro como função particular dos
banqueiros. Tomar dinheiro emprestado e emprestá-lo tornar-se negócio especial
deles. São os intermediários entre o verdadeiro emprestador e o prestatário de
capital-dinheiro. De modo geral, o negócio bancário, sob esse aspecto, consiste
em concentrar grandes massas de capital-dinheiro emprestável, e assim, em vez
de prestamista isolado, os banqueiros, representando todos os prestamistas, se
confrontam com os capitalistas industriais e comerciais. Tornam-se os
administradores gerais do dinheiro-capital. Além disso, concentram todos os
prestatários perante os prestamistas, ao tomarem emprestado para todo o mundo comercial.
Um banco representa, de um lado, a centralização do capital-dinheiro, dos
emprestadores, e, de outro, a dos prestatários. Em geral, seu lucro consiste em
tomar emprestado a juro mais baixo que aquele a que empresta”. (Marx. 1987:
463).
Vivemos a vida do gramático banqueiro, ou melhor, capitalista fictício. O capital fictício é o seu gramático!
O capitalista fictício é um sujeito gramatical da sociedade de significantes pós-capitalista. Ele é o efeito excedível (uma excrecência) do capital financeiro como efeito do movimento jurídico do dinheiro-capital (Marx. 1985.v. 5: 402-405). O capital financeiro é parte intrínseca da racionalidade instrumental do processo do modo de produção especificamente capitalista. O capital fictício é algo estranho à racionalidade em tela como mostraremos em seguida. Com ele, articula-se um poder especial na sociedade capitalista, um poder estranho à sociedade de classes gramatical capitalista. Trata-se do poder financeiro irracional que no século XXI está no comando da política planetária:
“Com o desenvolvimento do sistema
bancário e notadamente desde que os bancos pagam juro por depósitos, põem-se
neles ainda as poupanças de dinheiro e o dinheiro momentaneamente vadio, de
todas as classes. Pequenas somas, cada uma de per si incapaz de operar como
capital-dinheiro, se fundem em grandes massas e assim forma o poder financeiro. A ação do sistema
bancário destinada a aglomerar quantias pequenas deve ser distinguida de sua
mediação entre os capitalistas financeiros propriamente ditos e os prestatários.
Por fim, depositam-se nos bancos as rendas que se consomem gradualmente”.
(Marx. 1985: 464).
O gramático sistema bancário não é nem o proprietário jurídico autêntico do capital-dinheiro; ele é o proprietário fático. Ele está além da reprodução econômica real ampliada do capital e do capitalismo e além da reprodução jurídica do capital-dinheiro. O sistema bancário é a classe da sociedade de significantes de comerciante de dinheiro cuja reprodução ocorre (como poder financeiro) no campo da tela gramatical em narrativa ilógica dos poderes mundiais. Ele fica a léguas de distância da racionalidade instrumental do capital industrial.
O gramático do capital industrial:
“É dinheiro produzindo lucro,
isto é, capacitando o capitalista a extrair dos trabalhadores determinada
quantidade de trabalho não-pago – produto excedente e mais-valia – e dela
apropriar-se”. (Marx. 1985: 392).
FETICHISMO DO
CAPITAL FICTÍCIO
“Avec le capital porteur d’intérêt,
le rapport capitaliste atteint sa forme la plus extérieure, la plus fétichisée. Nous avons ici A-A’, de
l’argent produisant de l’argent, une valeur se mettant en valeur elle-même.,
sans aucun procès qui serve de médiation aux extremes. Pour le capital
marchand, nous avons au moins la forme générale du mouvement capitaliste:
A-M-A’, bien qu’il reste confiné à l’interieur de la sphère de circulation et
que le profit apparaisse donc comme le simple résultat d’une aliénation”. Marx.
1997: 362).
O gramático em narrativa lógica transdialética do fetichismo do poder financeiro é homólogo ao fetichismo da mercadoria.
Marx diz:
“À primeira vista, a mercadoria
parece ser coisa trivial, imediatamente compreensível. Analisando-a, vê-se que
ela é algo muito estranha, cheia de sutilezas metafísicas e argúcias
teológicas”. (Marx. 1985: 79).
O poder financeiro persiste no ser do real da sociedade dos significantes capitalista em uma banda de Moebius: no lado direito é metafísico; no anverso é teológico.
A metafísica do poder financeiro significa que ele vai além de um poder físico. Trata-se de uma metafísica teológica. O poder financeiro é análogo a Deus, ou melhor, ele é um ersatz de campo simbólico lacaniano. Ele se estabelece como reprodução ampliada simbólica da sociedade mundial.
Na edição francesa de O capital, Marx escreveu:
“A la fois saisissable et
insaisissable, il ne le suffit pas de poser ses pieds sur le sol; elle se
dresse, pour ainsi dire, sur sa tête de bois en face des autres marchandises et
se livre à des caprices plus bizarres que si elle se mettait à danser”. (Marx.
1977: 68).
O poder financeiro é um poder social em uma tela gramatical coreográfica, pois, ele dança em uma linguagem coreográfica igual à mercadoria. A dança do poder financeiro tem o dinheiro como personagem principal. Voltaremos a isso!
“Le caractère mystique de la
marchandise ne provient don pas de sa valeur d‘usage. Il ne provient pas
davantages des caractéres qui déterminent la valeur”. (Marx. 1977: 68).
Marx diz que o caráter místico
que o produto do trabalho apresenta ao assumir a forma mercadoria provém da
própria forma valor. Quanto ao trabalho: “Por fim, desde que os homens, não
importa o modo, trabalhem uns para os outros, adquire o trabalho uma forma
social”. (Marx. 1985: 80).
O trabalho é uma forma social assim como o poder financeiro; ambos são formas da sociedade de classes capitalista. Porém, o produto do trabalho e do poder financeiro são fenômenos místicos na tela gramatical capitalista. O místico é a linguagem religiosa alegórica ou figurada da realidade dos fatos teológicos fantasmáticos.
O poder financeiro é a caução da definição de realidade lacaniana:
“A ce titre, comme l’indique
ailleurs dans mês graphes la conjontion pointée de ce $ et de ce a, ce n’est rien d’autre que fantasme. Ce
fantasme où est de pris le sujet, c’est comme tel le support de ce qu’on apelle
expressément dans la théorie freudienne le principe de réalité”. (Lacan. S. XX:
75).
O poder financeiro é o fantasma lacaniano como princípio de realidade freudiano da sociedade de significantes capitalista na banda de Moebius física/metafísica, realidade dos fatos e aparência de semblância:
“Mais la forme valeur et le rapport de valeur des produit du travaile n’ont
absolument rien à faire avec leur nature physique. C’est seulement un rapport
social déterminé des hommes entre eux qui revêt ici pour eux la forme
fantastique d’une rapport des choses entre elles”. (Marx. 1977: 69).
É útil para a interpretação tomar o poder financeiro como sucedâneo do poder gramatical religioso:
“Para encontrar um símile, temos
de recorrer à região nebulosa da crença. Aí, os produtos do cérebro humano
parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantêm relações entre si
e com os seres humanos. É o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo
das mercadorias. Chamo a isto fetichismo, que está sempre grudado aos produtos
do trabalho, quando são gerados como mercadorias. É inseparável da produção de
mercadorias.
Esse fetichismo do mundo das
mercadorias decorre, conforme demonstra a análise precedente, do caráter social
próprio do trabalho que produz mercadoria”. (Marx. 1985: 81).
Antes de definir a tela gramatical em narrativa lógica transdialética, recorro a uma última citação:
“É, porém, essa forma acabada do
mundo das mercadorias, a forma dinheiro,
que realmente dissimula o caráter social dos trabalhos privados e, em
consequência, as relações sociais entre os produtores particulares, ao invés de
pô-las em evidência”. (Marx. 1985: 84).
O poder financeiro é uma relação social da sociedade de classes capitalista (e da sociedade de classes pós-capitalista) como gramático dinheiro. Falo do dinheiro como fantasia lacaniana do princípio de realidade freudiano do Real da sociedade de significantes capitalista ou pós-capitalista. O poder financeiro é um ersatz de campo simbólico: trata-se do Deus lacaniano ou do Estado-Deus mortal de Hobbes (Hobbes: 110); o poder financeiro é um fenômeno místico, ou melhor, um campo teológico do imaginário.
A tela gramatical do mundo da contemporaneidade do século XXI tem no comando da política planetária o gramático rhetor percipio poder financeiro. Assim, a tela gramatical do capital fictício é uma tela R.S.I. (Real/Simbólico/Imaginário).
Assim como a bolha imobiliária foi um efeito do mundo fantasmático do gramático rhetor percipio dinheiro na era digital, a bolha/bomba da corrupção suja é um efeito, na tela gramatical da sociedade das organizações financeira pós-capitalista (que incluiu a sociedade de significantes lumpesinal criminosa dos de cima) do fantasma dinheiro como princípio da realidade freudiana da contemporaneidade do século XXI.
O dinheiro vive! O dinheiro é vivo! Viva o dinheiro!
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