domingo, 3 de dezembro de 2017

GRAMÁTICO DA POLÍTICA DO PRESENTE


        José Paulo                                                                       I


A PUBLICAÇÃO DESTE TEXTO NOS GRUPOS DO FACEBOOK PROVOCOU A MINHA SUSPENSÃO; NÃO POSSO PUBLICAR, INCLUSIVE, NAS MINHAS PÁGINAS ATÉ O DIA 10/12/2017.

A Editora Companhia das Letras tem como dono real o banqueiro ilustrado João Moreira Sales. Ele também é o dono da revista Piauí. As pessoas que publicam na Companhia das Letras (e os jornalistas e publicistas que escrevem para a Piauí) se alinham (sem saber que sabem) ao quadro global das linhas de força gramaticais da cultura política do presente 2018.

A Companhia publica o discurso da universidade (Lacan) brasileira. Ela tem como objetivo assegurar o monopólio da interpretação do Brasil. Pasmem! O discurso universitário ignora a existência das ciências gramaticais da política, único campo de pesquisa científico R.S.I (Real/Simbólico/Imaginário) criado na América Latina.

O discurso universitário se caracteriza por não ter um gramático e não trabalhar com as gramáticas dos discursos e da realidade dos fatos. Trata-se, portanto, de um discurso universitário ingênuo, infantil no campo da episteme onde um RHETOR PERCIPIO gramatical escreve a partir da colheita de significantes e sujeitos gramaticais na hipertextualidade da sociedade.

A quem serve a interpretação do Brasil da Companhia de João (CJ)?

A grande política é lutas de classes na narrativa nacional, internacional e um mundial. A Interpretação do Brasil de CJ serve à sociedade do rico burguês carioca e paulista. Tal sociedade é um dispositivo interpretativo da nossa política visando taticamente, em 2018, a invasão do país pela ditadura mundial do capital fictício ou oligarquia financeira mundial. Trata-se da via prussiana da política que consiste na via pelo alto da revolução burguesa, revolução sem revolução, república sem republicanos, democracia sem democratas.

A característica central da via prussiana é a seguinte: a revolução burguesa pelo alto significa uma revolução na qual as massas estão distraídas; a via prussiana tem como sentido gramatical a foraclusão das massas gramaticais da política nacional. A via prussiana é um significante gramatical de Lenin gramaticalizado conceitualmente por Lukács:
“No en vano Lenin señala este camino como típico desde el punto de vista internacional, como un camino desfavorable para el nacimento de la sociedade burguesa; como el camino ‘prusiano’, así lo llama él. Y este pronunciamiento de Lenin no debe entenderse referido solamente a la cuestión agraria en sentido estricto, sino que se extiende a todo el dessarrollo del capitalismo y a la supraestructura política que presenta en la moderna sociedad burguesa de Alemania”. (Lukács: 41).  

Entre nós, a via prussiana é o caminho que evita o capitalismo gramatical e a sociedade burguesa gramatical. Ela é o avesso da revolução democrático-burguesa de massas sujeito gramatical grau zero da barbárie política do subcapitalismo dependente e associado. A Companhia das Letras é o caminho da linguagem e interpretação da via prussiana, no lado direito da banda de Moebius, que tem no lado anverso as ciências gramaticais da política. Tal Banda explica por que o discurso universitário prussiano ignora o gramático e as gramáticas das ciências gramaticais da política. Em outra oportunidade mostrarei em detalhes a ligação do discurso CJ com a via prussiana.

Os textos de CJ não são úteis para o assunto em tela: as revoluções democrático-burguesa no Brasil. Então, me sirvo da literatura clássica básica para iniciar minha abordagem do tema em tela gramatical.
                                                                             II

O significante revolução adquire força de lei gramatical histórica ocidental com a Revolução americana e a Revolução francesa. Tais revoluções burguesa-democráticas se caracterizaram por criar, respectivamente, linguagens políticas da sociedade de significantes burguês-democrático.

Através de seus gramáticos, elas criaram as gramáticas da revolução democrática da modernidade.

No Brasil, o sujeito gramatical revolução surge como vontade de potência de uma revolução descolonizadora de proprietários, clérigos, doutores brasileiros de Coimbra, gente formada por jovens pobre de pardos, negros e brancos pobres e Tiradentes.  Tal acontecimento é conhecido como Inconfidência Mineira (1789), Inconfidência carioca (1794), Inconfidência Baiana (1798) e a Inconfidência Pernambucana (1801).

O caracteriza a revolução descolonizadora é a ausência do gramático e, portanto, a falta de gramática do acontecimento. O historiador Carlos Guilherme Mota fala em usos de palavras como “rico” e “pobre”, “revolução” e “república” pelos inconfidentes, principalmente em Minas Gerais e Bahia (Mota: 21, 42). No entanto, uma linguagem política revolucionária descolonizadora só aparece como pobre realidade latente dos modos de pensar e de se expressar dos inconfidentes.

Autor da esquerda brasileira senhorial, Manoel Bomfim, em 1931, discute o sujeito gramatical revolução brasileira moderna. No campo das ciências sociais, a discussão gramatical da modernidade do significante revolução brasileira não começa no Raízes do Brasil (1936).

Bomfim fala de uma transdialética república liberal-democrática versus absolutismo bragantino no período que vai de 1922 a 1831. Em 1831, d. Pedro I é afastado do poder por uma revolução sem lutar. Ele transigiu com a revolução e se exilou voluntariamente, partindo para a Europa. Para Bomfim, a revolução republicana foi frustrada com a regência que preparou o Império bragantino no qual o absolutismo sobrevive com o poder moderador de d. Pedro I. Trata-se de um poder pessoal acima dos outros poderes constitucionais. D. Pedro II governou com a Constituição absolutista bragantina outorgada pelo filho em 1824, após o golpe de Estado na Assembleia Nacional Constituinte 1823.

Em 1822, surgiu a posição de partido republicana. Cipriano Barata é a personagem mais consistente na ideologia e no agir político desta corrente de pensamento político (Nabuco: 120-121). A interpretação do monarquista Joaquim Nabuco difere de Bomfim. A revolução republicana de 1831 contra o absolutismo bragantino não foi uma revolução frustrada, pois, a forma de governo instaurada é uma forma republicana:
“No Brasil, porém, a Regência foi a república de fato, a república provisória”. (Nabuco: 66).

Em uma citação mais longa:
“De 1831 a 1840 (até mais tarde mesmo, poder-se-ia dizer, porque o imperador a tomar conta do trono era um menino e não uma individualidade capaz, de defender uma instituição), de 1831 a 1840 a República foi experimentada em nosso país nas condições mais favoráveis em que a experiência podia ser feita”. (Nabuco: 66).  

Notável historiador da investigação do século XIX, Octávio Tarquínio de Sousa também pensa como Nabuco:
“E a Regência foi, como afirmou Joaquim Nabuco, uma experiência republicana, uma república provisória”. (Sousa: 109).

Nosso primeiro autor ao tratar política do século XIX como efeito das lutas de classes, em 1931, Caio Prado Júnior vê o 7 de abril de 1931 assim:
“De um lado estão as classes abastadas, principalmente os grandes proprietários de rurais, que, conduzem a oposição a D. Pedro e encaminham a revolta de abril; de outro, as classes populares, de que as primeiras se servem para a realização de seus fins, e que – são elas principalmente que o fazem – saem à rua a 7 de abril para deporem o Imperador”. (Prado Jr. Sem Data: 59).

Caio Prado interpreta a história da Regência sem abrir um debate aberto e franco com Joaquim Nabuco. Evitando a ideia da Regência como República, Caio diz:
“Congregam-se as massas em torno de individualidades mais ou menos salientes – caráter comum a todas as lutas políticas às quais faltam sólidas bases ideológicas – e a ação revolucionária é dispendiosa em dissenções intestinas e hostilidades entre chefes, que afinal não sabem ao certo o que fazer”. (Prado Jr. sem data: 61).

O ministro da justiça Padre Feijó interpretou a revolução de 1831 como anarquia popular. Caio prefere esta interpretação à de Nabuco:
"Sem o querer, talvez, caracterizava bem o ministro da justiça neste documento as classes em luta. De um lado proprietários e industriais que representavam bens. De outro os ‘anarquistas’, isto é, o povo em luta por suas reivindicações, pela melhoria de suas condições de vida”. (Pardo Jr. sem data: 63).

Em Caio, a Regência não é abordada como um artefato da cultura política. Ela não tem forma de governo; ela não é uma totalidade política; ela é simplesmente um período de anarquia aberta que se instalou no país como efeito das lutas de classes. Caio é incapaz de admitir que as lutas de classes produziram uma forma de governo na transdialética ocidental tropicalista república versus absolutismo bragantino.

Caio Prado fala de república local e não admite a república carioca no coração do país:
“Pela segunda vez, estavam os cabanos senhores do Pará. Proclamaram a República e declararam a província desligada do Império”. (Idem: 68).

Há um período insurrecional nas províncias interpretado pelas lutas de classes:
“Na origem deste levante, vamos encontrar as mesmas causas que indicamos para as demais insurreições da época: a luta das classes medias, especialmente urbana, contra a política aristocrática e oligárquica das classes abastadas, grandes proprietários rurais, senhores de engenho e fazendeiros, que se implantara no país. Este elemento democrático radical era no Maranhão conhecido pelo nome de Bem-te-vi – do jornal O Bem-te-vi – sustentava suas ideias na capital da província”. (Idem: 71).

No Rio, a revolução democrática sem gramático e gramática ideológica não é republicana. Ela existiu, mas foi, finalmente, sufocada em 1846:
“Enquanto isto, o que não fora da democracia esmagada pelas armas, sufoca-o a reforma eleitoral de 1846. Essa lei, sob pretexto da desvalorização da moeda desde a época em que se promulgara a Constituição do Império, passou a calcular o censo eleitoral na base metálica, elevando por este artifício ao dobro do antigamente exigido o mínimo de renda para o exercício dos direitos políticos.
E assim entramos na segunda metade do século passado. As massas populares, mantidas numa sujeição completa por leis e instituições opressivas, passam para um segundo plano, substituindo pela passividade sua intensa vida política dos anos anteriores. Pode assim a grande burguesia indígena entregar-se ao plácido usufruto da nação. Daí por diante, as lutas são no seu seio. É dentro dela que vamos encontrar os germes da discórdia, e será a luta destas tendências opostas de grupo burgueses que constituirá a história política da segunda metade do século passado”. (Idem: 79).

Caio fala em burguesia (como classe social) na primeira metade do século XIX, coisa que Nelson Werneck Sodré desautoriza!

                                                                                             III

Na década de 1960, alguns intelectuais se debruçam no problema da revolução na atmosfera da tela gramatical da democracia populista. Em 1963, publica-se o Mito e verdade da revolução brasileira, de Guerreiro Ramos  

O livro Raízes do Brasil dominou a cena da nossa alta cultura com seu conceito de revolução:
“Se a Data da Abolição marca no Brasil o fim do predomínio agrário, o quadro político instituído no seguinte quer responder à conveniência de uma forma adequada à nova composição social. Existe um elo secreto entre dois acontecimentos e numerosos outros uma revolução lenta, mas segura e concertada, a única que, rigorosamente, temos experimentado em toda a nossa vida nacional. Processa-se, é certo, sem grande alarde de algumas convulsões de superfície, que os historiadores exageram frequentemente em seu zelo, minucioso e fácil, de compendiar as transformações exteriores da existência dos povos. Perto dessa revolução, a maioria de nossas agitações do período republicano, como as suas similares das nações da América Espanhola, parecem simples desvios de trajetórias da vida política legal do Estado, comparáveis a essas antigas ‘revoluções palacianas’, tão familiares aos conhecedores da história europeia”. (Holanda: 126).

No Brasil, iberismo e agrarismo se confundem, e a revolução brasileira é a passagem da política ibérica agrária para a política urbana na grande política temporalmente extensa. Passagem do iberismo agrário para uma cultura política urbana:
“Em verdade podemos considerar dois movimentos simultâneos e convergentes através de toda a nossa evolução histórica: uma tendência a dilatar a ação das comunidades urbanas e outro que restringe a influência dos centros rurais transformados, ao cabo, em simples fontes abastecedora, em colônias das cidades. Se fatores especiais favorecem o primeiro desses movimentos, não há dúvida que ele só se acentuou definitivamente com a perda da resistência do agrarismo, antes soberano, e, depois, com o definhamento das condições que estimularam a formação entre nós de uma aristocracia rural poderosa e de organizações não-urbanas dotadas de economia autônoma”. (Holanda: 128).

Há a passagem geoeconômica do domínio do Rio, capital do Império, para São Paulo. O Rio continuou como capital política da República, mas São Paulo torna-se a economia soberana:
“ O resultado é que o domínio agrário deixa, aos poucos, de ser uma baronia, para se aproximar, em muitos de seus aspectos, de um centro de exploração industrial”. (Idem: 130). A fazenda de café tornar-se a mola propulsora da revolução urbana transferindo para a indústria paulista parte de sua renda excedente.

Na revisão da linha gramatical interpretativa de Sérgio Buarque, o marxista althusseriano Décio Saes fala sobre a formação do Estado burguês no Brasil no período 1888-1891. Este Estado não é o efeito de uma revolução violenta contra a ordem absolutista bragantina escravagista. Trata-se de uma passagem pacífica que Saes chama de revolução política burguesa alinhada com a revolução burguesa no sentido amplo; seria melhor dizer revolução capitalista:
“Tal classe não se constituiu, portanto, na força dirigente do processo de transformação burguesa do Estado brasileiro; mais ainda, foi a classe derrotada nesse processo de transformação superestrutural (revolução política burguesa), embora essa derrota política não tenha impedido a sua vitória relativa (isto é, sua transformação em proprietários fundiários não-escravistas, e não sua total desapropriação) no processo geral da passagem ao capitalismo (revolução burguesa num sentido amplo) ”. (Saes: 197).  

A propósito, a revolução política burguesa de Saes é um ersatz de revolução e o capitalismo paulista é um ersatz de capitalismo (capitalismo sem capitalismo), um subcapitalimo. Como lutas de classes na narrativa nacional, os efeitos sobre a grande política só se tornam inteligível a partir de efeitos do subcapitalismo. Isto explica porque a capital política da República continuou sendo o Rio, ou seja, não se transmutou para São Paulo. Uma revolução capitalista tout court teria transferido a capital política para a cidade gramatical revolucionária São Paulo. 

Antes de Décio Saes rever Sérgio Buarque, o sociólogo do trabalhismo varguista Guerreiro Ramos estabeleceu um conceito de revolução a partir do blanquismo, Marx, Engels e Lenin:
“revolução é o movimento, subjetivo e objetivo, em que uma classe ou coalizão de classes, em nome dos interesses gerais, segundo as possibilidades concretas de cada momento, modifica ou suprime a situação presente, determinando mudança de atitude no exercício do poder pelos atuais titulares e/ou impondo o advento de novos mandatários”. (Ramos: 30).

A revolução ocorre em uma conjuntura gramatical, ela não é um efeito da história longa; ela é uma coisa do presente, que subverte a gramatica do poder de um país. Não se trata apenas de uma troca de guarda entre elites políticas. Trata-se de uma demolição carioca, no plano da teoria, do conceito historiográfico uspiano, paulista, de Sérgio Buarque de Holanda.  Guerreiro Ramos era o gramático da sociologia do ISEB, uma instituição privada científica, no campo das ciências sociais, que retirou do PCB a articulação da gramática hegemônica da cultura política nacional. De quebra, ele se antecipou à luta da sociologia as USP pela hegemonia na política e na universidade, desautorizando o gramático da revolução burguesa paulista, o sr. Sérgio.

A resposta, oblíqua, a Guerreiro Ramos apareceu em 1966 com o livro de Caio Prado A revolução brasileira.

A crítica de Caio Prado ao marxismo-leninismo do PCB se baseia no seguinte: 
“a teoria marxista da revolução se elaborou sob o signo de abstrações, isso é, de conceitos formulados a priori e sem consideração adequada dos fatos; procurando-se posteriormente, e somente assim, - o que é mais grave – encaixar nesses conceitos a realidade concreta”. (Prado Jr. 1966: 19).

Caio (1966) plagiou Guerreiro (1963):
“O movimento emancipador do Brasil está ameaçado de grave desnaturação por duas debilidades que o cometem; uma de ordem cultural; outra de natureza organizacional. Vivem largamente os que pretendem liderá-lo de teorias de empréstimo e de ficções literárias e conceptuais, que não traduzem com o mínimo de exatidão requerida, as tendências concretas do processo brasileiro, em sua presente etapa”. (Ramos: 9).

Além do plágio descarado, Caio é um determinista e um homem que não consegue seguir seus próprios preceitos teoréticos. Para Caio, o destino final do Brasil é o socialismo (determinismo cientificista da pior espécie). E o capitalismo é um fenômeno universal virtual que tem as mesmas características em qualquer país do planeta. Caio foi incapaz de ver que o Brasil é um capitalismo sem capitalismo, um ersatz de capitalismo, um subcapitalismo:
“É claro que, para um marxista, é no socialismo que irá desembocar afinal a revolução brasileira. Para ele, o socialismo é a direção na qual marcha o capitalismo. É a dinâmica do capitalismo projetado no seu futuro. E seja qual for a feição particular em que o capitalismo se apresente em cada país da atualidade – feição ‘particular’, bem entendido, no que diz respeito a circunstâncias e elementos secundários que não excluem, e antes implicam a natureza essencialmente única do capitalismo, que é um só e o mesmo em toda parte – seja qual for o grau de desenvolvimento, extensão e maturação das relações capitalistas de produção, o certo é que o capitalismo se encontra na base e essência da economia contemporânea fora da esfera socialista; e nela se incluem, embora sob formas e modalidades várias, todos os países e povos além daquela esfera. Assim sendo, o socialismo, contrapartida que é do capitalismo em vias de desintegração numa escala mundial, é onde irá desembocar afinal, mais cedo ou mais tarde, a humanidade de hoje”. (Prado Jr. 1966: 6).
              
                                                              IV

Em sua luta pela articulação da hegemonia gramatical na alta cultura política, a sociologia da USP produziu os livros A revolução burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes, e o Ciclo da revolução burguesa, de Octávio Ianni. São livros que fazem um diálogo e confronto com Nelson Werneck Sodré, do PCB e com o marxismo estruturalista.

Florestan faz da revolução burguesa um objeto gramatical da sociologia diferencial ou histórica, inspirado no Marx do O capital, ou seja, no método da economia política. Ele trabalha com a sociologia da longa duração para descobrir, com pretensão de rigor científico máximo, o que é uma sociedade de classes da periferia do capitalismo na era do capitalismo monopolista.
Florestan tece um conceito de revolução burguesa:
“NA ACEPÇÃO EM QUE TOMAMOS o conceito, Revolução Burguesa denota um conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicoculturais e políticas que só se realizam quando o desenvolvimento capitalista atinge o clímax de sua evolução industrial. Há, porém, um ponto de partida e um ponto de chegada, e é extremamente difícil localizar-se o momento em que essa revolução alcança um patamar histórico irreversível, de plena maturidade e, ao mesmo tempo, de consolidação do poder burguês e da dominação burguesa”. (Fernandes: 203).

O conceito de Revolução Burguesa em tela é sociologia científica ou sociologia ideológica? :
“A controvérsia e as controvérsias entram nessa interpretação pelas portas e pelas janelas; e não quis evitá-las, porque na absorção, na crítica e no expurgo do elemento ideológico estão a cerne do trabalho científico do sociólogo”. (Idem: 9).

O desenvolvimento da sociologia, das ciências sociais em geral e da historiografia não se pergunta se o capitalismo periférico é capitalismo tout court. Florestan fala em capitalismo periférico e não consegue ver que se trata de capitalismo sem capitalismo. No entanto, ele vê diferenças marcantes entre o capitalismo europeu e americano e o “capitalismo” brasileiro. Todavia, sua sociológica não cria uma linguagem científica da realidade dos fatos brasileiros; trata-se de uma linguagem ideológica altamente criativa, mas imaginária. Todos os sociólogos brasileiros e marxistas (e latino-americanos) tinham certeza de que o continente vivia a realidade capitalista como tal. O leitor pode consultar os livros mais avançados de sua época para se certificar de minha assertiva: Anotações sobre o capitalismo (1977), de Luiz Pereira; Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64 (1985), de Luciano Martins).

A propósito, sobre o conceito científico de Revolução Burguesa, a dimensão psicocultural é um grau zero freudiano; Florestan nada sabia do marxismo ocidental freudiano de Adorno ou do marxismo estruturalista freudiano de Althusser.

No entanto, Florestan deixou elementos para um debate sobre revolução burguesa, sociedade classes, lutas de classes, poder burguês e dominação burguesa na periferia do mundo capitalista ocidental.
As várias burguesias definem seus interesses comuns no domínio do comércio, e não no domínio das relações especificamente capitalistas de produção. Óbvio que isto significa a ausência da revolução industrial no Brasil (e América-Latina). Trata-se de um fato determinante na história da burguesia brasileira:
“É dessa debilidade que iria nascer o poder da burguesia, porque ela impôs, desde o início, que fosse no terreno político que se estabelecesse o pacto tácito (por vezes formalizado e explícito) de dominação de classe. Ao contrário de outras burguesias, que forjaram instituições próprias de poder especificamente social e só usaram o Estado para arranjos mais complicados e específicos, a nossa burguesia converge para o Estado e faz sua unificação no plano político, antes de converter a dominação socioeconômica no que Weber entendia como ‘poder político indireto’. (Fernandes: 204).

Em 1996, publiquei um ensaio longo sobre o Revolução Burguesa de Florestan, depois incluído no um livro Política brasileira em extensão: para além da sociedade civil. Me fixei na forma autocrática da burguesia:
“Entretanto, o Estado autocrático-burguês passa a enfrentar situações graves com a transição do capitalismo competitivo para o capitalismo monopolista. A transição choca-se com a debilidade genética da estrutura do poder burguês e, portanto, parece afetar o princípio lógico organizador da formação social brasileira. Três tipos de fatores explicariam a crise do poder burguês: o primeiro, derivado das pressões das estrutura e dinâmica do capitalismo monopolista internacional sobre o poder burguês; o segundo, derivado das pressões do proletariado e das massas populares sobre o poder burguês; o último associa as pressões sobre o poder burguês ao grau de intervenção direta do Estado na esfera econômica”. (Bandeira da Silveira: 28).

Na minha linguagem das ciências gramaticais da política, a autocracia-burguesa é a Via Prussiana gramatical em um antagonismo transdialético com revolução democrático-burguesa. Todavia, a via prussiana é um acontecimento lido de uma outra maneira em relação à autocracia-burguesa:
“A dominação burguesa, como mediação entre o Estado nacional e a divisão social do trabalho, possui, pelo menos, um duplo aspecto: primeiro, ela é força, poder e aparelho; segundo, ela é a estrutura que atua como relais da legitimidade do poder burguês. Neste contexto histórico-social, a dominação , a dominação burguesa não é só força socioeconômica espontânea ou uma força reguladora, já que ela polariza politicamente toda a rede de ações auto defensiva e repressiva percorrida pelas instituições articuladas ao poder burguês, da grande empresa monopolista aos aparelhos estatais, dando origem a uma espetacular superestrutura de vigilância, controle político e bloqueio, convertendo-se, por reatância, em uma fonte imaginária de poder político legítimo”. (Bandeira da Silveira: 34).  

A revolução burguesa democrática aconteceu nas lutas da coalizão classes contra o Estado autocrático, militar, fascista 1968. Trata-se de uma situação historial na qual a via prussiana da burguesia autocrática viveu o antagonismo transdialético com a revolução burguesa democrática dirigida por uma posição de partido de massas; nesta direção, o MDB foi o partido dirigente das massas sujeito gramatical grau zero autocrático. Depois, a via prussiana da era do bolivariano foi confrontada pelas lutas democrático-burguesa das massas 2013 sujeito gramatical grau zero bolivariano.

A tomada do poder burguês pelo PMDB-Temer retoma a via prussiana em um outro patamar, isto é, como um poder burguês dirigido pelo centro-direita como efeito da ditadura mundial do capital fictício (oligarquia financeira). Tal ditadura mundial se estabeleceu com o neoliberalismo da era do globalismo que tomou um impulso extraordinário na década de 1990. A diferença da situação histórica (estrutural) da década de 1970 para o século XXI pode ser lida, obliquamente, no meu texto da década de 1990, com a passagem da dominação do capital monopolista para o capital fictício:
 “O paradigma do Estado capitalista periférico de Fernandes, correspondente à fase de industrialização intensiva na transição para o capitalismo monopolista, em um sentido estrutural, emerge a partir da convergência de dois tipos de processo dialético: o primeiro, gerado diretamente pela lógica de classe, pela lógica que o bloco no poder impõe às classes subalternas (Gramsci); o segundo, gerado pela lógica política que a burguesia criou para lidar com as pressões oriundas dos Estados capitalistas ocidentais hegemônicos e com as pressões oriundas da internacionalização do sistema capitalista ocidental”. (Idem: 37).

Florestan não vivenciou, intelectualmente, a era da pós-modernidade. Na tentativa de fazer uma ligação gramatical entre a autocracia burguesa e a pós-modernidade, escrevi assim:
“A burguesia local, ao constituir-se como sujeito político para si, explicaria: a ausência de culpa política dela ao transforma-se em uma burguesia pró-imperialista; o uso do aparelho de Estado para sua unificação de classe segundo o modelo da cultura da guerra; o uso do Estado nacional como campo estratégico para a implantação do capitalismo monopolista mundial; a inversão histórica da lógica que gera e regenera a modernidade política, o econômico como fundamento lógico e ontológico da esfera política; a organização do poder estatal exclusivamente como poder burguês, bloqueando a emergência da modernidade política ocidental como espaço simbólico, modernidade que, na periferia ibérica do capitalismo, passa a existir como razão instrumental, simulação e simulacro”. (Bandeira da Silveira: 39).  

Toda a era do bolivariano não alterou, visivelmente na tela política gramatical, o paradigma do poder burguês e da dominação autocrática burguesa; o bolivariano é a era da via prussiana de massas do coronelismo do Nordeste em coalizão com o multiculturalismo (mulher e preto ou “negro”) sob a articulação da hegemonia abstrata da oligarquia financeira; na era Lula, o lucro dos bancos foi astronômico; Lula tinha como amigos íntimos banqueiros como os Joãos da família Moreira Sales. Trata-se da dimensão da dominação burguesa psicocultural de Florestan Fernandes.

Nas ciências gramaticais da política, a amizade de Lula com banqueiros da sociedade do rico burguês carioca/paulista é um problema freudiano. Viajando de pau-de-arara do Nordeste até São Paulo e vivendo uma humilde vida de operário da grande manufatura do capital monopolista, Lula usou as lutas sindicais como escada de ascensão social. Primeiro, ele se integrou a sociedade dos intelectuais paulistas com a criação do PT; depois no poder nacional de Brasília, ele viu a oportunidade de realizar seu desejo freudiano de ser rico, de pertencer a sociedade do rico burguês paulista ariano; Tal desejo freudiano foi a alavanca de um política petista, que estabeleceu uma confusão delirante de valor moral político gramatical, para as massas, entre o público e o privado burguês; Hoje, o poder judiciário luta para extrair Lula da sociedade do rico burguês paulista. Esta história biográfica gramatical ainda não encerrou suas portas.
                                                                                            V

Sociólogo da escola paulista da USP, Octávio Ianni também debateu o conceito e a prática da revolução burguesa brasileira. Seu interlocutor direto é o Revolução burguesa no Brasil:
“A problemática da revolução burguesa surge com especial ênfase quando a reflexão se concentra nas formas históricas do Estado brasileiro. Toda pesquisa se concentra sobre o poder estatal, em si e em suas relações com a sociedade, o cidadão, as raças e etnias, os regionalismos, os grupos sociais e as classes sociais, coloca e recoloca a persistência do caráter autoritário do poder estatal. Todas as formas históricas do Estado, desde a Independência até ao presente, denotam a continuidade e a reiteração das soluções autoritárias, de cima para baixo, pelo alto, organizando o Estado segundo os interesses oligárquicos, burgueses, imperialistas. O que se revela, ao longo da história, é o desenvolvimento de uma espécie de contrarrevolução burguesa permanente”. (Ianni: 11).

A contrarrevolução permanente da autocracia burguesa e o Estado autocrático burguês são sujeitos gramaticais de Florestan. (Fernandes: 356). A associação latente, inconsciente, do Estado autocrático com a via prussiana (reiterações das soluções autoritárias, de cima para baixo, pelo alto) abre uma porta para as ciências gramaticais da política. Ianni foi meu orientador de tese no mestrado e no doutorado.

Para Caio Prado, o reinado de d. Pedro II se define por uma política exclusiva da classe dominante. Trata-se de uma concepção que vê que as lutas de classes populares se desenvolvem, ou ficam latentes, aprisionadas, sufocadas pela dominação e repressão do Estado autocrático. Já Octávio Ianni vê a política como um acontecimento em uma tela gramatical transdialética:
“À medida que se formava e desenvolvia o Estado nacional, organizava-se o aparelho estatal de modo a garantir o regime de trabalho escravo. Depois, à medida que o regime de trabalho escravo foi sendo substituído pelo de trabalho livre, os grupos e as camadas dominantes reorganizaram o aparelho estatal de modo a garantir o predomínio dos seus interesses, em detrimento de trabalhadores rurais e urbanos, negros, índios, imigrantes. Os governantes reagiam negativamente às reivindicações populares. ‘Na lei e no debate parlamentar sempre se distinguiu revolução, feita por gente igual, e rebeldia, sedição e insurreição, feitas por gente menor socialmente ou por escravos’. Daí a brutalidade da repressão. Nem por isso, no entanto, os setores populares deixavam de reivindicar, protestar, lutar”. (Ianni: 13).

A fórmula gramatical de Ianni é um resumo da via prussiana:
“Desde o começo, o Brasil tem um jeito de território ocupado; e o povo aparece como povo conquistado. Desde o princípio os blocos de poder aparecem como arranjos de conquistadores”. (Ianni: 11).

A revolução democrática contra o Estado absolutista militar 1968 foi interrompida pelo governo autocrático de Sarney: continuação do regime militar fascista por outros meios, ou seja, meios civis. Sarney significa a política octaviana (Ianni) da força de ocupação oligárquica nordestina da via prussiana. A Assembleia Nacional Constituinte e a Constituição 1988 pareciam doar à política brasileira um novo começo, formal, democrático burguês. No entanto, o catastrófico regime Sarney da desesperança (na economia, na cultura e na política) educou o povo para esperar um herói, um salvador da pátria. Sarney elegeu Collor de Mello.

A transdialética gramatical governo neoliberal precoce versus massas grau zero neoliberal interrompeu, na metade, o governo Collor. Tudo recomeçou com o vice-presidente de Collor, o mineiro Itamar Franco e seu ministro ilustrado da economia Fernando Henrique.

O governo Itamar tirou o país do caos econômico sem precisar fazer um ataque frontal ao Estado de massas 1988. O efeito foi FHC ser eleito e reeleito presidente. Para ser reeleito FHC usou o Congresso no golpe de Estado branco para mudar a Constituição que proibia reeleição. A era dos governos do PSDB está marcada pelo golpe de Estado branco e pela criação da Okhrana (sistema de polícias secretas), em 1999, e pelo neoliberalismo tupiniquim. Por exemplo, a ideologia política do PSDB diz que é irrevogável a mudança da Previdência, ou Reforma da Previdência. Trata-se não de um problema político prático de estado, e sim de epigrama ideológico. O leitor pode ver a via prussiana FHC?

Na era FHC, há as lutas abertas de massas rurais e urbanas (cujo força dirigente na política é o PT) contra o governo do PSDB mais PFL (cuja origem é o partido Arena do estado militar absolutista 1968). As lutas das massas e a política hábil do PT (Lula é o gramático de tais lutas) levam Lula ao poder nacional. Não obstante, o PT não se tornou a força dirigente da revolução democrática burguesa. Ele fez a escolha de uma política de ocupação de massas, ou seja, a via prussiana do projeto hegemonia petista.

A via prussiana do bolivariano usou o multiculturalismo para fazer aliança com vários setores burgueses e oligárquicos, incluindo o Grupo Globo carioca. Ao invés de tentar realizar a revolução industrial capitalista (em sentido amplo), o PT de Lula fez a política de esquerda fracassar, e ser derrotada por uma coalizão de forças oligárquico e burguesa que retomaram o caminho da via prussiana como política de força de ocupação sem povo, sem massas: governo Michel Temer-Henrique Meirelles.

Como todos os autores que discutem a revolução democrático-burguesa Octávio Ianni é cegado por uma nuvem espessa ideológica. Ele crê na Revolução Burguesa no século imperial:
“é inegável que vários acontecimentos ocorridos na época permitem colocar aos anos da monarquia como tempo das manifestações primordiais da revolução burguesa que se desenvolve desde 1888-89 em diante”. (Ianni: 14). 

É preciso ficar claro que Octavio foi capaz de ver a via prussiana, em estado líquido, na democracia populista (1946-1964):
“Mesmo em 1946-1964, quando virou democracia representativa, durante essa época os governos populistas incutiram conotações autoritárias no aparelho estatal”. (Ianni: 18).
O populismo representativo também foi a política de força de ocupação na cultura política nacional. Ianni também foi o primeiro sociólogo a tratar a cultura de massa como força de ocupação com seu conceito maquiavélico de Príncipe eletrônico. A transformação da cultura de massa em partido político significa que tal tela gramatical funciona como força de ocupação da cultura política nacional.

Nos EUA, criou-se a indústria cultura (Adorno). Trata-se da grande indústria da comunicação de massa como efeito da revolução capitalista industrial na cultura como tal, no domínio das ideologias e teologias, no campo da cultura política, na economia real e na política estrito senso.

Na América Latina, ergue-se um modo de produção e circulação manufatureiro de mercadorias culturais. A manufatura cultural é parte do desenvolvimento desigual e combinado da cultura ocidental. A televisão dos seriados americanos no Brasil inscreve, entre nós, a indústria cultural americana. No entanto, o nosso jornalismo televisivo é um efeito do modo de produção manufatureiro cultural de massa. A ligação do jornalismo televisivo com a política nacional de Brasília e local, põe e repõe o modo de produção manufatureiro cultural como força de ocupação da política nacional.

Em sentido amplo, a política se tornou um espaço relativo com o desenvolvimento das redes sociais da internet. Hoje, a cultura política nacional tem na internet um domínio irrevogável da neutralização da soberania do Príncipe eletrônico octaviano sobre ela (cultura política nacional e local) e a política como tal. Sem sombra de dúvida Octávio Ianni foi o sociólogo marxista que descortinou o fantasma lacaniano da soberania da cultura de massa no regime constitucional 1988. Fernando Collor foi eleito por sua campanha de marketing na televisão. Hoje, o sucedâneo (ersatz) do fenômeno Collor ocorre nas redes sociais da internet: capitão-deputado carioca em Brasília Bolsonaro.

A possibilidade da revolução democrático-burguesa deixou de ser uma utopia com o movimento de massas urbano 2013. Deixou de ser uma utopia no terreno da técnica industrial, pois, a internet é técnica que pode se desenvolver com a revolução capitalista industrial econômica, cultural e científica, entre nós!
                                                                                                VI    

EXISTE UMA BURGUESIA BRASILEIRA?    

No pequeno dicionário O que se deve ler para conhecer o Brasil, no verbete Revolução brasileira, Nelson Werneck Sodré arrola uma bibliografia que fala de uma revolução nacional para quebrar o passado no presente como estrutura colonial (193-195). Ele esqueceu o História Econômica do Brasil (1945), de Caio Prado Jr. 

Neste livro, o Brasil se integra na era imperialista sem mudança na sua estrutura econômica colonial:
“Segundo vimos, o ajustamento do Brasil à nova ordem imperialista se processou sem modificação substancial do caráter fundamental da economia do país, isto é, a produção precípua de gêneros destinados ao comércio exterior”. (Prado Jr: 1976: 287).

Para Caio, há o advento de uma República Burguesa (1889-1930) com sua ânsia de enriquecimento rápido, de prosperidade material. O homem de negócios é o sujeito gramatical de tal república. (Prado Jr. 1976: 208-209). Há essa mudança cultural, no plano dos valores do mundo-da-vida da classe dominante, com o surgimento de uma sociedade de significante do rico burguês. O surgimento da indústria manufatureira corresponde ao nascimento de uma burguesia manufatureira:
“Vemos portanto que são vários os fatores que atuam nesta fase que nos ocupa, no sentido de desintegrar o sistema econômico brasileiro fundado na grande propriedade agrária e voltado para a produção exclusiva de alguns gêneros exportáveis de grande expressão comercial nos mercados mundiais”. (Idem: 216).

A burguesia manufatureira paulista pode ser vista como um sujeito gramatical da revolução brasileira? Pelo conceito de revolução (1966) de Caio não pode:
“ ‘Revolução’ em seu sentido real e profundo, significa o processo histórico assinalado por reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas, que, concentradas em um período histórico relativamente curto, vão dar em transformações estruturais da sociedade, e em especial das relações econômicas e do equilíbrio recíproco das diferentes classes e categorias sociais”. (Pardo Jr. 1966: 1).

No Post Scriptum (1976) ao História econômica do Brasil, Caio diz que não houve revolução na era do capitalismo dependente e associado:
“Nos últimos parágrafos e conclusão da HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL foi notado que ‘as largas perspectivas para reestruturação da economia brasileira em bases novas, mais condizente com o nível atingido pelo nosso povo, ... são contudo, no fundamental obstada pelos remanescentes do velho sistema’. E é em tal circunstância que se encontram ‘as raízes das dificuldades e perturbações econômicas que atingem tão profundamente a vida do país”. (Pardo Jr. 1976: 345).

Dependência e desenvolvimento na América Latina ´ é o livro que transformou Fernando Henrique Cardoso no gramático da política na era do capitalismo dependente e associado. Este livro provocou o aparecimento de toda uma literatura econômica defendendo que o Brasil tinha se tornado um país capitalista tout court:
“Se, DURANTE o período de formação do mercado interno, o impulso para uma política de industrialização foi sustentado, em certos casos, pelas relações estáveis entre nacionalismo e populismo, o período de diferenciação da economia capitalista – baseada na formação do setor de bens de capital e no fortalecimento dos grupos empresariais – está marcada pela crise do populismo   e da organização política representativa dos grupos dominantes. Percebem-se também nesse lapso de tempo os primeiros esforços para ordenar o sistema político e social sobre novas bases que expressem a vinculação com o setor produtivo orientado para o mercado interno e as economias externas dominantes”. (Cardoso: 114).

FHC evita entrar no debate sobre revolução burguesa democrática. PORQUÊ? É simples! Ele é uma raposa felpuda uspiana. A revolução capitalista foi realizada pelo Estado militar, na era da ditadura militar. Portanto, não se trata de uma revolução burguesa democrática, e sim de uma revolução econômica da autocracia burguesa, de Florestan Fernandes. Nas ciências gramaticais da política, trata-se da revolução pelo alto conservadora, isto é, da VIA PRUSSIANA.  O capitalismo dependente e associado é a nossa via prussiana no território da economia nacional. Nela, a burguesia brasileira se alia com as multinacionais para constituir uma economia para uma minoria de consumidores da sociedade brasileira.

Celso Furtado interpretou o capitalismo dependente e associado ainda como modelo de subdesenvolvimento industrial voltado para um mercado consumidor minoritário. Não há a formação de uma sociedade de consumo nacional, abrangente, de mercadorias capitalista.  (Furtado. 1975: 9).

Porém, em 1978, ele se rendeu à gramática da dependência, e elaborou a ideia do desenvolvimento dependente e associado, aproximadamente, como a via prussiana do subdesenvolvimento capitalista:
“A dependência deve ser percebida inicialmente como um conjunto de traços estruturais que emergem da história: a forma de inserção no sistema de internacional do trabalho gerando um atraso relativo no desenvolvimento das forças produtivas; a industrialização supeditada pela modernização reforçando as tendências à concentração da renda; a necessidade de importar certas técnicas facilitando o controle de atividades econômicas pelas empresas transnacionais. Somente numa segunda leitura é que a dependência deve ser entendida como uma posição fraca ou subordinada nas confrontações que conduzem à fixação dos preços internacionais e, por último, determinam a apropriação do excedente gerado pela divisão internacional do trabalho”. Furtado. (1978: 146).

O historiador marxista do PCB Nelson Werneck Sodré vê a Via Prussiana como efeito da Revolução 1930:
“A hegemonia conquistada no movimento de 1930 permite à burguesia optar pela ditadura instalada em 1937 como Estado Novo, inserida na larga tendência ascensional das formas agudas – fascismo, nazismo, militarismo – com que a burguesia, em escala mundial, definia o pânico a que fora levada pela crise e pela ameaça do socialismo triunfante na Rússia anos antes”. (Sodré. 1997: 78).

Sodré também associa a via prussiana brasileira a subjugação burguesa populista da questão democrática à questão nacional:
"É uma fase em que a questão nacional é trazida a primeiro plano, com sacrifícios da questão democrática. A burguesia não está interessada nesta, mas naquela”. (Idem: 79).

A burguesia é um significante de Marx que se constitui como classe social nas lutas de classes contra o feudalismo para criar uma sociedade moderna burguesa; ela é um acontecimento estético que dá origem ao significante tragédia histórica. (Marx. 1974: 336). Onde conquistou o poder gramatical, O ORIGINAL da burguesia destruiu as relações senhoriais (feudais na Europa), patriarcais, idílicas:
“Ha sustituído las numerosas libertades escrituradas y bien alquiridas por la única y desalmada libertad de comercio”. (Marx. sem data: 24).               

Sodré é claro sobre o momento que a burguesia surge como classe social, no Brasil, subjugada ao poder senhorial:
“Esse desenvolvimento – de que as inovações na legislação dão sinal – conhece, nos fins do século, significativa mudança qualitativa. É o primeiro grande lance da acumulação capitalista marcada pelas reformas políticas, de que a abolição do trabalho escravo, com as precedentes leis do Ventre Livre e dos Sexagenários, foi a mais destacada, e que esteve associada ao advento da república. Antes havia burgueses isolados, como indivíduos. Ilhados pelo predomínio absoluto do latifúndio e numa sociedade em que eram minoria reduzida. Agora, já se delineia a burguesia como classe. Como tal dando os seus primeiros passos, em inequívoca subordinação à classe senhorial”. (Sodré. 1997: 74).   

A burguesia de Sodré é uma cópia cômica-grotesca do original europeu. Trata-se de um ersatz de burguesia que faz pendant com a via prussiana, ainda hoje, do desenvolvimento do subcapitalismo dependente e associado em franca perda do controle da economia, da política, da cultura e das ideologias como fantasma lacaniano do futuro próximo.     
  
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Política brasileira em extensão: para além da sociedade civil. RJ: Edição de autor, 2000
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FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil. Ensaio de interpretação sociológica. RJ: Zahar Editores, 1976
FURTADO, Celso. Análise do “modelo” brasileiro. RJ: CV, 1975
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LUKÁCS, Georg. El asalto a la razon. Barcelona: Grijalbo, 1972
MARX. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974           
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PRADO JR, Caio. Evolução política do Brasil. SP: Brasiliense, sem data
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------------------- História econômica do Brasil. SP: Brasiliense, 1977
RAMOS, Guerreiro. Mito e realidade da revolução brasileira. RJ: Zahar Editores, 1963
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SODRÉ, Nelson Werneck. O que se deve ler para conhecer o Brasil. RJ: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais/MEC, 1960
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SOUSA, Octávio Tarquínio. Três golpes de Estado.  SP: EDUSP, 1988
                           
  

               

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