quinta-feira, 27 de julho de 2017

ESQUERDA - NARRATIVA SEM DESFECHO DEMOCRÁTICO

José Paulo


A tentação de criar uma literatura santa (purificada de outras ideologias além da ideologia do autor) nos remete para a era medieval do século XI. São Pedro Damião é o epígono de uma conjuntura historial que batalhou para criar uma teologia pura não contaminada pela filosofia e a gramática. A teologia do século XI estabelece uma biblioteca a ser lida pelos monges em seus mosteiros contendo: “Antigo e o Novo Testamento, um Martirilógio, Homílias e Comentários alegóricos sobre a Escriture de Gregório Magno, Ambrósio, Jerônimo, Próspero de Aquitânia, Beda, Remígio de Auxerre, Amalário, Haimão de Auxerre e Paschase Robert. Esses livros bastam com efeito, ao monge, não só para salvar sua alma, como para salvar a dos outros”. (Gilson: 236).

De um modo similar, o marxista da USP parisiense Ruy Fausto quer banir Zizek e Alain Badiou da cultura de esquerda do século XXI. Ele acusa ambos supracitados de serem neototalitários. Ruy quer uma esquerda teologicamente purificada dos ideólogos e grupos políticos totalitários. Tal atitude de Fausto pode ser compreendida em seus livros de filosofia dialética Marx. Lógica e política.

Para Ruy a dialética é um artefato lógico. Ela banhe a gramática e jamais se desloca de um espaço narrativo para outro se transmutando em transdialética (Bakhtin: 29). A transdialética é uma gramática-eloquência em narrativa lógica nietzschiana:
“ ˂Comment une chose pourrait-elle procéder  de son contraire, par exemple la vérité de l’erreur? Ou la volonté du vrai de la volonté de tromper? Ou le désintéressement de l’égoïsme? Ou la pure et radieuse contemplation du sage de la convoitise?Une telle genèse est impossible; qui fait ce rêve est um insensé, ou pis encore; les choses de plus haute valeur ne peuvent qu’avoir une outre origine, um fondement propre. Elles ne sauraient dériver de ce monde éphémère, trompeur, illusoire et vil, de ce tourbillon de vanités e d’appétits. C’est bien plutôt au sein de l’être, dans l’impérissable, dans le secret de Dieu, dans ˂la chose em soi> que doit résider leur fondament, et ‘nulle part ailleurs>. Ce genre de jugement constitue le préjugé typique auquel on reconnaît les métaphysiciens de tout les temps. Cette manière de poser les valeurs se dessine à l’arrière-plan de toutes les déductions de leur logique”. (Nietzsche: 22).

A dialética de Ruy Fausto é uma narrativa lógica da tradição metafísica de todos os tempos até Nietzsche. Provas? O livro Dialética do Esclarecimento é um diálogo e combate aos intelectuais esotéricos da indústria pesada alemã sobre o totalitarismo na história universal. (Adorno: 55).  O magnífico e extremamente sofisticado La raison narrative é o diálogo/combate de Jean-Pierre Faye com o nacional-socialismo de Heidegger sobre narração, filosofia, estética e história como escolha política (Faye: 11-14, 18-20).

Assim como não sou capaz de ignorar o livro de Vladimir Safatle. A paixão do negativo. Lacan e a dialética, Ruy não pode ignorar o livro de Zizek sobre dialética, Menos que nada. Hegel e a sombra do materialismo dialético. Safatle e Zizek pertencem à esquerda lacaniana assim como Alain Badiou com o seu claro e escuro livro A República de Platão. Recontada por Badiou. Dizer que Zizek e Badiou são neototalitários, sem uma leitura esclarecedora, é jogar na lata de lixo da dialética universal uma bibliografia excelente para a construção do espaço público procedural literário da esquerda mundial.

Esquece Ruy que há um Lacan de mai 1968 - um Lacan do marxismo ocidental parisiense? Fausto parece esquecer o quanto a esquerda mundial deve à esquerda lacaniana na resistência ao discurso do maître capitalista, fonte inculta e fática do totalitarismo ocidental.

                                                                                                    II

Ruy quer pensar a política. Alain Badiou publicou o livro ¿Se puede pensar la politica? (1985) Antes de penetrarmos na gramaticalização de Badiou fazendo pendant com Ruy Fausto, comento o capítulo 2 (A direita no ataque) do livro de Ruy Caminhos da esquerda.

MATERIALISMO E IDEALISMO NA INTEPRETAÇÃO DA POLÍTICA E DA CULTURA POLÍTICA

Começar a ver a dialética esquerda versus direita pelos ideólogos da direita brasileira é de uma pobreza franciscana e uma rendição à baixa cultura de massa interpretativa da cultura política presente nos jornais e revistas de papel, rádio e televisão. No entanto, se Olavo de Carvalho e Reinaldo Azevedo representam a baixa cultura filosófica da ideologia política da direita, Denis Rosenfield é ligado a alta cultura filosófica hegeliana da política de Porto Alegre. Não se pode desligar um filósofo de suas ligações com a cultura da política de sua cidade gramatical. Já Luiz Felipe Pondé se exercita no campo da ideologia gramatical filosofia pop em uma posição antimarxista. Seu antimarxismo se deve ao fato de ele ser professor em uma cidade gramatical marxista uspiana: São Paulo.

A análise lógica dialética dos ideólogos é saborosa (e tem seu lugar na cultura da cidade gramatical), mas ela é realizada de uma posição filosófica IDEALISTA. Explico! Ela se desmaterializa frente ao materialismo da política de do livro Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado, de Althusser. Não se trata de pensar a política pelas ideologias pessoais e arbitrárias, inorgânicas (como faz Ruy Fausto faz), e sim pelas ideologias orgânicas dos aparatos ideológicos.

Ruy não aprendeu nada de importante com o althusserianismo? Que tipo de leitura ele faz de Althusser? No Réponse a John Lewis, de Althusser, as massas são o centro da história. Então o essencial é a ligação espiritual das ideologias dominantes com as massas. Esta ligação depende de aparatos materiais culturais políticos que seduzem as massas com ideologias e outras semióticas. Esta é a posição materialista dialética na abordagem da vida das massas na política e na cultura da política. As ideologias gramaticais da política são a própria divisão da população em duas partes do povo. Uma delas é o povo dos dominantes na política representativa da soberania popular. Para isto o povo em tela tem que ser parte do sujeito gramatical aspecto da contradição principal. Esclareço tal enunciado adiante.  

Os aparatos não interpelam o sujeito gramatical consciência de classe das massas, mas o sujeito gramatical (aspecto principal da contradição principal) do inconsciente do discurso do político do maître que conduz a vida política das massas. Aqui, trata-se de uma leitura gramatical em narrativa lógica da relação entre o conjunto dos aparatos da cultura política e a vida biográfica das massas no sujeito gramatical.

Por exemplo, o movimento de massas no Rio em 2013 (claramente voltado para o aprofundamento da democracia representativa) foi autodissolvido pela intervenção da TV Globo no juízo moral das massas. Ao designá-las como VÂNDALOS, a televisão carioca criou um fosso entre as massas gramaticalizáveis na rua (rumo a democratização da democracia 1988) e a vida da outra parte do povo da cidade gramatical. Assim, a televisão foi um fator essencial para desfazer o progresso da narrativa revolucionária democrática das massas na rua do Rio. O aspecto principal da contradição principal é a divisão do povo em dois: povo das massas democráticas e povo da ditadura eletrônica do bolivarianismo, pois, tratava-se de uma conjuntura gramatical da forma de governo, de latência ditatorial, do bolivariano.

O caminho da Venezuela do presidente Maduro rumo a uma ditadura do bolivariano da sociedade pós-capitalista não é o caminho de Dilma Rousseff, da televisão carioca, do governador Sérgio Cabral em um choque transdialético gramatical com as massas democráticas cariocas da rua 2013?     

Refazendo o enunciado. Se a narrativa das massas cariocas era democrática, aí tal narrativa se antagonizava com a narrativa da ditadura do bolivariano da sociedade pós-capitalista. A ditadura do bolivariano era o caminho (quase visível a olho nu) da aliança diabólica do Governo Dilma Rousseff como o governador Sérgio Cabral o prefeito do Rio e a televisão carioca.

Se Ruy Fausto não associa o PT com o bolivariano, o que tal fato filosófico significa?

Significa que Ruy não usa a filosofia para fazer a sociologia gramatical da política, ele que tem ligações uspianas com o departamento de sociologia da USP. Este departamento exerceu (exerce) uma grande influência na cultura intelectual brasileira e na cultura de massas.

A defesa da ditadura do bolivariano pós-capitalista era um fenômeno visível no cotidiano da guerra de movimento da televisão para seduzir as massas simbólicas e as massas manuais. Porém, infelizmente, o filósofo não é o sociólogo gramatical que acompanha a programação da televisão todo santo dia para ter condições de fazer uma leitura materialista transdialética gramatical do agir ditatorial descritivo (fático) da sociedade pós-capitalista da televisão carioca (e da TV paulista).  

                                                                            RUY E ALTHUSSER

A crítica a Badiou e Zizek (podendo incluir aí Safatle) é a crítica esquerda lacaniana. A esquerda lacaniana nasce na ligação de Lacan com Althusser e mai 1968 (Lacan. S. 16: 30, 41). Althusser preparou o terreno fecundo na cultura política europeia para a esquerda lacaniana com textos como Freud e Lacan (1964-1965), Marx e Freud (1976) e Idéologie et appareils idéologiques d’Etat (1970). A exploração da ideia de sujeito neste último texto é claramente uma fonte do debate sobre o sujeito no campo freudiano e, depois, na abertura do campo lacaniano. A integração do inconsciente freudiano à leitura materialista dialética da política é um movimento da pena de Althusser.    

O que Ruy diz sobre Althusser? Ruy diz que Althusser não é dialético:
“A tese de um antropologismo althusseriano é suficientemente paradoxal para que se imponha uma justificação. Se falamos de um ‘deslizamento’ do althusserianismo no antropologismo (‘deslizamento’ cuja necessidade deveria ser buscada no caráter não dialético do pensamento althusseriano), é preciso explicar em detalhe o seu mecanismo”. (Fausto. 1983: 66).  

Ruy parece obcecado pelo antropologismo althusseriano que o torna incapaz de acompanhar a luta teórica de Althusser no campo das ideologias gramaticais da filosofia. Essa luta teórica tem como centro tático o Sujeito da filosofia como motor da história no caso de um certo Marx: a classe sujeito burguesia como centro-motor da história. No caso de ideologias burguesas modernas o homem (humanismo) ou o indivíduo (liberalismo) como motor da política.

Thèse de J. Lewis: ˂c’est l’homme qui fait l’histoire.>   
Thèse du M.L.: ˂ce sont les masses qui font l’histoire, la lutte de classes est le moteur de l’histoire>. (Althusser. 1973: 42).

Antes de prosseguirmos, Badiou nos alerta sobre o “enunciado canónico de Rousseau a Mao, el de que las masas hacen la historia”. (Badiou. 1990: 9).

Para o sistema político burguês, o essencial é a relação dos aparelhos ideológicos de Estado com as massas. A ideologia interpela os indivíduos em sujeitos: a ideologia sempre/já interpelou os indivíduos como sujeitos, ou melhor, os indivíduos sempre foram sempre/já interpelados pela ideologia como sujeitos, que nos conduz necessariamente a última formulação: os indivíduos são sempre/já sujeitos. Os indivíduos são, portanto, abstratos em relação aos sujeitos que existem desde sempre. Esta formulação pode parecer um paradoxo”. (Althusser. 1976: 115).

Esta ideia de sujeito faz pendant com a ideia de Lacan do sujeito como efeito do discurso (Lacan. S. 16: 47). Para existir sujeito no mundo o fato ideológico sujeito precisa ser dito por um discurso que interpela os indivíduos como sujeito (Lacan. S. 16: 65). Articular o indivíduo ao significante ideologia (um certo número de significações) o torna um fato: sujeito e gozo. O sujeito gramatical mais-valia (Mehwert) faz pendant com o sujeito gramatical mais-de-gozar (Mehrlust) a partir do indivíduo cultural trabalhador, ou mais precisamente, força de trabalho do processo de produção de mais-valia e mais-de-gozar onde ele constitui um certo número de significações perdidas (Lacan. S. 16: 13).

No Mehrlust, o sujeito se define como práticas de recuperação não do gozo e sim da perda de gozo, das significações perdidas (Lacan. S. 16: 113), ou seja, de mais-de-gozar, de mais-valia. O sujeito perde o trabalho excedente para o capital. Para recuperá-lo, o sujeito tem que ser as massas nas lutas de massas contra a apropriação de seu mais-de-gozar pelo capitalista como personificação do capital (burguês industrial moderno). Aí se encontra a ideia materialista lacaniana do trabalho da revolução.  

Esta discussão do sujeito é o centro tático do marxismo lacaniano-althusseriano ocidental. O julgamento de Ruy sobre Althusser é formalista e idealista, pois ignora a ideia materialista de sujeito. E vai além. Ignora a relação de Althusser com Freud na construção de uma dialética materialista da cultura política historial a partir do significante freudiano SOBREDETERMINAÇÃO (Althusser. 1967: 169-193). Em sã consciência o julgamento de Althusser como antidialético e antropologista é uma quimera universitária.
        
    
PENSAR A POLÍTICA. BADIOU.

Como vê Ruy, Althusser crer que é possível pensar a política pelo conceito de prática política:
“a prática política – que nos partidos marxistas não é mais espontânea mas organizada com base na teoria científica do materialismo histórico e que transforma a sua matéria-prima
: as relações sociais, em um produto determinado (novas relações sociais). (Ruy. 1983: 76). No Pour Marx (década de 1960), não são as massas o centro-motor da política historial, e sim o partido marxista. Antes já vimos que no livro Réponse a John Lewis (década de 1970) as massas fazem a política historial, a transformação das velhas relações sociais em novas relações sociais, de um mundo velho em um mundo novo. 

Nas décadas de 1970 e 1980, Alain Badiou se interroga se a política é um impossível de ser pensado!

Ele associa a morte do marxismo à crise do político em sua integridade (Badiou. 1990: 15). Na França da política revolucionária e da plenitude da política representativa, há a retirada do político: “Lo político no há sido nunca más que la ficción donde la política el agujero del acontecimiento”. (Idem: 9).

O político é uma narrativa linear da novela, ficção de uma medida, a ideia de que o lugar do social é mensurável no pensamento segundo a norma filosófica do bom Estado, ou da boa Revolução, ‘fatos’ idênticos. Este objeto, às vezes Estado, ás vezes Revolução, ficticiamente evocado na fundação ordenada do filosofema político, é duvidoso que possa um dia pretender ser um conceito da experiência política. (Idem: 9).

A ficção do político é uma ficção funesta, se ela significa a evaporação verdadeira da política. No centro tático, tal ficção é a reunião, do laço, da relação, articulando soberania e comunidade. A política é representada pela ideologia gramatical do conceito do laço comunitário e de sua representação em uma autoridade; se enfatiza a soberania e sua potência representativa ou orgânica para garantir a lei da totalidade.

A soberania popular e a representação política são laços que ligam organicamente (faticamente) representantes e representados. A crise integral do político significa a crise da ideologia gramatical moderna em tela. A política como tomar e conservar o poder adquire uma autonomia absoluta em relação ao político em crise global. A resposta a tal crise foi a cultura do pós-modernismo. Nesta cultura, o político torna-se um simulacro de simulação, ou seja, o político mais real que o próprio político. A política se reduz ao assalto ao poder pela ficção da representação política fazendo pendant com a soberania popular ficcional, também.  Os governantes não representam autenticamente, organicamente, os governados, eles, além disso, adquirem uma autonomia absoluta em relação à vontade de potência soberania popular.

A eleição representativa torna-se uma ficção onde os governados (povo) simulam eleger seus governantes para representar seus interesses. Porém, os governantes não estão soltos no ar, pois, eles são a personificação e a condensação dos interesses e das ideologias gramaticais (o avesso da ideologia inorgânica) do burguês ficcional. Este burguês é uma figura ficcional narrativamente elaborada pelos governantes grau zero da representação popular. Afinal é a população de eleitores (povo) que elege os governantes, e não a ínfima minoria de eleitores burgueses. Mas o burguês público tem sua parcela de povo que o acompanha no espaço ficcional da política fazendo pendant com o espaço do político.  

Badiou conhecia a literatura francesa do pós-modernismo e a ideia do político fazendo pendant com a tela eletrônica de simulacro de simulação. (Baudrillard: 1981: 119):
“- simulacres de simulation, fondés sur l’information, le modèle, le jeu cybernétique – opération-nalité totale, hyperréalité, visée de contrôle total”. (Baudrillard. 1981: 177).

O espaço público procedural parisiense acompanha a produção do contemporâneo antes deste eclodir na década de 1990 na forma total da globalização neoliberal da economia mundial e do globalismo ideológico gramatical do político (Ianni: 223-275; 275-305).

Na Era do globalismo, a formação do sujeito gramatical é a seta que aponta para a narrativa ficcional desterritorialização/reterritorilização da nação, para a ficção da cidade global, do regionalismo, das raças e povos, do trabalho e do capital desmaterializados em sua consistência social. Trata-se da era das ideologias gramaticais ocas como neoliberalismo e neossocialismo. É a era da ilusão do fim e da greve dos acontecimentos: “HÁ VÁRIAS HIPÓTESES PLAUSÍVEIS quanto a este desvanecimento da história. A expressão de Canetti ˂todo o género humano teria repentinamente abandonado a realidade> evoca irresistivelmente a velocidade de libertação necessária a um corpo para escapar à força gravítica de um astro ou de um planeta”. (Baudrillard. 1992: 7-8).

A realidade é a sociedade de classes e das lutas de classes (Marx adeus). Escapar à força da gravidade significa a passagem para a sociedade do sujeito gramatical líquido pós-capitalista.

Badiou tinha clareza que a questão do sujeito gramatical era o centro tático capaz de iluminar a passagem da sociedade de classes moderna à sociedade pós-capitalista? Ele sabia que o significante esquerda tornara-se uma ficção aquosa, um líquido facilmente ingerido pela sociedade pós-capitalista? Agora, a esquerda perdera a grandeza de ser aquela coisa sólida indigesta para a sociedade moderna do capitalismo?

Na dialética materialista de Badiou, o sujeito da dialética é o incluído onde um dos termos é um suporte a longo prazo para o outro em uma narrativa de inclusão, narrativa que suporta em relação ao outro uma relação de inclusão. Assim, o sujeito gramatical é o aspecto principal da contradição na dialética maoísta. (Badiou. 1982: 32).

Tal dialética maoísta vira fumos machadianos de assis na transição da sociedade de classes capitalista para a sociedade pós-capitalista. Na década de 1970, o sujeito na França é a divisão política do povo em burguesia imperialista e proletariado. Estes dois fenômenos políticos organizam cada um o povo de seu lado. Uma política ˂sem povo> sem base de massas simbolizáveis gramaticalmente, isto não existe na década de 1970. Portanto, a contradição principal (sujeito gramatical) na França, contradição entre o proletariado e a sociedade imperialista, entre a política proletária e a política burguesa – contradição, é necessário dizer, ainda bem embrionária – tem por conteúdo efetivo o movimento histórico da divisão do povo. (Badiou. 1982: 32).

Na passagem para a sociedade pós-capitalista a dialética do sujeito maoísta sólido de Badiou desmancha no ar? O livro ¿Se puede pensar la politica? é uma resposta brilhante, conclusiva, ao livro Théorie du sujet?

No ¿Se puede pensar la politica?, Badiou insiste em uma restauração da dialética marxista. Para ele, a dialética materialista da luta de classes ainda não havia sido autodissolvida pelo sujeito gramatical do marxismo ocidental alemão. Neste marxismo ocidental, o totalitarismo se assume como sujeito gramatical no lugar do aspecto principal da contradição principal (Marcuse: 13, 17, 18). O sujeito totalitarismo abole a fronteira capitalismo versus comunismo realmente existente, entre Ocidente e Oriente. A sintetização maoísta totalitária do planeta desfaz a ideia da dialética maoísta (Zizek. 2008: 219). Ela prepara o terreno da transdialética gramatical-eloquência materialista da política mundial como passagem para a sociedade pós-capitalista.

 No livro original de 1985 ¿Se puede pensar la politica? o totalitarismo inexiste?  E no A República de Platão, de 2012? No Menos que nada, Zizek examina o totalitarismo como fenômeno filosófico fazendo pendant com o fenômeno sociológico que vai da dialética do Esclarecimento ao: “ ‘mundo administrado’ de hoje – de Platão à Otan, como se costuma dizer”. (Zizek. 2013: 431). Zizek jamais se convenceu que o sujeito gramatical da sociedade pós-capitalista é a sociedade totalitária como sintetização do comunismo com o capitalismo, do Ocidente com o Oriente?  

Badiou faz uma leitura totalitária de Platão, inequivocamente:
“Podemos também sustentar essa comparação, de que é a parte heteronômica do Sujeito que a elas se reportam e não àquela que o governo na direção da universalidade da Verdade. Assim, é com toda a justiça que proibimos a esse gênero de poetas o acesso a nossa comunidade regida pelas prescrições comunistas. Pois eles acionam a parte puramente empírica do Sujeito, alimentando-a com configurações imaginárias, restituindo-lhe forças e enfraquecendo na mesma medida a parte racional, a única propensa à dialética das verdades”. (Badiou. 2014: 356).

O problema de Ruy é acreditar em uma divisão do mundo em mundo do povo totalitário (filosofia neototalitária de Zizek e Badiou) e mundo do povo democrático da América e da Europa ocidental. O platô de Ruy Fausto é um posto de observação intelectual da ideologia gramatical oca da sociedade pós-capitalista que divide o mundo entre nós (democráticos representativos) e os outros totalitários como a Coréia do Norte comunista e o islã fundamentalista (totalitarismo terrorista) e. Maduro 2017, é claro.  

Desse platô Ruy constrói literariamente uma ESQUERDA FICCIONAL DEMOCRÁTICA. Quanto ao Brasil, aqui inexiste esquerda com ideologia gramatical democrática ocidental. A esquerda brasileira fora do PT continua movida pela crença de uma ditadura do proletariado.

ADORNO E HORKHEIMER. Dialética do Esclarecimento.  RJ: Jorge Zahar Editor, 1985 
ALTHUSSER, Louis. Análise crítica da teoria marxista. RJ: Zahar Editores, 1967
------------------------  Réponse a John Lewis. Paris: Maspero, 1973
------------------------  Positions. (1964-1975) Idéologie et appareils idéologiques d’Etat. Freud et Lacan. Paris: Editions Sociales, 1976
ALTHUSSER. Louis. Freud e Lacan. Marx e Freud. RJ: Graal, 1984 
BADIOU, Alain. Théorie du sujet. Paris: Seul, 1982
-------------------  ¿Se puede pensar la politica?. Buenos Aires: Nueva Vision, 1990
------------------- A República de Platão. Recontada por Alain Badiou. RJ: Zahar, 2014
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. SP: Martins Fontes, 1992
BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et simulation. Paris: Galilée, 1981
--------------------------   A ilusão do fim. A greve dos acontecimentos. Lisboa: Terramar, 1992
FAUSTO, Ruy. Lógica e política. Tomo I. SP: Brasiliense, 1983
------------------ Caminhos da Esquerda. SP: Companhia das Letras, 2017
FAYE, Jean Pierre. La raison narrative. Paris: Balland, 1990
GILSON, Etienne. La philosophie au Moyen Age. Paris: Payot, 1986
IANNI, Octavio. A era do globalismo. RJ: Civilização Brasileira, 1996
LACAN, Jacques. O Seminário. De um Outro ao outro. Livro 16. RJ: Zahar, 2008
MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial. O homem unidimensional. RJ: Zahar Editores, 1973
NIETZSCHE. Par-delá bien et mal. Prélude d’une philosophie de l’avenir. Paris: Gallimard, 1971
SAFATLE, Vladimir. A paixão do negativo. Lacan e a dialética. SP: Editora UNESP, 2006
ZIZEK, Alavoj. Mao. Sobre a prática e a contradição. RJ: Zahar, 2008
-------------------  Menos que nada. Hegel e a sombra do materialismo dialético. SP: Boitempo, 2013           
                                                    


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