segunda-feira, 10 de julho de 2017

DA SOCIEDADE PÓS-CAPITALISTA ipsis verbis

José Paulo

                         

1.       A ERA DA TRANSIÇÃO PARA FORA DA SOCIEDADE INDUSTRIAL TOUT COURT
2.       DO BONAPATISMO NEO-AMERICANO HOJE

Na década de 1990, a sociologia começou a debater a investigação da transição da sociedade industrial para uma outra espécie de sociedade. A sociologia americana profissional da administração falava em sociedade pós-capitalista e a sociologia francesa em sociedade programada.

A sociedade programada é aquela na qual a indústria cultural assumia o comando da cultura e os bens culturais tomavam o lugar dos bens materiais. A ideia sai do marxismo cultural alemão da Escola de Frankfurt. Refere-se a uma escola de teoria social interdisciplinar neomarxista, particularmente associada com o Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt.  

Na sociedade programada, a sociedade de classes não é mais a sociedade das lutas de classes. A sociologia da cultura fala de uma sociedade social na qual as classes não são o centro tático como o foram na sociedade industrial moderna. A ideia de movimento (movimentos cultural e social) ocupam o centro das lutas de novos atores ligados à sua representação na indústria cultural, como pensou Touraine em 1992.

A ideia de representação industrial moderna dos atores se enfraquece sem desaparecer; a ideia da representação cultural toma o lugar da representação política própria da sociedade industrial depois que o mundo do dinheiro e do trabalho deixaram de se ver como o estranho, um em relação ao outro.

Em Marx, este mundo deixa seu estranhamento com o significante relação social de produção onde o capital e o trabalho constituem-se como partes da sociedade industrial moderna.

A sociedade moderna se caracteriza pela oposição e complementaridade entre racionalidade e subjetivação, entre razão instrumental e sujeito livre e criador. Marx criou uma filosofia da história com o burguês como o Sujeito da historicidade da modernidade. Tal filosofia foi desmontada com a desconstrução das filosofias da consciência de classe como sujeito da história.

A passagem do sujeito burguês de Marx para o capitalista como personificação do capital (efeito do significante capital) retira do burguês industrial o lugar de sujeito da sociedade civil e mais ainda de sujeito da história. Se não é um sujeito burguês, o que é o capitalista?

O capitalista é o paradigma do burguês; espelho e encarnação do capital industrial; representante do capital industrial, cânone e espécime do burguês em geral. Ele é a forma completa, acabada da história do burguês em geral. Ele é a persona do capital, o capital em pessoa.

Para a sociologia da modernidade, o burguês era um tipo humano, um ser humano, um sujeito. Já o capitalista não é um tipo humano, um ser humano, um sujeito livre e criativo, sujeito que criou o capitalismo industrial, passando para segundo plano, depois do burguês industrial ou, mais exatamente, o capitalista. No século XIX há a passagem da sociedade burguesa para a sociedade capitalista, onde a racionalização, a razão instrumental se personifica no burguês industrial, ou seja, no capitalista da modernidade.
                                                                                     II

O Estado burguês (Marx) corresponde à sociedade burguesa e o Estado capitalista à sociedade capitalista bonapartista na sua origem fenomenológica (Poulantzas. 1975: 9, 83-88). A autonomia relativa em relação à economia capitalista (e sua sociedade capitalista) é a característica bonapartista de qualquer Estado Capitalista. Em Marx, o Estado burguês se caracteriza pela falta de autonomia relativa em relação à sociedade burguesa e à economia capitalista: o Estado é o comitê central da burguesia.

Na periferia latino-americana do capitalismo, alguns países chegaram a montar um Estado burguês (Saes: 181-193), e uma certa bibliografia sociológica aplicou inadvertidamente o significante Estado capitalista à realidade política brasileira. (Pereira: 113; Martins: 34-40, 81-82). No Brasil, o Estado burguês cedeu seu lugar soberano ao Estado-gerente como significante Estado de uma sociedade pós-capitalista com suas organizações bonapartistas neoamericana.        

Com o capitalista como efeito do significante capital, temos a sociedade industrial moderna. Contra o capitalista (sistema racional capitalista) se ergue o sujeito operário e suas lutas que, com efeito, são mais do que a simples luta econômica de classes. Há, por exemplo, a luta pelos direitos econômicos e sociais que acabou na sintetização capital e trabalho do Estado providência da socialdemocracia europeia imitada superficialmente, por exemplo, em partes das Américas.

O Estado socialdemocrata é uma situação histórica particular do historicismo da sociedade moderna industrial. A transição da sociedade industrial para outra espécie de sociedade põe e repõe o problema de a sociedade moderna ser mantida ou decomposta em pedaços. Se a subjetivação (liberdade e criação) quase desaparece e o sujeito torna-se o efeito do significante sociedade pós-industrial, a sociedade moderna perde uma das suas pernas, pois ela é um fenômeno dualista que se torna monista.            
A bibliografia clássica sobre o burguês (mercador e dono da manufatura inglesa até a década de 1850) e os acionistas (proprietário jurídico-econômico do capital) que não exerce o poder de direção no processo de trabalho é o começo de uma distinção, mais radical, na descrição do burguês. Para início de conversa, o capitalista é o burguês da grande indústria, ou seja, ele é a personificação do grande capital industrial do século XIX. Se ele é o efeito da razão instrumental industrial, então ele está mais para máquina do que para o homem.  Schumpeter fala de uma cultura capitalista cujo agente burguês é algo equivalente a uma máquina. (Shumpeter: 264, 260). A cultura capitalista da burocracia é aquela da máquina burocrática. (Idem: 262, 265).

A sociologia que põe e repõe o empresário no lugar do burguês clássico, do empresário como pessoa no lugar do burguês como pessoa não enfrentou e resolveu o problema teórico-prático historial. Lenin resolveu tal problema ao substituir o burguês pela oligarquia burguesa: oligarquia financeira (Fioravante: 428). Poulantzas poderia ter pensado a forma do regime político da classe burguesa a partir da divisão social do trabalho e sua crítica da teoria dos indivíduos-agentes capitalistas (managers) seguindo Lenin. Mas não o fez. (Poulantzas. 1974 : 179, 180, 184-185).

Retomando Lenin, o burguês clássico (mercador, dono da manufatura até o capitão de indústria) é um soberano monárquico ou tirânico. A família burguesa no comando da economia é uma forma de regime econômico político especial como extensão da monarquia burguesa. Há então, a passagem para o capitalista como personificação oligárquica do capital. É provável a existência historial da aristocracia econômica burguesa até a democracia econômica das massas burguesas. A burocracia weberiana é uma forma de máquina capitalista constituindo um regime político especial na empresa capitalista. O empresário capitalista é um efeito do regime político burocrático weberiano.

De Robert Michels, O livro Os partidos políticos é pioneiro no estudo da instituição como forma de cultura política. O contraponto entre o governo exercido diretamente pelas massas (democracia direta das assembleias populares) e a democracia organizacional do sindicato ao partido se dilui, pois, mesmo a democracia das massas possui um estado-maior oligárquico (Michels: 9) sofístico. O uso das formas políticas (oligarquia, monarquia, bonapartismo, democracia autoritária [Michels: 210]) para falar do funcionamento econômico da instituição política é um achado de Michels.

Ao dizer oligarquia financeira, Lenin usa o pensamento político da antiguidade para pensar a classe econômica do burguês rentista. Esta interseção de política com economia é o significante cultura política da economia mundial do século XX.            
                                                                              III

O capitalismo corporativo mundial criou o regime político da sociedade civil corporativa moderna. Neste regime, a cultura da corporação moderna toma o lugar da burocracia e da oligarquia. A corporação moderna faz pendant com a elite econômica no poder de Wright Mills. Trata-se de uma elite no poder bonapartista do americanismo, pois, ela se realiza através de uma classe simbólica de declassés (Michels: 206, 207). Esta serve à elite no poder esquecendo seu pertencimento de classe original. A elite no poder digitalis é bonapartista nesse exato sentido do americanismo. Ela é uma classe simbólica digitalis que esqueceu sua origem de classe nas garagens de Seattle. O Vale do Silício é uma máquina bonapartista da sociedade pós-capitalista de fazer a elite digitalis esquecer sua origem de classe, pois, ela não assume a forma burguesa ou empresarial (managers) reconhecidas na cultura capitalista. Trata-se, portanto, de uma elite digitalis bonapartista do fim do americanismo.

Tal elite bonapartista da sociedade pós-capitalista reside seu poder em uma gramática cultural que é um conjunto de ideias, estruturas de pensamentos e ideologias que é a marca de um tempo lógico lacaniano gramatical que exprime valores criativos e defensivos (Russ: 155) contra o ancien régime eletrônico virtual associado ao ancien régime de comunicação da era de Gutenberg.         

A elite no poder bonapartista do americanismo é o novo sujeito burguês, pois, ele é criativo; ele abriu a porta para o surgimento para a nova elite no poder digitalis bonapartista da sociedade pós-capitalista. A elite no poder bonapartista de Charles Wright Mills significa a sociedade capitalista do americanismo na era de uma imensa criatividade cultural (Furtado: 112) que desaguou na era do globalismo. O leitor já deve ter percebido que trato com uma plurivocidade de fenômeno capitalista que se alinham, e se desalinham, em uma multiplicidade, bem variada, de tempos gramaticais culturais lógicos e alógicos.   
                                                                                   
A sociedade pós-capitalista da circulação intensa e organizada das elites é uma ideia que nos remete para Pareto (Russ: 151-155). Trata-se da ideia de uma transição da sociedade de classes capitalista de Marx para uma sociedade capitalista de elites. A sociedade pós-capitalista de organizações de elites digitais não é o fenômeno que define o século XXI?       

Estamos atravessando a era do americanismo cuja a inessência da maquinação (acabamento incondicionado do ser como vontade de poder do americanismo): “exige uma humanidade que não desertifique toda a tradição, mas propague para além da desertificação, isto é, para o interior de sua inessência, justamente uma tradição desertificada da metafísica (e, isto é, da história ocidental) essencialmente sem raízes”. (Heidegger. 2000: 156-57).

Do século XXI, a sociedade pós-capitalista se recupera com sua inessência desertificada de metafísica na cultura política - como é o caso do bonapartismo neoamericano? 
                                                                                        IV                                                  

Celso Furtado fala de uma cultura da criatividade em geral, no final da década de 1970. Esta só pode existir na sociedade da circulação das elites do pós-II Guerra. A indústria cultural é um efeito da cultura no comando da economia e da política. Recentemente, outros sociólogos levam esta ideia adiante. Trata-se de pensar a sociedade moderna tendo no comando a cultura não apenas como indústria cultural. Por exemplo, na política a representação política clássica divide a política com a representação cultural da política bonapartista. É claro que a ideia de representação cultural da política usa os meios de comunicação industriais. Mas tal fato não pode excluir a relação cultural dos representantes com os representados em geral, na cultura digitalis bonapartista pós-americanista. A indústria cultural pode ter sido uma máquina auxiliar de construção de uma percepção cultural da política pelas massas (se for massas simbólicas bonapartistas) no lugar da percepção simplesmente política ou ideológica.

A transição da sociedade industrial se faz para uma sociedade cultural industrial, não somente industrial, pois industrial bonapartista de declassés burgueses. A cultura do consumo de bens simbólicos inclui o consumo de ideais e estruturas de pensamento no lugar da cultura industrial de bens materiais. Tal fenômeno traz consigo a subjetivação de declassés. No século XXI, a cultura do consumo de tais bens culturais se faz através da internet, do bonapartismo cultural do pós-americanismo do Facebook e outras ferramentas digitalis.  Toda uma geração da infância até a idade adulta cresceu no ambiente da cultura de consumo (e produção) de bens simbólicos na internet bonapartista. Trata-se de uma cultura de consumo da sociedade moderna bonapartista de produção pós-capitalista de ideias e pensamentos. Neste ponto encontramos Peter Drucker.
                                                           PETER DRUCKER    

No início da década de 1990, a sociologia da administração americana vê que o planeta entrava em uma era de transição para uma sociedade pós-capitalista. Tratava-se de uma sociologia por ordem de previsibilidade (Drucker: XXII).

Ela começa ´prevendo o fim da soberania do Estado-nação como entidade criadora de política: “A nação-estado não irá desaparecer. Ela poderá permanecer como órgão político mais poderoso ainda por muito tempo, mas não será indispensável” (idem: XIX). Em meados da segunda década do século XX, a nação-Estado continua indispensável para o espetáculo da tela eletrônica da sociedade dos significantes jornalística mundial. A nação-Estado ocupa o proscênio da tela gramatical eletrônica pois, ela soletra seu agir pelo quase monopólio da violência real no país e entre os países.

O que é a Coréia do Norte? Uma nação-Estado comunista em uma era na qual a ideia de comunismo se autodissolveu com a queda do Muro de Berlim, o desaparecimento da URSS e a sintetização maoísta da China entre capitalismo e comunismo. O dragão chinês não é magia política, ele não é capaz de desfazer a sintetização em um retorno ao maoísmo comunista da Revolução Cultural. Esta fantasia marxista e/ou capitalista não é uma fantasia lacaniana do futuro.

Se já vivemos em parte de uma sociedade mundial pós-capitalista, de Peter Drucker, a Coréia do Norte é uma forma de governo pós-capitalista (Drucker: XIX). A Coréia do Norte não é o passado comunista risível, cômico grotesco, no presente; ela é o presente da sociedade mundial pós-capitalista. Ela é uma forma de governo pós-capitalista monárquico-bonapartista. Teocrático?                 
A Coréia do Norte é o Príncipe bonapartista pós-capitalista como um Maracatu Atômico perante uma China continental ambígua, em sua expansão totalitária, uma Coréia do Sul liberal oriental com medo e um Japão como velha nação-Estado capitalista fronteira geopolítica Ocidente/Oriente, querendo retornar ao seu agressivo militarismo asiático totalitário.

                                                                               V
A sociologia administrativa de Harvard viu na associação entre ciência e técnica (tecnologia) um modo de se impor no debate sobre o fim da sociedade capitalista (industrial) na década de 1990. O AntiMarx, Peter Drucker ignora que Marx transformou em um quadro conceitual (e em um Organon de significantes) a relação entre ciência e técnica que transformou a história do Ocidente com a passagem da economia capitalista para a sociedade capitalista, como observa muito bem o próprio P. Drucker.

O livro de P. Drucker usa ideias já exploradas no magnífico Historia social de la ciência, de John D. Bernal. A primeira versão deste livro é de 1954 e a versão final de 1964. Em certo sentido, a ideia de pensar a história moderna como história da sociedade tecnológica moderna está mais bem exposta e organizada, em seus detalhes factuais, em Bernal. Mas não se trata de um livro de sociologia. Trata-se de uma historiografia da ciência e da técnica com o apogeu na revolução industrial que articula a sociedade capitalista moderna. (Bernal: 418-425
                                                                                  
P. Drucker usa a ideia de técnica associada ao domínio do modo de produção feudal europeu pelo cavaleiro. Trata-se de uma ideia que a sociologia ainda não havia explorado, como é possível verificar nos dois volumes do livro O processo civilizador, de Norbert Elias. Diz Peter que por várias centenas de anos, o cavaleiro foi uma máquina de lutar sendo parte de uma máquina de guerra: “o cavaleiro, seu escudeiro, seus três cavalos, e seus doze a quinze cavalariços. Em outras palavras, o estribo criou o feudalismo”. (Drucker: 6).

O estribo tornou possível lutar montando um cavalo. Este fenômeno sociológico da Idade Média criou a sua classe dominante e a cultura da (literatura, música, poesia, Dama) política do cavaleiro e seu cavalo. A imagem do cavaleiro saindo do pântano puxando a si e seu cavalo pela crina do cavalo significa a organização do feudalismo a partir da cultura política técnica da cavalaria.

A ideia de que existem economia capitalistas, porém, só uma sociedade capitalista também ajuda a pensar a saída da sociedade capitalista industrial para a sociedade pós-capitalista. Mas me parece mais exato se falar de economias burguesas e não de economias capitalista, pois sigo Marx na solução deste aspecto. Antes de abordar tal problema ancoremos nosso barco na sociedade capitalista de Marx.
                                                                                      VI

A economia capitalista é a passagem da mais-valia absoluta da economia burguesa para a mais-valia relativa. A economia burguesa corresponde a sociedade burguesa liberal na qual a luta de classes não se encontra no centro do palco da história, ou seja, a sociedade civil burguesa. A economia capitalista corresponde à sociedade capitalista da sociedade de classes com as lutas de classes como protagonista historial. De Hegel, o livro Fundamentos da filosofia do direito é o Evangelho da sociedade burguesa.
A crítica de Marx a tal livro corresponde a transição para a sociedade de classes cum lutas de classes, ou melhor, para a sociedade capitalista.

A subsunção formal do trabalho ao capital é uma modalidade de produção de mais-valia absoluta que se realiza pelo prolongamento do tempo de trabalho no processo de produção de mais-valia. Tal fator tempo define a produtividade do trabalho. Se for só esta modalidade existente temos a economia burguesa capitalista e não o modo de produção especificamente capitalista e sua sociedade capitalista tout court. (Marx. 1978: 51-53)

A economia especificamente capitalista é a da subsunção real do trabalho ao capital da sociedade especificamente capitalista. Na economia capitalista, a ciência e a tecnologia definem o tempo de trabalho (redução do tempo de trabalho individual para produzir mercadorias através da produtividade articulada pela ciência fazendo pendant com a tecnologia) como redução da jornada de trabalho individual que muda o caráter despótica da sociedade burguesa na grande indústria como violência da jornada de trabalho prolongado como fator da produtividade. (Marx. 1978: 55-56).

A mudança na economia capitalista burguesa para economia especificamente capitalista altera a gramática da sociedade de classes. A gramática deixa de ser anarquista do ponto de vista do trabalho e se torna marxista com seus grandes partidos de massas socialistas e seus poderosos sindicatos. As lutas de classes transitam para uma espécie de sociedade da organização com partidos de massas e sindicatos oligárquicos:
“Não se concebe democracia sem organização. A demonstração desta tese pode ser feita em poucas palavras.

Uma classe que ergue diante da sociedade a bandeira de reivindicações concretas e aspira a realizar um conjunto de ideologias ou de ‘ideias’ derivadas das funções econômicas que ela exerce, tem necessidade de uma organização”. (Michels: 7).

A sociologia da organização começa em Michels e, historialmente, na última parte do século XIX.      
A sociedade de classes se torna uma sociedade das organizações. A ideia e a prática da revolução do trabalho esquecem seu caráter espontâneo e explosivo. Tal acontecimento está de acordo com a definição de Peter Drucker sobre a gramática da lógica das coisas da sociedade de organizações:
“toda organização de hoje precisa embutir em sua própria estrutura a gerência (gramática) da mudança.
Ela precisa embutir o abandono organizado de tudo aquilo que faz”. (Drucker: 36).

No final do século XIX europeu ocidental, após a derrota da Comuna de Paris, em 1871, ocorre a passagem da sociedade civil burguesa hegeliano para a sociedade de organizações política do trabalho cum lutas de classes dominantemente econômicas.              

                                                                                   O que é o Estado-gerente?

A bibliografia sobre o significante gerência em sua relação com a cultura política desagua na gramática do Estado gerente. Seria um estado cuja existência significa a abolição da fronteira entre liberalismo e socialismo. O Estado gerente se diferencia do Estado liberal burguês, sendo este o Estado da sociedade burguesa liberal hegeliana. Se diferencia do estado capitalista, sendo este o Estado da sociedade capitalista das classes e das lutas de classes.

O Estado-gerente é o Estado da classe política da teoria das elites, da sociedade de significantes da circulação das elites. São características da gramática da cultura política gerencial o insuficiente funcionamento do mecanismo da representatividade e a falta de eficiência (Châtelet: 125) em resolver conflitos culturais, econômicos e sociais. A representação política é substituída, em parte, pela representação cultural. Eis o ponto chave da ineficiência da solução de conflitos políticos que ameaçam a democracia.

O Estado-gerente é provido de uma gramática da cultura política que é a interseção na forma política de democracia, oligarquia e monarquia (no caso do presidencialismo quase monocrático):
“Poder de um só, poder de poucos, poder da multidão: “a classificação triparti, exposta pela primeira vez em Heródoto, revela-se hoje inadequada. Em um grande número de Estados contemporâneos, a legitimidade proclamada é da espécie democrática, ao passo que a aparência política confere o poder a uma espécie de monarca temporário (às vezes, eleito) e o funcionamento político real é do tipo oligárquico”. (Châtelet: 113).

A gramática da cultura da política econômica em narrativa gerencial pluralista e partidária cai na sua aparência de semblância da política real na crise da democracia:
“Mais ligado ao pluralismo, o sistema partidário é constantemente acusado de falsear o jogo democrático, agravando a ‘passividade das massas’ e manipulando as verdadeiras opções políticas. É suficiente pensar na crítica exemplar de Michels ou de Ostrogorski: da militância à profissionalização da política, a atividade partidária cria uma elite rapidamente inamovível, desencorajando qualquer participação popular, de modo que ‘a estrutura oligárquica esmaga o princípio democrático fundamental’. Inércia das massas e especialização dos chefes reforçam-se mutuamente”. (Châtelet: 126).

Em determinadas circunstâncias de crise da democracia, a cultura política da sociedade da organização de especialista da política entra em choque com a gramática da polis, ou seja, cidade gramatical. Se a polis for sinônimo de comunidade gramatical em choque com o estilo organização da sociedade pós-capitalista (como o hospital, empresa tele eletrônico-virtual, a universidade americana privada mundial como Harvard, Stanford, Princeton) é possível fazer uma aproximação da sociologia da organização de Harvard da década de 1990:
“Para realizar sua tarefa com sucesso, cada um deles deve ser organizado e gerenciado da mesma maneira. Assim, em sua cultura, a organização sempre transcende a comunidade. Se a cultura da organização se choca com os valores da comunidade (da sociedade do trabalho, por exemplo), a cultura da organização irá prevalecer – caso contrário ela não fará sua contribuição social”. (Drucker: 38).

A gramática da cultura política da economia da sociedade pós-capitalista dos empregados encontra-se em estado de permanente antagonismo com a cidade gramatical dos assalariados.                           
                                                                                          O CAPITAL

No O capital, Marx cria um paradigma sociológico gramatical que subdivide o espaço capitalista em economia, sociedade e política. O ponto de partida é a economia na divisão do trabalho manufatura capitalista, que não se confunde com a grande indústria. A economia manufatureira faz pendant com a sociedade capitalista de mercadorias. Para a finalidade comparativa com a sociedade de empregados de P. Drucker, a questão do saber do operário se diferencia da situação do conhecimento do empregado na organização pós-capitalista.

Na manufatura, surge o esboço da episteme do capital (Lacan. S. 17: 21) que consiste na transformação do saber operário em saber do capital na manufatura que na grande indústria vislumbra como episteme do discurso do senhor do capitalista:
“As forças intelectuais da produção só se desenvolvem num sentido, por ficarem inibidas em relação a tudo que não se enquadre em sua unilateralidade. O que perdem os trabalhadores parciais, concentra-se no capital que se confronta com eles. A divisão manufatureira do trabalho opõe-lhes as forças intelectuais do processo material de produção como propriedade de outrem e como poder que os domina. Esse processo de dissociação começa com a cooperação simples em que o capitalista representa diante do trabalhador isolado a unidade e a vontade do trabalhador coletivo. Esse processo desenvolve-se na manufatura, que mutila o trabalhador, reduzindo-o a uma fração de si mesmo, e completa-se na indústria moderna, que faz da ciência uma força produtiva independente de trabalho, recrutando-a para servir ao capital”. (Marx. 1996: 413-14).

O discurso do senhor capitalista faz pendant com o discurso do tirano pelo lugar que a ciência moderna ocupa nele (Strauss: 38). Mais adiante Marx fala de um discurso do autocrata do capitalista. Na manufatura, o discurso do capitalista produz o trabalhador idiota e a imbecilidade das massas do trabalhador parcial:
“Para evitar a degeneração completa do povo em geral, oriundo da divisão do trabalho, recomenda A. Smith o ensino popular pelo Estado, embora em doses prudentemente homeopáticas. Coerente, combate contra essa ideia seu tradutor e comentador francês, G. Garnier, que, no primeiro império francês, encontrou as condições naturais para se transformar em senador. Segundo ele, a instrução popular contraria as leis da divisão do trabalho e adotá-la ‘seria prescrever todo o nosso sistema social”. (Marx. 1996: 415).

Claro que a ideia do senador G. Garnier é baseada em uma leitura economicista do discurso do capitalista na qual ele reduz a sociedade e a política à economia manufatureira ipsis verbis.

A sociedade capitalista se configura como sociedade de mercadorias (Marx. 1996: 408) e pela divisão entre trabalho manual e intelectual na fábrica:
“A separação entre as forças intelectuais do processo de produção e o trabalho manual e a transformação delas em poderes de domínio do capital sobre o trabalho se tornam uma realidade consumada, conforme já vimos, na grande indústria manufatureira. A habilidade especializada e restrita do trabalhador individual, despojado, que lida com a máquina, desaparece com uma quantidade infinitesimal diante da ciência, das imensas forças naturais e da massa de trabalho social, incorporado ao sistema de máquinas e formando com ele o poder do patrão. No cérebro deste estão indissoluvelmente unidos a máquina e o monopólio patronal sobre ela e, por isso, o patrão, nas divergências com os trabalhadores, a estes se dirige depreciativamente”. (Marx. 1996: 484). 

Na fábrica moderna, a subordinação técnica do trabalho ao capital exige a máquina burocrática militarizada como parte da divisão do trabalho maquínico da grande indústria moderna:
“A subordinação técnica do trabalho ao capital ao ritmo uniforme do instrumental e a composição peculiar do organismo do trabalho, formado por indivíduos de ambos os sexos e das mais diversas idades, criam uma disciplina de caserna, que vai ao extremo no regime integral da fábrica. Por isso, desenvolve-se plenamente o trabalho de supervisão anteriormente mencionado, dividindo-se os trabalhadores em trabalhadores manuais e supervisores de trabalho, em soldados rasos e em suboficiais do exército da indústria”. (Marx. 1996: 485). 

A forma política da economia capitalista moderna de caserna vive em um antagonismo crescente com a forma política ipsis verbis:
“Através do código da fábrica, o capital formula, legislando particular e arbitrariamente, sua autocracia sobre os trabalhadores, pondo de lado a divisão dos poderes tão proclamada pela burguesia, e o mais proclamado ainda regime representativo. O código é apenas a deformação capitalista da regulamentação social do processo de trabalho, que se torna necessária com a cooperação em grande escala e com a aplicação de instrumental comum do trabalho, notadamente a maquinaria. O látego do feitor de escravo se transforma no regulamento penal do supervisor. Todas as penalidades se reduzem naturalmente a multas e a desconto salariais, e a sagacidade legislativa desses Licurgos de fábrica torna a transgressão de suas leis sempre que possível mais rendosa que a observância delas”. (Marx. 1996: 485).       

Uma sociedade capitalista esquizo aparece nessa divisão política entre fábrica moderna militarizada e cidade gramatical liberal, ou seja, a polis moderna representativa. No O Capital, Marx deixa para trás a sociedade hegeliana dividida pelo antagonismo entre sociedade civil e sociedade política. Ele faz tal proeza ao apresentar a formação econômico-social como divisão entre sociedade da economia fabril moderna autocrática, sociedade liberal utilitária de mercadorias e sociedade política liberal a partir da existência das esferas sociedade e política com autonomia relativa em relação à esfera econômica. 

Na sociedade do empregado (simples [ex-operário] e complexo [ex-capitalista]) outras são as relações entre economia, sociedade e política. Este, ao menos, é o desejo de sr. P. Drucker.   

ROTEIRO FINAL DA SOCIEDADE PÓS-CAPITALISTA
O Capital: Marx e Bourdieu, P. Drucker.

Anote-se a diferença abissal da sociedade capitalista da classe capitalista e da classe proletária e a sociedade dos empregados com um outro quadro de classes sociais (Drucker: 39, 65-66). Vejam como a distinção entre trabalho manual e intelectual se diferencia da sociedade pós-capitalista pela inclusão dos trabalhadores do conhecimento; o empregado torna-se trabalhador do conhecimento que detém o capital cultural (Bourdieu. 1996: 35-36) até na manufatura pós-capitalista. 

Sobre Máquina produtiva e improdutiva (Drucker: 40); máquina e produtividade, a máquina não é mais capital constante, fixo; A organização internacional do trabalho da sociedade pós-capitalista mundial não é mais dividido entre capital constante e capital variável, capital e trabalho. É dividida entre empregados (trabalhador do conhecimento ou classe simbólica) e empregados como classe “pós-capitalista mundial” no lugar do capitalista. Agora se trata de uma divisão internacional do empregado no lugar da divisão internacional do trabalho.

O trabalhador do conhecimento é o trabalhador simbólico que detém o capital simbólico, capital cultural? Ele detém o Poder simbólico (Bourdieu. 1989: 7-16). Ele tem que ser parte de uma organização simbólica ou cultural? A política se transformou em uma organização simbólica ou cultural? Ou em uma organização cultural ou simbólica bonapartista neoamericana tout court?

EMPREGADOS E ASSALARIADOS. Empregado sans phrases ou trabalhador do conhecimento é ter acesso a uma organização que não se define pelo assalariamento (Drucker: 39).

No lugar do capitalista sans phrases, O empregado capitalista não é uma personificação do capital, ele é o empregado-gerente do pós-capitalismo dos fundos de pensão etc. (Drucker: 42). Ele é empregado capitalista de uma organização pós-capitalista e se comporta conforme a cultura da aparência da semblância do agir capitalista.  A criação do lucro continua sendo o significante-mestre de sua vida econômica?

P. Drucker diz que na economia capitalista sem capitalistas (relação da grande corporação capitalista mundial fazendo pendant com os Fundos de Pensão, principalmente públicos): “não existe um ‘lucro’. Existem apenas custos: custos do passado (que o contador registra) e custos de um futuro incerto. E no retorno financeiro mínimo das operações do passado adequado aos custos do futuro é o custo do capital. A propósito, por este critério de medição, apenas umas poucas empresas americanas conseguiram cobrir seus custos nos últimos trinta anos”. (Drucker: 53).

O capitalismo da corporação mundial dos gerentes fazendo pendant com o capitalismo sem capitalistas dos Fundos de Pensão fazem o significante capitalista ser constrito à esfera econômica da manufatura industrial que tende a se redefinir como organização econômica pós-capitalista? (Drucker: 47).           

O capital serve ao agir do empregado capitalista; o empregado capitalista não é a personificação do capital; ele é o gerente criativo do capital sans phrases e do capital simbólico ou cultural; o capital em geral serve ao gerente, ao empregado capitalista (Drucker: 42). Entramos em uma sociedade de conhecimento na qual o proletário é foracluído como significante elementar gramatical da cultura da política da economia mundial. O proletário passa a povoar o espaço fático da cultura mundial em tela.
De vez em quando, ele é a explosão fática econômica da luta na fábrica e na rua de alguma cidade gramatical, que caiu no esquecimento.          
          
       

                                                                  DO BONAPARTISMO NEO-AMERICANO HOJE
Três livros se estabelecem por sobredeterminação freudiana do passado como os evangelhos do século XXI. O De Paul Virilio, Vitesse e politique forneceu o significante gramatical técnico do século XXI: KRIMINOSTAT (Virilio. 1977: 55). No entanto, a gramática da sociedade do kriminostat encontra-se no Vigiar e Punir, de Michel Foucault (1975). Trata-se do fenômeno das ilegalidades dos dominantes (Foucault: 267, 269) nas quais a prisão faz pendant com a sociedade de polícia e a dominância do discurso do político do policial na cultura de massas penetrando na cultura em geral nos EUA, na Europa e nos grandes países da América Latina. (Bandeira da Silveira: 139, 137).

Em meu livro Revolução Política (2001) remeto o leitor para o fenômeno do bonapartismo neoamericano que hoje sei que é a junção das ilegalidades dos dominantes e dos dominados na sociedade de polícia e seu Estado pós-capitalista (Idem: 124, 130-140). Trata-se do Criminostat como laço social do lumpenrrepublicanismo da sociedade de polícia, da sociedade do discurso do policial como articulação da hegemonia da cidade gramatical lumpenrrepublicana. (Idem: 126).

Meu livro Revolução política diz que havia dois caminhos para o século XXI latino-americano: O bonapartismo neoamericano (sob controle da democracia da América) e sem recursos suficientes e necessários para controlá-lo:  institucionais e de cultura política público/privado na América-Latina. Estamos em 2001, e o Revolução Política acaba assim:
“No Brasil, há uma saída para modificar a instalação desta anatomia política (gramática em narração cultural política da sociedade foucaultiana gramatical ou ilegalidades dominantes e dos dominados = kriminostat). Este é o único país das Américas que a esquerda existe efetivamente como alternativa ao dispositivo de poder policial. Todavia, só quando a esquerda reconhecer a centralidade das ilegalidades dominantes como causa da conjuntura política, ela tornar-se-á o discurso do Outro que articulará, como revolução política, os inúmeros pontos, em desenvolvimento, de resistência. A esquerda brasileira é uma vontade de revolução política? (Bandeira da Silveira: 140).

Hoje sabemos o caminho bolivariano que a esquerda tomou fazendo corpo mole frente à (e até participando) da sociedade gramatical foucaultiana das ilegalidades generalizadas na sociedade dos significantes de polícia. Agora, Inês é morta?

O efeito do caminho bonapartista neoamericano sobre o Brasil é a CRISE DA NOSSA DEMOCRACIA 1988. Hoje, o país necessita de um governo de salvação da cidade gramatical democrática espalhada em todo o continente nacional. Este é o ponto de partida para o imbróglio político no qual o país está mergulhado.   

Sobre a natureza do kriminostat, o Mille Plateaux o define como anarco-capitalista: “L’Etat totalitaire n’est pas un maximum d’Etat, mais bien plutôt, suivant la formule de Virilio, l’Etat minimum de l’anarcho-capitalisme”. (Deleuze: 578). Tal Estado minimum criminostat é o Estado da sociedade de polícia do bonapartismo neoamericano. São fenômenos de composição genealógica da paisagem da sociedade pós-capitalista.

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