José Paulo
A prática política mundial ou universal se apresenta dividida
entre dois grandes blocos. A primeira é a lógica clássica do dominante:
“que tout chose doit nécessairement être affirmée ou niée, et
qu’il est impossible qu’une chose soit et ne soit pas, en même temps, ainsi que
touts autres prámisses de ce genre”. (Aristote: 129).
A segunda lógica é a
da revolução da forma de governo ou da estrutura da lógica da gramática de
sentido da prática política mundial:
“Desde Heráclito, passando por Hegel, Marx e Lênin, e, em
nossos dias, por Wittgenstein, tem havido filósofos admitindo que a contradição
pode ser aceita em teorias e contexto racionais que expressam conhecimento
legítimos.”. (Newton da Costa. 2008: 170).
As lógicas da prática política supracitadas são organizas
pelas gramáticas de sentido, ou do Bem, ou do Mal. Todavia há uma terceira
lógica para consistente na qual o Bem sai do Mal. A lógica da gramática de
sentido nietzschiana é uma prática política na qual o Bem se torna o Mal e
vice-versa. Elas são e não são, ao mesmo tempo, e mudam de lugar, por inversão
do modo de ser psíquico da práxis individual política como potência e ato em
ato, como atualidade, como lógica da conjuntura nietzschiana:
Nossos cérebros rechaçam
ideia do nascimento de uma coisa que pode nascer de uma contrária, por
exemplo: a verdade do erro,; a vontade do verdadeiro da vontade do falso; o ato
desinteressado do egoísmo ou a contemplação pura do sábio, do interesse. Tal
origem parece impossível; pensar nisso parece próprio de loucos. As realidades
mais sublimes devem ter outra origem, que lhes seja peculiar. Não pode ser sua
mãe esse mundo efêmero, falaz, ilusório e miserável, essa emaranhada cadeia de
ilusões, desejos e frustrações. No seio do ser, no qual não morrerá nunca,
num deus oculto, na <coisa em si>
é onde deve se encontrar seu princípio, ali e em nenhuma outra parte”.
Este é o preconceito
característico dos metafísicos de todos os tempos, este gênero de apreciação se
encontra na base de todos seus procedimentos lógicos [...]. Qualquer que seja o
valor que concedemos ao verdadeiro, à veracidade, ao desinteresse, poderia
ocorrer que nos víssemos obrigados a atribuir à
aparência, à vontade de ilusão, ao egoísmo e á cobiça, um valor superior
e mais essencial á vida; poder-se-ia chegar a supor inclusive que coisas boas têm um valor pela forma insidiosa
em que estão emaranhadas e talvez até cheguem a ser idênticas às coisas más que
parecem m contradição com elas”. (Nietzsche. 1981: 17-18;1971: 22-23).
A prática política nietzschiana aparece como o fenômeno da
nossa atualidade. Ela significa a transição do Estado feudal da lógica
plotino/lacaniano para a lógica do Estado feudal Nietsche/ lacaniano. Este
Estado é potência e ato em ato, ao mesmo tempo, e não é.
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No livro “Ecce Homo”, o eu do filósofo já não se diz homem,
como eu da civilização europeia:
“E como suportaria eu ser homem, se ao homem não fosse também
dado ser poeta, decifrador de enigmas, redentor do acaso?” (Nietzsche. 1957:
124).
Ele diz:
“Ignoro o prazer dos que recebem; e sonhei , tantas vezes,
que roubar era volúpia maior do que aceitar”. Nitzsche. 1957: 122).
O princípio do prazer daqueles que recebem de quem? Recebem o
quê? O princípio do prazer da multidão que recebe a mais-valia pública,
Mehrlust (Lacan. S. 16:29, 30), dinheiro fiscal, do Estado lacaniano?
Há a gramática de sentido da prática política mundial
diferente da lógica, ou do Bem, ou do Mal; a lógica do Bem é aquela do não
prejudicar a população na distribuição do mais-gozar, da mais-valia fiscal, a
mais-valia é produção de riqueza para o gozo de alguém, assim, é a logica do
modo de ser psíquico da práxis individual do governante da democracia do
dominado, do trabalho; a lógica do mal é ajudar o amigo (oligarquia) e
prejudicar o outro (população), é a gramática de sentido da democracia do dominante, do capital; a lógica do mal se
transmuta no não-sentido da prática política do dominante, isto significa sua
crise catastrófica.
O outro fenômeno sai da esfera do dar e receber da lógica da
gramática de sentido ou do Bem, ou do Mal. ele é o roubar a mais-valia fiscal,
dinheiro público. O roubo pode ser o início da mudança fática da forma de
governo No Brasil, o Congresso mudou a forma de governo presidencialista da
Constituição de 1988 através da apropriação indevida de uma parcela substancial
do Orçamento nacional, da mais-valia fiscal, que era propriedade do governo
nacional. Agora, o congresso se encaminha para alterar constitucionalmente a
forma de governo introduzindo o semiparlamentarismo.
Em um voo abaixo do
radar ciência política Youtube e do jornalismo em geral, o Brasil fez a
passagem ao ato em ato da prática política pós-modernista do simulacro de
simulação de governo do dominado (lulismo) para a prática lacaniana do
mais-gozar, do duplo poder leninista (governo socialdemocrata e sovietes),
dualidade de governo executivo, com o governo do Executivo e o governo do parlamento
executivo do mais-gozar, ou mais-valia fiscal/pública. Assim, a forma de
governo presidencialista da Constituição de 1998 foi suplantada por uma forma
de governo lacaniana um bicho político de duas cabeças (xifópago).
A forma de governo xifópaga estabelece uma ordem política
podre, pois, o uso da mais-valia fiscal nas mãos do parlamento (emendas
parlamentares podres, ilegais, injustas, falso perversas) cria e recria uma
prática política de uma economia pública das ilegalidades da práxis individual
de deputados e senadores. Assim, ergue-se uma ditadura lacaniana corrupta da
lógica da gramática de sentido do Mal/gozar contra a democracia constitucional
da lógica da gramática de sentido do Um, do Bem.
A ditadura podre do Congresso executor de mais-valia fiscal
na esfera do aparelho de Estado municipal, principalmente, cria uma forma de
governo municipalista podre do baixo clero do aparelho de Estado executivo.
Parece que esta realidade do Estado está muito além da percepção do “senso
comum” da opinião pública, publicada e em tela digital ou televisiva. O poder
brasileiro se encontra em um campo político que o eleitor não pode ver, escutar
ou viver. A soberania popular fica, então, à mercê de uma estrutura de dominação retórica do
cosmopolitismo mequetrefe do Sudeste, especialmente de São Paulo e Rio.
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A mudança do presidencialismo 1988 para um
semiparlamentarismo de grotesco vulgar tem como causa o não-sentido, pois, este
é a prática política sob comando da práxis individual dirigida pelo desejo
egoísta privado do princípio de prazer na apropriação indébita, ilegal da
mais-valia fiscal do orçamento nacional. Com o semiparlamentarismo, o governo
do político fará um duplo jogo, isto é, combinará o não sentido com o
desenvolvimento de uma lógica de gramática de sentido do mal, do uso do poder
de governo no trato injusto com os ce baixo quanto à distribuição do dinheiro
orçamentário. Assim, o semiparlamentarismo se tornará um governo do Estado
nietzscheano/lacaniano corrupto permanentemente. Assim:
“Entre dar e receber medeia um abismo; e o menor abismo é o
mais difícil de preencher {...}; pudesse eu tirar alguma luz àqueles mesmos a
quem ilumino; daqueles a quem presenteio tirar alguma coisa; tal é a minha sede
de maldade [...]. Retirar a mão, quando ela para vós se estende, tal como a
cascata que ao desprender-se demora ainda – tal é a minha sede de maldade”.
(Nietzsche, 1957: 122).
Eis o desenvolvimento do governo semiparlamentarista -
segundo a lógica da gramática de sentido do Mal absoluta contra o dominado:
“E os meus olhos já não sentem a humilhação dos que pedem, já
por eles não derramam lágrimas; esta mão [L<governamental>] endureceu e
já não sente o estremecimento das mãos cheias” .
A lógica de gramática de sentido do mal absoluto evolui para
o paroxismo no uso do poder governamental em relação às classes baixas:
- Ai! Tal é o desamor dos luminosos astros para o que é
luminoso; seguirem seu curso rigidamente e sem piedade. Cruéis no fundo dos
seus corações contra o que é luminoso, cegos para outros sóis – assim
prosseguem todos os sóis. Oh1 sois vós, e só vós, seres tenebrosos e noturnos,
sois vós os que dais calor através da luz! Oh! sois vós, e só vós, que nos
peitos da luz bebeis o terno leite da vida (Nietzsche. 1957: 123).
O leite terno da vida é a expropriação da mais-valia publica,
do mais-gozar da riqueza de economia pública pela classe política e Banco. Este
controla a metade do orçamento nacional com juros sobre a dívida do Estado
territorial.
A prática política semiparlamentarista se tornará o governo
da meia-noite segundo a combinação catastrófica do exercício da plurivocidade
de práxis individual com o desenvolvimento da lógica da gramática de sentido de
prejudicar a população dos de baixo. Se chegará, enfim, a prática política
heteróclita claro/escuro, do reprofundo do campo político conjuntural:
“É noite; ah, porque tive eu de ser luz e sêde de trevas e
solidão! É noite: agora mana de min, como fonte, o meu desejo – o meu desejo
aspira a formar voz”.
É o desejo egoísta do modo de ser psíquico da práxis
individual regida pelo princípio de prazer do desejo egoísta auri sacra fames
com o dinheiro público:
“é noite: é a hora em que surgem todas as canções de amor. E
também a minha alma é uma canção de amor”. (Nietzche, 1957: 123-124).
Na prática política heteróclita da meia-noite, a classe
política corrupta canta todas as canções de amor ao capital, à lógica de
gramática de sentido do Mal, lógica de sentido da democracia
nietzschiana/lacaniana do dominante.
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A corrupção parlamentar se tornou um fenômeno crônico da
forma de governo de 1988. A gramática da corrupção da forma de governo de 1946
foi feita por Caio Prado Jr:
“Esse <capitalismo burocrático> (chamemo-lo assim de um
nome já consagrado na literatura político-econômica da atualidade, e que se
aplica, com toda propriedade, ao caso brasileiro) tem um papel político
relevante. Sobretudo porque, dada sua própria natureza e as circunstâncias
econômicas em que se apoia, o capitalismo burocrático exerce influência
preponderante na condução dos negócios públicos. Seus interesses, na maior das
vezes, primam sobre os do outro setor da burguesia que não têm, como ele,
vinculações diretas, imediatas e t]ao intimas com a administração pública”.
(Prado Jr: 108).
A gramática de Caio Prado já fala da relação d capital com o
mais-gozar, com a mais-valia fiscal. O paternalismo do poder público:
“afina com a posição do capitalismo burocrático, além de
permitir que ele daí retire proveitos suplementares, como quando desvia para si
uma parcela dos recursos com que o paternalismo o alimenta. Em situação
diferente se encontra a esse respeito o setor mais ortodoxo da burguesia, pois
o paternalismo estatal resulta pelo menos em pesados ônus para os cofres
públicos e, pois, para aquela burguesia, sempre o maior contribuinte do fisco,
e isso sem nenhuma compensação”. (Prado Jr: 110).
Na estrutura do mais-gozar 1988, o Banco cobra em juros
metade do orçamento nacional, isto é, mais-valia fiscal. O Banco detém a
hegemonia no parlamento e assim, ele é, indiretamente, o suporte social da
corrupção parlamentar. A relação entre o Estado fiscal e o capital produtivo é
diferente da 1946. O capital produtivo subdesenvolvido faz parte do mais-gozar.
A multinacional não faz parte do botim. Então, a contradição principal
mais-gozar é entre o Banco e a multinacional.
No regime 1988, a corrupção parlamentar das emendas
parlamentares se tonou um sistema que envolve prefeituras, principalmente. Um
municipalismo corrupto se beneficia da corrupção parlamentar. A diferença da
gramática de Pardo Jr para 1988 consiste que em 1988 temos a lógica da
gramática de sentido da corrupção como Mal uso do dinheiro público, por uma
economia pública ilegal. O Estado 1988 aparece como um fenômeno corrupto, e
esta corrupção não é revelada na TV ou no Youtube. Em 1946, a corrupção foi um
dos temas usado no golpe de Estado de 1964. Se constitui uma consciência
nacional difusa sobrea corrupção:
“Mas suficiente para despertar o descontentamento de largas
camadas da população contra o que considera – e realmente a justo título – o
favoritismo e a corrupção que imperam nos círculos governamentais e nos grupos
econômicos e financeiros que lhes estão próximos. Decorre daí o grande
prestígio popular do <moralismo>, prestígio de que se têm valido as
forças reacionárias do país, e em particular, naturalmente, o outro setor
burguês não comprometido com as manobras e especulações do capital burocrático
e seus associados, para conquistarem posições e combaterem a revolução. A
fulgurante carreira política de Jânio Quadros se deve sobretudo a isso. E sabe-se
como a burguesia ortodoxa, sob a liderança a UDN, procurou se aproveitar dessa
situação. E como, explorando sempre a mesma tecla da <corrupção>,
conseguiu neutralizar e imobilizar as massas populares e com isso esmagar as
forças progressistas – a esquerda nacionalista e revolucionária – com o golpe
de abril [de 1964]”. (Prado Jr.: 112).
No regime de 1988, os partidos hegemônicos dominam os
partidos em geral na prática política heteróclita da superfície reprofundo da
meia-noite. O bloco evangélico no parlamento cria e recria a imagem de que
esses políticos são o <bom homem> da lógica da gramática de sentido
nietzschiana. O <bom homem> crê que ele tem direito
natural ao estado de corrupção generalizado. O bom homem nietzschiano-cristão é
o cínico-falso-perverso.
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Nietzsche fala do modo de ser psíquico da práxis individual
gramatical de sentido do homem bom [político]:
“Na grande economia do Todo (<gramática de sentido da
prática política mundial>], os terríveis golpes da realidade (na ambição,
nas paixões, na vontade de poder) são necessários em grau inapreciável, muito
mais que a forma medíocre de ser feliz que se chama <bondade>. É preciso
até ser indulgente para conceder lugar a esta última, visto que ela tem por
condição a mentira dos instintos [das <afecções>]. Terei já ocasião de
mostrar as consequências perturbantes e incomensuráveis que pôde ter, para toda
a história, o otimismo, essa criação dos <hominis optmi>. Zaratustra
compreendeu antes de ninguém que o otimismo é tão decadente como o pessimismo,
e talvez mais doente. Eis suas palavras:
<os homens bons nunca dizem a verdade. Os homens bons
ensinam a falsidade na maneira de agir e de pensar. Vós nascestes e fostes
educados nas mentiras dos bons. Tudo foi desde o fundo deformado e pervertido
pelos bons>”. (Nietzsche. 1957:151-152).
Os <golpes da realidade> é um fato da gramática
nietzschiana de sentido que aparece como o fator que cria e recria a mudança na
história gramatical de sentido. O homem bom é a estagnação da prática política
enquanto modo de ser psíquico da práxis individual da lógica da gramática de
sentido do Mal nos países subdesenvolvidos. Dificilmente, esses países farão a
transição para o segundo andar da arquitetura mundial da lógica da gramática de
sentido do Estado mercantilista feudal.
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Nietzsche teceu a falsificação popperiana da dialética da
antiguidade socrática? : “Conhecimento no sentido objetivo é conhecimento sem
conhecedor, é conhecimento sem sujeito que conheça. (Popper: 111).
“Segundo sua origem, Sócrates pertence à camada mais baixa do
povo. Sócrates era plebe. Sabe-se, ainda se pode até mesmo ver, quão feio ele
era. Mas a feiura, em si uma objeção, é entre os gregos quase uma refutação”.
(Nietzche. 2000: 18-19).
Sócrates é o modelo estético do Ricardo III, pois não? Um
tirano universal da prática política mundial:
“Sócrates afinal de contas era um grego? Muito
frequentemente, a feiura é a expre4ssão de um desenvolvimento cruzado,
emperrado pelo cruzamento. Em muitos casos, ela aparece como desenvolvimento
decadente. Os antropólogos dentre os criminalistas dizem-nos que o criminoso
típico é feio: <monstrum in fronte, monstrum in animo>. Mas o criminoso é
um <décadent>. Sócrates era um típico criminoso? Ao menos não o contradiz
aquele famoso juízo-fisionômico que soava tão escandaloso aos amigos de
Sócrates. Um estrangeiro, que entendia de rostos, disse certa vez na cara de
Sócrates, ao passar por Atenas, que ele era um monstro e escondia todos os
vícios e desejos ruins em si. E Sócrates respondeu simplesmente: “Vós me
conheceis, meu Senhor!”. (Nietzsche. 2000: 19; 25-26)
Sócrates é um modo de ser psíquico de uma práxis individual monstruosa?
Ele é criatura de uma prática política heteróclita no mundo da cultura grega? A
dialética é um fenômeno de conhecimento da prática política heteróclita da
lógica da gramática de sentido do Mal? Para Platão, a dialética é um modo de
ser psíquico da lógica da gramátic de sentido do Um, do Bem. Do aparelho de
Estado penal que faz o Bem para a sociedade grega. Eis o busílis da
questão?
7
O modo de ser psíquico dialético de Sócrates:
“A ironia de Sócrates é uma expressão de revolta? De
ressentimento da Plebe? Ele goza enquanto oprimido de sua própria ferocidade
nas estocadas do silogismo? Ele vinga-se dos nobres que fascina? – À medida que
se é um dialético, tem-se um instrumento impiedoso nas mãos. Com ele podemos
cunhar tiranos e ridicularizar aqueles que vencemos. O dialético lega ao seu
adversário a necessidade de demonstrar que não é um idiota: ele o deixa
furioso, mas ao mesmo tempo desamparado. O dialético despotencializa o intelecto
de seu aversário. Como? A dialética é apenas uma força de vingança em Sócrates?
(Nietzsche. 2000: 20-21).
A lógica dialética é a guerra civil da plebe contra: o
sofista (que usa a retórica como aparelho de hegemonia da forma de governo da
multidão) e contra a aristocracia que é a lógica da gramática de sentido da
prática política da cultura da antiguidade:
“Mas Sócrates desvendou ainda mais. Ele olhou por detrás de
seus atenienses nobres; ele compreendeu que seu caso, a idiossincrasia de seu
caso, já não era nenhuma exceção. O mesmo tipo de degenerescência já se
preparava em silêncio por toda parte. A velha Atenas caminhava para o fim. – E
Sócrates entendeu que todo o mundo tinha necessidade dele: de sua mediação, de
sua cura, de seu artifício pessoal de autoconservação... Por toda parte os
instintos estavam em anarquia; por toda parte estava-se cinco passos além do
excesso; o <monstrum in animo> era o perigo universal>. ‘Os impulsos
quere fazer-se tiranos; precisa-se descobrir um <antitirano>, que seja
forte’. Quando aquele fisionomista revelou a Sócrates quem ele era, uma caverna
para todos os piores desejos, o grande irônico ainda deixou escapar uma
palavra, que deu a chave para compreendê-lo. ‘Isto é verdade, disse ele, mas me
tornei senhor sobre todos estes desejos’. Como Sócrates se assenhorou de si
mesmo? – No fundo o seu caso foi apenas o caso extremo; apenas o caso mais
distintivo disto que outrora começou a se tornar a indigência universal: o fato
de ninguém mais se assenhorar de si, de os instintos se arremeterem uns contra
os outros. Ele fascinou como este caso extremo – sua feiura apavorante o comunicava
a todos os olhares; ele fascinou, como segue de per si, ainda mais intensamente
enquanto reposta, enquanto solução, enquanto aparência de cura para este caso”.
(Nietzsche. 2000: 21-22).
A relação de força entre alma/corpo e Estado [aparelho –
tribunal -e poder de Estado dos sofistas] é parte do modo psíquico do ser da
práxis individual de Sócrates. A relação entre afecções - ódio, ira, medo,
piedade, educação, amor etc. (Aristoteles. 1982:109), e o eu socrático (senhor
das afecções criam um Sócrates como potência e ato em ato na prática política
da cultura grega. O modelo de pratica política com o logos no comando da
plurivocidade de práxis política faz da racionalidade um ideal inatingível:
“Se se tem necessidade de fazer da <razão> um tirano,
como Sócrates o fez, então o risco de que outra coisa faça-se tirano não deve
ser irrisório. A racionalidade foi outrora desvendada como <salvadora>;
nem Sócrates, nem seus ‘doentes’ estavam livres para serem racionais. Ser
racional foi <de rigueur>, foi o seu último remédio. O fanatismo, com o
qual toda reflexão grega se lança para a racionalidade, trai uma situação
desesperadora. Estava-se e risco, só se tinha uma escolha: ou perecer, ou ser
<absurdamente> racional...”. (Nietzsche. 2000: 22).
A racionalidade absurdamente racional na prática política
desintegra a democracia e é a antessala do modo de ser psíquico do tirano como
forma de governo. Ora, Hegel diz sobre Sócrates algo muito distinto de
Nietzsche:
“Examinemos o começo da história de sua vida. Sócrates, que
nasceu no quarto ano da 77 Olimpíada (469 a.c.), era filho de Sofronisco,
escultor [...]. Seu pai o educou na arte da escultura, e se diz que Sócrates
chegou a ser um escultor muito exímio, e se atribui a ele mais tarde umas
estatuas que representavam as Gracias vestidas e que adornavam a Acrópole de
Atenas. Porém, esta arte não preenchia suas aspirações; sentia uma grande
paixão pela filosofia e um amor imenso pelas investigações científicas. Via na
prática de sua arte simplesmente o meio para obter seu sustento, o estritamente
indispensável para viver e poder dedicar-se, assim, ao estudo das ciências.
Conta-se que um ateniense chamado Critón o ajudou a sufragar os gastos para que
pudesse ser iniciado pelos professores em todas as artes”. (Hegel. 1955: 43-44)
8
Nietzsche fala de Sócrates como lógica do modo de ser
psíquico de uma práxis individual filosófica da <plebe>. Sua ideia põe e
repõe problemas que ele não podia resolver. Problemas que Michel Foucault
encaminhou em uma solução razoável. Antes de prosseguir, preciso tratar de um
significante da história da civilização europeia: a corrupção.
“Os índices [ou sintomas] da corrupção”. (Nietzsche. 1982:
71; 1977: 59).
“23 - Observai os
sintomas destas circunstâncias sociais, necessárias de tempos em tempos, que se
designam pelo termo de <corrupção>”.
A corrupção é um fenômeno necessário para criar e recriar a
mudança da prática política:
“Logo que a corrupção invade qual quer superfície, vê-reinar
uma superstição múltipla, em face da qual a crença geralmente adotada até então
pelo povo enfraquece e se torna impotente”
A superstição é um modo de ser psíquico que enfraquece a
prática política como lógica da gramática do Um, do Bem. A prática política
deixa de ser autoprodução, isto é, potência e ato em ato:
“porque a superstição é um livre pensamento de segunda ordem;
quem se participa dela entrega elege certas formas, certas fórmulas que são
agradáveis; concede-lhe o direito de escolher. O supersticioso tem qualquer
coisa de mais <pessoal> do que o crente; uma sociedade supersticiosa será
aquela na qual se encontram já muitos indivíduos e prazer em tudo o que é
individual”. (Nietzsche. 1982: 72; 1977: 59).
O Brasil vive em um estado de corrupção parlamentar que o
torna um Estado supersticioso, um Estado de uma prática política de
plurivocidade de práxis individual individualista. O homem político brasileiro
é um supersticioso. Sócrates criou o indivíduo na pratica política da cultura
grega, daí ele é a racionalidade como superstição, isto é como fetiche? Há uma lógica da gramática de sentido da
corrupção no mundo moderno? [a lógica do fetichismo da mercadoria significa o
estabelecimento de um estado de corrupção do homem generalizado?
Nietzche:
“Em quarto lugar, quando os <costumes se corrompem>, é
o momento em que aparecem esses seres a que se dá o nome de <tiranos>;
são os precursores, são por assim dizer as precoces guardas-avançadas do
indivíduo. Mas um instante de paciência; esse fruto dos frutos acabará por
pender, maduro e dourado, da árvore do povo [<da plebe?>, interpolação
minha]; só e por via dele que essa árvore existe! Quando a decomposição chegou
ao apogeu, assim como a luta dos tiranos de todas as qualidades, vê-se sempre
chegar o César, o tirano definitivo que vibra o golpe de misericórdia à luta
enfraquecedora da dominação dos inimigos preponderantes fazendo trabalhar o
cansaço em seu proveito. Quando aparece o indivíduo, em geral, é no momento de
sua maturidade perfeita, estando a <cultura> por efeito no seu apogeu da
sua fecundidade; ... mas não é graças a ele, não é por obra do tirano; se bem
que as pessoas cultas muito grande gostem de lisonjear o César, fazendo-o
passar [a lógica da gramática de sentido da prática política, interpolação]
como obra do tirano. Com efeito, é que eles têm necessidade de paz exterior,
porque trazem a sua inquietação dentro deles, porque o seu trabalho é uma coisa
interior. [...]. O futuro é tão incerto que as pessoas vivem o dia a dia,
estado de alma que favorece o jogo dos tentadores de todas as espécies; porque
também não se deixa seduzir, e corromper senão por <um dia>,
reservando-se um futuro de virtude” Sabe-se que o indivíduo, esse autêntico
homem <em si> pensa mais nas coisas do momento do que o seu antípoda, o
homem do rebanho, aquele não pensa contar mais consigo nem com o futuro: assim, liga-se do mesmo modo aos
tiranos, porque se julga capaz de ações e de investigações que não podem contar
nem com a inteligência nem com o perdão da multidão ...uma vez que o tirano ou
o César compreendem o direito do indivíduo, mesmo nas suas aberrações; tem
interesse em permitir uma moral pessoal mais ousada e até mesmo em lhe dar a
mão”. (Nietzsche.1982: 73-74).
A prática política cesarista depende do modo de ser psíquico
de práxis individualista de toda uma civilização europeia copiada nas Américas,
por exemplo:
“As épocas de corrupção são aquelas em que as maçãs caem da
arvore; quero dizer os indivíduos, aqueles que carregam consigo em si a semente
do futuro, os promotores da colonização intelectual, os que querem modificar as
relações entre o Estado e a sociedade. A palavra corrupção só é um termo
injurioso quando designa os <outonos> de um povo”. (Nietzsche. 1982: 74).
Assim, Nietzche
alcança a imagem textual de um Sócrates, do modo de ser psíquico socrático com
outono da vida de Atenas, de decadência e doença social [páthos?] da prática
política de uma civilização europeia, estruturada e movida pela lógica da
gramática de sentido do Um, do Bem.
9
O TEXTO de Michel Foucault não possui
uma concepção política de mundo aristocrática como o TEXTO de Nietzsche. Assim,
a <plebe> do primeiro é diferente da do segundo. No texto de Foucault, a
plebe aparece como um fenômeno de um modo d ser psíquico práxis individual e de
multidão da prática política mundial:
<La plèbe> n’existe sans doute
pas, mais y a ,de la> plèbe. Il y a de la plèbe dans les courps, et dans les
âmes, il y a dans les individus, dans le prolétariat, il y a dans la
bourgeoisie, mais avec une extensinon, des formes, des énergies, des
irréductibilités diverses. Cette part de plèbe, c’est moins l’exterieur par
rapport aux relations de pouvoir, que leur limite, leurs envers, leur
contrecoup; c’est ce qui répond à tout avance du pouvoir par un mouvement pour
s’en dégager; c’est donc ce qui motive tout nouveau développement des réseaux
du pouvoir. La réduction de la plèbe
peut s’effectuer de trois façõns: soit par
son assujeittissement effectif, soit par la utilization comme plèbe (cf.
l’exemple de la déliquence au XXI siècle), soit encore lorsqu’elle se fixe
elle- même selon une stratégie de résistence. Prendre ce point de vue de la
plèbe, qui est celui de l’envers et de la limite par au pouvoir, est donc indispensable
pour faire l’analyse de ses dispositfs; à partir de là peuvent se comprendre
son fonctionnement et ses développements. Je ne pense pas que cela puisse se
confondre emn aucune maniére avec un néopopulisme qui substantifierait la plébe
ou un neoliberlisme qui en chanterait les droits primitifs”; (Foucault:
421-422).
A plebe socrática não é nietzschiana,
e sim foucaultiana. Ela é uma prática política de transformação de uma época
para outra. Como Sócrates e os socráticos, a plebe do fim da época da politeia
aparece como uma lógica de gramática de sentido [de um modo de ser psíquico
[individual e coletivo], uma potência e ato em ato, como autoprodução de uma
nova prática política; nesse sentido, a plebe pode ser autoprodução de
cesarismo ou revolução da forma de governo ou da estrutura gramatical de
sentido da prática política mundial.
A plebe pode ser um erro da história
de uma civilização como a europeia ou a das Américas? A plebe pode ser justa ou
injusta, justa e injusta, ao mesmo tempo, como o aparelho de Estado penal?
Philonenko:
“A impossibilidade de elaborar uma
doutrina do erro coerente que, ao nível em que o Estado se colocou, o justo e o
injusto se confundem”. (Philonenko: 176). O verdadeiro problema é o da prática
política, em Sócrates e Platão. “Por outro lado, este mundo da doxa, onde não
se sabe o que se faz, não eixa de ser trágico. Pois veem-se bem as condições
colocadas pela especulação à pregação. Ousaríamos dizer que é preciso
atravessar o nevoeiro do mundo doxológico e elevar-se ao mundo dianológico em
que a verdade é <index sui et falsi [indicador de si e do falso}”.
(Philonenko: 176).
A plebe aparece na filosofia antiga
como a multidão da revolução das formas de governo e dos modos de ser psíquicos
da plurivocidade de práxis individual -que fundam um novo campo de juízos de
valor e juízos de fato de uma nova prática política mundial:
“A lição política que o <Teeteto> nos dá
é a seguinte: as forças políticas que se apoderam doo Estado são tanto mais
injustas quanto, ao colocarmos ao seu nível, que é o da doxa, não sabemos
distinguir o verdadeiro do falso (dizer o que é erro), ou ainda o justo e o
injusto. Ouso dizer que desconhecer o erro não é nada disso: é expor-se a
cometer, sem querer – pois, se o soubesse, não se cometeriam – terríveis danos
na pessoa humana e a doutrina do <Górgias> encontra a sua pertinência.
Contudo, por outro lado, a doutrina do erro, por assim dizer
<solidificada> ao nível do <Teeteto> (Sócrates já morreu), persuade
pLatão de que, sem qualquer grande revolução, a Cidade está perdida”.
(Philonenko: 175).
A plebe pode ser a força política de
uma revolução barroca permanente de nossa época? (Bandeira da Silveira. 2023,
cap. 3). Ela salvará a nossa época da desintegração do Estado e da sociedade? A revolução barroca necessita de um modo de
ser da práxis individual ou coletiva forjado na lógica da gramática de sentido
da ciência política materialista.
10
É possível aplicar na prática
política o conceito de lógica dialética de Henri Lefebvre?
“Ainda que a lógica seja uma ciência
e implique gramática se sintaxe do saber (normas e encadeamentos), não se reduz
nem à linguística nem à semântica. Nem por isso deixa a <lógica
dialética> de ser aquela que assegura a passagem da tautologia para a lógica
das proposições, das propriedades; para a lógica concreta [...]. (Lefebvre:
31).
A lógica dialética é uma gramática. A
lógica da gramática de sentido é a gramática concreta da gramática de sentido
na prática política mundial ou da formação social nacional. Só é possível
aplicar a lógica nietzschiana na prática política por ela ser uma gramática
concreta do concreto.
Lefebvre:
Ela se define com e por uma
transparência inicial e não final para o pensamento reflexivo; e final e não
inicial para o pensamento que busca captar em si mesmo os conteúdos, os objetos
na práxis. Esse duplo movimento é necessário para definir a lógica, lugar comum,
elemento neutro dos conjuntos ordenados (de modo geralmente incompleto) pelo
pensamento. Isso a distingue das outras ciências que tratam desses conjuntos
ordenados, inclusive da linguística e da semântica. A lógica com suas regras
(que prescrevem a coerência), seria mais um <thesaurus> que um
<corpus>”. (Lefebvre: 31).
A lógica concreta da gramática de
sentido permite ver se os conteúdos da prática política, isto é, os objetos da
práxis [os fenômenos na conjuntura deles] se constituem como lógica do Bem, do
Um, ou lógica do Mal em uma dialética a partir da qual eles podem aparecer na
estrutura gramatical de sentido como aspecto dominante e aspecto dominado da
contradição principal. (Mao: 369):
Isso implica uma lista de proibições
do domínio do saber, correlativa a uma lista de permissões (e transgressões) na
literatura. Nesta, a coerência é de outro tipo. O saber se funda, se assim se
pode dizer, na proibição da metonímia (a passagem da parte ao todo e do todo à
parte deve ser rigorosa) e, mais ainda, na proscrição do anacoluto”. (Lefebvre:
31).
O desterro do anacoluto é i índice de
que a lógica é um fenômeno gramatical, também. O que é o desterro do anacoluto
na prática política?
“Anacoluto é a quebra da estruturação
lógica da oração”. (Bechara: 330).
A oração é a unidade mínima da lógica
da gramática de sentido da prática política, ou do Bem, ou do Mal: <Fazer o bem ou fazer o Mal>. A quebra
dessa oração cria anarquia lógica/gramatical na plurivocidade de práxis
individual como fenômeno político.
“Anacoluto é a mudança de construção
sintática no meio do enunciado, geralmente depois de uma pausa sensível, como
nestes exemplos:
<No berço>, pendente dos ramos
floridos,
Em que eu pequenino feliz dormitava;
<Quem é que esse berço> com
todo cuidado
Cantando cantigas <alegre
embalava?> (C. de Abreu, O, 78).
[...]
No primeiro exemplo, observamos que a
oração iniciada por <no berço> não teve seguimento normal no terceiro
verso, que devia continuá-la, e, em consequência, aquela expressão ficou solta
no período.
<Umas carabinas> que guardava
atrás do guarda-roupa, <a gente brincava com elas>, de tão imprestáveis.
(J. Lins do Rego. ME, 136).
A expressão <umas carabinas>
ficou desligada do resto da oração principal. Trata-se de um estádio de
anarquia na prática política que não permite que a plurivocidade de práxis
individual articule a hegemonia do aparelho de hegemonia do Estado. A propósito
evita-se com a lógica como gramática qualquer substancialismo na definição de
aparelho de Estado. O aparelho é um domínio no qual se movimenta a práxis
individual que o estrutura e dá vida a ele.
Bom! Bom! <eu parece-me> que ainda não
ofendi ninguém (J. Régio, SM, 105).
No exemplo de José Régio foi o
pronome eu, que se anunciava como sujeito do verbo seguinte, o elemento que
ficou sem função. Com a imprevista estrutura assumida pela frase, à primeira
pessoa, por ele representada, passou a objeto indireto (<me>). (Celso
Cunha: 613).
O que significa o eu político ou
hegemonikón (Elorduy: 26) perder a função de articulação da hegemonia na
prática política mundial? Passar de <eu> para <me> na frase?
O hegemonikón perde a função de
articulação do aparelho de Estado como criação e recriação da hegemonia na
prática política mundial. O estado de anarquia é o efeito desse fenômeno. Ora,
Donald Trump e Elon Musk constituem-se como o anacoluto na prática política dos
EUA e mundial.
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