segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Lógica nietzschiana com Lacan, cesarismo e anacoluto

 

José Paulo 

 

A prática política mundial ou universal se apresenta dividida entre dois grandes blocos. A primeira é a lógica clássica do dominante:

“que tout chose doit nécessairement être affirmée ou niée, et qu’il est impossible qu’une chose soit et ne soit pas, en même temps, ainsi que touts autres prámisses de ce genre”. (Aristote: 129).

 A segunda lógica é a da revolução da forma de governo ou da estrutura da lógica da gramática de sentido da prática política mundial:

“Desde Heráclito, passando por Hegel, Marx e Lênin, e, em nossos dias, por Wittgenstein, tem havido filósofos admitindo que a contradição pode ser aceita em teorias e contexto racionais que expressam conhecimento legítimos.”. (Newton da Costa. 2008: 170).

As lógicas da prática política supracitadas são organizas pelas gramáticas de sentido, ou do Bem, ou do Mal. Todavia há uma terceira lógica para consistente na qual o Bem sai do Mal. A lógica da gramática de sentido nietzschiana é uma prática política na qual o Bem se torna o Mal e vice-versa. Elas são e não são, ao mesmo tempo, e mudam de lugar, por inversão do modo de ser psíquico da práxis individual política como potência e ato em ato, como atualidade, como lógica da conjuntura nietzschiana:

Nossos cérebros rechaçam  ideia do nascimento de uma coisa que pode nascer de uma contrária, por exemplo: a verdade do erro,; a vontade do verdadeiro da vontade do falso; o ato desinteressado do egoísmo ou a contemplação pura do sábio, do interesse. Tal origem parece impossível; pensar nisso parece próprio de loucos. As realidades mais sublimes devem ter outra origem, que lhes seja peculiar. Não pode ser sua mãe esse mundo efêmero, falaz, ilusório e miserável, essa emaranhada cadeia de ilusões, desejos e frustrações. No seio do ser, no qual não morrerá nunca, num  deus oculto, na <coisa em si> é onde deve se encontrar seu princípio, ali e em nenhuma outra parte”.

Este é  o preconceito característico dos metafísicos de todos os tempos, este gênero de apreciação se encontra na base de todos seus procedimentos lógicos [...]. Qualquer que seja o valor que concedemos ao verdadeiro, à veracidade, ao desinteresse, poderia ocorrer que nos víssemos obrigados a atribuir à  aparência, à vontade de ilusão, ao egoísmo e á cobiça, um valor superior e mais essencial á vida; poder-se-ia chegar a supor inclusive que  coisas boas têm um valor pela forma insidiosa em que estão emaranhadas e talvez até cheguem a ser idênticas às coisas más que parecem m contradição com elas”. (Nietzsche. 1981: 17-18;1971: 22-23).

A prática política nietzschiana aparece como o fenômeno da nossa atualidade. Ela significa a transição do Estado feudal da lógica plotino/lacaniano para a lógica do Estado feudal Nietsche/ lacaniano. Este Estado é potência e ato em ato, ao mesmo tempo, e não é.

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No livro “Ecce Homo”, o eu do filósofo já não se diz homem, como eu da civilização europeia:

“E como suportaria eu ser homem, se ao homem não fosse também dado ser poeta, decifrador de enigmas, redentor do acaso?” (Nietzsche. 1957: 124).

Ele diz:

“Ignoro o prazer dos que recebem; e sonhei , tantas vezes, que roubar era volúpia maior do que aceitar”. Nitzsche. 1957: 122).

O princípio do prazer daqueles que recebem de quem? Recebem o quê? O princípio do prazer da multidão que recebe a mais-valia pública, Mehrlust (Lacan. S. 16:29, 30), dinheiro fiscal, do Estado lacaniano?

Há a gramática de sentido da prática política mundial diferente da lógica, ou do Bem, ou do Mal; a lógica do Bem é aquela do não prejudicar a população na distribuição do mais-gozar, da mais-valia fiscal, a mais-valia é produção de riqueza para o gozo de alguém, assim, é a logica do modo de ser psíquico da práxis individual do governante da democracia do dominado, do trabalho; a lógica do mal é ajudar o amigo (oligarquia) e prejudicar o outro (população), é a gramática de sentido da democracia  do dominante, do capital; a lógica do mal se transmuta no não-sentido da prática política do dominante, isto significa sua crise catastrófica.

O outro fenômeno sai da esfera do dar e receber da lógica da gramática de sentido ou do Bem, ou do Mal. ele é o roubar a mais-valia fiscal, dinheiro público. O roubo pode ser o início da mudança fática da forma de governo No Brasil, o Congresso mudou a forma de governo presidencialista da Constituição de 1988 através da apropriação indevida de uma parcela substancial do Orçamento nacional, da mais-valia fiscal, que era propriedade do governo nacional. Agora, o congresso se encaminha para alterar constitucionalmente a forma de governo introduzindo o semiparlamentarismo.      

 Em um voo abaixo do radar ciência política Youtube e do jornalismo em geral, o Brasil fez a passagem ao ato em ato da prática política pós-modernista do simulacro de simulação de governo do dominado (lulismo) para a prática lacaniana do mais-gozar, do duplo poder leninista (governo socialdemocrata e sovietes), dualidade de governo executivo, com o governo do Executivo e o governo do parlamento executivo do mais-gozar, ou mais-valia fiscal/pública. Assim, a forma de governo presidencialista da Constituição de 1998 foi suplantada por uma forma de governo lacaniana um bicho político de duas cabeças (xifópago).

A forma de governo xifópaga estabelece uma ordem política podre, pois, o uso da mais-valia fiscal nas mãos do parlamento (emendas parlamentares podres, ilegais, injustas, falso perversas) cria e recria uma prática política de uma economia pública das ilegalidades da práxis individual de deputados e senadores. Assim, ergue-se uma ditadura lacaniana corrupta da lógica da gramática de sentido do Mal/gozar contra a democracia constitucional da lógica da gramática de sentido do Um, do Bem.

A ditadura podre do Congresso executor de mais-valia fiscal na esfera do aparelho de Estado municipal, principalmente, cria uma forma de governo municipalista podre do baixo clero do aparelho de Estado executivo. Parece que esta realidade do Estado está muito além da percepção do “senso comum” da opinião pública, publicada e em tela digital ou televisiva. O poder brasileiro se encontra em um campo político que o eleitor não pode ver, escutar ou viver. A soberania popular fica, então, à mercê  de uma estrutura de dominação retórica do cosmopolitismo mequetrefe do Sudeste, especialmente de São Paulo e Rio. 

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A mudança do presidencialismo 1988 para um semiparlamentarismo de grotesco vulgar tem como causa o não-sentido, pois, este é a prática política sob comando da práxis individual dirigida pelo desejo egoísta privado do princípio de prazer na apropriação indébita, ilegal da mais-valia fiscal do orçamento nacional. Com o semiparlamentarismo, o governo do político fará um duplo jogo, isto é, combinará o não sentido com o desenvolvimento de uma lógica de gramática de sentido do mal, do uso do poder de governo no trato injusto com os ce baixo quanto à distribuição do dinheiro orçamentário. Assim, o semiparlamentarismo se tornará um governo do Estado nietzscheano/lacaniano corrupto permanentemente. Assim:

“Entre dar e receber medeia um abismo; e o menor abismo é o mais difícil de preencher {...}; pudesse eu tirar alguma luz àqueles mesmos a quem ilumino; daqueles a quem presenteio tirar alguma coisa; tal é a minha sede de maldade [...]. Retirar a mão, quando ela para vós se estende, tal como a cascata que ao desprender-se demora ainda – tal é a minha sede de maldade”. (Nietzsche, 1957: 122).

Eis o desenvolvimento do governo semiparlamentarista - segundo a lógica da gramática de sentido do Mal absoluta contra o dominado:

“E os meus olhos já não sentem a humilhação dos que pedem, já por eles não derramam lágrimas; esta mão [L<governamental>] endureceu e já não sente o estremecimento das mãos cheias” .

A lógica de gramática de sentido do mal absoluto evolui para o paroxismo no uso do poder governamental em relação às classes baixas:

- Ai! Tal é o desamor dos luminosos astros para o que é luminoso; seguirem seu curso rigidamente e sem piedade. Cruéis no fundo dos seus corações contra o que é luminoso, cegos para outros sóis – assim prosseguem todos os sóis. Oh1 sois vós, e só vós, seres tenebrosos e noturnos, sois vós os que dais calor através da luz! Oh! sois vós, e só vós, que nos peitos da luz bebeis o terno leite da vida (Nietzsche. 1957: 123).

O leite terno da vida é a expropriação da mais-valia publica, do mais-gozar da riqueza de economia pública pela classe política e Banco. Este controla a metade do orçamento nacional com juros sobre a dívida do Estado territorial.

A prática política semiparlamentarista se tornará o governo da meia-noite segundo a combinação catastrófica do exercício da plurivocidade de práxis individual com o desenvolvimento da lógica da gramática de sentido de prejudicar a população dos de baixo. Se chegará, enfim, a prática política heteróclita claro/escuro, do reprofundo do campo político conjuntural:

“É noite; ah, porque tive eu de ser luz e sêde de trevas e solidão! É noite: agora mana de min, como fonte, o meu desejo – o meu desejo aspira a formar voz”.

É o desejo egoísta do modo de ser psíquico da práxis individual regida pelo princípio de prazer do desejo egoísta auri sacra fames com o dinheiro público:

“é noite: é a hora em que surgem todas as canções de amor. E também a minha alma é uma canção de amor”. (Nietzche, 1957: 123-124).

Na prática política heteróclita da meia-noite, a classe política corrupta canta todas as canções de amor ao capital, à lógica de gramática de sentido do Mal, lógica de sentido da democracia nietzschiana/lacaniana do dominante.  

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A corrupção parlamentar se tornou um fenômeno crônico da forma de governo de 1988. A gramática da corrupção da forma de governo de 1946 foi feita por Caio Prado Jr:

“Esse <capitalismo burocrático> (chamemo-lo assim de um nome já consagrado na literatura político-econômica da atualidade, e que se aplica, com toda propriedade, ao caso brasileiro) tem um papel político relevante. Sobretudo porque, dada sua própria natureza e as circunstâncias econômicas em que se apoia, o capitalismo burocrático exerce influência preponderante na condução dos negócios públicos. Seus interesses, na maior das vezes, primam sobre os do outro setor da burguesia que não têm, como ele, vinculações diretas, imediatas e t]ao intimas com a administração pública”. (Prado Jr: 108).

A gramática de Caio Prado já fala da relação d capital com o mais-gozar, com a mais-valia fiscal. O paternalismo do poder público:

“afina com a posição do capitalismo burocrático, além de permitir que ele daí retire proveitos suplementares, como quando desvia para si uma parcela dos recursos com que o paternalismo o alimenta. Em situação diferente se encontra a esse respeito o setor mais ortodoxo da burguesia, pois o paternalismo estatal resulta pelo menos em pesados ônus para os cofres públicos e, pois, para aquela burguesia, sempre o maior contribuinte do fisco, e isso sem nenhuma compensação”. (Prado Jr: 110).      

Na estrutura do mais-gozar 1988, o Banco cobra em juros metade do orçamento nacional, isto é, mais-valia fiscal. O Banco detém a hegemonia no parlamento e assim, ele é, indiretamente, o suporte social da corrupção parlamentar. A relação entre o Estado fiscal e o capital produtivo é diferente da 1946. O capital produtivo subdesenvolvido faz parte do mais-gozar. A multinacional não faz parte do botim. Então, a contradição principal mais-gozar é entre o Banco e a multinacional.

No regime 1988, a corrupção parlamentar das emendas parlamentares se tonou um sistema que envolve prefeituras, principalmente. Um municipalismo corrupto se beneficia da corrupção parlamentar. A diferença da gramática de Pardo Jr para 1988 consiste que em 1988 temos a lógica da gramática de sentido da corrupção como Mal uso do dinheiro público, por uma economia pública ilegal. O Estado 1988 aparece como um fenômeno corrupto, e esta corrupção não é revelada na TV ou no Youtube. Em 1946, a corrupção foi um dos temas usado no golpe de Estado de 1964. Se constitui uma consciência nacional difusa sobrea corrupção:

“Mas suficiente para despertar o descontentamento de largas camadas da população contra o que considera – e realmente a justo título – o favoritismo e a corrupção que imperam nos círculos governamentais e nos grupos econômicos e financeiros que lhes estão próximos. Decorre daí o grande prestígio popular do <moralismo>, prestígio de que se têm valido as forças reacionárias do país, e em particular, naturalmente, o outro setor burguês não comprometido com as manobras e especulações do capital burocrático e seus associados, para conquistarem posições e combaterem a revolução. A fulgurante carreira política de Jânio Quadros se deve sobretudo a isso. E sabe-se como a burguesia ortodoxa, sob a liderança a UDN, procurou se aproveitar dessa situação. E como, explorando sempre a mesma tecla da <corrupção>, conseguiu neutralizar e imobilizar as massas populares e com isso esmagar as forças progressistas – a esquerda nacionalista e revolucionária – com o golpe de abril [de 1964]”. (Prado Jr.: 112).

No regime de 1988, os partidos hegemônicos dominam os partidos em geral na prática política heteróclita da superfície reprofundo da meia-noite. O bloco evangélico no parlamento cria e recria a imagem de que esses políticos são o <bom homem> da lógica da gramática de sentido nietzschiana.   O <bom homem> crê que ele tem direito natural ao estado de corrupção generalizado. O bom homem nietzschiano-cristão é o cínico-falso-perverso.  

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Nietzsche fala do modo de ser psíquico da práxis individual gramatical de sentido do homem bom [político]:

“Na grande economia do Todo (<gramática de sentido da prática política mundial>], os terríveis golpes da realidade (na ambição, nas paixões, na vontade de poder) são necessários em grau inapreciável, muito mais que a forma medíocre de ser feliz que se chama <bondade>. É preciso até ser indulgente para conceder lugar a esta última, visto que ela tem por condição a mentira dos instintos [das <afecções>]. Terei já ocasião de mostrar as consequências perturbantes e incomensuráveis que pôde ter, para toda a história, o otimismo, essa criação dos <hominis optmi>. Zaratustra compreendeu antes de ninguém que o otimismo é tão decadente como o pessimismo, e talvez mais doente. Eis suas palavras:

<os homens bons nunca dizem a verdade. Os homens bons ensinam a falsidade na maneira de agir e de pensar. Vós nascestes e fostes educados nas mentiras dos bons. Tudo foi desde o fundo deformado e pervertido pelos bons>”. (Nietzsche. 1957:151-152).     

Os <golpes da realidade> é um fato da gramática nietzschiana de sentido que aparece como o fator que cria e recria a mudança na história gramatical de sentido. O homem bom é a estagnação da prática política enquanto modo de ser psíquico da práxis individual da lógica da gramática de sentido do Mal nos países subdesenvolvidos. Dificilmente, esses países farão a transição para o segundo andar da arquitetura mundial da lógica da gramática de sentido do Estado mercantilista feudal.   

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Nietzsche teceu a falsificação popperiana da dialética da antiguidade socrática? : “Conhecimento no sentido objetivo é conhecimento sem conhecedor, é conhecimento sem sujeito que conheça. (Popper: 111).  

“Segundo sua origem, Sócrates pertence à camada mais baixa do povo. Sócrates era plebe. Sabe-se, ainda se pode até mesmo ver, quão feio ele era. Mas a feiura, em si uma objeção, é entre os gregos quase uma refutação”. (Nietzche. 2000: 18-19).

Sócrates é o modelo estético do Ricardo III, pois não? Um tirano universal da prática política mundial:

“Sócrates afinal de contas era um grego? Muito frequentemente, a feiura é a expre4ssão de um desenvolvimento cruzado, emperrado pelo cruzamento. Em muitos casos, ela aparece como desenvolvimento decadente. Os antropólogos dentre os criminalistas dizem-nos que o criminoso típico é feio: <monstrum in fronte, monstrum in animo>. Mas o criminoso é um <décadent>. Sócrates era um típico criminoso? Ao menos não o contradiz aquele famoso juízo-fisionômico que soava tão escandaloso aos amigos de Sócrates. Um estrangeiro, que entendia de rostos, disse certa vez na cara de Sócrates, ao passar por Atenas, que ele era um monstro e escondia todos os vícios e desejos ruins em si. E Sócrates respondeu simplesmente: “Vós me conheceis, meu Senhor!”. (Nietzsche. 2000: 19; 25-26)

Sócrates é um modo de ser psíquico de uma práxis individual monstruosa? Ele é criatura de uma prática política heteróclita no mundo da cultura grega? A dialética é um fenômeno de conhecimento da prática política heteróclita da lógica da gramática de sentido do Mal? Para Platão, a dialética é um modo de ser psíquico da lógica da gramátic de sentido do Um, do Bem. Do aparelho de Estado penal que faz o Bem para a sociedade grega. Eis o busílis da questão?   

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O modo de ser psíquico dialético de Sócrates:

“A ironia de Sócrates é uma expressão de revolta? De ressentimento da Plebe? Ele goza enquanto oprimido de sua própria ferocidade nas estocadas do silogismo? Ele vinga-se dos nobres que fascina? – À medida que se é um dialético, tem-se um instrumento impiedoso nas mãos. Com ele podemos cunhar tiranos e ridicularizar aqueles que vencemos. O dialético lega ao seu adversário a necessidade de demonstrar que não é um idiota: ele o deixa furioso, mas ao mesmo tempo desamparado. O dialético despotencializa o intelecto de seu aversário. Como? A dialética é apenas uma força de vingança em Sócrates? (Nietzsche. 2000: 20-21).

A lógica dialética é a guerra civil da plebe contra: o sofista (que usa a retórica como aparelho de hegemonia da forma de governo da multidão) e contra a aristocracia que é a lógica da gramática de sentido da prática política da cultura da antiguidade:

“Mas Sócrates desvendou ainda mais. Ele olhou por detrás de seus atenienses nobres; ele compreendeu que seu caso, a idiossincrasia de seu caso, já não era nenhuma exceção. O mesmo tipo de degenerescência já se preparava em silêncio por toda parte. A velha Atenas caminhava para o fim. – E Sócrates entendeu que todo o mundo tinha necessidade dele: de sua mediação, de sua cura, de seu artifício pessoal de autoconservação... Por toda parte os instintos estavam em anarquia; por toda parte estava-se cinco passos além do excesso; o <monstrum in animo> era o perigo universal>. ‘Os impulsos quere fazer-se tiranos; precisa-se descobrir um <antitirano>, que seja forte’. Quando aquele fisionomista revelou a Sócrates quem ele era, uma caverna para todos os piores desejos, o grande irônico ainda deixou escapar uma palavra, que deu a chave para compreendê-lo. ‘Isto é verdade, disse ele, mas me tornei senhor sobre todos estes desejos’. Como Sócrates se assenhorou de si mesmo? – No fundo o seu caso foi apenas o caso extremo; apenas o caso mais distintivo disto que outrora começou a se tornar a indigência universal: o fato de ninguém mais se assenhorar de si, de os instintos se arremeterem uns contra os outros. Ele fascinou como este caso extremo – sua feiura apavorante o comunicava a todos os olhares; ele fascinou, como segue de per si, ainda mais intensamente enquanto reposta, enquanto solução, enquanto aparência de cura para este caso”. (Nietzsche. 2000: 21-22).

A relação de força entre alma/corpo e Estado [aparelho – tribunal -e poder de Estado dos sofistas] é parte do modo psíquico do ser da práxis individual de Sócrates. A relação entre afecções - ódio, ira, medo, piedade, educação, amor etc. (Aristoteles. 1982:109), e o eu socrático (senhor das afecções criam um Sócrates como potência e ato em ato na prática política da cultura grega. O modelo de pratica política com o logos no comando da plurivocidade de práxis política faz da racionalidade um ideal inatingível:

“Se se tem necessidade de fazer da <razão> um tirano, como Sócrates o fez, então o risco de que outra coisa faça-se tirano não deve ser irrisório. A racionalidade foi outrora desvendada como <salvadora>; nem Sócrates, nem seus ‘doentes’ estavam livres para serem racionais. Ser racional foi <de rigueur>, foi o seu último remédio. O fanatismo, com o qual toda reflexão grega se lança para a racionalidade, trai uma situação desesperadora. Estava-se e risco, só se tinha uma escolha: ou perecer, ou ser <absurdamente> racional...”. (Nietzsche. 2000: 22). 

A racionalidade absurdamente racional na prática política desintegra a democracia e é a antessala do modo de ser psíquico do tirano como forma de governo. Ora, Hegel diz sobre Sócrates algo muito distinto de Nietzsche:

“Examinemos o começo da história de sua vida. Sócrates, que nasceu no quarto ano da 77 Olimpíada (469 a.c.), era filho de Sofronisco, escultor [...]. Seu pai o educou na arte da escultura, e se diz que Sócrates chegou a ser um escultor muito exímio, e se atribui a ele mais tarde umas estatuas que representavam as Gracias vestidas e que adornavam a Acrópole de Atenas. Porém, esta arte não preenchia suas aspirações; sentia uma grande paixão pela filosofia e um amor imenso pelas investigações científicas. Via na prática de sua arte simplesmente o meio para obter seu sustento, o estritamente indispensável para viver e poder dedicar-se, assim, ao estudo das ciências. Conta-se que um ateniense chamado Critón o ajudou a sufragar os gastos para que pudesse ser iniciado pelos professores em todas as artes”. (Hegel. 1955: 43-44)  

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Nietzsche fala de Sócrates como lógica do modo de ser psíquico de uma práxis individual filosófica da <plebe>. Sua ideia põe e repõe problemas que ele não podia resolver. Problemas que Michel Foucault encaminhou em uma solução razoável. Antes de prosseguir, preciso tratar de um significante da história da civilização europeia: a corrupção.

“Os índices [ou sintomas] da corrupção”. (Nietzsche. 1982: 71; 1977: 59). 

“23 -  Observai os sintomas destas circunstâncias sociais, necessárias de tempos em tempos, que se designam pelo termo de <corrupção>”.

A corrupção é um fenômeno necessário para criar e recriar a mudança da prática política:

“Logo que a corrupção invade qual quer superfície, vê-reinar uma superstição múltipla, em face da qual a crença geralmente adotada até então pelo povo enfraquece e se torna impotente”

A superstição é um modo de ser psíquico que enfraquece a prática política como lógica da gramática do Um, do Bem. A prática política deixa de ser autoprodução, isto é, potência e ato em ato:

“porque a superstição é um livre pensamento de segunda ordem; quem se participa dela entrega elege certas formas, certas fórmulas que são agradáveis; concede-lhe o direito de escolher. O supersticioso tem qualquer coisa de mais <pessoal> do que o crente; uma sociedade supersticiosa será aquela na qual se encontram já muitos indivíduos e prazer em tudo o que é individual”. (Nietzsche. 1982: 72; 1977: 59).

O Brasil vive em um estado de corrupção parlamentar que o torna um Estado supersticioso, um Estado de uma prática política de plurivocidade de práxis individual individualista. O homem político brasileiro é um supersticioso. Sócrates criou o indivíduo na pratica política da cultura grega, daí ele é a racionalidade como superstição, isto é como fetiche?  Há uma lógica da gramática de sentido da corrupção no mundo moderno? [a lógica do fetichismo da mercadoria significa o estabelecimento de um estado de corrupção do homem generalizado?

Nietzche:

“Em quarto lugar, quando os <costumes se corrompem>, é o momento em que aparecem esses seres a que se dá o nome de <tiranos>; são os precursores, são por assim dizer as precoces guardas-avançadas do indivíduo. Mas um instante de paciência; esse fruto dos frutos acabará por pender, maduro e dourado, da árvore do povo [<da plebe?>, interpolação minha]; só e por via dele que essa árvore existe! Quando a decomposição chegou ao apogeu, assim como a luta dos tiranos de todas as qualidades, vê-se sempre chegar o César, o tirano definitivo que vibra o golpe de misericórdia à luta enfraquecedora da dominação dos inimigos preponderantes fazendo trabalhar o cansaço em seu proveito. Quando aparece o indivíduo, em geral, é no momento de sua maturidade perfeita, estando a <cultura> por efeito no seu apogeu da sua fecundidade; ... mas não é graças a ele, não é por obra do tirano; se bem que as pessoas cultas muito grande gostem de lisonjear o César, fazendo-o passar [a lógica da gramática de sentido da prática política, interpolação] como obra do tirano. Com efeito, é que eles têm necessidade de paz exterior, porque trazem a sua inquietação dentro deles, porque o seu trabalho é uma coisa interior. [...]. O futuro é tão incerto que as pessoas vivem o dia a dia, estado de alma que favorece o jogo dos tentadores de todas as espécies; porque também não se deixa seduzir, e corromper senão por <um dia>, reservando-se um futuro de virtude” Sabe-se que o indivíduo, esse autêntico homem <em si> pensa mais nas coisas do momento do que o seu antípoda, o homem do rebanho, aquele não pensa contar mais consigo nem com  o futuro: assim, liga-se do mesmo modo aos tiranos, porque se julga capaz de ações e de investigações que não podem contar nem com a inteligência nem com o perdão da multidão ...uma vez que o tirano ou o César compreendem o direito do indivíduo, mesmo nas suas aberrações; tem interesse em permitir uma moral pessoal mais ousada e até mesmo em lhe dar a mão”. (Nietzsche.1982: 73-74).

A prática política cesarista depende do modo de ser psíquico de práxis individualista de toda uma civilização europeia copiada nas Américas, por exemplo:

“As épocas de corrupção são aquelas em que as maçãs caem da arvore; quero dizer os indivíduos, aqueles que carregam consigo em si a semente do futuro, os promotores da colonização intelectual, os que querem modificar as relações entre o Estado e a sociedade. A palavra corrupção só é um termo injurioso quando designa os <outonos> de um povo”. (Nietzsche. 1982: 74).

 Assim, Nietzche alcança a imagem textual de um Sócrates, do modo de ser psíquico socrático com outono da vida de Atenas, de decadência e doença social [páthos?] da prática política de uma civilização europeia, estruturada e movida pela lógica da gramática de sentido do Um, do Bem.      

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O TEXTO de Michel Foucault não possui uma concepção política de mundo aristocrática como o TEXTO de Nietzsche. Assim, a <plebe> do primeiro é diferente da do segundo. No texto de Foucault, a plebe aparece como um fenômeno de um modo d ser psíquico práxis individual e de multidão da prática política mundial:

<La plèbe> n’existe sans doute pas, mais y a ,de la> plèbe. Il y a de la plèbe dans les courps, et dans les âmes, il y a dans les individus, dans le prolétariat, il y a dans la bourgeoisie, mais avec une extensinon, des formes, des énergies, des irréductibilités diverses. Cette part de plèbe, c’est moins l’exterieur par rapport aux relations de pouvoir, que leur limite, leurs envers, leur contrecoup; c’est ce qui répond à tout avance du pouvoir par un mouvement pour s’en dégager; c’est donc ce qui motive tout nouveau développement des réseaux du pouvoir. La réduction de la  plèbe peut s’effectuer de trois façõns: soit par  son assujeittissement effectif, soit par la utilization comme plèbe (cf. l’exemple de la déliquence au XXI siècle), soit encore lorsqu’elle se fixe elle- même selon une stratégie de résistence. Prendre ce point de vue de la plèbe, qui est celui de l’envers et de la limite par au pouvoir, est donc indispensable pour faire l’analyse de ses dispositfs; à partir de là peuvent se comprendre son fonctionnement et ses développements. Je ne pense pas que cela puisse se confondre emn aucune maniére avec un néopopulisme qui substantifierait la plébe ou un neoliberlisme qui en chanterait les droits primitifs”; (Foucault: 421-422).

A plebe socrática não é nietzschiana, e sim foucaultiana. Ela é uma prática política de transformação de uma época para outra. Como Sócrates e os socráticos, a plebe do fim da época da politeia aparece como uma lógica de gramática de sentido [de um modo de ser psíquico [individual e coletivo], uma potência e ato em ato, como autoprodução de uma nova prática política; nesse sentido, a plebe pode ser autoprodução de cesarismo ou revolução da forma de governo ou da estrutura gramatical de sentido da prática política mundial.

A plebe pode ser um erro da história de uma civilização como a europeia ou a das Américas? A plebe pode ser justa ou injusta, justa e injusta, ao mesmo tempo, como o aparelho de Estado penal?     

Philonenko:

“A impossibilidade de elaborar uma doutrina do erro coerente que, ao nível em que o Estado se colocou, o justo e o injusto se confundem”. (Philonenko: 176). O verdadeiro problema é o da prática política, em Sócrates e Platão. “Por outro lado, este mundo da doxa, onde não se sabe o que se faz, não eixa de ser trágico. Pois veem-se bem as condições colocadas pela especulação à pregação. Ousaríamos dizer que é preciso atravessar o nevoeiro do mundo doxológico e elevar-se ao mundo dianológico em que a verdade é <index sui et falsi [indicador de si e do falso}”. (Philonenko: 176).

A plebe aparece na filosofia antiga como a multidão da revolução das formas de governo e dos modos de ser psíquicos da plurivocidade de práxis individual -que fundam um novo campo de juízos de valor e juízos de fato de uma nova prática política mundial:

 “A lição política que o <Teeteto> nos dá é a seguinte: as forças políticas que se apoderam doo Estado são tanto mais injustas quanto, ao colocarmos ao seu nível, que é o da doxa, não sabemos distinguir o verdadeiro do falso (dizer o que é erro), ou ainda o justo e o injusto. Ouso dizer que desconhecer o erro não é nada disso: é expor-se a cometer, sem querer – pois, se o soubesse, não se cometeriam – terríveis danos na pessoa humana e a doutrina do <Górgias> encontra a sua pertinência. Contudo, por outro lado, a doutrina do erro, por assim dizer <solidificada> ao nível do <Teeteto> (Sócrates já morreu), persuade pLatão de que, sem qualquer grande revolução, a Cidade está perdida”. (Philonenko: 175).    

A plebe pode ser a força política de uma revolução barroca permanente de nossa época? (Bandeira da Silveira. 2023, cap. 3). Ela salvará a nossa época da desintegração do Estado e da sociedade?  A revolução barroca necessita de um modo de ser da práxis individual ou coletiva forjado na lógica da gramática de sentido da ciência política materialista.

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É possível aplicar na prática política o conceito de lógica dialética de Henri Lefebvre?

“Ainda que a lógica seja uma ciência e implique gramática se sintaxe do saber (normas e encadeamentos), não se reduz nem à linguística nem à semântica. Nem por isso deixa a <lógica dialética> de ser aquela que assegura a passagem da tautologia para a lógica das proposições, das propriedades; para a lógica concreta [...]. (Lefebvre: 31).

A lógica dialética é uma gramática. A lógica da gramática de sentido é a gramática concreta da gramática de sentido na prática política mundial ou da formação social nacional. Só é possível aplicar a lógica nietzschiana na prática política por ela ser uma gramática concreta do concreto.

Lefebvre:

Ela se define com e por uma transparência inicial e não final para o pensamento reflexivo; e final e não inicial para o pensamento que busca captar em si mesmo os conteúdos, os objetos na práxis. Esse duplo movimento é necessário para definir a lógica, lugar comum, elemento neutro dos conjuntos ordenados (de modo geralmente incompleto) pelo pensamento. Isso a distingue das outras ciências que tratam desses conjuntos ordenados, inclusive da linguística e da semântica. A lógica com suas regras (que prescrevem a coerência), seria mais um <thesaurus> que um <corpus>”. (Lefebvre: 31).

A lógica concreta da gramática de sentido permite ver se os conteúdos da prática política, isto é, os objetos da práxis [os fenômenos na conjuntura deles] se constituem como lógica do Bem, do Um, ou lógica do Mal em uma dialética a partir da qual eles podem aparecer na estrutura gramatical de sentido como aspecto dominante e aspecto dominado da contradição principal. (Mao: 369):

Isso implica uma lista de proibições do domínio do saber, correlativa a uma lista de permissões (e transgressões) na literatura. Nesta, a coerência é de outro tipo. O saber se funda, se assim se pode dizer, na proibição da metonímia (a passagem da parte ao todo e do todo à parte deve ser rigorosa) e, mais ainda, na proscrição do anacoluto”. (Lefebvre: 31).            

O desterro do anacoluto é i índice de que a lógica é um fenômeno gramatical, também. O que é o desterro do anacoluto na prática política?

“Anacoluto é a quebra da estruturação lógica da oração”. (Bechara: 330).

A oração é a unidade mínima da lógica da gramática de sentido da prática política, ou do Bem, ou do Mal:  <Fazer o bem ou fazer o Mal>. A quebra dessa oração cria anarquia lógica/gramatical na plurivocidade de práxis individual como fenômeno político.

“Anacoluto é a mudança de construção sintática no meio do enunciado, geralmente depois de uma pausa sensível, como nestes exemplos:

<No berço>, pendente dos ramos floridos,

Em que eu pequenino feliz dormitava;

<Quem é que esse berço> com todo cuidado

Cantando cantigas <alegre embalava?> (C. de Abreu, O, 78).

[...]

No primeiro exemplo, observamos que a oração iniciada por <no berço> não teve seguimento normal no terceiro verso, que devia continuá-la, e, em consequência, aquela expressão ficou solta no período.

<Umas carabinas> que guardava atrás do guarda-roupa, <a gente brincava com elas>, de tão imprestáveis. (J. Lins do Rego. ME, 136).

A expressão <umas carabinas> ficou desligada do resto da oração principal. Trata-se de um estádio de anarquia na prática política que não permite que a plurivocidade de práxis individual articule a hegemonia do aparelho de hegemonia do Estado. A propósito evita-se com a lógica como gramática qualquer substancialismo na definição de aparelho de Estado. O aparelho é um domínio no qual se movimenta a práxis individual que o estrutura e dá vida a ele.

 Bom! Bom! <eu parece-me> que ainda não ofendi ninguém (J. Régio, SM, 105).

No exemplo de José Régio foi o pronome eu, que se anunciava como sujeito do verbo seguinte, o elemento que ficou sem função. Com a imprevista estrutura assumida pela frase, à primeira pessoa, por ele representada, passou a objeto indireto (<me>). (Celso Cunha: 613).

O que significa o eu político ou hegemonikón (Elorduy: 26) perder a função de articulação da hegemonia na prática política mundial? Passar de <eu> para <me> na frase?

O hegemonikón perde a função de articulação do aparelho de Estado como criação e recriação da hegemonia na prática política mundial. O estado de anarquia é o efeito desse fenômeno. Ora, Donald Trump e Elon Musk constituem-se como o anacoluto na prática política dos EUA e mundial.  

 

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