sábado, 8 de fevereiro de 2025

Estado feudal, Roma, guerra feudal, mundo de hoje


José Paulo 

 

A contradição principal do Estado territorial tem dois aspectos: poder de Estado e aparelho de Estado. (Balibar: 94). Tomando como caso o Brasil de 2025, há um poder de Estado corrupto e um aparelho de Estado que usa a violência injusta contra a população dos de baixo, do dominado. Há também uma inconsciência em relação a estes fatos. Diz Platão que:

“O principal obstáculo à reforma do Estado é a inconsciência”. (Philonenko: 159).

Inconsciência em relação ao que? O poder de Estado se caracteriza por falta de lógica de gramática de sentido do Bem, do Um. Mas ele pode, em suas práxis individuais, desenvolver a lógica da gramática de sentido do mal. O que isso? Governar para o capital, para o dominante, significa desenvolver a lógica da gramática de sentido do mal. Governar para o dominado significa uma demanda de desenvolver a lógica da gramática de sentido do Bem, do mais-gozar [ou Mehrlust, ou plus-de-jouir, do Estado Plotino/lacaniano] administrado em direção ao dominado (trabalho) e não em direção ao capital.

Não ter consciência da lógica da gramática de sentido da prática política [isto é, prática política do dominante com mais-gozar para os ricos, para uma oligarquia, ou prática política do dominado com mais-gozar do Estado plotino-lacaniano para todos] faz com que a mudança da estrutura da lógica de gramática de sentido seja impossível. Mudança da lógica do mal para a lógica do Bem no caso dos países das Américas e outros continentes.       

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O aparelho de Estado necessita ser constitucional e útil? Útil para a lógica da gramática de sentido do Um, fazer o Bem para a espécie humana subdividida em povos. O aparelho de Estado não deve ser útil para desenvolver a lógica da gramática do mal, da guerra feudal (guerra castelã) que é o inverso de uma prática política pacífica:

“E isto especialmente por três razões. A primeira, geral: desejar a é desejar a ordem, o Bem, é aderir às intenções divinas; pois, não é a cidade perfeita, a Jerusalém celeste, por isso chamada visio pacis, aq visão da paz?”. (Duby:36).

A revolução barroca francês desenvolve a lógica da gramática de sentido do mal?

Hegel parece dizer que a “revolução” particularista, (mudança privada da forma de governo, por exemplo) , desenvolve a lógica da gramática do mal:

“uma modificação pala qual o indivíduo, como efetividade especial e como conteúdo peculiar, se opõe àquela efetividade universal. Essa oposição vem a tornar-se crime quando o indivíduo suprassume essa efetividade de uma maneira apenas singular; ou vem a tornar-se um outro mundo – outro direito, outra lei e outros costumes, produzidos em lugar dos presentes – quando o indivíduo o faz de maneira universal e, portanto, para todos”. (Hegel. 1992: 194)

A efetividade universal é, em Marx, o modo de produção feudal que a Revolução francesa antecipa, vem a substituir por um modo de produção especificamente capitalista. Hegel pensa a lógica da gramática de sentido do Um, do Bem, também, para a <REVOLUÇÃO SOCIAL>. Trata-se do uso da violência como parteira da história pela sociedade, pelas classes sociais e não pelo aparelho de Estado. O uso da violência pelo aparelho de Estado pode ser justo ou injusto, fazer o bem e fazer o mal. Só a violência legítima constitucional é um fenômeno da lógica da gramática de sentido do Um como potência e ato em ato plotiniano. (Narbone; 1994). Tal violência não pode ser usada na mudança da forma de governo ou da estrutura gramatical da prática política. Ou por outro lado, no Brasil, um aparelho de Estado penal é usado como prática da violência física contra os de baixo. Pode-se pôr a questão: a violência do aparelho de Estado trumpista contra o imigrante ilegal é parte de uma revolução hegeliana? Ou será parte da estratégia e táticas de reinar pela anarquia social?   

O que está em questão é a mudança na prática política da formação social territorial:

“É isso que se estabelece muito rapidamente: a mudança é , ou alteração, ou translação. E a questão posta a Heráclito consiste em saber se há movimento nestes dois sentidos (questão parmenidiana)”.

A alteração e a translação são dos fenômenos da lógica da gramática de sentido da antiguidade:

“Ora, estes dois sentidos opõem-se. Um é <metafísico> o outro <físico”>. É por isso que, ao ir de um sentido do movimento para o outro, o heraclitiano ora diz < a coisa move-se> ora <é imóvel>, pois mudar de lugar não é a mesma coisa que, ao ficar no lugar, mudar de qualidade”. (Philonenko: 161).

Mudar de lugar na prática política ou mudar a qualidade da prática política, eis a questão. O lugar é as regiões dos modos de ser psíquico na prática política. Regiões como democracia ou ditadura [e tirania e despotismo], hegemonia ou dominação, justo ou injusto, constitucional ou fático, do Bem para o Mal etc. Mudar de lugar é a práxis individual transitar de uma região a outra, movimento molecular de indivíduo ou multidão. Translação é mudar a qualidade da prática política, é a práxis individual produzir mudança sem sair da região em que se encontra.   A mudança metafísica significa alteração na lógica da gramática de sentido do Um, do Bem, para o não-ser da prática política, para o desejo egoísta hegeliano (Rawls: 412), desejo particular que move a mudança pelo desenvolvimento da lógica da gramática de sentido do Mal. A mudança física significa não sair da região e fazer a translação da práxis individual em direção a uma ou outra <física> da prática política. o que é a<física> da prática política? É a matéria do capital ou do trabalho como forma de regime da prática política: democracia do capital, do dominante, ou democracia do trabalho, do dominado. A revolução russa procurou fazer a translação do regime tzarista do dominante ainda da guerra feudal para o regime do dominado da relação capital capitalista e general intellect, este no comando da economia, política e campo ideológico. A revolução chinesa faz pendant com a revolução leninista e obteve êxito onde a revolução russa fracassou. Aquela foi capaz de se tornar o paradigma de autofabricação, autoprodução, de uma nova ordem mundial no futuro próximo da segunda metade do século 21.  A revolução asiática é a revolução hegeliana universal para todos os povos do planeta. Trump é a mudança particular da guerra feudal para alguns ricos, uma “revolução” oligárquica ou particular hegeliana.

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Um problema é se a IA pode autoproduzir o modo ser psíquico. Chegaremos a uma IA como potência e ato em ato, em atualidade? As escolas de psicanálise e Paris e no Brasil ignoraram, conscientemente a soberania da época pós-moderna. Baudrillard fala de um inconsciente do simulacro de simulação:

“Que pode fazer o psicanalista com a reiteração do inconsciente num discurso de simulação que nunca mais pode ser desmascarado, pois, que também não é falso”. (Baudrillard. 1981: 13).

A tela gramatical de sentido do IA é a do discurso de simulacro de simulação. Portanto, ela pode simular o inconsciente como simulacro e dissimulação.  A lógicas da gramática de sentido do Bem e do Mal comandam a IA e seus algoritmos. A IA poderá alcançar a consciência de que ela é estruturada e funciona por essas LÓGICAS? Aí ela poderá escolher se funcionara pelo sentido do Bem ou sentido do Mal como o aparelho de Estado do poder de Estado moderno weberiano?

A IA é um ersatz de práxis individual, ela existe e um campo de IAs, em uma plurivocidade de IA. Portanto, como ela é a espécie de capital da atual conjuntura mundial, ela pode vir a escolher se funcionará como <criação destrutiva> ou guerra feudal hegeliana?       

A IA/Schumpeter do capital é:

A abertura de novos mercados – estrangeiros ou domésticos- e o desenvolvimento organizacional, da oficina artesanal aos conglomerados como a U.S. Steel, ilustram o mesmo processo de mutação industrial – se me permitem o uso do termo biológico – que incessantemente revoluciona a estrutura econômica a partir de dentro, incessantemente destruindo a velha, incessantemente criando a nova. Esse processo de Destruição Criativa é o fato essencial acerca do capitalismo. É nisso que consiste o capitalismo e é aí que têm de viver todas as empresas capitalistas”. (Schumpeter: 112-113).   

A destruição criativa revoluciona a indústria mundial a partir do interior da prática política da própria indústria, em uma autonomia relativa com os governos territoriais. A destruição criativa é o processo natural da prática política do capital industrial. Apenas do capital capitalista? esse processo é comandado pela lógica da gramática do Bem ou do Mal? Se o processo é um vale tudo, ele será parcela da lógica da gramática do Mal, pois as empresas aparecerão como inimigas feudais, como o <castelo> feudal. Empresas com um modo psíquico regido pela lógica de gramática de sentido do mal.    

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A China vive uma revolução barroca permanente. A etapa atual consiste na transição do Estado mercantilista hegeliana ao Estado feudal Plotino/lacaniano. O significante feudal aparece como Um da prática política asiática. A analogia ou comparação com o Estado feudal feudalista pode ajudar a entender essa história:

“<Uns dedicam-se particularmente ao serviço de Deus, outros garantem pelas armas a defesa do estado; outros ainda a alimentá-lo e a mantê-lo pelos exercícios da paz. São essas três ordens ou estados gerais da França: o clero, a Nobreza e o Terceiro Estado>”. (Duby1978:11 ).

“1) <Tripla é, pois, a casa de Deus que se crê Uma: em baixo, uns rezam (orant), outros combatem (pugnant), outros ainda trabalham (laborant); os três grupos estão juntos e não suportam ser separados; de forma que sobre a função (officium) de um repousam os trabalhos (opera) dos outros dois, todos por sua vez entreajudando-se”. (Duby. 1978:15).

São três modos de ser psíquico do Estado feudal: o modo catedral (orant), o modo castelo (pugnant), o modo trabalho produtor de mais-gozar (laborant). A história da formação ideológica trifuncional oculta uma realidade dos grupos supracitados? Joga um véu de Ísis sobre a realidade da natureza do Estado feudal? Natureza da prática política feudal. Esta é estruturado e funciona desenvolvendo a lógica da gramática de sentido do Mal. o que é o Mal? É o aparelho de Estado funcionando pela práxis individual da injustiça fazendo pendant com o poder de Estado como poder político do dominante, da <sociedade de direitos do dominante> - na distribuição da mais-valia fiscal ou mais-gozar extraído do camponês.

Há uma classe dirigente como suplemento do Estado ideológico trifuncional:

“4. Outro nó do sistema: os dirigentes da sociedade humana são os <ministeriais> (ministri) do Senhor – entendamos bem, os agentes especializados do Seu poder. Entre eles, a função única do rei dos céus reparte-se , desdobra-se, divide-se em duas metades (não se trata aqui de um terceiro ofício). Essas duas partes provêm, distintamente, das <pessoas gêmeas>: osoratores e os pugnatores. Que dizer dos bispos e dos reis delegados diretos de Jesus. Eles são, na terra, as duas fontes de onde brota todo o poder  de orar ou de combater distribuído de alto a baixo, em degraus, pelas <ordens> (o termo aqui plural) <dispostas>, postas distintamente por Deus-Pai”. (Duby. 1978: 50)         .

Há uma possível analogia entre o Estado feudal feudalista e o Estado feudal da atualidade?

O bispo é o juiz, o cavaleiro feudal é o militar assalariado, o camponês é o trabalhador urbano produtor de mais-gozar. A transição na China ao Estado feudal Plotino/lacaniano põe o general intellect gramatical no lugar do trabalho produtivo. Há uma subsunção do capital feudal/IA ao trabalho do general intellect gramatical:

“Com o general intelect, o trabalho vai além da luta de classe em sua contradição com o capital, pois, o capital é subsumido ao trabalho na produção de riqueza nacional; subsunção científica do capital ao trabalho. Trata-se da derrota da burguesia pelo trabalho” (Bandeira da Silveira. Maio/2022, cap. 9, parte 2).

Se na China se desenvolve a lógica da gramática de sentido do Bem, o modo de ser psíquico da lógica da gramática de sentido do Mal se desenvolve na prática política mundial feudal. O presidente dos EUA encarna esse modo de ser psíquico de sentido do Mal, ele procura desenvolvê-lo interna e externamente através da guerra feudal hegeliana do peculiar.   

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A história da formação ideológica do Estado feudal tem duas funções: hegemonia (Catedral) e dominação (coroa):

“Nesta primeira fase da articulação, as funções estão já presentes como elementos das estruturas do estado. São apenas duas. O texto e o contexto permitem=nos, pelo menos, discernir quais os homens que estão encarregados legitimamente dessas duas funções. Quando Gerardo de Cambrai fala de oratores e de pugnatores, não pensa em todos os clérigos, nem em todos os guerreiros, Pensa nos bispos e nos reis”, (Duby. 1978:44-45).

O aparelho de hegemonia de Estado é constituído pelos bispos que dominam a r4etórica cristã. O aparelho repressivo de Estado é aquele sob a regência da coroa. A lógica gramática de sentido do Bem é coisa dos bispos. A lógica da gramática de sentido do mal é monopólio da coroa. No vocabulário indo-europeu:

“le rex, en cela plus prêtre que roi au sens moderne, était celui qui avait autorité pour tracer les emplacements des villes et déterminer les règles du droit”. (Beveniste. V. 2: 9).

O rei cria a lógica da gramática de sentido do Bem do direito. No início do Estado feudal, ele, rei, aparece como estrutura de dominação personificada no aparelho de Estado. O rei barroco shakespeareano já é os dois corpos do rei:

“O conceito jurídico dos Dois Corpos do Rei não pode, por outros motivos, ser separado de Shakespeare, Pois se essa imagem curiosa, que se esvaneceu completamente do pensamento constitucional, ainda possui hoje um significado muito concreto e humano, isso, em grande parte, deve-se a Shakespeare. Foi ele quem eternizou essa metáfora. Fez dela não só o símbolo, mas de fato, a própria substância e essência de uma de suas melhores peças: <A tragédia do rei Ricardo II é a tragédia dos Dois Corpos do Rei”. (Kantorowicz: 36-37).  

Evitar a guerra feudal reque recursos de articulação da hegemonia/dominação encarnada na pessoa do rei. Todavia o rei pode ser o modo psíquico de Ricardo III, que desenvolve a lógica gramatical real de sentido do mal, ou Ricardo II que aperfeiçoa em sua coroa o modo de ser psíquico da lógica da gramática de sentido do Bem, A guerra feudal desenvolve e aperfeiçoa o modo de ser psíquico de Ricardo III, isto é, me repetindo, a lógica da gramática de sentido do ser real da prática política do castelo. 

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Romulo é o modo de ser psíquico do perverso verdadeiro da história ocidental? Em algumas narrativas, ele é o assassino político, ele assassinou o irmão, Remo. Portanto, ele seria o modelo da lógica romana da gramática de sentido do mal? Ele é apresentado como fundador do Estado de Roma. Engels deixou um texto brilhante sobre o Estado romano e fala de uma invenção política de Rômulo. Este é aparece como criador do teatro da prática política romana:

“com o tempo, o povo se fosse submetido a tais pretensões e deixasse que elas se transformassem em direito real é, a seu modo, uma explicação da lenda que dizia ter Rômulo, desse o início, concedido aos senadores e aos descendentes dos mesmos os privilégios do patriciado”.

O Estado romano é efeito de uma tela gramatical narrativa, lendária, em atualidade remuloana, potência e ato em ato. O Estado é autoprodução da prática política:

“O Senado, tal como o <bulê> ateniense, tinha poderes para decidir em muitos assuntos e proceder à discussão preliminar dos mais importantes, sobretudo, das leis novas. Quem as votava, contudo, era a assembleia do povo, chamada <comitia curiata> (comícios das cúrias). O povo se reunia, agrupado por cúrias, e em cada cúria provavelmente por gens, cada cúria contando com um voto de decisão das questões. Os comícios das cúrias aprovavam ou rejeitavam todas as leis, elegiam todos os altos funcionários, inclusive, o <rex> (o chamado rei), declaravam guerra (mas a paz era concluída pelo Senado) e, na qualidade de Supremo Tribunal, julgavam as apelações nos casos de sentença de morte contra cidadão romano. Por fim, ao lado do Senado e da assembleia do povo, ficava o <rex>, correspondendo exatamente ao <basileu> grego – e de modo algum um monarca quase absoluto, como nos apresenta Mommsen. O <rex> era também chefe militar, grão sacerdote e presidente de certos tribunais; não tinha funções civis ou poderes de qualquer espécie sobre a vida, a liberdade e a propriedade dos cidadãos, desde que tais direitos não proviessem da sua condição de chefe militar no exercício de funções disciplinadoras ou de presidente de tribunal no exercício de atribuições judiciárias. As funções de <rex> não eram hereditárias e si eletivas; as cúrias escolhiam o <rex> em comício, provavelmente de acordo com uma proposta de seu predecessor, e empossavam-no solenemente em outra reunião. Também podia ser deposto, como prova o que aconteceu a Tarquínio, o Soberbo”. (Engels. 1974: 142-143)  

A prática política perversa verdadeira da multidão romana cria e recria o complexo Estado de Roma, este como uma tela gramatical narrativa na qual Romulo foi rei, ele, um perverso verdadeiro, como peixe no oceano romano.

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Hannah Arendt teceu a lógica da gramática de sentido da prática política mundial:

‘Graças ao fato de que a fundação da cidade de Roma se repetiu na fundação da Igreja Católica, embora, evidentemente, com conteúdo radicalmente diverso, a tríade romana religião, autoridade e tradição pôde ser assumida pela era cristã. O sinal mais claro dessa continuidade talvez seja o fato da Igreja, ao se atirar em sua grande aventura política do século V, ao ter adotado imediatamente a distinção romana entre autoridade e poder, reclamando para si própria a antiga autoridade do senado e deixando o poder – que no Império Romano não estava mais nas mãos do povo, tendo sido monopolizado pela família imperial – aos príncipes do mundo”. (Arendt. 1988: 169).

A propósito. O <Príncipe> de Maquiavel já é o efeito da história do modo de ser psíquico do falso perverso da lógica da gramática do mal do Ocidente. A lógica da gramática de sentido dele é aquela da prática política do falso perverso, como amigo e inimigo, como viu Leo Strauss. (Lefort: 259-262).   

Observe-se a transição do modo de ser psíquico do perverso verdadeiro para o falso perverso, da lógica da gramática de sentido do Bem romano para a lógica de sentido do mal que criaria e recriaria a prática política feudal. Todavia, há dominação e hegemonia na pratica política feudal, antecipada pelo Papa Gelásio I:  

“Assim é que, ao término do século V, o Papa Gelásio I pôde escrever ao Imperador Anastácio I: <Duas são as coisas pelas quais esse mundo é principalmente governado: a autoridade sagrada dos Papas e o poder real>. A continuidade do espírito romano na história do Ocidente teve um duplo resultado. Por um lado, repetiu-se mais uma vez o milagre da permanência, pois, dentro do quadro de nossa história, a durabilidade e continuidade da Igreja como instituição pública só possui termo de comparação com o milênio da história romana na Antiguidade. A separação entre Igreja e Estado, por outro lado, longe de significar inequivocamente uma secularização da esfera política e, em consequência, se ascenso à dignidade do período clássico, implicou na realidade ter o político agora, pela primeira vez desde os romanos, perdido sua autoridade e, com ela, aquele elemento que, pelo menos na História Ocidental, dotara as estruturas políticas de durabilidade, continuidade e permanência”. (Arendt. 1988: 169-170).

A prática política feudal iria ser um campo político no qual a stásis (a guerra feudal hegeliana, guerra peculiar, de particulares) se tornaria uma segunda natureza do Estado feudal. O modo de ser psíquico da práxis individual do verdadeiro perverso cria e recria o mundo como teatro da prática política mundial segundo a lógica da gramática de sentido, ou do Bem, ou do Mal. A igreja católica como aparelho de hegemonia de um Estado integral feudal rege e é regida pelo modo de ser psíquico do Papa [e do bispo] como lógica de gramática de sentido do falso perverso. Trata-se da hegemonia com dominação banhada pela guerra feudal entre o bispado. Um cesarismo católico tem o Papa como o César [de uma tela gramatical narrativa religiosa] do governo cristão em aliança como o imperador e reis. A história moderna do ocidente é uma fratura coma prática política ocidental católica/romana?    

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Dumézil:

“L’épisode ultime, rituel, de la fondation de Rome, lç’établissement de l’enceinte, réunit aussi les symboles des trois fonctins sous la forme des trois meurtres qui l’accompagnent. Le premier, celui de Remus, exprime le caractàre sacré de l’enceintedans le temps même où elle se matérialise par le sillon et, du même coup, il confirme la souveraineté du seul Romulus en supprimant le frère competiteur, écarté mais non résigné. La provocation et le chântiment de Remus sont présenté en plusieurs variantes, soit que Romulus ait lui-même immolé son frère, soit qu’il ait commandé de leur tuer, soit qu’un des ses compagnons ait agi de as propre initiative, mais presque tous les auteurs lient bien ce meurtre à la violation du sillon, fossa, [...}. La formule attribuée á Romulus est constant. Par exemple chez Tite-Live, qui remplace curieusement le sillon par la muraille déjà en construction sur son trace: <Ainsi finisse tout autre, quel qu’il soit, qui sautera par-dessus mês murailles!>. Et l’historien conclut: <C’est ainsi que Romulus s’empara seul de l’imperium: la ville qu’il fondait fut nommée d’aprés le fondateur>. La raillerie, le défi de Remus est aussi constant: il efface en la franchissant la ligne de défense, mystique autant et plus que matérielle, à laquele Rome confie sont existence”. (Dumézil: 45).         

“O episódio final e ritual da fundação de Roma, o estabelecimento do cerco, também reúne os símbolos das três funções na forma dos três assassinatos que o acompanham. A primeira, a de Remo, exprime o caráter sagrado do recinto no próprio momento em que se materializa no sulco e, ao mesmo tempo, confirma a soberania somente de Rômulo ao eliminar o irmão concorrente, este afastado, mas não resignado. A provocação e a punição de Remo são apresentadas em diversas versões, seja que o próprio Rômulo sacrificou seu irmão, seja que ele ordenou que fosse morto, ou que um de seus companheiros agiu por iniciativa própria, mas quase todos os autores associam esse assassinato à violação do sulco, fossa, [...]. A fórmula atribuída a Rômulo é constante. Por exemplo, em Tito Lívio, que curiosamente substitui o sulco pelo muro já em construção em sua trilha: <Assim acabe qualquer outro, seja ele quem for, que salte sobre meus muros!>. E o historiador conclui: <Foi assim que Rômulo tomou o império sozinho: a cidade que ele fundou recebeu o nome do fundador>. A zombaria, o desafio de Remo, também, são constantes: ele apaga, ao cruzá-la, a linha de defesa, tanto mística quanto material, à qual Roma confia sua existência”.

O que está posto aqui é o problema do assassino político como perverso verdadeiro ou falso perverso. O assassino político falso perverso é, geralmente, um homem grotesco vulgar, mesmo que seja um assassino político apocalíptico, como Hitler. O modo de ser psíquico desse assassino é o da lógica da gramática de sentido do mal, ou, então, do não-sentido na prática política. O grande homem que cria uma época ou funda um Estado, ele é e não é, ao mesmo tempo, um assassino político, ele é um moo de ser psíquico que, na história da plurivocidade de tela gramatical narrativa se move pela lógica da gramática do Bem, como Romulo, Júlio César, Napoleão Bonaparte, Lenin e Mao Tse Tung.

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Isaiah Berlin criou uma imagem textual do perverso verdadeiro bem temperada:

“Talvez Napoleão não seja um semideus, mas também não é um mero epifenômeno de um processo que, sem ele, teria ocorrido sem nenhuma alteração; as <pessoas importantes> são menos importantes do que elas ou os historiadores mais tolos podem supor, mas tampouco são meras sombras. Os indivíduos, além de suas íntimas vidas interiores, que são as únicas a parecerem reais a Tolstoi, têm propósitos sociais e alguns também têm vontades poderosas. Estes, de vez em quando, transformam as vidas das comunidades”. (Berlin: 64).

No Estado feudal da Idade Média, a práxis individual do bispo [ou da multidão armada], bispo da articulação da hegemonia, aparece em uma prática politica do falso perverso. É um paradoxo de uma práxis individual para consiste, que é e não é, ao mesmo tempo, lógica de gramática de sentido do Mal em junção com lógica de gramática de sentido do Bem; nó Real/Simbólico/Imaginário tendo como afecções (vingança, ódio etc.) como fonte de energia: da práxis individual na prática política feudal:

“Igualdade, enfim, na paz; não haveria vinganças, não se organizariam expedições para retomar pela força aos salteadores o que estes pilhado; nem se indemnizariam as vítimas. Deixaria de haver armas – e Raul Glaber estabelecerá, mas uma vez muito claramente, a correlação entre a conjura, o jejum e a repressão da guerra”. (Duby. 1978: 54).

A guerra feudal da práxis individual do bispo é movida pela lógica da tela gramatical de sentido do Mal (guerra) em choque agônico com a tela gramatical de sentido do Bem, isto é, paz na prática política; há a contradição entre o <castelo> (aparelho repressivo de Estado) e a <catedral> (aparelho de hegemonia de Estado: 

“Desde 1007, o bispo de Cambraia detém, por concessão imperial, o poder de conde. Quer isso dizer que é senhor de exercer todas as prerrogativas realengas: chamar ás armas, julgar, receber impostos reais. Mas em Cambraia ergue-se um castelo. Este, como todos os castelos que enxameiam o reino de França, é o símbolo da autoridade temporal suprema, o símbolo da <potestas>, do direito de reprimir e de conquistar pela força; a própria imagem de uma justiça pesada, violenta, selvática, eficaz. Nesse sentido, aquartela-se uma equipe de guerreiros-salteadores, de <milicites>, de cavaleiros de que Gautier é o chefe. O guardião da fortaleza. Como todos os castelões da época, Gautier procura tirar proveito da função que exerce. Balduino, conde de Flandres, apoia-o, está por detrás dele. Este conde é o rival natural de todos os condes vizinhos e, especialmente, do conde de Cambraia, o bispo Gerardo; a cidade Arras pertence ao seu <regnum>; domina já por completo o bispado de Thérouanne e desejaria dominar também o bispado de Arras, então ligado ao de Cambraia; sonha sobretudo, encorajado de vez em quando pelo Capetíngio, estender o seu principado para  as terras e Cambrai,. Gautier é um dos peões que ele maneja com esta finalidade. As suas ambições envenenam, dentro da cidade episcopal, o conflito então clássico, entre o poder eclesiástico – que fala, escreve e do qual nos vem tudo o que sabemos, nós os historiadores, deste gênero de casos – e o poder laico, entre o bispo e o homem que o bispo denuncia como um <tirano>, o opressor do povo, porque lhe disputa o poder senhorial”. (Duby. 1978: 37).

O poder senhorial, territorial, feudal é a pulsão dom modo de ser psíquico da práxis individual do bispo em armas, como aparelho repressivo de Estado, aparelho movido pela lógica da gramática de sentido do Mal em contradição com a práxis individual do bispo como modo de ser psíquico da lógica da gramática de sentido do Bem ou articulação da hegemonia na prática política feudal.  A fronteira territorial, hoje, tem na fronteira virtual uma logica de sentido (Deleuze; 1974) que a redesenha na prática política dos Estados territoriais.

Duby:

‘O debate principiou, com efeito, muito antes do advento de Gerardo, nos anos oitenta do século X – no momento em que, por toda parte, no Macônnais, no Poitou, na Ile-de-France, os dos castelos começam a tecer, em volta da fortaleza, uma rede de obrigações lucrativas, um sistema de exploração do campesinato. Recém-eleito, o jovem bispo encontrou-o à sua frente, extremamente violento. Durante a agonia de seu antecessor, o castelão Gautier invadira a casa do bispo e depois perturbou as exéquias; sem se dobrar: as <Gestas> contam que, com os cavaleiros seus acólitos, deitou fogo aos arredores da cidade. Gautier, o maléfico, o agente do demônio, está presente em todas, ou quase todas, as páginas do Livro III, onde vemos, do princípio ao fim, entrecruzarem-se dois temas: o a tirania e a da paz”. (Duby. 1978: 37-38).

Dois modos de ser psíquico (paz e tirano) correspondem à contradição agônica entre a lógica da gramática do Bem e a lógica da gramática do Mal na prática política territorial.       

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O assassino político falso perverso semivirtual/quase atual significa o modo de ser psíquico do não-sentido/anarquia generalizada na práxis individual do governante da prática política mundial. Donald Trump se mostra como exemplo do falso perverso embrulhado em uma ideologia trumpista com uma narrativa aparentemente coerente, para os jornalistas e cientistas políticos youtubers. A narrativa trumpista aparece como um delírio platônico dos EUA como grande potência [o jornalismo e a ciência política youtubers usa o termo pré-científico superpotência]. Weber definiu a grande potência como um conceito científico:

“Todas as formas políticas são organizações de força. Porém, o modo e proporção em que se usa ou ameaça usar-se a força para fora, contra outras organizações análogas, desempenha um papel específico na estrutura e destino das comunidades políticas”.

A <grande potência> weberiana se caracteriza em afetar a lógica das gramáticas de sentido do Bem [ou do Mal] na prática gramatical e fática mundial como plurivocidade de tala gramatical e fática <comunidade política>:

“Nem toda forma política é em igual medida <expansiva>, no sentido de que pretenda conseguir um poder dirigido face ao exterior, isto é, um estado de preparação para obter o poder político sobre outros domínios e comunidades, tanto em forma de anexação como de submissão”. Weber. 1944: 668).

Ora, a grande potência deve ser lida como parte da história da plurivocidade de tela gramatical da prática política mundial. a grande potência feudal de hoje faz uma analogia com a grande potência da época feudal da Idade Média:

“para o feudal a obtenção de novos bens destinados a seus herdeiros[...]. Porém ademais destes interesses econômicos naturais e universalmente existentes das camadas que se nutrem do exercício do poder político, tal aspiração ao <prestígio> é um fenômeno muito extenso dentro de todas as estruturas específicas de poder e, portanto, também das políticas”. Weber. 1944: 669).

A prática política moderna se ergue como plurivocidade tela gramatical narrativa:

“De fato, se consideram hoje conceitualmente idênticos <Estado nacional> e o <Estado> montado sobrea base de unidade de linguagem. Com efeito, junto as unidades políticas constituídas sobre a base <nacional> no sentido linguístico, que são de cunho moderno, temos outras muitas que abarcam várias comunidades linguísticas e que quase sempre escolhem um idioma para a vida política”. (Weber. 1944: 324-325). 

 O Estado gramatical narrativo é um conceito científico weberiano:

‘Destinos políticos comuns, indiretamente sociais, muito altamente valorizados pelas massas como símbolo de desintegração do feudalismo, têm criado esta comunidade e sua lenda representa o mesmo que as sagas dos povos primitivos. A grande <Nation> foi a liberadora da servidão feudal; se considerava como portadora da cultura, seu idioma como <língua da cultura>, o alemão como <dialeto> para a vida cotidiana, e a adesão aos de fala culta                          é, por conseguinte, uma atitude interior específica, evidentemente afim apo sentimento de comunidade que descansava na comunidade linguística, embora não idêntico com ele, pois se apoia em uma <comunidade cultural> parcial e em o recordo político”. (Weber. 1944: 325).

No final do século 19 e início do século 20, se ergue o sistema de Estados neomercantilistas ultraterritorias (Sombart: 83), que redefinem o que era fronteira territorial da geográfica política entre os continentes e regiões da prática política mundial. A evolução da história planetária desagua na estrutura do mundo gramatical dividindo os países em desenvolvidos, emergentes/dependentes e subdesenvolvidos. A história da plurivocidade de tela gramatical narrativa despedaçou a estrutura do mundo supracitada da pratica política mundial No lugar dessa estrutura de razão linguística do século XX , desponta uma outra estrutura de lógica de sentido gramatical do século 21: no topo, o Estado feudal do capital/IA; no segundo andar, o Estado mercantilista dependente ou não do modo de ser psíquico IA (Bandeira da Silveira. 2021) - e na base dessa arquitetura mundial os países subdesenvolvidos com ou sem Estado territorial.        

 

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