José Paulo
O objeto da lógica de Sócrates, Platão e Aristóteles é a
comunidade política como forma de governo e prática política:
“seja que todas as ações da espécie humana em sua totalidade
se fazem com a vista posta em algo que os homens creem ser um bem [...] a
comunidade superior a todas a que inclui em si todas as demais deve fazer isto
em um grau supremo por cima de todas, e aspira ao mais alto de todos os bens; e
essa é a comunidade chamada polis, a comunidade política”. (Aristoteles.1982:657).
Bem! A prática política é a comunidade política do homem
racional, com logos:
“O homem é o único ser vivo que possuiu logos, esse meio de
comunicação racional que lhe permite estabelecer acordos sobre o justo e o
injusto, o adequado ou não, o melhor e o pior” .
(Samaranch:192).
A forma de governo da prática política do justo (Justiça) e
antagonismo com o injusto (injustiça) é a democracia constitucional:
“De modo que, uma vez considerada exaustivamente esta forma
elementar de associação humana, lhe seja possível abordar a superior questão da
<politeia>, a constituição ou modo de organização da <polis>,
<começando de novo> ou <adaptando um ponto de vista de partido
distinto”. (Samaranch: 190).
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O que é o ser humano que está diante da lógica aristotélica?
O homem detentor de logos. Mas o que é o logos aristotélico?
Aristóteles:
“Assim, é uma propriedade do homem o ser capaz de aprender
gramática: porque se A é um homem, é capaz de aprender gramática, e, se é capaz
de aprender gramática, é um homem”. (Aristóteles. 1973: 14).
O homem aristotélico, portanto, é o homem gramatical. Na
Idade Média, o logos gramatical aristotélico se tornou paradigma da prática
política mundial:
“Par la suíte la <logique modernorum a été appelée logique
<terministe> en fonction de son innovation principale (la théorie des
propriétés des termes) et pour la distinguer de la sémantique des tenants de la
gramaiere spéculative (<grammatica speculativa>), les <modistes>
théoriciens des <modi significandi>: Boèce de Dacie (fl.v. 1260), Jean de
Dacie (fl.v. 1280), Martin de Dacie (mort en 1304), Siger de Courtrai (v.
1280-1341) – sans oublier l’auteur de la <Gramaire> faussement attribuée
par Heidegger à Dand Scot: Thomas d’Erfurt (fl.v. 1300)”. Libera: 386).
O homem gramatical é a lógica gramatical de sentido do bem e
do Mal na plurivocidade de práxis individual da comunidade política, da
politeia. O tratado “Topicos” faz da comunidade política a superfície observada
como significante fenomênico gramatical [fato político] da forma de governo
democracia constitucional regida pela lógica gramatical de sentido do maior
Bem, que é o homem gramatical.
Habermas fez do general intellect de Marx o homem gramatical
de uma pratica política como potência e ato em ato (Narbonne: 31), isto é,
autofabricação do homem gramatical e da pratica política da democracia
constitucional antiga, medieval, moderna:
“Nos estudos preliminares á ‘Crítica da economia política’
encontra-se uma versão, segundo a qual a história da espécie humana está
comprometia com uma conversão automática de ciência natural e tecnologia em uma
autoconsciência do sujeito social (general intellect>), que controla o
processo da vida material. De acordo com tal pressuposto, tão-somente a
história da técnica iria, por assim dizer, sedimentar-se na história da
consciência transcendental. Esta tecnologia está relegada aos critérios do
desenvolvimento cumulativo, próprio ao agir de um controle efetivo, e segue a
tendência de multiplicar a produtividade do trabalho e substituir a força
humana de trabalho – ‘a realização desta tendencia é a transmutação do
instrumento de trabalho em maquinaria”. (Habermas: 64). Esta é a visão
fenomenológica do general intellect. A outra imagem textual é a do general
intellect medieva/aristotélico como lógica gramatical de sentido hegeliano:
“Poderíamos então, eventualmente, encarar logo que tivermos
ascendido por seu intermédio ao ponto de vista lógico. De certa forma o próprio
Hegel procedeu assim mais tarde com a ‘Fenomenologia’. Ele não a assumiu no
sistema das ciências; em seu lugar aparece, na ‘Enciclopédia’, um assim
denominado pré-conceito à ciência da lógica”. (Habermas: 42).
“Mas se se contrapõe a natureza em geral, como o físico, ao
espiritual, seria preciso dizer que o lógico é, ao contrário, o sobrenatural,
que invade em todo o comportamento natural do homem, no seu sentir, intuir,
desejar, na sua necessidade, na sua pulsão, e, por meio disso em geral, torna-o
algo humano, ainda que apenas de modo formal, tornando-o representações e
finalidades. É a vantagem de uma língua que ela possua uma riqueza e expressões
lógicas, a saber, peculiares e separadas, para as´próprias determinações do
pensar”. (Hegel. 2016: 32).
Nesse Hegel do paradigma da lógica dialética se encontra o
homem gramatical da lógica gramatical de sentido retórico do bem e do Mal, ou
do Bem e Mal, ao mesmo tempo, na prática política moderna da língua alemã:
“muitas as proposições e dos artigos já pertencem a tais
relações que se baseiam no pensar [...]. Muito mais importante é que, numa
língua, as determinações do pensar estejam destacadas em substantivos e verbos
e, assim, tenham o selo das formas objetivas; nisso a língua alemã tem muitas
vantagens diante das outras línguas modernas, até mesmo algumas das suas
palavras têm a propriedade adicional de não ter somente significados diversos,
mas opostos, de modo que, nesse mesmo aspecto, não se pode deixar de perceber
um espírito especulativo da língua; para o pensar, pode ser um prazer se
deparar com tais palavras e encontrar, de forma ingênua, já lexicalmente, em
uma palavra de significados opostos, a unificação de opostos que é o resultado
da especulação, embora seja paradoxal para o entendimento”. (Hegel. 2016:
32).
A língua é o modo de ser psíquico do homem gramatical do
pensar enquanto lógica gramatical de sentido e não-sentido dialético.
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Uma questão prática da atualidade é a língua inglesa
anárquica falda por vario povos além do inglês, do canadense e do americano.
Essa língua é um modo de ser psíquico da lógica gramatical de sentido do
capital mercantilista gramatical que unifica os continentes, regiões, países e
povos. A línguas modernas nasceram na Europa e línguas pós-modernas se
originaram a partir da estrutura de dominação linguística europeia nas Colonias
modernas nas Américas. Essas línguas modernas foram reinventadas nos territórios
coloniais como modo de ser psíquico de lógica gramatical de sentido. No Brasil,
a língua portuguesa lusitana foi inventada como uma nova gramática e gramática
de sentido do Bem ou do Mal, como Bem e Mal, ao mesmo tempo, na comunidade
política brasileira. A minha língua portuguesa tem ethos e páthos, ao mesmo
tempo no uso dela na prática política nacional e regional. A língua nacional é
a tela gramatical como potência e ato em potência da vida brasileira barroca.
Um Estado barroco (Faoro;84)) colonial
fez pendant como o modo de produção escravista de gramatica de sentido
colonial.
A anarquia de significantes fenomênicos gramaticais da
colonização portuguesa criou e recriou um mal-estar na alta cultura lusitana e
brasileira. A fusão entre mercantilismo e capitalismo (Sodré: 21-22). significa
um Estado mercantilista com características capitalistas modernas na
colonização do Brasil. O modo de ser psíquico do capitalismo escravista
colonial (Vianna. 1987: V. 1, 24, cap. 10) tem um aspecto externo que é o
Estado mercantilista barroco. O campo linguístico em território brasileiro foi
um efeito dessa relação entre relações técnicas de produção capitalista moderna
e da logica gramatical de sentido do encontros de três civilizações: luso,
índio e africano. A questão prática de uma língua territorial que unificasse a
comunidade política luso-brasileira sempre foi um problema que o Estado
mercantilista barroco procurou resolve. Uma língua territorial/colonial
luso-brasileira tem em Padre António Vieira um modelo que atravessou o Brasil
colonial e alcançou o Império luso-brasileiro. Todavia, a história do campo
linguístico agiu como autofabricação de uma língua territorial luso-brasileira.
A logica gramatical de sentido dessa língua a torna diferente e idêntica
(Aristóteles. 1973:14) à língua luso-portuguesa. Os lusos não aceitam que língua luso brasileira seja, ao mesmo temp0o
lógica e paralógica. (Aristoteles. 1973: 11. Que ela tenha se transformado a
partir do século XIX em uma língua na qual a retórica seja o modo de ser
psíquico lógico gramatical da plurivocidade de práxis individual que autoproduzem
a pratica politica retórica de uma tela gramatical narrativa que estrutura a
forma de governo do dominante com o dominado assujeitado irrevogavelmente.
A história do domínio das línguas antagônicas pode ajudar a
iluminar a atualidade brasileira?
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O <equilíbrio de antagonismo> (Freyre: 6) no campo
linguístico colonial é a solução e compromisso da conciliação barroca:
“confluem num primeiro tempo artificialmente e depois
naturalmente, segundo as leis barrocas da conciliação do que é em aparência
inconciliável (lei que opera de maneira lenta)”. (Hatzfeld: 61).
Todavia, a unidade cultural e territorial (Gramsci.
1977:2343) da lógica gramatical de sentido foi obtida na sociedade natural de
índios e jesuítas de modo espontâneo e democrático primeiro na Colônia - e depois a partir da intervenção ditatorial do Estado territorial nacional em 1823:
“O nheengatu teria servido de marca distintiva entre os
mazombos, ou seja, os nascidos na terra, e os reinóis, os naturais na metrópole
portuguesa. Os esforços da coroa portuguesa para sufocar o nheengatu, que
culminaram com a expulsão dos jesuítas em
1759, só iriam verdadeiramente produzir efeito após a primeira Assembleia
Constituinte Brasileira, em 1823”. (Wyler: 42).
A revolução barroca natural tupi-jesuítica é uma conjuntura
gramatical que teve dois acontecimentos decisivos a <República comunista
cristã dos guaranis> (Lugon; 1968) e a guerra civil gramatical do direito
natural à revolução barroca (Bandeira da Silveira; outubro/2023) do
tupi/jesuíta contra o Marques de Pombal que culminou com a expulsão dos
jesuítas da Colônia e o fechamento da Companhia de Jesus. (Falcon; 1993).
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Há uma superfície conjuntural da prática da tela gramatica narrativa do logos linguística
no campo da plurivocidade de práxis individual da pratica política da língua
natural? Os significantes fenomênicos da lógica gramatical de sentido dialético
do Bem e do Mal existem como aparências de semblância como o antagonismo
gramatical litoral versus sertão.
Hanna Arendt:
“De acordo com a distinção de Portmann entre aparências
autênticas e inautênticas, poder-se-ia falar de semblâncias autênticas e
inautênticas. Estas últimas, miragens como o de alguma fada Morgana,
dissolvem-se espontaneamente ou desaparecem com uma inspeção mais cuidadosa; as
primeiras, como o movimento do Sol levantando-se pela manhã para pôr-se ao
entardecer, ao contrário, não cederão a qualquer volume de informação
científica, porque esta é a maneira pela qual a <aparência> do Sol e da
Terra <parece> inevitável a qualquer criatura presa à Terra e que não
pode mudar de moradia”. Aqui estamos lidando com aquelas ‘ilusões naturais
inevitáveis’ de nosso aparelho sensorial, a que Kant se referiu na introdução à
dialética transcendental da razão”. (Arendt: 31).
Bem! a percepção do homem passa pela gramática combinada como
o aparelho sensorial dialético transcendental, pois este é logos gramatical. O
significante fenomênico gr4matical é o Sol que nasce e se põe todo santo dia.
Gilberto Freyre fala de um Sol brasileiro, do antagonismo gramatical litoral
tropical e sertão:
“`Pelo antagonismo que cedo se definiu no Brasil entre a
grande lavoura, ou melhor, a monocultura absorvente do litoral, e a pecuária,
por sua vez exclusivista, dos sertões, uma se afastando da outra quanto
possível, viu-se a população agrícola, mesmo rica, a opulenta, senhora de
léguas de terra, privada do suprimento
regular e constante de alimentos frescos. Cowan tem razão quando
apresenta o desenvolvimento histórico da maior parte dos povos condicionado
pelo antagonismo entre a atividade
nômade e a agrícola. No Brasil, esse antagonismo atuou, desde os
primwe3iros tempos, sobre a formação social do brasileiro: nuns pontos
favoravelmente; nesse da alimentação, desfavoravelmente”. (Freyre: 36).
Do Brasil colonial, Antonil recolhe imagens textuais do sendo
comum popular verbal sobre a vida colonial:
“E não é fácil cousa decidir se nesta parte são mais remissos
os senhores ou as senhoras, pois não falta entre eles quem se deixe governar de
mulatos, que não são os melhores, para que se verifique provérbio que diz: que
o Brasil é o inferno dos negros, purgatório dos brancos e paraíso dos mulatos e
mulatas, salve quando, por alguma desconfiança ou ciúme o amor se muda em ódio e sai armado de todo gênero de
crueldade e rigor”. (Antonil: 89-90)
Note leitor que Antonil fala da relação entre afecções (ódio,
amor etc.) do branco na relação gramatical
com os mulatos e mulatas na vida da comunidade capitalista escravista
latifundiária: aí diz Antonil, o mulato era lançado para o inferno do negro pelo
ódio mortal do branco que sai armado de todo gênero de crueldade e rigor. O
inferno do negro define a essência do modo de ser psíquico da lógica gramatical
de sentido do Bem e do mal do senhor e da senhora coloniais. O perverso é o
significante fenomênico gramatical das aparências de semblância da superfície
reprofunda do litoral:
“Transforma-se o sadismo do menino e do adolescente no gosto
de mandar dar surra, de mandar arrancar dentes de negro ladrão de cana, de
mandar brigar na sua presença capoeiras, galos e canários, - tantas vezes
manifestado pelo senhor de engenho quando homem feito; no gosto de mando
violento ou perverso que explodia nele ou no filho bacharel quando no exercício
de posição elevada, da política ou da administração pública; ou no simples e
puro gosto de mando, característico de todo brasileiro nascido ou criado em
casa-grande de engenho. Gosto que tanto se encontra, refinado num senso grave
de autoridade e dever, num Dom Vital, como abrutalhado em um rude autoritarismo
num Floriano Peixoto”. (Freyre: 51).
O brutalismo (Souriau:281) do gosto criou a gramática de gramática
de sentido do aparelho de Estado ser a prática do Mal, como violência injusta,
ilegítima, contra a população. O presidente marechal Floriano Peixoto se tornou
o significante fenomênico gramatical pessoal militar do brutalismo na práxis
individual da prática política republicana cesarista tropicalista do litoral:
“O seu entusiasmo por aquele ídolo político era forte,
sincero e desinteressado. Tinha-o na conta de enérgico, de fino e supervidente,
tenaz e conhecedor das necessidades do país, manhoso talvez um pouco, uma
espécie de Luís XI forrado de um Bismarck. Entretanto, não era assim. Com uma
ausência total de qualidades intelectuais, havia no caráter do Marechal
Floriano uma qualidade predominante: tibieza de ânimo; e no seu temperamento,
muita preguiça. Não a preguiça comum, essa preguiça de nós todos; era uma preguiça
mórbida, como que uma pobreza de irrigação nervosa, provinda de uma
insuficiente quantidade de fluído no seu organismo. Pelos lugares que passou,
tornou-se notável pela indolência e desamor às obrigações do seus cargos”.
(Lima Barreto: 209).
Por outro lado, o bacharel senhorial jovem do século XIX criou
e recriou um significante fenomênico que foi o modo de ser psíquico da lógica
de gramática de sentido retórico real do Bem e do Mal na relação da elite com a
população das classes baixas, lógica que estruturou o aparelho de Estado
policial fático, pela prática da injustiça, em relação aos pobres e negros.
6
Euclides doou uma mais-valia gramatical para a sociedade
brasileira. o discurso dele é um modo de ser psíquico de uma práxis individual
na prática política da cultura mundial. A gramática de gramática de sentido do
Bem/Mal habita o livro “Os Sertões”. (Euclides da Cunha. V. 2: 1995). Em Euclides,
a língua portuguesa escrita no Brasil, aparece como uma língua paramoderna em
relação a língua lusitana moderna:
“O século XVIII teve o seu aspecto filosófico e o seu aspecto
mundano. Teve Voltaire e teve Crebillon. Portugal copiava o último, ao mesmo
tempo que D. João V imitava a frivolidade resplandecente do Rei Sol dos
minuetes e das etiquetas olvidando o Luís dos tratados”.
“Daí o burlesco daquela tentativa de transferir para Lisboa
um lampejo de Versalhes, numa grandeza achamboada e informe que era, como todas
as paródias, um contraste. É o contraponto entre o medido das frases e das
ideias, que na corte parisiense transmudavam o Classicismo numa sistematização
da vulgaridade, e o retumbante e amaneirado das glosas e madrigais dos
versejadores portugueses. Comparem-se o Camões do Rocio e Boileau; ou então a
pragmática dos saraus de Rambouillet aos festejos ruidosos de Lisboa onde se
viam, sem escândalo a fradaria inumerável, rompentes nas procissões ou
saracoteando nos salões, ao toar dos alaúdes e guitarras, a Poesia, a Gramática
(a gramática!) e a Retórica com a sua ninhada de Tropos espalhafatosos, de
Metáforas nervosas, de Gerúndios rotundos e de supinos desfibrados,
materializados num grande excesso de objetivismo”. (Euclides. 1995: v. 1,
150-151).
Bem! Euclides fala da gramática e da retórica como aparatos
da lógica gramatical de sentido da língua moderna nacional. Mas o que queria
Euclides, que seus contemporâneos não conseguiram alcançar? Euclides fez de
Canudos o significante fenomênico gramatical das aparências de semblância do
modo de ser psíquico da plurivocidade de práxis individual da superfície
reprofunda de uma prática política inédita brasileira na história das
civilizações/barbárie:
“O que perturbou enormemente o litoral é Canudos como um
acontecimento que propunha um paradigma de construção de uma classe dirigente
barroca, mestiça, Assim, a destruição da multidão barroca, mestiça se torna um
problema fatal, agônico”. (Bandeira da Silveira. Janeiro/2023: cap. 6, parte ).
Canudos como potência e ato em ato de um processo de
autoprodução de uma lógica de gramática de sentido do Bem/Mai, ethos/Pathos
[personificado na vida do Bom Jesus], ao mesmo tempo, da nação brasileira e de
um Estado lacaniano gramatical - no qual o mais-gozar gramatical instaurasse
uma democracia feudal do dominado do Sertão em um antagonismo lógica gramatical
com a democracia do dominante cosmopolita do litoral, luso-brasileiro:
“A partir da investigação de Canudos como produção de uma
tela gramatical barroca, mestiça, inicio meu estudo sobre a produção de um
campo de ideologias que já não é um efeito do discurso do europeu de nosso
complexo de vira-lata”.
“A inteligência brasileira viu, corretamente, o discurso
euclidiano como um evangelho, não como uma visão de mundo. Se o campo da
ideologia se caracteriza como um campo de lutas ideológicas, o evangelho já
remete para a construção de uma classe dirigente como direção moral,
intelectual, gramatical e estética”. (Bandeira da Silveira. Janeiro/2023: cap.
6, parte 1).
A língua portuguesa falada e escrita no Brasil aparece como
autofabricação da lógica de gramática de sentido do nacional/popular na miríade
de significantes fenomênicos gramaticais da dialética colonial litoral versus
Sertão.
7
O <homem cordial> de Holanda é o homem oligárquico
gramatical que, hoje, foi restaurado, parcialmente, pelo parlamento
nacional/territorial. Ele é um significante fenomênico como modo de ser
psíquico da lógica gramatical da práxis individual de sentido do grau zero da
modernidade weberiana:
“No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um
sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a
interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao co0ntrário, é possível
acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades
particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e poucos
acessíveis a ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da
família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade
[...]. isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em
princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade em normas
antiparticularistas”. (Holanda: 106).
A democracia constitucional de 1988, hoje, é refém de clãs
políticos que colonizam, intensamente e profundamente, a soberania popular, via
a prática política das emendas parlamentares, que têm o direito natural a uma
parte substancial [do Orçamento nacional], do mais-gozar gramatical, ou
mais-valia gramatical do Estado lacaniano fiscal. A civilização tropicalista se
caracteriza:
“Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição
brasileira à civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o <homem
cordial>. A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão
gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço
definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e
fecunda a influência dos padrões de convívio humano, informados no meio rural,
e patriarca. Seria engano pressupor que essas virtudes possam significar
<boas maneiras>, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um
fundo emotivo extremamente rico e transbordante”. (Holanda: 106-107).
A estrutura de dominação entre representante e representado,
entre governante e governado, entre dominante e dominado é banhada por uma
certa inquietude do dominado em relação ao dominante:
‘Nada mais significativo da aversão ao ritualismo social, que
exige, por vezes, uma personalidade fortemente homogênea e equilibrada em todas
as partes, do que a dificuldade em que
se sentem, geralmente, os brasileiros, de uma reverência prolongada ante um
superior”> (Holanda: 108).
O homem cordial não pratica o governo de si, pois, ele é
lógico e paralógico, ethos e páthos, afecção a flor da pele e razão, ao mesmo
tempo, na práxis individual gramatical oligárquica. O homem gramatical cordial
existe na própria língua pós-moderna brasileira:
“No domínio da linguística, pra citar um exemplo, esse modo
de ser parece refletir em nosso pendor acentuado para o emprego dos
diminutivos. A terminação <inho>, aposta às palavras, serve para nos
familiarizar com as pessoas ou objetos e, ao mesmo tempo, para lhes dar
relevo9. É a maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também de
aproximá-los do coração. Sabemos como é frequente, entre portugueses, o
zombarem de certos abusos desse nosso apego aos diminutivos, abusos tão
ridículos para eles quanto o é para nós, muitas vezes, a pieguice lusitana,
lacrimosa e amarga. Um estudo atento das nossas formas sintáticas traria, sem
dúvida, revelações preciosas a esse respeito”. (Holanda: 108-109)
O uso do diminutivo faz pendant com a lógica gramatical de
sentido da retórica criada e recriada pelos jovens bacharéis do direito, do
século XIX, ersatz moderno e pastiche de homem cordial. A língua portuguesa
falada no Brasil é articulada – como plurivocidade de práxis individual de ato
de fala – como prática política da cultura nacional e regional a partir da
logica gramatical de sentido nietzschiana, dialética materialista,
paraconsistente e bandeirante, de entradas e bandeiras, da lógica afro e da
tupy e, também, da lógica gramatical de sentido Guarani. Um caldo gramatical que faz do
português brasileiro a conciliação barroca riquíssima de uma população
unificada territorialmente e culturalmente na época de predomínio das telas:
eletrônica e digital.
8
No livro “Casa-Grande e Senzala”, há um paradigma da lógica
de gramática de sentido como efeito do antagonismo e conciliação barroca das
línguas de várias civilizações. o princípio de prazer e encantamento no ato de
fala infantil colonial atravessou séculos e nas grandes cidades foi destruído
por vario fenômenos: gramatical, retórico, ideológico. Uma tradição linguística que ainda existe
localmente e em certas regiões e foi desintegrada nas grandes cidades:
“A linguagem infantil també3m aqui se amoleceu ao contato da
criança com a ama negra. Algumas palavras, ainda hoje duras ou acres quando
pronunciadas pelos portugueses, se amaciaram no Brasil por influência da boca
africana [...]”.
“A ama negra fez muitas vezes com as palavras o mesmo que com
a comida: machucou-as, tirou-lhes s espinhas, os ossos, as durezas, só deixando
para a boca do menino branco as sílabas moles. Daí, esse português de menino
que no norte do Brasil, principalmente, é uma das falas mais doces deste
mundo”. (Freyre: 331).
O encontro de civilizações gramatical e retórica criou e
recriou a língua nacional barroca, mestiça, que unifica, seja o território,
seja a cultura pelo modelo colonial:
“Quando os negros foram maiores inimigos que o clima dos
<ss> e dos <rr>, maiores corruptores da língua no sentido da
lassidão e do langor [< e do mais-gozar gramatical e retórico]. Mães negras
e mucamas, aliadas os meninos, ás meninas, às moças brancas das casa-grandes,
criaram um português diverso do português do hirto e gramatical qu os jesuítas
tentaram ensinar aos meninos índios e semibrancos, alunos de seus colégios; do
português reinol que os padres tiveram o sonho vão de conservar no Brasi”.
(Freyre: 332);
A prática política da cultura linguística jesuítica não se
tornou hegemônico e assim, uma língua portuguesa territorial/popular aparece –
como tradição gramatical – isto é, como potência e ato em ato da autofabricação
da sociedade capitalista escravocrata colonial e, sobretudo, do Estado nacional
territorial monárquico gramatical e retórico do século 19.
9
A pororoca do encontro entre a cultura africana e
afro-brasileira, a tradição das línguas afros com o ensino formal do português
em escolas jesuíticas ou outras
práticas, como no latifúndio, igreja etc. ocorre em um campo linguístico de
práticas políticas civilizacionais em choque antagônico e compromisso barroco.
Cãmara Cascudo viu a diferença entre o ensino formal e a transmissão de língua
pela tradição oral:
“Para o ensinamento recebido pela
forma ordinária e legal o menino comportar-se-á passivamente, aprendendo,
usando, decorando. Para o <saber tradicional>, fora do âmbito majestático
e religioso, o estudante reage e colabora porque essa ciência clandestina e
semiproibida é uma excitação ao seu raciocínio, apelando diretamente para um
sentido ativo e pronto de utilização imediata e realística. [...]. Desta forma
creio existir folclores indígenas e negros, não confundíveis com a religião
indígena e negra, bem distintos da maneira política que os orienta”. (Câmara
Cascudo: 32).
Dois significantes fenomênicos gramaticais são expostos pelo
autor. De trás para frente, Cãmara fala de uma prática política da cultura e,
portanto, da transmissão da língua. A transmissão pode ter o aprendiz como
trabalho gramatical improdutivo na escola jesuítica e trabalho produtivo no
saber tradicional. Como determinar essa di8ferença. Bem! o trabalho produtivo
de mais-valia gramatical ocorre no processo de produção e circulação das
línguas. O aprendiz do saber tradicional, ao contrário, do aprendiz do saber
jesuítico, realiza um trabalho de produção de mais-valia que é um mais-gozar
gramatical, retórico e de gosto.
O campo linguístico colonial existe por uma guerra civil
entre as línguas existentes nele, línguas que são o teatro da plurivocidade de
práxis individual gramatical, retórico, de gosto em busca de uma unidade
linguística territorial e cultural:
“O idioma tupi foi o maior divulgador da literatura oral. O
tupi, já litorâneo quando o português chegou ao Brasil, foi o mais plástico, o
mais viajante, o mais inquieto dos povos americanos. O contato mais prolongado
com os europeus deu-lhe amplitude e elasticidade para espalhar o que ouvira a
contar o que sabia. Foi um denominador comum de estórias. Encontramo-lo por
toda parte, entre raças, Caraíbas, Aruacos, Gês, deformadas, adaptadas, mas
visíveis na origem do narrador longínquo”. (Câmara Cascudo: 83).
O tupi é uma gramática, retórica e gosto regido pelo
princípio do prazer gramatical e da lisonja entre raças, povos, tribos etc.:
“Até meados do século XVIII, o tupi era um idioma
legitimamente nacional em sua expressão verdadeira. Era a língua de casa,
falada do norte ao sul. O colono. Envolvido pela multidão indígena e mameluca,
preferia empregar a linguagem sonora que o padre José de Anchieta dizia
<delicada>, <copiosa> e elegante”. (Câmara Cascudo: 83).
Nosso autor do bloco estético/político do Estado
mercantilista/liberal de 1964 opera com os jogos de sentido da dialética
colonial, brilhantemente. Uma citação longa:
‘A lição de Teodoro Sampaio (106) é clara; - “Ao europeu,
porém, ou aos seus descendentes cruzados, que realizaram as conquistas dos
sertões, é que se deve a maior expansão do TUPI, como LÍNGUA GERAL, dentro das
raias atuais do Brasil. As levas, que partiam do litoral, a fazerem descobrimento,
falavam, no geral, o tupi; pelo tupi designavam os novos descobertos, os rios,
as montanhas, os próprios povoados que fundavam e que eram outras tantas
colônias, espalhadas nos sertões, falando também o tupi e encarregando-se
naturalmente de difundi-lo”.
O Estado nacional territorial monárquico e as oligarquias do
capitalismo escravista colonial se constituíram em maquinas de guerra
gramatical, retórica e de gosto para fazer do português a língua nacional em uma guerra civil gramatical, retórica e de
gosto contra o tupi como língua geral. O português era a língua do Estado
mercantilista do capital mercantilista gramatical dos jogos de sentido da
dialética colonial:
“O português era, sim, a língua oficial, como ainda hoje o
espanhol no Paraguai; a língua do comércio nos portos do litoral, nas cidades e
vilas de mais importância e no seio das famílias propriamente portuguesa; mas
ainda aparecia o tupi, falado pelos fâmulos, quase todos índios ou de
descendência índia. Nos povoados mais apartados, a catequese, iniciada e
desenvolvida pelos jesuítas, ia dando à língua bárbara os foros de um veículo
civilizador. Falavam os padres a língua dos aborígenes, escreviam-lhe a
gramática e o vocabulário, e ensinavam e pregavam nesse idioma”.
A história da prática política linguística paraconsistente
(Newton da Costa; 2008) brasileira é da ordem do extasiante, a embriagues:
“Nos seminários para meninos e meninas, CURUMINS E
CUNHATAINS, filhos de índios, mestiços,
ou brancos, ensinavam, de ordinário, o português e o tupi, preparando deste
modo os primeiros catecúmenos, os mais idôneos, para levar a conversão ao lar
paterno. Até o começo do século XVIII, a proporção entre as duas línguas
faladas na colônia era mais ou menos de três para um, do tupi para o português.
Em algumas capitanias, como São Paulo, Rio Grande do Sul, Amazonas e Pará, onde
a catequese mais influiu, o tupi prevaleceu por mais tempo. Nas duas primeiras,
até o fim do século XVII. No Amazonas e no Pará, ainda é comum o tupi no seio
da população civilizada dos TAPUIAS, como vulgarmente se apelidavam os índios.
Mas, naqueles tempos, quando o desbravamento dos sertões apenas começava r as
expedições para o interior se sucediam, com a obstinação das cousas fatais e
irresistíveis, o tupi era deveras a língua dominante, a língua da colônia.
Todos a falavam ou a compreendiam. Parecia mesmo haver certa predileção por ela”.
(Câmara Cascudo: 84).
10
A ciência política materialista/dialética se desenvolve a
partir do método da investigação e da exposição. Estes são duas telas
gramaticais narrativas estruturados pela lógica de gramática de sentido de
páthos e ethos. Aristóteles definiu a investigação dialética e materialista:
“o raciocínio é <dialético> quando parte de opiniões
geralmente aceitas. São <verdadeiras> e <primeiras> aquelas coisas
nas quais acreditamos em virtude de nenhuma outra coisa que não seja elas
próprias; pois, no tocante aos primeiros princípios da ciencis, é descabido
buscar mais além o porquê e as razões dos mesmos; cada um dos primeiros
princípios deve impor a convicção da sua verdade em si mesmo e por si mesmo.
São, por outro lado, opiniões <geralmente aceitas> aquelas todo mundo
admite, ou a maioria das pessoas, ou os filósofos – em outras palavras: todos,
ou a maioria, ou os mais notáveis e eminentes”. (Aristóteles. : 11)
A tela gramatical dialética da investigação contém as
verdades e as primeiras coisas da história de uma civilização. contém os
significantes fenomênicos gramaticais como o Estado territorial e o capital. Os
princípios existem materialmente na plurivocidade de gramática, retórica e
ideologia de uma civilização policiada. Eles são o policiamento gramatical da
plurivocidade de gramática na tela da prática política da história conjuntural
de3 uma civilização. A civilização do investigador é o limite a partir do qual
a ciência política M.D se descobre, se inventa e se desenvolve. A investigação
parte da doxa e da episteme da tela gramatical de uma civilização determinada. A
exposição é uma tela definida por Marx:
“Estes elementos isolados, uma vez mais ou menos fixados e
abstraídos, dão origem aos sistemas econômicos, que se elevam do simples, tal
como trabalho, divisão do trabalho, necessidade, valor de troca, até o Estado,
a troca entre as nações e o mercado mundial. O último método é manifestamente o
método científico exato. O concreto é concreto porque é a síntese de uma
plurivocidade de determinação, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto
aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como
ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o
ponto de partida também da intuição e da representação. No primeiro método, a
representação plena volatiliza-se em determinações abstratas, no segundo, as
determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do
pensamento. Por isso, é que Hegel caiu na ilusão de conceber o real como
resultado do pensamento que se sintetiza em si, se aprofunda em si, e se move
por si mesmo; enquanto que o método que consiste em elevar-se do abstrato ao
concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do
concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado. Mas este não é de modo algum
o processo de gênese do próprio concreto. A mais simples categoria econômica,
suponhamos, por exemplo, o valor de troca, pressupõe a população, uma população
produzindo em determinadas condições e também certos tipos de famílias, de
comunidades ou Estados. O valor de troca nunca poderia existir e outro modo
senão como relação unilateral, abstrata de um todo vivo e concreto dado”.
(Marx. 1974: 122-123).
O <concreto pensado> é a tela gramatical expositiva,
narrativa, dialética/materialista, plástica dos significantes fenomênicos
gramatical, retórico, ideológico, de gosto. Ela tem como significantes
fenomênicos primeiros da sociedade de classes sociais e as relações técnicas de
produção fazendo pendant com a lógica gramatical de sentido da mercadoria.
11
A LÍNGUA a tela de plurivocidade de gramática, retórica,
ideologia de uma determinada civilização, vivendo na formação social
territorial/virtual. (Faye: 150; Hobsbawm: 15). Nesse texto, aparecem os jogos
de sentido da dialética colonial na formação brasileira. A língua é tela
gramatical narrativa PLÁSTICA, como se fosse um filme obra-de-arte. A língua é
obra de arte como potência e ato em ato plotiniano, como autoprodução do
indivíduo, da multidão e do mundo do campo político gramatical plástico etc.:
“E quem pinta não deveria pintar algo – e quem pinta algo,
não pinta nada real? – Sim, o que é o objeto do pintar: a figura do homem (por
exemplo) ou o homem representado pela figura?”
519. Diríamos – uma ordem é uma imagem da ação, que foi
executada segundo a ordem; mas é também uma imagem da ação, que deve ser
executada segundo ela”.
“520. ‘Mesmo quando se concebe a frase como imagem de um
estado de coisas possível e se diz que ela mostra a possibilidade do estado de
coisas, então, no melhor dos casos, a frase pode fazer o que faz uma imagem
pintada ou plástica, ou um filme; e ela, em todo caso, não pode colocar o que
não se dá. Portanto, depende inteiramente de nossa gramática o que é
(logicamente) dito possível e o que não é, - a saber, o que ela autoriza?’- Mas
é arbitrário!? – Não é com toda
figuração em forma de frase que sabemos o q1ue fazer; nem toda técnica tem um
emprego em nossa vida, e quando na filosofia, somos tentados a contar entre as
frases algo de inteiramente inútil, isso frequentemente acontece porque não
refletimos suficientemente na sua aplicação”. (Wittgenstein: 148).
Aqui, o objeto é a formação brasileira dos jogos de sentido
dialético/materialista colonial. Esta língua contém a estrutura de dominação
gramática, retórica, ideológica de representação política de
governante/governado, dominante/dominado etc.:
“Sucedeu , porém, que a língua portuguesa nem se entregou de
todo à corrupção das senzalas, no sentido de maior espontaneidade de expressão,
nem se conservou acalafetada nas salas de aula das casas==grandes sob o olhar
duro dos padres-mestres. A nossa língua nacional é um efeito complexo da
interpenetração das duas tendências. Devemo-la tanto às mães Bentas e às tias
Rosas como aos padres Gamas e aos padres Pereiras. O Português do Brasil,
ligando as casas-grandes às senzalas, os escravos aos senhores, as mucamas aos
sinhô-moços, enriqueceu-se de uma variedade de antagonismos que faltava ao
Português da Europa. Um exemplo dos mais
expressivos, que me ocorr5e, é o caso dos pronomes. Temos no Brasil dois modos
de colocar pronomes, enquanto o português só admite um – o <modo duro imperativo> : diga-me, faça-me, espere-me.
Sem desprezarmos o modo português, criamos um novo, inteiramente nosso,
característica brasileiro: me diga, me faça, me espere. Modo bom, doce, de
pedido!”.
O me antes do verbo define a Língua brasileira segundo o
princípio de prazer e de mais-gozar gramaticais, retórico, ideológico na
relação governante/governado:
“E servimo-nos dos dois. Ora esses dois modos antagônicos de
expressão, conforme necessidade de mando ou cerimonia, por um lado, e de
intimidade ou de súplica, por outro, parecem-nos bem típicos das relações
psicológicas que se desenvolveram através da nossa formação patriarcal entre
senhores e os escravos: entre as sinhás-moças e as mucamas; entre os brancos e
os pretos. <Faça-me> é o senhor falando; o pai; o patriarca; <me
dê>, é o escravo, a mulher, o filho, a mucama> Parece-nos justo atribuir em
grande parte aos escravos, aliados aos meninos das casas-grandes, o modo
brasileiro de colocar pronomes”. (Freyre: 334-335).
12
Lacan fala de um campo do Grande Outro como produção de
conhecimento filosófico:
“Há, por outro lado, o campo em que o Outro, que durante
muito tempo foi dos filósofos [...]”. (Lacan. 2008. S. 16: 100).
O Outro como produção de ideia é uma tela gramatical
narrativa da civilização do homem gramatical. Hoje, o Outro aparece como o
general intellect gramatical que além do homem gramatical inclui o campo das
IAs. O general intellect gramatical e a IA são, ou capital variável do capital
mercantilista gramatical produtor de mais-valia gramatical pura, ou produtor de
mais-valia gramatical fiscal, do Estado lacaniano gramatical, que recolhe o
mais-gozar gramatical no seio da população ou então da sociedade de classes
sociais:
“Por outro lado, num outro registro, há o campo em que,
aparentemente, o gozo espera o sujeito. É justamente aí que ele é servo, e
justamente da maneira como, até aqui, era possível censurar a psicanálise por
desconhecê-lo, ou seja, ele está submetido ao social, como se costuma dizer. As
pessoas não percebem que se contradizem, e que o chamado materialismo histórico
só tem sentido ao nos darmos conta de que não pé da estrutura social que ele
depende, uma vez que o próprio Marx afirma que é dos meios de produção. Dos
meios de produção, isto é, daquilo com que se fabricam coisas que enganam o
<mais-gozar> e que, longe de poderem ter a esperança de preencher o campo
do gozo, nem se quer estão em condições de bastar ao que se perde, em função do
Outro”. (Lacan. 2008. S. 16: 100-101).
Ao conceito de riqueza como produção de valores-de-uso e
valores-de-troca puro é acrescentado a riqueza como produção de mais-valia
gramatical pura e mais-gozar fiscal gramatical. Nessa última superfície de uma
economia gramatical se realiza a reprodução ampliada do capital mercantil
gramatical e seu Estado mercantilista/capitalista. Uma outra história da
economia do capital começa caminhando para a subsunção do capital ao trabalho
gramatical produtivo. (Bandeira da Silveira; Maio/2022).
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