José Paulo
O Estado burguês de exceção teve três formas de governo:
fascismo, bonapartismo, ditadura militar. Hoje, temos um Estado de exceção
burguês-feudal. O fascismo é a forma especial do estado de exceção do
mercantilismo do capital multinacional, que usou trabalho compulsório na
Europa. O Estado de exceção burguês-feudal já aparece na democracia feudal moderna
em um campo político com direita e extrema-direita, esquerda e
extrema-esquerda. No Brasil, a extrema-direita governou com Bolsonaro e a
esquerda com Lula a partir de 2023. Nos EUA, a extrema-direita governou com
Donald Trump e a direita governa com Joe Biden. O campo político brasileiro é
mais completo do que o campo americano. A França é o campo mais completo pois
possui a extrema-esquerda.
Ao Estado de exceção burguês-feudal corresponde uma crise
política da gramática do campo político da democracia feudal moderna. Com a
região da extrema direita habitada pelo fascismo pós-modernista, no Brasil, o
fascismo quer desintegrar o Estado nacional virtual da Constituição de 1988, em
uma guerra civil que faz da contrarrevolução o aprofundamento da forma
capital-feudal subdesenvolvido - em uma época mundial do mercantilismo do
capital feudal asiático como paradigma das relações internacionais. A conciliação
barroca capital e feudalismo existiu na Revolução francesa estudada por Alex de
Tocqueville. (Tocqueville: 1967). Não é um raio em um céu azul da atualidade.
O Estado de exceção burguês-feudal pós-modernista significa o
direito à mais-valia pública para o dominante: capital subdesenvolvido. Da Constituição
de 1988, o Estado feudal-democrático modernista significa direitos para o dominado
`a mais-valia pública. A ideia de mais de um Estado - na formação social
brasileira - aparece no marxismo brasileiro, como já mostrei em outros textos.
Na plurivocidade de Estado no campo político, há um Estado dominante. Tal
fenômeno pode se traduzir pela guerra civil aberta ou latente. Esta ideia não é
uma novidade. O Estado de exceção estabelece a stasis como um fenômeno natural
do campo político onde ele é o dominante, soberano. O governo de Bolsonaro foi
um governo da guerra civil aberta contra o STF e região da esquerda, por
exemplo. O Estado de exceção
burguês-feudal medieval tinha como meta a desintegração da democracia feudal
modernista da Constituição de 1988. Nos EUA, Donald Trump quer mudar a
gramática do campo político americano. Na França, o partido fascista quer fabricar
um Estado nacional do novo medieval, fundado na mitologia de origem da grande
monarquia feudal.
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A ciência política materialista é uma criação de Engels, em
1844. A tese 11 do texto de Marx sobre Feuerbach:
“Los filósofos se han limitado a interpretar el mundo
de distintos modos; de lo que se trata es de transformarlo”. (Marx e
Engels. 1974: 668).
Na tese 11 se encontra a ideia luminar da história feita por
aparelho ideológico [interpretar a gramática do mundo pelo idealismo] e por
aparelho de hegemonia, isto é, mudar a gramática do campo político. Lenin fala
do aparelho ideológico da filosofia como partido idealista e partido
materialista. O partido da revolução é o aparelho de hegemonia como príncipe
moderno gramsciano - que quer fundar um novo Estado. Então, o problema da
ciência literária política materialista de Engels, Marx, Lenin e Gramsci é o
Estado nas civilizações. Faço uma longa citação do livro ‘A ideologia alemã”:
“Nos povos surgidos da idade Média, a propriedade tribal se
desenvolve passando por várias etapas – propriedade feudal da terra,
propriedade mobiliaria corporativa, capital manufatureiro – até chegar ao
capital moderno, condicionado pela grande indústria e a concorrência universal,
até chegar à propriedade privada pura, que se tem despojado já de toda
aparência de comunidade e tem eliminado toda influência do Estado sobre o
desenvolvimento da propriedade. À esta propriedade moderna corresponde o Estado
moderno, paulatinamente, comprado, rigorosamente, pelos proprietários privados,
entregue completamente a estes pelo sistema da dívida pública e cuja
existência, como revela a alta e a baixa dos valores do Estado na Bolsa,
depende inteiramente do crédito comercial que lhe concedam os proprietários
privados burgueses”. (Marx e Engels. 1974: 71).
O conceito de Estado burguês moderno parte da economia
pública da mais-valia pública como laço social da dívida pública entre o Estado
e o capital moderno. Trata-se de um Estado moderno nacional da sociedade
capitalista do proprietário burguês inglês. Com o mercantilismo do capital
europeu do fim do século XIX, o Estado burguês inglês passa a habitar o campo
político com o Estado imperialista e colonial de vários países europeus. Este
Estado europeu é uma estrutura de dominação ideológica da raciolização entre
povos europeus [superiores} e povos africanos inferiores, definido assim pela
antropologia como aparelho de vaidade ideológico do Estado imperialista e
colonialista europeu.
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A filosofia é a forma
cultural que cria o aparelho ideológico puro. Este cria e recria as regiões do
campo político como ilusão estética [como por exemplo a direita fascista
brutalista ou a esquerda como forma de transição entre o barroco e o neobarroco]
e como partido político muda a forma de governo. O aparelho de hegemonia muda a
gramática do campo político e, como Príncipe moderno, funda um novo Estado.
Portanto, continuo com o Estado:
“A burguesia, por ser uma classe, e não um simples estamento,
se acha obrigada a organizar-se em um plano nacional e não já somente em um
plano local e dar a seu interesse médio uma forma geral. Mediante a emancipação
da propriedade privada em relação à comunidade, o Estado cobra uma existência
especial junto à sociedade civil e a margem dela; porém, não é tão pouco mais
que a forma de organização que se dão necessariamente os burgueses, tanto no
interior como no exterior, para a mútua garantia de sua propriedade e de seus
interesses. A autonomia do Estado só se dá, hoje, naqueles países em que os
estamentos ainda não se têm desenvolvido totalmente até converter-se nas
classes, donde ainda desempenham papel de estamentos”. (Marx e Engels. 1974:
71-72).
O Estado burguês-feudal medieval da contemporaneidade faz da
classe política um estamento e da burocracia pública, também, estamentos de
juízes e generais:
‘eliminados os estamentos nos países mais desenvolvidos,
donde existe certa mescla e donde, portanto, nenhuma parte da população pode
chegar a dominar sobre os demais. Com efeito, isto ocorre na Alemanha. O
exemplo mais acabado de Estado moderno é o dos EUA. Os modernos escritores
franceses, ingleses e estadunidenses se manifestam todos no sentido de que o
Estado só existe em função da propriedade privada, o que, a força de
repetir-se, se tem incorporado já à consciência comum. (Marx e Engels. 1974:
72).
O estamento vive da mais-valia pública da antiprodução; ele
não vive como uma categoria da economia pública assalariada do Estado nacional;
o estamento estabelece no Estado burguês-feudal medieval de hoje a relação [na
distribuição da mais-valia pública] do dominante [aristocracia feudal medieval de
juízes e generais] com o dominado: o professor universitário público da plebe
romana modernista. O Estado burguês-feudal pós-modernista, de hoje, faz
analogia com o Estado alemão feudal-burguês de 1845.
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E o evangélico do americanismo? Ele põe e repões problemas
para o aparelho de hegemonia da razão linguística e para o aparelho ideológico
de vaidade de gosto:
“Quem reconhece como más sua poesia ruim não é tão limitado
em seu conhecimento ou em sua essência como aquele que aprova em sua
inteligência suas más poesias”. (Feuerbach: 50).
O evangelismo americanista faz da política secular um
aparelho ideológico de vaidade popular - de gosto duvidoso:
“O que te domina quando o som te domina? Que ouves nele? O
que mais a não ser a voz de teu próprio afeto ou coração? Por isso só o
sentimento fala ao afeto, por isso o sentimento só é inteligível pelo campo de
afeto, isto é, por si mesmo, exatamente porque o objeto do afeto só pode ser o
próprio afeto. A música é um monólogo do afeto. Mas o próprio diálogo da
filosofia é, com efeito, um monólogo da razão: o pensamento só fala para o
pensamento. O brilho das cores dos cristais arrebata os sentidos; mas à razão
só interessam as leis da cristalonomia. Para a razão só é objeto o racional”. (Feuerbach:50).
Como aparelho de vaidade de gosto, a prática política da
massa não pode conhecer a tela de afeto como tela celestial, isto é, como amor
gótico:
“Como poderias perceber a divindade através do afeto se o
sentimento não fosse por si mesmo de natureza divina? O divino só pode ser
conhecido pelo celestial., ‘Deus só pode ser conhecido por si mesmo’. A
essência celestial que o sentimento percebe é em verdade apenas a essência do
afeto arrebatada e encantada consigo mesma – o sentimento embriagado de amor e
felicidade”. (Feuerbach: 51).
A religião evangélica medieval pós-modernista é uma tela de
vaidade de gosto, de amor, que abole o cristianismo como um campo de dogmas de
Jesus, da fé no Deus carnal, como aparelho de hegemonia celestial da tela
metafísica religiosa”. (Feuerbach: 51).
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A ciência política materialista de Engels fala do choque
agônico entre aparelho de hegemonia científico e o aparelho ideológico
metafísico alemã moderno, ao qual pertence o livro “A essência do
Cristianismo”. O aparelho de hegemonia marxista é portador de uma concepção
política da história que parte da tese 11 sobre Feuerbach. Também parte da
atividade da prática como definindo a realidade histórica. (Labica: 43, 76, 77).
A prática é parte de uma rede de conceitos como: história, revolução,
ideologia, produção ...proletariado, massa:
“Trata-se do caráter de uma prática. E de uma prática
inserida no cotidiano. Vamos chamá-la pelo seu nome: luta de classe”. (Labica:
87, 63).
A luta de classe do proletariado é motor da história, mas as
massas fazem a história (Althusser: 27); elas são o nome real da prática
política que existe como aparelho de hegemonia proletária, prática que é capaz
de fundar um novo Estado. Engels pensa a diferença entre o aparelho de
hegemonia revolucionário e o aparelho ideológico comparando a história da
França com a Alemanha:
“Tanto quanto na França do século XVIII, a revolução
filosófica foi na Alemanha do século XIX o prelúdio de desintegração do campo
político; os franceses em guerra civil aberta contra toda a ciência oficial,
contra a Igreja e, não raro, mesmo contra o Estado; suas obras impressas fora
das fronteiras, na Holanda ou na Inglaterra, e, além disso, os autores, com
muita frequência, iam dar com os costados na Bastilha. Os alemães, ao
contrário, eram professores em cuja mãos o Estado colocava a educação da
juventude; suas obras, livros de texto consagrado; e o sistema que coroava todo
o processo de desenvolvimento – o sistema de Hegel – era inclusive elevado, em
certa medida, ao nível de filosofia oficial de Estado monárquico prussiano!
Como poderia a revolução ocultar-se por trás desses professores, por trás de
suas palavras pedantemente obscuras e de suas frases longas e aborrecidas? Pois
não eram precisamente os liberais, considerados então os verdadeiros
representantes da revolução, os inimigos mais encarniçados desta filosofia que
trazia confusão às consciências”. (Engels: 171).
A história de Hegel como aparente aparelho de ideologia
dominante da monarquia passa pela universidade, pois, Hegel era professor:
Nunca houve uma tese filosófica que atraísse tanto
reconhecimento de governos míopes e a cólera de liberais, não menos curtos de
visão, como a famosa tese de Hegel: <Tudo o que é real é racional, e tudo
que é racional é real>. Não era, concretamente, a santificação de tudo que
existe, a benção filosófica dada ao despotismo, ao Estado policial, à justiça
de gabinete, à censura? Assim acreditavam, realmente, Frederico Guilherme III e
seus súditos”. (Engels: 171-172).
A relação orgânica entre forma de governo e filosofia aparece
hoje como algo ininteligível. Todavia, na época de Hegel, a filosofia era
vista, pelo governante, como um aparelho ideológico puro do dominante. No campo
do indivíduo e da multidão não havia a autonomia absoluta da filosofia em
relação a prática política; “As ideias não estavam fora de seu lugar real”,
elas funcionavam como legitimação da prática ou como crítica da realidade:
“Para Hegel, porém, o que existe está longe de ser real pelo
simples fato de existir. Em sua filosofia, o atributo da realidade corresponde
apenas ao que, além de existir, é necessário; ‘em seu desdobramento a realidade
revela-se como necessidade’. Eis porque Hegel não considerava como real, pelo
simples fato de ser imposta – qualquer medida governamental- como um ‘sistema
tributário determinado’, por exemplo, citado por ele mesmo. Todavia, o que é
necessário demonstra-se também, em última instância, como racional. Assim,
aplicada ao Estado prussiano da época, a tese hegeliana permite uma única
interpretação: este Estado é racional, corresponde à razão, na medida em que é
necessário; se, no entanto, nos parece mau, e continua existindo, apesar disso,
a má qualidade do governo justifica-se pela má qualidade correspondente de seus
súditos. Os prussianos da época tinham o governo que mereciam”. (Engels: 172).
A unidade entre governo e povo, entre governo e multidão,
evoca o Estado como Deus mortal de Hobbes. Hegel faz a crítica da modernidade
do Estado prussiano, não defende sua conservação:
“segundo Hegel, a realidade não constitui um atributo que, em
todas as situações e em todas as épocas, seja inerente a um determinado estado
de coisas político ou social. Ao contrário. A república romana era real, mas o
império romano que a suplantou também era real. Em 1789, a monarquia francesa
se havia tornado tão irreal, isto é, tão destituída de toda necessidade, tão
irracional, que teve de ser varrida pela grande Revolução, de que Hegel falava
sempre com o maior entusiasmo.” Engels: 172).
Hegel fala da Revolução como atividade da prática política:
“uma mudança pela qual o indivíduo, como efetividade especial
e como conteúdo peculiar, se opõe àquela efetividade universal. Essa oposição
vem a tornar-se crime quando o agente suprassume essa efetividade de uma
maneira apenas singular; ou vem a tornar-se um outro mundo – outro direito,
outra lei e outros costumes, produzidos em lugar dos presentes – quando o
agente o faz de maneira universal e, portanto, para todos”. (Hegel. 1992: 194).
A Revolução é um aparelho de hegemonia ou Príncipe moderno
que cria e recria uma outra gramática, um mundo novo, no lugar da antiga
gramática, do velho mundo.
Engels segue:
“Aqui, pois, o irreal era a monarquia e o real ´a revolução.
E, assim, no processo de desenvolvimento, tudo que antes era real se transmuta
em irreal, perde sua necessidade, seu direito natural de existir, seu caráter
racional; à realidade que agoniza sucede uma realidade nova e vital;
pacificamente, se o que caduca é bastante razoável para desaparecer sem luta;
pela violência, se se rebela contra essa necessidade; A tese de Hegel
transforma-se assim, pela própria dialética hegeliana, em seu contrário: tudo
que é real, nos domínios da história humana, converte-se em irracional, com o
passar do tempo; já o é, portanto, por seu próprio destino que carrega consigo,
o germe do irracional, e tudo que é racional no cérebro do homem está destinado
a ser real um dia, por mais que ainda se choque hoje com a aparente realidade
realmente existente. A tese de que tudo que é real é racional se resolve,
segundo todas as regras do método do pensamento de Hegel, nessa outra: tudo que
existe deve perecer”. (Engels: 172).
Hegel faz a crítica da gramática da modernidade do Estado
monárquico como um pressuposto saber da prática política revolucionária. Aí, há
o fim da unidade entre teoria e prática do Estado, seu colapso legítimo, na
medida em que ele só existe como ilusão ideológica ilegítima no campo
político/estético.
6
A relação entre forma de governo e multidão passa pelas
regiões do campo política reprofundas como: pensar, querer e amar. O pensar é a
prática política pela razão gramatical; o querer é a vontade de poder
heideggeriana; o amar é a relação do campo do afeto da vaidade como gosto do
governamental. Quando o aparelho de gosto governamental da multidão rompe com o
soberano, aí temos o rei ideológico como ilegítimo:
‘essa filosofia dialética põe fim a todas as ideias de uma
verdade absoluta e definitiva e a um consequente estágio absoluto da
humanidade. Diante dela, nada é definitivo, absoluto, sagrado; ela faz
ressaltar o que há de transitório em tudo que existe; e só deixa de pé o
processo ininterrupto do vir-a-ser e do perecer, uma ascensão infinita do
inferior ao superior, cujo mero reflexo no cérebro racional é esta própria
filosofia. E reconhece a legitimidade de determinadas formas sociais e de
conhecimento, para sua época e sob suas circunstâncias; Com efeito, ela tem
também seu aspecto conservador quando reconhece a legitimidade de determinadas
formas sociais e de conhecimento para sua época e sob suas circunstancias; mas
não vai além disso; o conservantismo desta concepção política de mundo é
relativo; seu caráter revolucionário é absoluto, e a única coisa absoluta que
ela deixa em pé”. (Engels: 173).
7
Já mostrei em outros textos que há uma leitura materialista
do conceito de espírito em Hegel. O espírito é tela gramatical:
“L’intitulé général Constituition recouvre une théorie de
l’etat. Elle commence par poser que l’etat est pour ainsi dire l’esprit de la
loi”. (Taminiaux:57).
O Estado é espírito da lei, ele é tela gramatical da lei. A
gramática da tela é a materialidade do Estado. A ciência política hegeliana do
Estado é ciência da tela gramatical. Marx fala do Estado como aparelho de
Estado e poder de Estado. (Balibar: 94). Assim, a ciência política literária materialista
do Estado estabelece uma continuidade entre Hegel e Marx/Engels.
A luta de classes é um conceito da cultura europeia. Ela faz
da economia um fenômeno do campo político/estético. Assim o materialismo
adquire, plenamente, uma natureza reconcreta, com a imagem textual de interesse
econômico na história da sociedade moderna:
“Desde a implantação da grande indústria, isto é, desde a paz
de 1815 pelo menos, que já não era segredo para ninguém, na Inglaterra, que a
luta política girava em torno das pretensões de domínio de duas classes: a
aristocracia latifundiária (landed aristocracy) e a burguesia (middle
classe). Na França, o mesmo fato tornou-se evidente com a volta dos Bourbons;
os historiadores do período da Restauração, de Thierry e Guizot, Mignet e
Thiers, o proclamam constantemente como o fato que dá a chave para compreender-se
a história da França, desde a idade Média. E desde 1830 em ambos os países se
reconhece como terceiro combatente, na luta pelo poder, a classe operária, o
proletariado. As condições tinham-se simplificado a tal ponto, que seria
necessário fechar deliberadamente os olhos para não ver na luta dessas três
grandes classes e no choque de seus interesses a força motriz da história
moderna, ao menos nos dois países mais desenvolvidos”. (Engels: 200).
O paradigma de Marx/Engels se tornaria o aparelho de
hegemonia da história moderna:
“Pelo menos na história moderna é demonstrado que todas as
lutas políticas são lutas de classes e que todas as lutas de emancipação de
classes, com sua inevitável forma política, é uma luta política, girando, em
última instância, em redor da emancipação econômica. Portanto, aqui, pelo
menos, o Estado e o regime político são elementos subordinados, e a sociedade
civil, como o reino das relações econômicas, o aspecto dominante. A ideia
tradicional, consagrado por Hegel, fazia do Estado o aspecto determinante e a
sociedade civil o aspecto condicionado pelo Estado. E as aparências levam a
pensar desse modo [...]; na história moderna a vontade do Estado obedece, em
geral, à supremacia desta ou daquela classe e, em última instância, ao
desenvolvimento das forças produtivas e das condições de troca”. (Engels: 201).
Engels põe e repõe a luta de classes, o Estado, as relações
técnicas de produção no campo político da modernidade evoluindo e recobrindo a
Idade Média. A crítica à gramática do Estado de Hegel, entre nós, define a
ciência social em geral como materialismo de interesse econômico, abrindo as
comportas para o desenvolvimento de um campo de ideologias científicas
economicistas como concepção política da história, cujo maior exemplo é o
stalinismo:
“E se mesmo numa época como a moderna, com seus gigantescos
meios de produção e de comunicação, o Estado não é um domínio autônomo, com um
desenvolvimento próprio, mas tem sua existência e sua evolução explicadas, em
última instância, pelas condições de existência econômica da sociedade, com
maior razão ainda isso deve ter ocorrido em todas as épocas anteriores, em que
a produção da vida material dos homens não se verificava com recursos tão
abundantes e em que, portanto, a necessidade dessa produção devia exercer um
domínio ainda mais considerável sobre os homens. Se ainda hoje, na época da
grande indústria e das estradas de ferro, o Estado, de modo geral, é um reflexo
em forma condensada das necessidades econômicas da classe dominante que domina
a produção [...]”. (Engels: 201).
O Estado é condensação dos interesses econômicas da classe
dominante:
“Mas o Estado não é puramente e simplesmente uma relação, ou
a condensação de uma relação; ele é a condensação material e específica de uma
relação de forças entre classes e frações de classe”. (Poulantzas: 141).
A relação entre o
Estado e os interesses econômicos não é economicistas. Marx fala de uma
autonomia relativa do Estado em relação à sociedade civil e, portanto, retoma
Hegel, através da forma de Estado bonapartista ou cesarista:
“Unicamente sob o segundo Bonaparte o Estado parece tornar-se
completamente autônomo. A máquina do Estado consolidou a tal ponto a sua
posição em face da sociedade civil [..]”.
“E, todavia, o poder estatal não está suspenso no ar.
Bonaparte representa uma classe e, justamente, a classe mais numerosa da
sociedade francesa, os pequenos (Parzellen) camponeses”. (Marx. 1974:
402).
Não sei se Marx percebeu que ele estabeleceu a relação
universal e necessária do Estado como os camponeses na história das
civilizações. Então, o Estado como tela gramatical se define pela extração da
mais-valia pública camponesa e pelo campesinato existir como classe-apoio
(Poulantzas. 1971:69) do Estado como aparelho de hegemonia na evolução das
relações técnicas de produção - na história das civilizações.
8
Engels fala do campo de ideologias do Estado cesarista, que
Michael Mann chama de Estado despótico:
“Quando o Estado se ergue como poder autônomo face à
sociedade, o Estado cria, aceleradamente, uma nova ideologia. Nos políticos
profissionais, nos teóricos do direito público e nos juristas que cultivam o
direito privado, a consciência da relação com os fatos econômicos desaparece
inteiramente. Como, em cada caso concreto, os fatos econômicos têm que revestir
a forma de motivos jurídicos para serem sancionados em forma de lei e, como,
para isso, é necessário ter também em conta, logicamente, todo sistema jurídico
vigente, pretende-se que a forma jurídica seja tudo e o conteúdo econômico,
nada. O direito público e o direito privado são encarados como dois campos
autônomos, com seu desenvolvimento histórico próprio, campos que permitem e
exigem, por si mesmo, uma construção sistemática, mediante a eliminação
consequente de todas as contradições”. (Engels: 203).
O campo das ideologias de Estado se define por sua autonomia
relativa gótica em relação à luta de classes e interesses econômicos da
sociedade de classes sociais moderna:
“Ideologias ainda mais
elevadas, isto é, que se distanciam cada vez mais das relações técnicas de
produção, da base econômica, adotam a forma de filosofia e religião. Aqui, o
encadeamento das ideias com suas condições materiais de existência aparece cada
vez mais emaranho, cada vez mais obscurecido pela interposição de camadas
intermediárias. Mas, apesar de tudo, existe. Todo o período da Renascença,
desde a metade do século XV, foi em sua essência um efeito das cidades e,
portanto, da burguesia, e se pode dizer o mesmo da filosofia, que renasce a
partir de então. Seu conteúdo, em substância, é a expressão filosófica das
ideias correspondentes ao processo de desenvolvimento da pequena e média
burguesia para a grande burguesia. Isso se vê claramente nos ingleses e
franceses do século XVIII, muitos dos quais tinham tanto de economistas como de
filósofos, e, também, pudemos comprová-lo na escola hegeliana, mais acima”.
(Engels: 203).
Engels fala da Renascença como um aparelho de hegemonia de
Estado do capital mercantil. A definição de aparelho ideológico é clara:
“Toda ideologia, todavia, ao surgir, desenvolve-se em ligação
com a base material das ideias existentes, desenvolvendo-a e transformando-a,
consequentemente; se não seria uma ideologia, isto é, um trabalho sobre ideias
conhecidas e entes dotados de substância própria, com o desenvolvimento autônomo
e submetidas somente às suas próprias leis. Os homens, em cujo cérebro esse
processo ideológico se desenvolve, ignoram forçosamente que as condições
materiais da vida humana são as que determinam, em última instância, a marcha
desse processo, pois, se não ignorassem ter-se-ia acabado toda ideologia”.
(Engels: 203).
Na tradução do texto acima para a ciência política
materialista, a relação das relações técnicas de produção com a tela gramatical
da ideologia é um problema existente no campo político da tela de gosto, para a
multidão. Note leitor que nosso autor fala da gramática ideológica no cérebro
como produção de ilusão. No campo da sociedade/Estado, há as regiões da gramática
ideológica como ilusão, por exemplo, o campo político dividido em regiões
ideológicas como esquerda e direita, progressista e conservadora, reacionária e
radical.
9
O problema do monopólio do campo político por um único Estado
[campo político totalitário moderno] foi enunciado por Michael Mann em
contraposição ao campo político pluralista medieval europeu:
“Não é um resquício que todas as regras sejam fixadas por um
único Estado monopolista. Embora o exemplo feudal seja extremo, com efeito, em
sua maioria, os Estados existem em uma civilização multi-Estado, a qual também
produz certas regras normativas de conduta. Obstante, a maioria das sociedades
parece ter requerido que algumas regras, particularmente, aquelas, sobretudo,
relevantes para a proteção da vida e da propriedade, sejam fixadas
monopolisticamente e isto tem sido um território do Estado”. (Hall:178).
O campo da democracia feudal modernista é uma plurivocidade
de Estado. Há, porém, um Estado soberano, isto é, uma estrutura de dominação
estatal dominante. Este Estado é uma prática política de aparelhos legal e
fático que define o direito político à mais-valia pública entre dominante e
dominado. A relação entre os Estados é de dominante e dominado. Em certas
situações, o governo do Estado monopolista, virtualmente, pode abrir uma guerra
civil com os outros Estados dominados pela conquista dos aparelhos do Estado
nacional, que é um Estado territorialmente com poder político centralizador e
burocracia pública e elite estatal que pode ser uma burguesia burocrática, ou
uma oligarquia política rural, ou uma burguesia política com autonomia relativa
em relação à luta de classes da sociedade civil.
O direito político de Estado consiste na distribuição da
mais-valia pública ou excedente econômico fiscal entre grupos: social,
político, econômico, ideológico, cultural. Na atualidade, a guerra civil do
Estado feudal cesarista medieval com o Estado feudal democrático modernista tem
como objeto a definição da soberania popular na construção da burguesia
política governamental, de Estado ou do capital. A guerra civil aberta é o
sintoma social de uma crise permanente da gramática da estrutura do campo
político/de gosto.
Em 2024, a crise política se desenvolve nos EUA com o Estado
do partido republicano trompista e a Suprema Corte querendo ascender ao governo
nacional, para alterar a gramática do campo político oligopolista dividido em
um equilíbrio de força insustentável entre o Estado burguês-feudal
militarizado, internacionalmente, do partido democrático e o Estado feudal medieval republicano.
Será uma transformação ciclópica rumo à fabricação de um
campo político/estético monopolista e sua forma de governo partidária de
partido único? Um campo totalitário puro do século XXI?
10
Frantz
Fanon diz que o racismo é uma estrutura de dominação ideológica mundial no
século XX criada pela Europa. Quando começa?
O campo ideológico pode ser materialista ou materialista. O
campo idealista ´a produção de ideias na universidade, por exemplo. É o campo
sublunar das ideias, ideias que não se ligam à atividade da prática política;
há o campo terreno das ideias?
O campo terreno é aquele da produção de imagem textual das
ideologias. É um campo dos aparelhos ideológicos, seja do Estado, seja da
sociedade civil: aparelhos de ideologia do capital.
Durante o século XIX, a Europa criou um campo idealista
científico sublunar de ideias racistas, que falavam de povos superiores e povos
inferiores. Racialmente. No fim do século XIX e primeira metade do século XX,
emerge o mercantilismo do capital europeu com seus aparelhos ideológicos do
Estado imperialista e colonialista. Os Estados europeus fazem da África um
território de uma estrutura ideológica de racialização mundial, entre o os
povos superiores europeus e os povos inferiores africanos. O dominante e o
dominado além de estar nos países capitalistas [burguesia e proletariado] está
também na relação entre povos, entre continentes: povos superiores e povos
inferiores. Assim, por exemplo, a antropologia nasce como aparelho ideológico
de racialização mundial entre povos europeus e africanos.
11
A
ideologia economicista fala da determinação imediata da economia sobre o campo
político e o Estado. Engels procurou falar da determinação em última instancia
da economia. De qual realidade econômica?
Marx descobriu e conceituou a economia com o aparelho de
produção de mais-valia privada nas relações técnicas de produção; a economia
privada [como aparelhos de produção de mais-valia] encontra seu sentido elevado
na economia pública, como aparelho da distribuição da mais-valia pública. Esta
é a transformação da mais-valia privada [excedente econômico] em mais-valia
pública na relação do Estado com as classes dominadas, em última instância,
pois, lucro, juros e renda da terra são formas econômicas de mais-valia
privada.
O que é a última instância de determinação econômica?
O campo político se define pela distribuição da mais-valia
publica pelo Estado entre dominante e dominado. No Estado feudal medieval
europeu, só o dominante possuía o DEIREITO POLÍTICO à propriedade da mais-valia
pública ou plus-de-jouir, ou Mehrlust : gozo da riqueza pública do Estado
lacaniano.
A socialdemocracia europeia montou um Estado lacaniano do
dominado, do trabalho. O dominante ou capital não tem direito político à
mais-valia pública. A URSS criou um Estado lacaniano no qual o dominado se
apropria in toto da mais-valia pública destinada às classes sociais. A China de
Mao Zedung criou um Estado lacaniano feudal socialista gótico para o povo-nação
chinês. A Coréia do Sul e Japão criaram um Estado lacaniano no qual a
mais-valia pública não é repartida entre o dominado. Os EUA fazem do Estado lacaniano
um Estado de distribuição do excedente público para o capital.
Assim, a determinação em última instância aparece na luta
política ou guerra civil pela propriedade da mais-valia pública. No Brasil, o
capital financeiro saqueia a mais-valia pública como se fosse um direito
político natural dele à riqueza da economia pública. Os aparelhos ideológicos
do capital definem os governos a partir do direito natural político do capital
à maior parte da mais-valia pública e da negação do direito político natural do
dominado à mais-valia em mãos do Estado.
O governo Temer e Bolsonaro foram a defesa radical e conservadora do
direito do capital à riqueza do Estado. Defesa dessa posição feita pelos
aparelhos de comunicação de massa neoliberais e aparelho ideológico dos
economistas financistas ou rentistas, sendo o mais conhecido o banqueiro
carioca Armínio Fraga.
O governo Lula é odiado pelo dominante por sustentar o
direito político natural do dominado à mais-valia pública, à riqueza nas mãos
do Estado nacional
Esta é a história política e econômica [e do Estado} da
última instância econômica da ciência política literária materialista. Ela encontra-se além do materialismo
histórico, aproveitando as descobertas e invenções conceituais do campo
gramatical da ciência marxista materialista. A determinação em última instância
significa que a economia pública é AINTIPRODUCAO
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BALIBAR, Étienne. Cinq études du matérialisme historique.
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