José Paulo
Moro no Rio. A cidade foi capital da Colônia, monarquia e
república. Na década de 1950, o presidente mineiro JK construiu a capital
Brasília modernista no Centro-Oeste da corrupta <burguesia burocrática>,
fenômeno este revelado pelo marxista paulista Caio Pardo Jr. Moro em um bairro
que foi o centro da capital na república. Ele respira o passado, ele evoca a
monarquia e, sobretudo, a república de Getúlio Vargas.
O que é um bairro?
“O bairro constitui o termo médio de uma dialética
existencial entre o dentro e o fora”. (Certeau: 42).
A gramática do bairro é uma ideia de Pierre Mayol (Certeau:
48). Há o dentro e o fora como construção poética do espaço no caminhar nas
ruas do bairro de Laranjeiras. O bairro um contexto como ersatz da nação do
Brasil profundo, este diferente do Brasil profundo (Bandeira da Silveira: 2021)
e, hoje, que deu ao país o governo heteróclito de Jair Bolsonaro, homem de um
outro litoral, do litoral da classe média da Barra da Tijuca, bairro
pós-modernista - que assassinou o irmão médico da deputada Samia Bomfim. Hoje,
Brasília é a capital da oligarquia política rural de commodities do capital
rural e da burguesia política urbana do Sudeste que dominam o país.
Na época de JK, o paradigma do da geografia política
litoral/sertão foi elaborada e poetizada pelo artista/escritor barroco-moderno
Euclides da Cunha. Euclides, também,
descobriu um segredo do Brasil, que talvez se estenda à América do Sul. Ele viu
o desencaixe fatal entre a realidade existente e a superestrutura do campo das
ideologias científicas cosmopolitas:
“Tem tudo e falta-lhe tudo, porque lhe falta esse
encadeamento de fenômenos desdobrados num ritmo vigoroso, de onde ressaltam,
nítidas, as verdades da arte e da ciência – e que é como que a grande lógica
inconsciente das cousas”.
“Daí esta singularidade: é de toda a América a paragem mais
perlustrada dos sábios e é menos conhecida. De Humboldt, a Em. Goeldi – do
alvorar do século passado aos nossos dias, perquirem-na, ansiosos, todas os
eleitos. Pois bem, lêde-os. Vereis que nenhum deixou a calha principal do
grande vale; e que ali mesmo cada um se acolheu, deslumbrado, no recanto de uma
especialidade. Wallace, Mawe, W. Edwards, d’Orbigny, Martius, Bates, Agassiz,
para citar os que me acodem na primeira linha, reduziram-se a geniais
escrevedores de monografias”.
“A literatura científica amazônica, amplíssima, reflete bem a
fisiografia amazônica: é surpreendente, preciosíssima, desconexa. Quem quer que
se abalance a deletreá-la, ficará, ao cabo desse esforço, bem pouco além do
limiar de um mundo maravilhoso”. (Euclides: 250-251).
Euclides da Cunha foi o primeiro a ver claramente a
desconexão [desencaixe} entre as ideologias científicas do Norte e as
realidades do Sul (Santos: 2021):
“há uma frase do Professor Frederico Hartt, que delata bem o
delíquio dos mais robustos espíritos diante daquela enormidade. Ele estudava a
geologia do Amazonas, quando em dado momento se encontrou tão despeado das
concisas fórmulas científicas e tão alcandorado no sonho, que teve de colher de
súbito, todas as velas da fantasia:
- Não sou poeta. Falo a prosa da minha ciência. Revenons!”
“Escreveu: e encarrilhou nas deduções rigorosas. Mas
decorridas duas páginas não se forrou a novos arrebatamentos e reincidiu no
enlevo...É que o grande rio, malgrado a sua monotonia soberana, evoca em tanta
maneira o maravilhoso, que empolga por igual o cronista ingênuo, o aventureiro
romântico e o sábio precavido. As ‘amazonas’ de Orellana, os titânicos
‘curriquerés’ de Guillaume de l’Isle, e a ‘Manoa del Dorado’, de Walter
Releigh, formando no passado um tão deslumbrante ciclo quase mitológico, alcochetam-se
em nossos dias às mais imaginosas hipóteses da ciência. Há uma hipertrofia da
imaginação no ajustar-se ao desconforme da terra, desequilibrando-se a mais
sólida mentalidade que lhe balanceia a grandeza. Daí, no próprio terreno das
indagações objetivas, as visões de Humboldt e a série de conjeturas em que se
retravam, ou contrastam, todos os conceitos, desde a dinâmica de terremotos de
Russel Wallace ao bíblico formidável das geleiras prediluvianas de Agassiz”.
(Euclides: 251).
A ideologia científica cosmopolita fez pendant com as
ideologias políticas do Norte na Constituição liberal-cesarista de 1824, hiperbólica
de Pedro I, com o <poder moderador>. Sigo com Euclides:
“Parece que ali a imponência dos problemas implica o discurso
vagaroso das análises: às induções avantajam-se demasiado os lances da
fantasia. As verdades desfecham em hipérboles. E figura-se alguma vez em
idealizar aforrado o que ressai nos elementos tangíveis da realidade surpreendedora,
por maneira que o sonhador mais desinsofrido se encontre bem, na parceria dos
sábios deslumbrados”. (Euclides: 251).
As ideologias científicas cosmopolitas do Norte fazem da vida
do Sul – sonho e o futuro de uma ilusão.
A relação entre realidade e ideologia define a crise na
formação social. As relações técnicas de produção do século XXI são
cibernéticas. NOS EUA, a estrutura de dominação ideológica é liberal do século
XX. O partido democrata é uma forma ideológica liberal do século XX. Donald
Trump começou primeiro tateando confusamente, em zigue-zague, a mudança do
partido republicana liberal para uma forma ideológica segundo a ideologia
mercantilista de Hamilton. Com David Vance, o discurso político republicano s
torna mercantilista. Assim, a eleição de 2024 aparece como o choque capital
entr4e o liberalismo Biden e o mercantilismo republicano de Trump, Vance e a
Suprema Corte.
A gramática da crise americana é a gramát5ica do mundo em
crise. Xi Jinping, Putin são o mercantilismo asiático e o partido democrata
americano e a União Europeia são as formas ideológicas do velho liberalismo do
final do século XX. Metade do eleitorado americano quer permanecer no século
XX. A outra metade quer se aventurar no caminho dom mercantilismo da atualidade
do século XXI.
2
O DESENCAIXE entre a realidade e o campo das ideologias é a
causa de doença social no indivíduo e na multidão? Hegel tem uma palavra sobre
isso:
Reconhecer a razão como rosa na cruz do sofrimento presente e
contemplá-la com regozijo, eis a visão racional, medianeira e conciliadora com
a realidade [...]”. (Hegel.1990: 15).
Trata-se de conciliar com as ideologias de uma conjuntura:
“O conceito de conjuntura está situado, em Lenin, no campo
das práticas e de luta de classes. A originalidade historicamente
individualizada de uma formação social que é o objeto da prática política, é
constituída em primeiro lugar pela ‘ação combinada das forças sociais. A
homogeneidade de campo da conjuntura consiste na consideração das práticas de
classe – em particular das práticas políticas de classe – relativas à sua
‘ação’ sobre a estrutura, como forças sociais”. (Poulantzas: 90).
Hegel diz:
“que o que é preciso é viver em paz com a realidade; ora a
paz que nasce do verdadeiro conhecimento é uma paz mais calorosa”. (Hegel.
1990: 16).
Lenin buscou a paz no campo do conhecimento da conjuntura
russa/europeia de sua época através da crítica das ideologias científicas na
prática ´política socialdemocrata. Como se aplicar a Lenin a fórmula hegeliana:
“Lorsque la philisophie peint sa grisaille dans la grisaille,
une manifestation de l avie achève de vieillier. On ne peut pas la rajeunir
avec du gris sur gris qu’au début du crépuscule que la chouette de Minerve
prend son vol”. (Hegel.1940: 45).
Lenin recriou a ciência política materialista de Marx e Engels:
Engels fundou o campo da ciência política materialista em
1844. (Marx e Engels. V. 2: 226). É a política do aparelho de hegemonia do
Estado nacional inglês, da história da criação e recriação do Estado nacional
na forma de governo monárquica constitucional”. (Bandeira da Silveira. 2024a:
8).
Lenin criou um aparelho de hegemonia da revolução russa com
sua gramática que foi aplicada na realidade pelo partido bolchevique. As “teses
de abril” é a conciliação barroca de Lenin com a realidade como parasintática.
Roger Bastide nos ajuda nessa interpretação da saúde mental de Lenin:
“Prediz assim Michel Foucault a próxima constituição de uma
linguagem comum a todas as ciências humanas e que seria a linguagem do discurso
do inconsciente. Pois, tal como faz a psicanálise, a etnologia não interroga o
homem em si mesmo, interessando-se mais pela região secreta que torna possível
um conhecimento sobre o homem, visto atingir as normas a partir das quais os
homens realizam as funções da vida, as regras através das quais mantêm suas
necessidades, os sistemas que servem de embasamento para os significados”.
(Bastide: 187).
A conciliação com a realidade é a conciliação em um a tela
gramatical narrativa de significados. Lenin ergueu a tela gramatical narrativa
dos significados sociais de um campo político/de gosto russo que ele descobriu
e inventou na prática política das massas dominadas. Lenin é o voo da Minerva
em uma conjuntura de desaparecimento do Estado tzarista russo subdesenvolvido e
feudal-burguês.
O Estado feudal-burguês russo cria e recria o campo
heteróclito sublunar da política, como Hegel diz conciliar com esse campo é
entregar-se ao diabo:
“Este remédio caseiro, que consiste em tornar dependente do
afeto o trabalho muitas vezes milenário do pensamento e do entendimento, talvez
sirva para dispensar todo o esforço da de conhecimento e de inteligência
racional dirigido pelos conceitos do pensar. Em Goethe [uma boa autoridade],
Mefistófeles diz o que já citei em outro livro: <Se desprezares a
inteligência e a ciência, que são os dons mais altos da humanidade, entregas-te
ao diabo e estais perdido”. (Hegel. 1940: 36).
Na atualidade do século XXI, o campo diabólico heteróclito é
o do Estado burguês-feudal, virtual, pós-modernista liberal.
3
O Estado feudal-burguês virtual estabeleceu axiomas com a
pós/verdade e de que no mundo só a narrativa é a realidade existente. Assim,
ele faz o trabalho de desmoralizar a ciência do Estado territorial. Hegel
enfrentou esse acontecimento em sua época na Europa:
“Ora como estes chicaneiros do livre-arbítrio se apossaram do
nome da filosofia [gramática] e convenceram uma enorme parte do público
de que uma tal maneira de pensar é a filosofia, tornou-se quase uma desonra
falar filosoficamente da natureza do Estado, e não podemos queixar-nos das
pessoas corretas que mani9festam a sua impaciência ao ouvirem falar de uma
ciência do Estado”. (Hegel. 1940:l37).
A época da soberania do capital capitalista no campo político
da cultura do gosto desintegra a ciência política do Estado até Engels e Marx.
Estes criarem uma gramática do Estado burguês moderno, do Estada como aparelho
de Estado e poder de Estado:
‘Menos nos admiramos de ver os governos darem as costas para
de uma tal filosofia., tanto mais que entre nós a filosofia não é exrcida, como
nos gregos, como uma arte privada, mas que ela tem uma existência público,
sobretudo, ou mesmo exclusivamente ao serviço do Estado. (Hegel. 19430: 37).
A ciência política universitária estadunidense não fala do
Estado. Assim, ele se tornou uma ciência política contra o Estado
territorial-nacional; ciência imperialista contra o Estado nacional-territorial
dos povos subdesenvolvidos; estes perdem o direito natural de fabricar seu
próprio Estado burguês moderno.
A ciência pós-modernista da globalização burguesa faz
analogia com a filosofia popular contra a ideia e existência do Estado moderno
- da qual fala Hegel:
“Com efeito, essa filosofia popular, ao dizer que o
conhecimento da verdade é um fato de insensatez, torna idênticas a virtude e o
vício, a honra e a desonra, o conhecimento e a ignorância, nivelando todos os
pensamentos e todos os objetos [fenômenos] de um modo análogo ao que o
despotismo imperial de Roma utilizou para a aristocracia e os escravos”.
(Hegel. 1940: 40).
A ciência política da pós-modernidade leva o estudante a
desprezar a materialidade do mundo fabricado como aparelho e com aparelhos de
Estado - em um taque sem quartel e frontal à ciência política materialista-dialética
de Engels e Marx. Ela abole o axioma paraconsistente sobre a verdade da
experiencia da prática política do Estado:
Hic Rhodus, Hic salus. (Hegel. 1940:43).
4
Com Bolsonaro, o Brasil conheceu a forma e Estado irracional,
isto é, o parelho de Estado que se transforma em uma máquina de guerra pessoal
do presidente da república. Bolsonaro dizia “meu exército”, os jornalistas
falavam de um Estado miliciano:
“L’Etat rationnel constitue, dans la philosophie hégélianne
du droit, l’aboutissement de tout processus du droit, et de as forme ultime,
telle que’elle est comprise sous le concept de Sittlichkeit: il est la forme
accomplie, parfait, de la socialite, dans laquelle cell-ci trouve les
conditions d’une complète r´conciliation avec elle-même. D’où son caractère
<divin>, maintes fois réaffirmé par Hegel: L’Etat est la réalization
absolue de l’Esprit dans le monde, aprés laquelle rien d’autre, c’est-à-dire
rien de supérieur, ne peut plus être pensé. En ce sens on peut parler de la fin
de l”Etat, pour dire que l’Etat est lui-même une fin, le terme d’un processus
dont il constitue la réalization la plus achevée”. (Macherey: 85).
Hegel está falando do Estado territorial europeu? Ou ele fala
de um Estado virtual como realização absoluta do Espírito? Em analogia, Hegel
não estaria se referindo ao Estado feudal-burguês virtual, pós-modernista,
liberal como processo de conclusão da história do Estado europeu ou ocidental. O
Estado gramatical narrativo hegeliano, por analogia, como fim do Estado, só
pode ser um Estado feudal, virtual, modernista do dominado do século XXI.
A relação entre Estado e tela metafísica [Espírito] revela a
ideia do fim do Estado feudal, virtual, modernista, mercantilista:
“Tout au moins n’élude-t-il pas – comment un dialecticien
conscient pourrait-il le faire? – la contradiction inhérente au concept de fin,
qui designe à la fois et concurremment un but et un terme, le moment d’un
acccomplissement et celui d’une disparition. C’est encore dans ce sens
problématique qu’il faut considérer la notion de fin l’Etat, sur laquelle s’achève l’exposé
rational du monde objective de l’Esprit. Cela signifie que, pour Hegel, l’Etat
ne constitue pas une fin en soi, mais qu’il n’est lui-même qu’un moment
déterminé, et donc limite, dans le processus global de l’Esprit: dans l’Etat,
l’Esprit est libre objectivement, il ne l’est pas absolument”. (Macherey:
87-88).
O fim do Estado não é o fim do campo político
da cultura, este articulado e gerido por uma plurivocidade de Tela gramatical.
5
Existe uma ciência política dialética com existe uma ciência
política materialista? Poulantzas fala das contradições no Estado:
“Là, les contradictions de classe sont extérieures à l’Etat;
ici, les contradictions de l’Etat sont extérieure aux classes Sociales”.
(Poulantzas.1978 :145).
Althusser fala das contradições entre os aparelhos
ideológicos de Estado. (Althusser:85). Porém, o “Estado dialético marxista”
parece não se apoiar em um campo da lógica dialética. Newton da Costa procurou
criar um campo da lógica dialética paraconsistente:
“No referente ao plano abstrato-formal, já vimos que pode
haver objetos gozando de propriedades contraditórias: isto se passa com certos
objetos abstratos aos quais se referem as teorias paraconsistente. Assim
existem contradições verdadeiras de natureza abstrata e formal. Porém, o
problema crucial é o de saber se a tese de Hegel vale no domínio dos objetos
reais”. (Newton da Costa: 232).
A dialética existe no campo das ideologias científicas. Ela
existe no campo política da cultura do gosto? A cultura é constituída por
formas ideológicas (Marx. 1974:136). As ideologias existem materialmente nos
parelhos ideológicos e nos aparelhos repressivos de Estado. As ideologias
científicas, de algum, modo fazem funcionar os aparelhos como, por exemplo, o
aparelho jurídico. Então, há dialética na realidade material dois parelhos. O
Estado é uma tela gramatical que acolhe o paradoxal e a aporia:
“O traço marcante das aporias, pragmaticamente falando,
consiste na perplexidade que nos provocam aos princípios aceitos: não se sabe,
com exatidão, quais devem ser derrogadas e quais os merecedores de conservação.
Com o advento da lógica paraconsistente, os paradoxos aparecem sob luz nova e
corroboram nossa tese segundo a qual a evolução da lógica se processa
dialeticamente. Com efeito, aporias tidas e havidas como superadas ressurgem
com toda sua força: de um lado há o problema de não se dispor de critérios
indiscutíveis para se preferir a solução clássica à paraconsistente; de outro,
nas próprias lógicas paraconsistentes renascem algumas aporias”. (Newton da
Costa: 228-229).
A contradição faz pendant com a contradição antagônica na
qual não há solução no horizonte do campo político para os problemas da prática
política:
“Noutras palavras, quando um paradoxo se reduz a falácia não
é de se esperar que, para superá-lo, sejam necessárias grandes modificações na
estrutura da ciência, pois, em caso contrário, ele seria aporia. Então, se
formos capazes de detectar algumas características das aporias propriamente
ditas, que as distingam claramente dos paradoxos falaciosos, poderíamos
argumentar que possivelmente espelham contradições objetivas e reais; sua
superação, sem dúvida, acarretará transformações radicais na ciência”. (Newton
da Costa: 234-235).
Por analogia ente campo científico e campo político, neste as
contradições objetivas e reais só podem se superadas com a mudança da soberania
de uma determinada gramática na estrutura do campo político da cultura do
gosto. Hoje, há a soberania militar da gramática do Estado feudal-burguês
pós-modernista liberal no campo político planetário. Ele vive uma contradição
antagônica com o Estado feudal modernista mercantilista do dominado. O primeiro
é o velho ocidente que não quer morrer; o segundo é o novo que nasceu na
China.
6
É possível falar em contradição não-conciliável no campo
político territorial?
“A existência da economia subdesenvolvida requer e sustenta o
campo político cesarista no regime de 1988. Portanto, a revolução barroca
dentro da ordem constitucional teria que se transformar em revolução barroca
contra a ordem subdesenvolvida no campo político realmente existente. (Bandeira
da Silveira. 2024b: cap. 38).
A contradição não-conci8liável ou aporia é um problema da
lógica dialética para consistente. Newton da Costa dá um passo à frente e dois
atrás:
“Resumindo, a superação das aporias, no terreno das ciências
reais, faz-se usualmente à custa da completude e do poder explicativo das
teorias, ou mediante à introdução de conceitos teóricos deveras afastadas da
experiência imediata, entre outros estratagemas, e muitas vezes originam
teorias alternativas. Ora, se as aporias com que nos defrontamos na ciência
fossem tão-somente falácias, não teria cabimento, pelo menos à primeira vista
que possuíssem semelhantes consequências. Por conseguinte, concluímos, com
Petrov, que talvez elas constituam aporias espelhando contradições reais, ou,
ao menos, que assim aconteça com diversas dentre elas. Mas algo é certo: como
em geral a eliminação delas é possível e, entre limites razoáveis, funciona,
nosso argumento não se mostra concludente para nos garantir, com segurança e
cabalmente, a existência da contradição na realidade”. (Newton da Costa: 236).
Segue a resolução da aporia paraconsistente:
“Logo, o problema da existência de contradições reais não se
encontra ainda resolvido. Quiça, não venha a ser solucionado satisfatoriamente
em futuro próximo. O que se pode dizer, no entanto, é que a priori,
especialmente apelando para a lógica, não se justifica nem se podem banir as
contradições. A existência ou não de contradições reais só se estabelecerá a
posteriore pela ciência. E, como tudo sugere, afigura-se mais fácil provar
a verdade da tese de Hegel, do que sua falsidade; com efeito, uma constatação,
apenas, de contradição real, comprovaria a tese de Hegel, ao passo que nenhum
número finito de constatações seria suficiente para falsificá-la. (Newton da
Costa: 236-237).
A relação dialética insolúvel entre teoria e prática, na
prática política, pode ser superada pela relação da tela gramatical com a
prática política no campo político cultural paraconsistente do gosto.
9
Um problema da ciência política-dialética é o da relação
entre virtual e territorial, Espírito e matéria, gramática e aparelho de
Estado. A relação entre Estado virtual e Estado territorial é como se fosse a
relação entre coroa e soberano:
“Ainsi le roi tient sont pouvoir de la couronne dont il n’est
que le dépositaire. Cette notion mystique s’attache aussi au skeptron
homérique: un personagem ne règne, ne juge, ne harangue que le skeptron aux
mains”(Benveniste: 31).
O Estado virtual é a coroa do Estado territorial, é a
gramática do aparelho de Estado, pois, essa é uma nova definição do Estado
integral como aparelhos repressivos de Estado, aparelhos ideológicos e
aparelhos de hegemonia espiritual do Estado integral. A dialética material
virtual e territorial constituiu a formação social territorial gramatical.
Assim se põe no campo político o problema da relação entre lógica e gramática:
“O argumento da
linguagem natural: todos esses problemas dependem do fato óbvio de que qualquer
construção logicamente rigorosa dos contextos racionais acha-se comprometida com
a linguagem natural (sem ela, por exemplo, não se vê como edificar sistemas
lógico-formais e suas semânticas) e que as linguagens comuns não são nem podem
ser logicamente exatas”> (Newton da Costa: 239-240).
O campo político da cultura do gosto da multidão só vive [na
prática política] problemas da gramática em si ou verbal-visual das ideologias
científicas em contextos racionais como o da conjuntura dialética-materialista:
‘Daí nossa conclusão: parece que o conhecimento científico
sempre estará envolvido em contradições semióticas, ao menos com as de
sistematização. Assim sendo, o uso de lógicas paraconsistentes afigura-se mais sensato
que o da clássica na organização geral dos contextos racionais”. (Newton da
Costa: 240).
A negação recíproca entre o Estado virtual e o Estado
territorial é um fenômeno muito real:
“Assim, trata-se de negação efetiva, de negação forte, e não
de negação que expressa, digamos, alguma forma de oposição, como ocorre,
consciente ou inconscientemente, nas exposições de vários partidários da
dialética. Logo, a negação, especialmente nas sentenças atômicas, expressando
fatos reais, possui caráter ontológico: tem significado real e a verdade ou
falsidade de enunciados onde figura a negação depende da estrutura ao universo.
E algo análogo sucede com a negação nas teorias paraconsistentes de conjuntos e
em outras teorias desse tipo, bem como nas contradições semióticas, embora,
como se verá adiante, a negação tenha outros significados ‘fracos’. (Newton da
Costa: 240).
A tela gramatical paraconsistente permite o paradoxo, e a
aporia ou contradição inconciliável funciona como negação ou motor da
transformação do campo político da cultura do gosto [por exemplo barroco ou
grotesco]. A negação fraca leva a mudança na forma de regime; a negação forte
produz uma mudança da soberania da tela gramatical e assim altera a gramática
do campo político. Um fenômeno observável é o desencaixe da nova gramática com
o campo de ideologias científicas da velha gramática. A gramática do capital
capitalista liberal foi substituída pela gramática do capital feudal
mercantilista. Nas Américas, a superestrutura ideológica da gramática do
capital capitalista do século XX permanece no século XXI, este com uma nova
gramática do capital-feudal. O desencaixe apontado se realiza como crise
orgânica do campo político como um todo.
10
Um grande esforço estabelecei a tela gramatical narrativa
dialética paraconsistente:
“recentemente se iniciou movimento sistemático para se precisar
a doutrina dialética. E o surpreendente foi que as concepções [políticas]
dialéticas se aclararam após as análises feitas, havendo motivos fortes a favor
da tese central da dialética e, em particular, da existência de contradições
reais, ainda que não se mostrem completamente conclusivos”. 9Newton da Costa:
y245).
A tela dialética narrativa ainda apresenta problemas
paraconsistente:
“Por outro lado, uma questão
se impõe: A faixa, inerente a qualquer predicado real, monádico ou não, decorre
de imprecisões da linguagem [ambiguidade] ou de fatores objetivos, ou seja, da
realidade? Noutras palavras: É a vaguidade discutida subjetiva ou objetiva? Acreditamos
que ela é, para utilizarmos termo que se impõe, mista; resultado simultaneamente
de fatores reais e de caracteres do sujeito cognoscente. Sem tratarmos de pormenores,
insistamos em determinado aspecto da questão: parece evidente a estrutura das
sentenças atômicas ter algum substrato real. Por outro ado, os predicados e os
objetos, no que eles possuem de geral, consistem em produtos da razão
constitutiva: são categorias racionais; mais ainda, nós é que definimos os vários
de cor e, em geral, os predicados que nos interessam, com fundamento no real”.
(Newton da Costa: 246).
É a razão linguística da tela gramatical dialética que acolhe
os fenômenos - que emergem do real - e lhes dá nome e predicados, os
transformando-os em objetos inteligíveis no campo político da cultura do gosto.
O campo político dialético-materialista
existe em função da unidade dos opostos:
“Em síntese, o princípio da unidade dos opostos contribui
para tornar a existência das contradições reais altamente provável”. (Newton a
Costa: 247).
A unidade dos opostos estabelece um campo político do
semelhante/ dissemelhante, contradição e do heterogêneo; a criação de uma
região do heteróclito já é a crise catastrófica do campo político da cultura do
gosto:
“O aspecto da crise moderna que se lamenta como ‘onda de
materialismo’ está ligado ao que s chama de ‘crise de autoridade. Se a classe
dominante perde o consenso, ou seja, não é mais ‘dirigente’, mas unicamente ‘dominante’,
detentora da pura força coercitiva, isto significa exatamente que as grandes massas
se destacaram das ideologias tradicionais, não acreditam mais no que antes
acreditavam etc. A crise consiste justamente no fato de que o velho morrer e o
novo não pode nascer; neste interregno, emergem os fenômenos monstruosos mais
variados”. (Gramsci: 187).
Hoje, a crise é da negação forte do Estado feudal-burguês
pós-modernista liberal do dominante pelo Estado feudal modernista mercantilista
do dominado. Vivemos uma época heteróclita na qual surgem fenômenos políticos monstruosos:
A superestrutura ideológica da gramática do Estado feudal-burguês liberal do
século XX invadiu o século XXI e, assim, cria e recria a região das ideologias científicas
verbal-visual monstruosas - para as grandes multidões, pois, desencaixada da nova
gramática da realidade do século atual.
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