quinta-feira, 25 de julho de 2024

Pós-modernismo - ontem e hoje

 

José Paulo 

 

O que é o pós-modernismo para a ciência política dialética-materialista?

Ele aparece como um aparelho de hegemonia de um Estado pós-modernista territorial? Ou ele existe com uma máquina de guerra ideológica da globalização burguês-virtual?

A máquina de guerra pós-modernista transforma o campo político da cultura do gosto em um estado de anarquia generalizado? O sujeito é um efeito do significante:

“Mais de uma coisa no mundo é passível do efeito do significante. Tudo o que está no mundo só se torna fato, propriamente, quando com ele se articula o significante. Nunca, jamais surge sujeito algum até que o fato seja dito”. (Lacan. S.16: 65).

O significante é sinônimo de discurso e este de gramática. Portanto, a subjetividade é efeito de sentido do dito da trela gramatical. Deleuze deixou um livro sobre a lógica do sentido. Trata-se de dizer que o grau zero do sentido é a anarquia no campo político; um campo sem gramática, sem tela verbal narrativa atualizada no aparelho de hegemonia de um Estado. A máquina de guerra ideológica pós-modernista busca o grau zero de efeito de sentido no campo político da cultura do gosto. Daí o campo das ideologias pós—modernistas  falarem em fim do sujeito, da subjetividade moderna e qualquer subjetividade, fim da verdade. Trata-se do fim do aparelho de hegemonia que funciona partir da verdade criada pela tela verbal narrativa no campo político da cultura do gosto: verdade ou clássica, ou barroca, ou gótica ou grotesca.

Deleuze fala do fim da lógica do sentido?

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O sentido “é o exprimível ou o expresso da proposição e o atributo da coisa”. (Deleuze:23):

“O expresso não se parece de forma alguma com a expressão. O sentido se atribui, mas não é absolutamente atributo da proposição, é atributo da coisa ou do estado de coisa. O atributo da proposição é o predicado, por exemplo, um predicado qualitativo como verde. Ele se atribui ao sujeito da proposição. Mas o atributo da coisa é o verbo verdejar, por exemplo, ou antes, o acontecimento expresso por este verbo [...]. Verde designa uma qualidade, uma mistura de coisas, uma mistura de árvore e de ar em que uma clorofila coexiste com todas as partes da folha. Verdejar, ao contrário, não é uma qualidade na coisa, mas um atributo que se diz da coisa e que não existe fora da proposição que o exprime designando a coisa”. (Deleuze: 22).

O sentido faz pendant com a tela verbal narrativa:

“Como diz Bergson, não vamos dos sons às imagens e das imagens ao sentido: instalamo-nos logo ‘de saída’ em pleno sentido. O sentido é como a esfera em que estou instalado para operar as designações possíveis e mesmo para pensar suas condições. O sentido está sempre pressuposto desde que eu começo a falar; eu não poderia começar sem esta pressuposição”. (Deleuze: 31).

O sentido é um efeito do pressuposto da própria gramática em funcionamento da prática política no campo político da cultura do gosto:

“Para cada um de seus nomes, a linguagem deve conter um nome para o sentido deste nome. Esta proliferação infinita de entidades verbais é conhecida como paradoxo de Frege”. (Deleuze: 32).

O funcionamento do paradoxo na prática política a desintegra?

“Não se pode eliminar o paradoxo do sistema do Grundgesetze der Arithmetik a não ser modificando-o, isto é, transformando-o em outro sistema!”. (Newton da Costa: 222).

O efeito de sentido paradoxal da tela verbal narrativa é o motor da transformação da prática política em um contexto. Como aparelho de hegemonia, a prática política pode sustentar o Estado territorial nacional (Dumézil:39, 40) como Estado gestor da mais-valia pública (Lacan. S. 16: 30, 29) para o dominado. Como máquina de guerra ideológica, a prática política se apropria da mais-valia pública para o dominante. Há um paradoxo entre o sustentar para o dominado e o sustentar para o dominante. Trata-se de um paradoxo que pode desintegrar a prática política como Estado territorial na forma de regime - sem alterar a gramática verbal narrativa do campo político.

A gramática do estoicismo permite vincular o sentido com a fantasia; ela é:

Impressão produzida por agentes externos no núcleo da alma, algo assim como uma impressão sigilar”. (Elorduy:33).

O hegemonikón ou eu político pode ser o agente que imprime um efeito de sentido [no campo político do indivíduo ou da multidão] como fantasia de gosto [barroco, grotesco etc.] capaz de pilotar a prática política:

 “A parte principal da alma, o hegemonikón, é o núcleo central de energia que comunica suas forças respectivas a cada um dos sensórios. Embora os sensórios não se identifiquem com a posição anatômica do organismo, senão que são ‘espíritos racionais emitidos aos órgãos desde a mente”. (Elorduy: 37).

Há analogia do efeito de sentido verbal narrativo com a prática política real:

“Os sentidos são como esses tentáculos ou ‘como galhos que se arrancam daquela parte principal como o tronco, julgando a alma como um rei das coisas que lhe anunciam os sentidos por suas sensações”. (Elorduy: 41).   

Daí o pressuposto saber da gramática, pois, na prática política, as sensações têm como soberano a alma ou, mais precisamente, o hegemonikón:

“A comparação do rei – baseada na sinonímia entre realeza e hegemonia [...]. prova que ‘o sentido interior leva vantagem (praestat) em relação aos sentidos externos, dos quais é superior (moderator) e juiz’. Por conseguinte, demonstra que ‘a razão leva vantagem a todos os demais no homem; e si há algo superior a ela, é Deus”. (Elorduy: 41).

  Na prática política, o efeito de sentido da fantasia Deus é superior ao efeito de sentido da fantasia razão. Daí Hobbes falar do Estado como <Deus mortal>. (Hobbes:110). O Estado virtual é a coroa, ou seja, gramática sobreposta ao Estado territorial; a coroa é o símbolo imortal da prática política - em qualquer campo político da cultura do gosto.  Sem a tela de juízo de gosto, há o grau zero da prática política como efeito de sentido da fantasia.   

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O pós-modernismo aparece como uma máquina de guerra semiológica/ideológica do Norte copiada pelos professores universitários do Sul:

“A semiologia mostra-nos, no universo dos signos, o universo das ideologias que se refletem nos modos comunicativos pré-constituídos”. (Eco: XVIII).

Harvey diz sem margem à dúvidas:

“O projeto teológico pós-moderno é reafirmar a verdade de Deus sem abandonar os poderes da razão”. (Harvey: 47).

O Estado virtual burguês pós-modernista é um fenômeno de uma tela metafísica, daí, nas Américas ele ter como “classe-apoio” massas evangélicas e a classe média fascista das grandes capitais, estas com a hegemonia sobre o lumpesinato policial das classes baixas. Um Foucault pós-modernista (Harvey: 50) e um Heidegger também [este através de Derrida} (Harvey:53), todos são peças da montagem da máquina da guerra ideológica que se transforma em um aparelho de hegemonia universitário do Estado burguês territorial pós-modernista. No campo político da cultura do gosto, o sujeito esquizo é a subjetividade que corresponde ao Estado burguês pós-modernista:

“Jameson (1984) explora esse tema com um efeito bem revelador. Ele usa a descrição de Lacan da esquizofrenia como desordem linguística, como uma ruptura na cadeia significativa de sentido que cria uma frase simples; quando essa cadeia se rompe, ‘temos esquizofrenia na forma de um agregado de significantes distintos e não relacionados entre si’”. (Harvey: 56).   

Essa é a prática política essencial do Estado burguês pós-modernista no campo político da cultura do gosto. Ela cria e recria um campo de ideologias pós-modernistas como abolição do sentido no horizonte da prática, da experiencia do agente. Assim, o tempo político deixa de regular o campo político:

“Se a persona é fabricada por meio de ‘certa unificação temporal do passado e do futuro com o presente que tenho diante de mim’, e se as frases seguem a mesma trajetória, a incapacidade de unificar passado, presente e futuro na frase assinala uma incapacidade semelhante de ‘unificar o passado, o presente e o futuro da nossa própria experiencia biográfica ou vida psíquica’. (Harvey: 56).

Tal fato significa a desintegração da tela verbal narrativa como soberana na prática política de uma forma de regime da democracia feudal modernista do dominado. A tela digital toma o lugar, na prática política, da tela verbal narrativa. A tela digital é a lógica do simulacro de simulação (Baudrellard: 1981: 177), do efeito de sentido no campo político da cultura do gosto. Assim, o barroco é sobrepujado pelo neobarroco (Calabrese; 1988) e o grotesco pelo neogrotesco (Rosen: 1991; Sodré; 1992).

Nas Américas, a massa social esquizo aparece desintegrando a topologia da narrativa tradicional [de 1988, no Brasil] esquerda e direita no campo político. Essa multidão esquizo [como abolição do princípio da não-contradição na prática política] é a sustentação do Estado territorial burguês pós-modernista liberal.

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O campo político é também uma tela de juízo de gosto:

“Mas – visto com ‘dada’ sob o ângulo da relação estética – essa lógica dos significantes determina o processo aberto da interpretação, no sentido de que a mensagem, como fonte oferecida a destinatário, propõe, também, com forma significante a preencher, os níveis que já articulam grupos de significados (denotados e conotados). Estruturando-se ambiguamente em relação ao código e transformando continuamente suas denotações em conotações, a mensagem estética compele-nos a experimentar sobre si léxicos e códigos sempre diferentes. Nesse sentido, fazemos continuamente confluir para dentro da sua forma vazia novos significados, controlados por uma lógica dos significantes que mantém tensa uma dialética entre a liberdade da interpretação e a fidelidade ao contexto estruturado da mensagem. E só assim se compreende por que, em todo o caso, a contemplação da obra de arte suscita em nós aquela impressão de riqueza emotiva, de conhecimento sempre novo a aprofundado, que impelia Croce a falar de cosmicidade”. (Eco: 68)       

 O artista tem um lugar na prática política da cultura do gosto; ele cria as gramáticas a partir das quais surge o campo político das ideologias. Ele também é o intérprete da gramática da prática política. O Estado burguês pós-modernista liberal se serve de uma estética vinculada à lógica do significante simulacro de simulação. Não é a estética pela estética, e sim uma estetização generalizada da obra de arte:

“ao final desta história da estética, a cultura democrática de ponta a ponta orientada para o fechamento do mundo, tende a se estruturar segundo três momentos: no campo da arte, a obra só pode ser um prolongamento do artista e, se ela ainda é um mundo, só pode ser um microcosmo engendrado por esse pequeno demiurgo que é o gênio”. (Ferry: 341).

Com o Estado burguês pós-modernista, a obra de arte não é mais uma interpretação do campo político da cultura do gosto. Por outro lado, a tela estética engendra uma região heterogênea (Cascardi:356) neobarroco e uma região reprofunda heteróclita (neogrotesco) no campo sublunar da política.

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Lyotard fez a filosofia do Estado burguês pós-modernista virtual. Ela anuncia o colapso do metarrelato marxismo-leninismo e da tela metafísica universitária no campo político da cultura mundial:

“considera-se pós-moderna a incredulidade em relação ao metarrelato. É, sem dúvida, um efeito do progresso das ciências; mas este progresso, por sua vez, as supõe. Ao desuso do dispositivo metanarrativo de legitimação corresponde, sobretudo, a crise da filosofia metafísica e da instituição universitária que dela dependia”. (Lyotard. 1986: XVI).

O aparelho de hegemonia Lyotard invade o campo político da cultura com a gramática dos <jogos de linguagem>:

‘Três observações precisam ser feitas a respeito do jogos de linguagem. A primeira é que suas regras não possuem sua legitimação nelas mesmas, mas constituem objeto de um contrato explícito ou não entre os jogadores [o que não significa, todavia, que estes as inventem]. A segunda é que na ausência de regras não existe jogo, que uma modificação, por mínima que seja, de uma regra, modifica a natureza do jogo; e que um ‘lance’ ou um enunciado que não satisfaça as regras, não pertence ao jogo definido por elas. A terceira observação acaba de ser inferida: todo enunciado deve ser considerado como um ‘lance’ feito num jogo”. (Lyotard. 1986: 17).

A gramática do Estado pós-modernista transforma a fala em um ato de guerra molecular na prática política:

‘Esta última observação leva a admitir um primeiro princípio que alicerça todo o nosso método: é que falar é combater, no sentido de jogar, e que os atos de linguagem provêm de uma agonística geral. Isto não significa necessariamente que se joga para ganhar. Pode-se realizar um lance pelo prazer de inventá-lo”. (Lyotard. 1986: 17).

Na ciência política dialética-materialista, a gramática dos jogos de linguagem na prática política brasileira faz pendant com o surgimento da burguesia política com Lula e o PT. Só que o uso dessa gramática se atualiza como uma estratégia de transformação do monopólio do governo federal nas mãos do lulismo. Assim, como ato de guerra política, os jogos de linguagem do lulismo usam a lógica do simulacro de simulação para conquistar a soberania popular; tal fenômeno desintegra a forma de governo baseada na alternância de dois partidos políticos: PT e PSDB. A crise da forma de governo desembocaria em golpe de Estado e dois governos que fundam o Estado territorial, burguês, pós-modernista e fascista.

 O Estado pós-modernista provoca um curto-circuito nas gramáticas da prática política do aparelho de hegemonia

“ - Em primeiro lugar, a arte não é livre. Existe liberdade dentro de coerções de qualquer nível, consciente e inconsciente. Mas, em segundo lugar a estética é uma arte, a arte de produzir prazer puro [desinteressado] ou de senti-lo. A retórica é uma arte de persuasão. A história é uma arte de narrar o verdadeiro. E interpretar é a arte hermenêutica, talvez, a mais difícil de todas. Suas regras são quase desconhecidas. Conhecem-se, sobretudo, as negativas: nada acrescentar à coisa interpretada, não fazê-la dizer o contrário do que diz, não ignorar as interpretações anteriores, não impor uma interpretação como definitiva. A tradição de leitura da Torá esboçou algo como regras positivas, distinguindo, no texto da Escritura, seus sentidos literais, secreto, moral e alegórico”. (Lyotard. 1996:39).

Como o rei de Zizek, a prática política pós-modernista emerge do real do campo político da cultura (Zizek: 42-43). O Estado pós-modernista virtual é o ersatz do rei, ele é real. Ele é um aparelho de hegemonia que não conquista a soberania popular por telas verbais narrativas e sim pela tela da sedução digital. Baudrillard fez a ciência do Estado sedutor?

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A prática ´política é: a relação ficcional representante/representado ou soberania popular; a relação de hegemonia virtual elite/massa; a relação de dominação territorial burguesia política multidão pós-modernista. Na última, a sedução se tornou a gramática do Estado écran , na definição feliz de Régis Debray.

A ciência pós-modernista de Baudrillard fala do paradigma da <sedução> como um ato de guerra de jogos de caligrafia contra o paradigma da produção na prática política do Estado pós-modernista:

“Produzir é materializar à força o que é de uma outra ordem; da ordem do segredo e da sedução. A sedução é sempre em todo lugar o que se opõe à produção. A sedução retira alguma coisa da ordem do visível”. (Baudrillard. 1991: 43).

Há uma relação de superioridade lógica na articulação da prática política pós-modernista burguesa em relação à antiga prática moderna do capital capitalista:

“A questão da superioridade profunda das lógicas de desafio e de sedução sobre as lógicas econômicas do sexo e da produção permanece inteira”. (Baudrillard. 1991: 51).

No lugar da gramática do poder na articulação dominante/dominado, a gramática da sedução faz da prática política uma relação populista entre o Estado sedutor e as massas pós-modernistas:

“A sedução é mais forte do que o poder, pois, um processo reversível e mortal, ao passo que o poder se quer irreversível como o valor, cumulativo e imortal como ele. Compartilha todas as ilusões do real e da produção; quer-se da ordem do real e oscila assim no imaginário e na superstição de si mesmo [com ajuda das teorias que o analisam, embora para contestá-lo]. A sedução não é da ordem do real. Nunca é da ordem da força nem da relação de força. Mas precisamente por isso é quem envolve todo o processo real do poder assim como toda a ordem real da produção, dessa reversibilidade e desacumulação ininterruptas sem as quais não haveria poder ou produção”. (Baudrillard. 1991: 56).

A reversibilidade da gramática da sedução é capaz de transformar a classe média fascista em um lumpesinato policial e a burguesia política em uma lúmpen-burguesia nos países subdesenvolvidos da América do Sul. A gramática da sedução é o fim de efeito de sentido no discurso político:

“Todo discurso de sentido quer dar fim às aparências, eis aí seu engano e sua impostura. Mas também um projeto impossível: inexoravelmente o discurso está entregue a sua própria aparência, portanto, às apostas da sedução e a seu próprio fracasso como discurso. [...]. O que ocorre em primeiro lugar quando um discurso seduz a si mesmo, forma original pela qual ele se absorve e se esvazia de seu sentido para melhor fascinar os outros, sedução arcaica da linguagem”. (Baudrillard. 1991: 62).

O aparelho de sedução da gramática baudrillardiano fala do fim da prática política em geral, do fim da política e do Estado territorial nacional na Europa da União Europeia. Um discurso de um contexto especificamente europeu?  

Com efeito, a globalização pós-modernista burguesa desintegrou o Estado nacional no Ocidente/Oriente, excetuando a China e a Índia, entre as grandes potências asiáticas. A ciência do Estado baudrillariana é aquela do fim do Estado nacional, repito. Aí temos, afinal, o fim da prática política autêntica substituída por uma prática do simulacro de simulação da política moderna?

A prática política pós-modernista do além da época pós-moderna (Bandeira da Silveira; 2024a), de fato, é um agir estratégico: simulação, dissimulação,  simulacro de simulação, enganar, mentir, produção de ilusão etc. (McCarthy: 333). O poder estratégico articula a relação da representação entre lúmpen-burguesia e classes médias neogrotescas; tal fenômeno já remete para a região escura da superfície reprofunda da prática política, onde todos os gatos são pardos, mas devoram os ratos.   

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No livro “O Estado sedutor”, Regis Debray diz que o Estado é invisível e inaudível:

“C’est précisément parce que l’État est en lui-même invisibli et inaudible qu’il doit à tout prix se faire voit et entendre par métaphores. Se signaler à l’attention de tous par des signes convenus, observables et tangibles. Sans cette signalisation, la croyance n’aurait ni objet ni relais”> (Dabray: 66).

Com efeito, o Estado territorial é uma tela verbal narrativa de aparelhos [repressivos, ideológicos, de hegemonia} que por efeitos de sua prática política muito real imprime sua imagem textual no cérebro do homem, mulher, criança. O aparelho legislativo penal age sobre o corpo humano molecular e não apenas como aparelho de signos metafóricos ou metonímicos. A relação da gramática penal com o corpo/alma produz a subjetividade do prisioneiro. Sem me alongar, a figura do presidente da república existe como um efeito sobre a constituição da subjetividade política da população, na medida em que ele é conhecido/reconhecido na gramática da vaidade das pequenas diferenças nacionais. O Estado cria e recria as regiões estáticas do campo político que se atualiza na soberania popular e na multidão política na rua. A tela estética é um fenômeno que interpela o gosto político real do indivíduo e da multidão.

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O Estado virtual burguês está presente na realidade do indivíduo através das telas digitais, no cotidiano. Ele faz a vida verdejar assim como  azular da paisagem do olho pelo sol. Ele pode ser usado para se periodizar a época da <lógica cultural do capitalismo tardio>?:

“Um dos problemas frequentemente associados a hipótese de periodização é que estas tendem a obliterar a diferença e a projetar a ideia de um período histórico como uma massa homogênea [demarcada em cada lado por uma inexplicável metamorfose cronológica e por sinais de pontuação]. No entanto, essa é precisamente a razão pela qual me parece essencial entender o pós-modernismo não como um estilo, mas como uma dominante cultural: uma concepção que dá margem à presença e à coexistência de uma serie de características que, apesar de subordinadas uma às outras, são bem diferentes”. (Jameson: 29).

O contexto do pós-modernismo se caracteriza pela plurivocidade de tela de juízo de gosto [que remetem o individuo e a multidão par as regiões políticas do barroco, grotesco etc.] fazendo pendant como a prática política do Estado virtual burguês. Um outro contexto se abriu na terceira década do século XXI?   

“O Estado feudal da atualidade requer uma discussão da relação entre a imagem textualizada da atualidade e o campo do pressuposto saber moderno. Por exemplo. A crítica da modernidade de Marx ainda é o paradigma do pressuposto saber para se conhecer a atualidade? Marx parte de algo além da autonomia relativa das esferas: economia, política, cultura. A cultura e a política são englobadas na ideia de Forma ideológica. (Marx. Pensadores: 136). Hegel fala da cultura reflexiva (Hegel. 1955: v. 2: 29) que não oculta a realidade e não é produção de ilusão. Com o Estado hegeliano no campo político/estético, a política não precisa ser agente histórico de produção de ilusão. O Estado pode ser um fenômeno da manifestação da verdade de uma época”. (Bandeira da Silveira. 2024: 76).      

                                              MERCANTILISMO-LIBERAL FEUDAL MUNDIAL

Ao estudar a Revolução Francesa, Tocqueville descobriu o segredo da transição de uma época para outra. Trata-se da conciliação barroca entre o novo e o antigo regime, no que eles têm de conciliável. Hoje, vivemos a transição do liberalismo ocidental para o mercantilismo asiático. A globalização feudal-burguesa liberal tinha como meta a desintegração do Estado territorial nacional. A União Europeia se tornou o símbolo maior dessa meta inalcançável.

A Ásia desenvolveu a gramática do mercantilismo-liberal feudal. A China, a gramática do mercantilismo-liberal para o dominado nas relações internacionais. Assim, o planeta se vê diante de um processo dialético-materialista com um duplo aspecto: o aspecto dominante é a gramática do mercantilismo do século XXI. O aspecto dominado é a gramática do liberalismo asiático do dominado, atual. Portanto, uma outra imagem textual do mundo emerge da história planetária asiática.

A globalização asiática mercantilista-liberal feudal significa direitos materiais para os países dominados ao lado dos direitos materiais para as grandes potências. Assim, a estratégia consiste em revogar a estrutura de dominação ideológica na economia conhecida pelo par desenvolvido/subdesenvolvido [centro/periferia]. Uma outra imagem textual do mundo vai sendo tecida na globalização exitosa que faz pendant com o Estado territorial nacional.

Na globalização mercantilista-liberal feudal, a história encontrará uma relação que não seja de dominação brutalista entre o Estado virtual feudal modernista e o Estado territorial nacional. Um período de transformação reprofunda na superestrutura das ideologias aparece como o acontecimento que levará o planeta da hegemonia das ideologias liberais do século XX para a hegemonia das ideologias mercantilistas-liberal do século XXI. Bem, cada país terá que empreender esse caminho épico. Vejam que a transição nos EUA já rendeu a tentativa de assassinato de Donald Trump. Donald acusa Joe Biden e vice-presidente de terem conspirado com o serviço secreto para matá-lo.

Vivemos uma época na qual os partidos políticos são formas ideológicas liberal do século XX. A transformação dos partidos políticos em forma ideológica do século XXI já é parte do desenvolvimento da democracia feudal mercantilista-liberal.

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Além da época posmoderna. EUA: amazon, 2024a   

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. ciência política materialista. EUA: amazon, 2024b

BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et Simulation. Paris: Galilée, 1981

BAUDRILLARD, Jean. Da Sedução. Campinas: Papirus, 1991

CALABRESE, Osmar. A idade neobarroca. Lisboa: Edições 70, 1987

CASCARDI, Anthony J. Subjetivité et modernité. Paris: PUF, 1992

DEBRAY, Régis. L’État séducteur. Paris: Gallimard, 1993

Deleuze, Gilles. Lógica do sentido. SP: Perspectiva, 1974

DUMÉZIL, Georges. L’oubli de l’homme et l’honneur des dieux. Esquisses de mythplogie. Paris: Gallimard, 1985

ECO, Umberto. A estrutura ausente. SP: Perspectiva, 1971

ELORDUY, Eleuterio. El estoicismo. Tomo 2. Madrid: Gredos, 1972

FERRY, Luc. Homo aestheticus. SP: Ensaio, 1994

HARVEY, David. Condição pós-moderna. SP: Loyola, 1992

HOBBES, Thomas. Leviatã. Pensadores. SP: Abril Cultural, 1974

JAMESOM, Fredric. Pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. SP: Ática, 1996

LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 16. De um Outro ao outro. RJ: Zahar, 2008

LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. RJ: José Olympio, 1986

LYOTARD, Jean-François. Moralidades pós-modernas. Campinas: papiros, 1996

McCARTHY. La teoría crítica de Jüngen Habermas. Madrid: Tecnos, 1992

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ROSEN, Elisheva. Sur le grotesque. Paris: PUV, 1991

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ZIZEK, Slavoj. Le plus sublime des hysteriques. Hegel passe. Paris: Point Hors Ligne, 1988       

  

 

                                                      

               

 

          

     

 

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