José Paulo
UM PODER não violento começa na discussão sobre a dominação na
sociologia:
“Segundo a definição já dada, chamamos <dominação> a
probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro
de determinado grupo de pessoas. Não significa, portanto, toda espécie de
possibilidade de exercer <poder> ou <influência> sobre outras
pessoas. Em cada caso individual, a dominação (<autoridade>) assim
definida pode basear-se nos mais diversos motivos de submissão: desde o hábito
inconsciente até considerações puramente racionais, referentes a fins. Certo
mínimo de vontade de obedecer, ou seja, de interesse (externo ou interno) na
obediência, faz parte de toda relação autêntica de dominação”. (Weber. 1984:
170).
O poder:
“significa toda probabilidade de impor a própria vontade em
uma relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa
probabilidade”. (Weber.1994: 33).
O poder não necessita de obediência; ele vai contra a resistência,
portanto, ele implica o uso da violência para a realização da própria vontade.
Hannah Arendt diz:
“Visto que a autoridade sempre exige obediência, ela é
comumente confundida com alguma forma de poder ou violência. Todavia a
autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é
usada, autoridade em si mesmo fracassou. A autoridade, por outro lado, é
incompatível com a persuasão, a qual pressupõe igualdade e opera mediante um
processo de argumentação. Onde se utilizam argumentos, autoridade é colocada em
suspenso. Contra a ordem igualitária da persuasão ergue-se a ordem autoritária,
que sempre é hierárquica. Se autoridade deve ser definida de alguma forma, deve
sê-lo, então, tanto em contraposição à coerção pela força como à persuasão
através de argumentos”. (Arendt:129).
Habermas fala do poder em relação ao campo político do
indivíduo e à manipulação das convicções do indivíduo e multidão. Quem manipula
é um agente no campo político da sociedade/Estado; Habermas fala do poder em Arendt:
“Porque, segundo a sua hipótese, o poder só pode surgir nas
estruturas da comunicação não-coercitiva; não pode ser ‘gerado de cima’”.
(Habermas: 114).
Poder e autoridade romana é a relação que Arendt estabelece em
um contraponto à sociologia do poder e dominação de Weber. A dominação não é a vontade
de se submeter à alguém, não depende da vontade de ser assujeitado; o poder não
é uma relação de força na qual um agente do poder encontra resistência ou
contrapoder.
Foucault se tornou o teórico do biopoder na universidade
francesa:
“Aquém, portanto, do grande poder absoluto, dramático,
sombrio que era o pode da soberania, e que consistia em poder fazer morrer, eis
que aparece agora, com essa tecnologia do biopoder, com essas tecnologias do
poder sobre a <população> enquanto tal, sobre o homem enquanto ser vivo,
um poder contínuo, científico, que é o poder de <fazer viver>. A
soberania fazia morrer e deixava viver. E eis que agora aparece um poder que eu
chamaria de regulamentação e que consiste, ao contrário, em fazer viver e em
deixar morrer”. (Foucault: 220).
Foucault fala da
relação do poder com o ser vivo no campo político sociedade/Estado. Para o
brasileiro, a relação entre biopoder e racismo é algo da realidade sensível. Há
toda uma legislação penal que castiga o racismo:
“E aí, creio eu, que intervém o racismo. Não quero de modo
algum dizer que o racismo foi inventado nessa época. Ele existia há muito tempo
(...). o que inseriu o racismo nos mecanismos do Esatdo foi mesmo a emergência desse
biopoder”.
“Com efeito, o que é o racismo? É, primeiro, o meio de
introduzir afinal, nesse domínio da vida de que o poder se incumbiu, um corte:
o corte entre o que deve viver e o que deve morrer”. (Foucault: 227).
O biopoder faz a racialização da sociedade de classes no
Brasil. Há classes que devem viver e classes que devem morrer; o aparelho
policial age de acordo com lógica do biopoder da racialização para as classes
populares negras. Isso é bem conhecido e reconhecido, entre nós. No entanto,
esse fenômeno não é o poder de Arendt, pois, é violência real. Então, há o
poder arendtiano no Brasil?
2
Freud fala de um poder estético funcionado pelo princípio de
prazer no campo político do indivíduo [e da multidão]:
“A consideração desses casos e situações, que têm a produção
de prazer como seu resultado final, deve se empreendida por algum sistema de
estética [...]. (Freud. vol. XVIII: 29).
Freud fala da relação do princípio do prazer como experiência
agradável (ética) e com a experiência desagradável ou páthos. A dominação da
criança sobre uma experiência da brincadeira ou jogo infantil acaba se
referindo ao outro:
“Quando a criança passa da passividade da experiência para a
atividade do jogo, transfere a experiência desagradável para um dos seus companheiros
de brincadeira e, dessa maneira, vinga-se num substituto”. (Freud. v. XVIII: 29).
Ter poder sobre o outro é colocá-lo na experiência do pathos,
do desagradável. O agradável e desagradável é um objeto de Aristóteles:
“A vida de atividade conforme à excelência é agradável em
sim, pois o prazer é uma afecção da alma, e o agradável para cada pessoa é
aquilo que se costuma dizer que ela ama [...]”. (Aristóteles: 26).
Amar o agradável como princípio de prazer como afecção do
campo político do indivíduo [ou da multidão}, eis algo que se refere a
dominação no campo político/estético.
A ética é a estética/política do moderno da antiguidade. O
páthos é a estética/política do páthos, ou seja, o princípio do grotesco que
pode fazer do desagradável do heteróclito [em relação ao moderno] uma fonte de energia de prazer:
O páthos é o contrário do gramático, ele é o grau zero da
gramática:
“Um homem somente será um gramático, então, quando disser
algo pertinente à gramática e à maneira dos gramáticos, ou seja, graças aos conhecimentos
gramaticais que ele mesmo possuir”. (Aristóteles: 39).
A gramática da estética/política é, ou da ordem do princípio
do prazer ou grau zero da estética moderna, ou seja, estado de páthos ou
experiência do desagradável relacionada ao princípio de prazer estético do
heteróclito, ou seja, o que está do lado de fora da gramática do renascimento
grego da antiguidade
“Algumas coisas são agradáveis por natureza, e destas umas
são irrestritamente agradáveis, enquanto outras o são em relação a determinadas
classes de animais ou de pessoas; por outro lado, outras não são naturalmente
agradáveis, mas algumas destas se tornam agradáveis por causa de aberrações,
outras por causa de hábitos e outras ainda por causa de taras”.
O páthos pode funcionar pelo princípio do prazer da
experiência agradável. Continua:
“Sendo assim, é possível descobrir em relação a cada uma das
espécies da segunda classificação afecções de caráter análogas ás identificadas
a respeito do primeiro caso; refiro-me às afecções bestiais, como no caso da
fêmea que, segundo dizem, abria o ventre das fêmeas grávidas e devorava os
fetos; ou das coisas com que, de acordo com certas narrativas, algumas das
tribos selvagens do litoral do mar Negro costumavam deleitar-se – com alimentos
crus ou carne humana, ou com a troca de crianças entre as tribos para serem
seviciadas em suas festas – ou como na história que se conta de Fálaris.
(Aristóteles: 137).
Aristóteles fala do princípio doo prazer de uma
estética/política grotesca selvagem que se opõe ao renascimento da antiguidade
grega.
3
Freud arte do significado estético como produção da intenção
e vontade de expressão do artista nos pormenores da escultura do “O Moises de
Michelangelo:
Mas prossigamos na suposição de que esses pormenores possuem
significação. Há uma solução que removerá nossas dificuldades e permitirá o
vislumbre de um novo significado”. (Freud. v. 23:267).
Resolvo partir do fantasma como objeto ideal ou virtual, como
pressuposto saber; e da fantasia como objeto real ou agir no campo político
estético, ambos no campo político do indivíduo ou da multidão, ou da polis, ou
do Estado lacaniano gestor da mais-valia pública que construí polis obra de
arte e mitologia política:
“O surgimento e primeiro desenvolvimento da poesia lírica na
Grécia são simultâneos ao florescimento do da liberdade e surgimento do
republicanismo. Primeiramente a poesia se vinculou às leis e serviu para
transmiti-las. Logo, como arte lírica, se entusiasmou pela fama, liberdade e
bela socialidade. Tornou-se a alma da vida pública, a que dava esplendor às
festas (...) O elemento rítmico dos Estados gregos, a
clareza de consciência dos gregos, totalmente voltada para si mesmos, para sua
existência e seu agir, inflamou as paixões mais nobres que eram dignas da musa
lírica. Na mesma época que a lírica, a música animava as festas e a vida
pública. Em Homero ainda há, inclusive sacrifícios e cultos divinos sem música.
Da identidade da epopeia homérica também faz parte o princípio heroico, o
princípio da monarquia e da dominação”. (Schelling: 273).
É possível estabelecer analogias entre a cultura política
estética grega e a nossa cultura?
4
No campo/político estético da antiguidade, o poder se dedica
a produção da mitologia como obra-de-arte, e ele é parte do Estado lacaniano/estético
que produz polis obra-de-arte; o campo estético/político é movido pelo princípio
do prazer do gosto.
O campo político/estético possuía fenômenos como o cesarismo
e a insurreição:
“Os primeiros ritmos líricos, como se observou, foram aqueles
em que se cantaram as leis dos Estados livres: isso ainda ocorre em Sólon. As
canções guerreiras de Tirteu eram ‘aguilhoadas ‘por uma paixão’ inteiramente
objetiva. Alceu foi o cabeça dos conjurados contra os tiranos. Combatendo-os não
só com a espada, mas também com seus cantos”. (Schelling:274).
O campo político/estético antigo é diferente do moderno. Este
corte histórico estético é assim:
“Assim como o máximo florescimento da arte lírica dos gregos
coincide com o surgimento da república, o florescimento máximo da vida pública,
assim também os primórdios da lírica moderna coincidem com a época de agitações
públicas no século XIV, e com a dissolução geral da liga republicana e dos Estados
italianos. Quando a vida pública desapareceu, em maior ou menor medida, ela
teve de se voltar para dentro. Os tempos venturosos que a Itália viveu graças a
alguns príncipes magnânimos, principalmente os Médices, vieram só mais tarde e
favoreceram bastante a epopeia romântica, que se aperfeiçoou em Ariosto, Dante
e Petrarca; os primeiros criadores da poesia lírica, surgiram nos períodos da insurreição,
da dissolução social, e seus cantos, quando se referem àqueles objetos externos,
exprimem, em alto e bom som a infelicidade daquela época”. (Schelling: 275).
Há relação entre insurreição estética e a realidade heteróclita?
A mitologia da antiguidade não exclui o heteróclito do campo
político/estético, ele se localiza na escuridão da profundida:
“Como germe comum dos deuses e dos homens, o Caos absoluto é
noite, trevas. Ainda informes são também as primeiras figuras que dele a
fantasia faz nascer. Um mundo de figuras informes e monstruosas precisa
submergir para que possa surgir o reino ameno dos deuses venturosos e
duradouros. Também nesse aspecto as criações poéticas gregas permanecem fiéis à
lei de toda fantasia. Os primeiros descendentes dos encontros amorosos de Urano
e Gaia ainda são monstros, gigantes, de cem braços, Ciclopes imponentes e os
selvagens Titãs, descendentes diante dos quais o próprio progenitor se
horroriza aos quais no Tártaro de novo se oculta. O Caos tem de devorar novamente
a própria pole. Urano, que esconde os próprios filhos, tem de ser suplantado:
começa o domínio de Cronos. Mas também Cronos devora os próprios filhos”. (Schelling:57).
A mitologia fala, por alegorias e outras figuras de
gramática, de um mundo no qual domina os monstros; ela fala de uma realidade
heteróclita do campo político/estético cesarista, o mais primitivo possível - que
os antigos designavam como tirania.
O cesarismo mitológico encontra-se no começo do mundo
político e pode anunciar o fim da política.
ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. SP: Perspectiva,
1988
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Brasília: EDUNB, 1992
FOUCAULT, Michel. Il faut défendre la société. Paris:
Gallimard/Seul, 1997
FREUD, Sigmund. Obras Completas. Volume 13. O Moises de Michelangelo
(1914). RJ: Imago, 1974
FREUD, Sigmund. Obras Completas. Além do princípio do prazer.
RJ: Imago, 1976
HABERMAS. Sociologia. SP: Ática, 1980
SCHELLING, F. W. J. . Filosofia da arte. SP: EDUSP, 2001
WEBER, Max. Economia y sociedad. México: Fondo de Cultura Económica,
1984
WEBER, Max. Economia e sociedade. V. 1. Brasília; UNB, 1994
Nenhum comentário:
Postar um comentário