domingo, 18 de fevereiro de 2024

anjo, diabo, Epicuro

 José Paulo 

 

 

Há o Marx universitário e um outro pós-universitário; Hegel foi universitário até o fim de sua vida terrena.

A Tese doutoral de Marx fala de um iluminismo grego, da modernidade grega:

“Epicuro é, portanto, o maior pensador do iluminismo grego”. (Marx. 1982: 53). Epicuro se junta aos iluministas e ergue a tela gramatical moderna no campo político/estético da antiguidade.

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LUZ DO FENOMENO

O CAMPO POLÍTICO tem seu espaço iluminado e de escuridão; o que ilumina o iluminado? A luz do fenômeno ilumina o espaço claro e distinto; a sensorialidade do agente político é a reflexão do mundo fenomênico no campo onde acontece a percepção sensível do mundo visível fenomênico; o tempo político é tempo materializado no agente; o visível é o concretamente empírico; o invisível é invisível na escuridão profunda onde não há a luz do fenômeno, essa luz não se derrama no agente; o agente é práxis política, seja o agente do visível, ou invisível. A profundidade escura só se deixa ver pela tela gramatical do afenomênico; como erguer tal tela na escuridão, nessa há o agente-átomo só perceptível pela razão gramatical e não perceptível pelas faculdades sensíveis.

Na mitologia da antiguidade, o céu é apoiado por Atlas; Epicuro diz que a mitologia é estupidez e superstição do homem. O campo político se apoia no agente fenomênico; o campo cesarista-presidencialista nas Américas parece ter uma mitologia análoga ao dos corpos celestes, estes como deuses e, também, sagrado, que é imortal, indestrutível, tempo eterno, alheio a todo e qualquer mortal infortúnio; assim, o agente fenomênico não vê ou sente o cesarismo como débil, fraco, destrutível, com o câmbio refletido em si.

O campo político presidencialista/cesarista é o céu como deuses que se transmutam em Deus, e, portanto, em uno; a adoração ao cesarismo republicano/presidencialista se realiza na soberania popular como culto religioso, e não como um fenômeno de uma cultura política secular.

EUA, Brasil, Argentina etc. estão em uma camisa de onze varas.

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O campo político atomístico é aquele das contradições e antagonismo vivos, em carne e osso; ele é a dominância doo heterogêneo e do heteróclito; ele é o outro da inteligência do simbólico, pois, dotado de uma inteligência do diabólico:

“Alors que lintelligence décompose le sens, le mythe le compose. C’est pourquoi il ne saurait être compris d’aprés une supposée valeur explicative: le nythe n’est une Science des primitifs mais un moyen de compréhension immédiate du reel. L’opposé du sym-bolique, c’est, proprement, le dia-bolique”. (Godin:732).

A inteligência do diabólico é análoga a um princípio abstrato que usa dispositivos de cancelamento do inimigo, que é o saber do senso comum da tela gramatical dos fenômenos. O México é o mais visível caso desse fenômeno:

“Se a autoconsciência singular abstrata se postula como princípio absoluto, qualquer ciência verdadeira e real permanecerá cancelada, certamente, enquanto a singularidade não impera na natureza nesma das coisas”. (Marx. 1982. :53).

O absoluto do poder no campo político estético tem gosto de sangue, de banho de sangue, e, portanto, ele não pode existir como princípio angelical, e sim como afecção no campo diabólico; buscá-lo como princípio abstrato é algo que o agente atomístico faz no cesarismo/presidencialista; assim, o campo político do individuo heteróclito tem no fantasma do diabólico sua força de lei, o fundamento místico da autoridade:

“L’origine de l’autorité, la fondation ou le fondement, la position de la loi ne pouvant par définition s’appuyer finalement que sur elles-mêmes, elles sont elles-mêmes une violence sans fondament (...). La même limite <mystique> ressurgira à l’origine supposée desdites conditions, rêgles ou conventions – et de leur interprétation dominante”> (Derrida. 1994:34).

A autoridade do cesarismo se vale da violência mystica dos agentes-atomísticos do campo diabólico; o campo angelical é aquele da conciliação pós decisão da soberania popular por uma compulsão `a repetição de comportamento do representante que respeita a ataraxia do campo político do indivíduo; a estratégia é evitar a stáseis, principalmente a insurreição contra a forma de governo como caráter pólemos. (Schmitt: 55,56).

O espaço do heterogêneo e do heteróclito da contemporaneidade é o contrário do espaço angelical da homogeneidade modernista; vivemos em um espaço no qual o agente atomístico tem um comportamento diverso e irregular, o contrário do comportamento perfeito do fenômeno, que derrama a luz na tela gramatical do campo político/estético. Porém, o agente-fenomênico como antítese à qualquer geral no concreto [fim da política como materialização da razão lógica na vida] só se realiza como dissolução na tela gramatical dos fenômenos contraditórios, ou seja, só existe no espaço homogêneo; já o agente-atomístico é uma simples hipótese, uma ficção real, pura e abstrata, na profundidade escura como grau zero do fenômeno:

“(...) a matéria, ao imprimir-se nela a singularidade, a forma, como ocorre nos corpos celestes, deixa de ser singularidade abstrata. Se converte em singularidade concreta, em generalidade”. (Marx. 1982: 52).

O atomístico é um campo político como grau zero da estética; o cesarismo/presidencialismo é um campo do brutalismo análogo ao biopoder; é o contrário da modernidade como ataraxia tomando o lugar do geral, do singular concreto; no cesarismo, o campo político do indivíduo é a subsunção real do geral ao individual; assim, o campo tem como centro de gravidade indivíduos com fome de poder e ouro  público; o cesarismo é o campo no qual o capital fictício reina absolutamente; se a modernidade é um campo governado por anjos, no cesarismo, os diabos governam como governam o inferno; a legislação penal cesarista é o antípoda da legislação penal da modernidade. Hitler introduziu a legislação penal da racialização dos povos como, primeiro, campo de concentração, e depois como campo de extermínio. Nas Américas, Bukele realiza a legislação penal para o heteróclito.

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O Estado não é mais um Estado burguês, ou seja, aparelho de estado e poder de Estado (Balibar: 92) que se contrapõe à luta de classe e insurreição dos de baixo. O Estado não é aparelho repressivo e aparelhos ideológicos de Estado. Ele deixa de ser, sobretudo, um Estado moderno weberiano. É o grau zero de Estado institucional, pois, se torna um ente poder administrativo do campo político heteróclito, diabólico:

“A ‘política’ aqui não é definida de um modo substantivo, nem se refere inevitavelmente ao uso da força. O aspecto ‘político’ das organizações diz respeito à sua capacidade de organizar os recursos de autoridade ou o que eu chamarei de poder administrativo”.

“Todas as organizações têm perfil políticos, mas apenas o Estado envolve a consolidação de um poder militar em associação ao controle dos meios de violência dentro de uma extensão territorial. Um Estado pode ser definido como uma organização política cujo domínio é territorialmente organizado e capaz de acionar os meios de violência para sustentar esse domínio. Tal definição é próxima de Weber, mas não sublinha uma reivindicação ao monopólio dos meios de violência ou o fator legitimidade”. (Giddens: 45).

É o “Estado” nacional como ilusão moderna no campo político do cesarismo-presidencialista brutalista.

O cesarismo se adapta bem a tela gramatical epicurista;

“Tão estendida como o estoicismo, ou talvez mais ainda, estava a filosofia epicúrea  que vem a representar a antítese ou contrapartida da filosofia estoica, pois, enquanto que o estoicismo postula o ser como pensado -ou seja o conceito geral – como o verdadeiro, desenvolvendo esse princípio, Epicuro, o fundador dessa outra escola, ao contrário, não postula o ser como ser em geral, senão como algo sentido; isto é, o essencial para ele é a consciência sob a forma do individual”. (Hegel: 375).

O individual passa a comandar o campo político na tela epicurista, com uma mesclagem de <homem cordial>, afecções do pathos, febre do ouro, ou amor auri.      

O funcionamento do campo político heteróclito tem pensamento, mas não segundo o princípio da realidade, mas pelo princípio do prazer:

Epicuro eleva também ao plano do pensamento o princípio de que o prazer constitui um fim [...]”. (Hegel: 375).

O princípio do prazer diabólico faz dos aparelhos ideológicos e do aparelho repressivo algo diabólico, ou seja, um outro fenômeno ainda sem nome, sem terminologia: uma totalidade heteróclita.

 

 

BALIBAR, Étienne. Cinq études du materialisme historique. Paris: Maspero, 1974

DERRIDA, Jacques. Force de loi. Paris: Galilée, 1994

GODIN, Christian. La totalité. Vol 1. Paris: Champ Vallon, 1998

GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. SP: EDUSP, 2001

HEGEL. Lecciones sobre la historia de la filosofia. V. 2. México: Fondo de Cultura Económica, 1955

MARX E Engels, Obras fundamentales. Vol 1. Marx, escritos da juventude. México: Fondo de Cultura Económica, 1982   

 SCHMITT, Carl. O conceito do político. Petrópolis: Vozes, 1992                                  

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