segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Fim do Estado, poder administrativo

 

José Paulo 

 

Montesquieu:

“Il y a, dans chaque Etat, trois sortes de pouvoirs: la puissance législative, la puissance exécutrice des choses qui dependente du droit des gens, e le puissance exécutrice de celles qui dépendent du droit civi”. (Montesquieu: v. 1: 294).

A tradução brasileira:

“Há, em cada Estado, três espécies de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o executivo das que dependem do direito civil”. (Montesquieu: 156).

A tradução substitui <potência> por <poder>; o tradutor não conhece a sociologia política virtual de Aristóteles; nesta, há a distinção entre potência (virtual) e ato (atual); o poder é potência em ato, na atualização.

Conhecemos a estrutura gramatical do Estado como: legislativo, judiciário, executivo ou governo.  

Há a transformação da estrutura do Estado nos EUA e Inglaterra:

‘Os métodos de interpretação em voga levaram nos Estados Unidos como na Inglaterra, ao desenvolvimento, no seio de um novo direito administrativo, de uma grande variedade de repartições públicas, comissões, tribunais administrativos. Não se quis somente, através deles aliviar os tribunais estabelecidos; pretendeu-se também assegurar oo funcionamento, no seu próprio sentido, de novas leis, especialmente nos domínios econômico e social, excluindo os métodos comumente utilizados nos tribunais”. (David: 402).

O administrative power faz a distinção entre pais desenvolvido e país subdesenvolvido no campo político estético. O administrative power  sobredetermina as relações sociais capitalistas;  no campo político, a “política”, ou melhor, o poder administrativo  determina, sobredetermina, a sociedade de classes sociais, como realidade virtual, assim como a estética também o faz:

“O administrative power é um recurso evolutivo na história do capitalismo mundial. Sua existência faz a distinção entre país desenvolvido e país subdesenvolvido”.

“Assim como nos países subdesenvolvidos na América Latina, o administrative power não existe como liame social entre governante e governado. Ele não substitui a burocracia como laço social (discurso universitário) entre sociedade e Estado”. (Bandeira da Silveira. 2022a: cap. 11).

Há a nova gramática do administrative power:

“A gramática da política não é aquela da continuação da guerra por outros meios ou um substancialismo metafísico. A “política” é a realização da teoria e prática do poder administrativo”. (Bandeira da Silveira. 2022a: cap11, parte 1).

A distinção entre Oriente e Ocidente aparece no campo político mundial com uma nova espécie de administrative power:

“Especialmente, no mercantilismo chinês, o administrative power faz pendant com o general intellect, com o scientific power (Marx. 1972: 302). Trata-se, em última análise, da subsunção científica do capital ao scientific power”. (Bandeira da Silveira. 2022a: cap 11, parte 2).

A nova gramática do Estado que já não é um Estado:

“O poder regulamentar não era atributo, em teoria, nos Estados Unidos, do poder Executivo. A doutrina moderna considera que se desenvolveu na sociedade um quarto poder – administrative power – distinto dos três poderes tradicionais. Como o poder Executivo, este poder foi confiado ao Presidente dos Estados Unidos. Mas, diferentemente do Pode Executivo, é exercido em colaboração e sob controle de um certo número de grandes comissões instituídas pelo Congresso. A primeira destas grandes comissões foi a Interstate Commerce Comission, instituída em 1887 para controlar as estradas de ferro e regular, de modo geral, os transportes interestaduais. As grandes comissões administrativas multiplicaram-se a partir de então; merecem ser especialmente citadas, entre elas, a Federal Trade Commission, a Securitis and Exchange Commission, a National Labor Relations Board etc. Estes organismos federais permanentes estão habilitados a estabelecer regulamentos e resolver os litígios. O direito americano não pode ser compreendido, em múltiplos domínios, sem se estudar a obra destas comissões, as quais podem ser consideradas como desenvolvendo os princípios de uma nova equity. O novo corpo de direito (administrative law) é de caráter meio administrativo, meio jurisdicional, como a antiga equity; mas é elaborado e administrado por organismo que funcionam sob o controle dos tribunais de justiça tradicional”. (David: 402-403).     

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Lenin é o gramático da revolução socialista no Ocidente. Ele põe e repõe o problema da extinção do Estado assim:

“É nesse sentido que o Estado começa a extinguir-se. Em vez de instituições especiais de uma minoria privilegiada [funcionalismo privilegiado, comando do exército permanente], a própria maioria pode realizar diretamente isto, e, quanto mais a própria realização das funções do poder de Estado se tornar de todo o povo, menos necessário se torna esse poder”. (Lenine: 454).

O socialdemocrata Hans Kelsen fez a crítica do leninismo do Estado que já não é um Estado (Lenine:453) como tal. Hans Kelsen fala do antagonismo do governo do funcionário público com a democracia pública de todo o povo:

‘Toda burocracia é, seguramente, autocrática por sua essência mais íntima e, portanto, o adversário mais perigoso da democracia. porém isto vale não só para a burocracia da democracia capitalista, como também para a do Estado proletário dos obreiros”. (Kelsen: 306).

O governo do funcionário público sempre remete para o fenômeno do general intellect gramatical como governo. O admnistrative power é governo do funcionário público? As comissões administrativas podem ser observadas como a soberania do discurso do administrador? Esse discurso faz pendant com o discurso do universitário, do general intellect gramatical do tudo-saber (Lacan: 34), como uma forma de discurso burocrático que já não é propriamente a burocracia.

A forma acabada da evolução do fim do Estado é o Estado cientista que já não é um Estado como tal:

“No mercantilismo do capital asiático, o general intelect conquista a posição hegemônica na prática política econômica dominante; na prática política do dominante, Ele faz pendant com a articulação da hegemonia do PCC; o Estado-cientista natural materializa a articulação da hegemonia no mercantilismo do capital chinês; com a covid-19, o Estado-cientista do capital aparece em cores vibrantes na posição de gramaticalização da hegemonia na sociedade chinesa”. (Bandeira da Silveira. 2022b: cap9, parte 2).             

O Estado-cientista é aquele “Estado” do poder administrativo do general intellect.

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O cesarismo americano-presidencialista faz aliança com o general intellect gramatical, do poder administrativo; o campo político cesarista se caracteriza por uma tela moderno/administrativa; Donald Trump é a insurreição contra a modernidade do general intellect; Ele quer desintegrar o campo político cesarista-general intellect; o que vai pôr no lugar? O cesarismo de um homem só do César sem governo do general intellect? Parece o futuro de uma ilusão

O general intellect do poder administrativo governa a administração e a sociedade civil; ele exaure o SUJEITO soberania popular: a relação representante/representado se baseia no amor ao cesarismo republicano:

“A virtude na república, é uma coisa muito simples: é o amor pela república; é um afeto, e não uma plurivocidade de conhecimento; tanto o último dos homens quanto o primeiro podem possuir tal sentimento”. (Montesquieu: 167).

Nos EUA, há esse amor ao cesarismo que se traduz como amor pelo presidente da República; no Brasil, elege-se um presidente segundo o afeto que ele é capaz de mobilizar no campo político estético; Bolsonaro interpelou as afecções do eleitor como grau zero da estética; em 2022, Lula derrotou Bolsonaro interpelando afecções do simulacro de simulação da cultura política barroca do passado; Assim, ele alcançou o eleitor do Nordeste e da classe média barroca de outras regiões como Minas Gerais e Rio. No governo Lula, se inclinou para a pós-modernidade de um cesarismo do presente eterno e, assim, esqueceu a <revolução barroca dentro da ordem>, uma promessa da campanha eleitoral. A experiência analítica do discurso barroco no eleitor se transforma em mitologia virtual política; na revolução barroco Lula poderia ocupar o lugar do oráculo, mas se negou a isso:

“Se a experiência analítica acha-se implicada, por receber seus títulos de nobreza do mito edipiano, é justamente por preservar a contundência da enunciação do oráculo e, eu diria ainda, porque a interpretação permanece sempre nesse mesmo nível. Ela só é verdadeira por suas consequências, tal como o oráculo. A interpretação não é submetida à prova de uma verdade que decida por sim ou não, mas desencadeia a verdade como tal. Só é verdadeira na medida em que é verdadeiramente seguida”. (Lacan. S. 18: 13).

Como oráculo barroco, Lula seria seguido sobre o futuro; enquanto seguiria a Constituição:

“A Constituição de 1988 pode ser lida como uma tela narrativa barroca ou Constituição analítico-dialética barroca. A revolução barroca dentro da ordem ´é o aprofundamento e desenvolvimento da democracia do claro/escuro da Constituição de 1988”. (Bandeira da Silveira. 2023: cap. 3, parte 3).

Hoje, a revolução barroca dentro da ordem tem que transformar em uma revolução barroca contra a ordem, para salvar a democracia de 1988; a mudança da forma de governo presidencialista/cesarista heteróclita só poderá advir de um espaço angelical do campo político; Lula e o PT não são anjos...  

 

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Barroco, tela gramatical, ensaios. EUA: amazon, 2022a

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Gramática do general intelect. EUA: amazon, 2022b

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Revolução barroca dentro da ordem. EUA: amazon, 2023

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito internacional. SP: Martins Fontes, 1996

KELSEN, Hans. Socialismo y Estado. Madrid: Siglo 21, 1982

LACAN, Jacques. Le Seminaire. Livre 17. L’envers de la psychanalyse. Paris: Seuil, 1991

LACAN, Jacques. O Seminário. De um discurso que não fosse semblante. Livro 18. RJ: Zahar, 2009

LENINE. Oeuvres. Tomo 25. L’Etat et la Revolution. Paris: Éditions Sociales, 1977

MONTESQUIEU. De l’esprit des lois. V. 1. Paris: Flammarion, 1979

MONTESQUIEU. Do espírito das leis. SAP: Abril Cultural, 1973

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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