José Paulo
O campo da gramática marxista é um campo aberto às
contribuições de outros campos de saber. Tudo fica mais fácil se um grande
pensador como Foucault é traduzido para o campo marxista como o fez Deleuze.
Seguiremos essa linha de força de pensamento político para abordar a questão do
Estado moderno no Brasil da atualidade.
A gramática marxista de pensamento político se constrói na
junção de Foucault com Deleuze e Gramsci. Demostro.
A estatização do campo de poderes é
um fenômeno medieval:
“L’accumulation de la richesse et du
pouvoir des armes et la constitution du pouvoir judiciaire dans les mains de
qualques-uns sont un même processus qui a été en vigueur dans la haut Moyen Âge
et a atteint sa maturité au moment de la formation de la première grande
monarchie médiévale, au milieu ou à la fin du XII° siècle. À ce moment
apparaissent des choses totalement nouvelles par rappot à la société féodale, à
l’Empire carolingien et aux vieilles règles du droit romain”. (Foucault. V. 2:
579).
A acumulação de riqueza faz emergir
um campo de poderes econômico. O campo de poderes político surge com a
constituição do poder das armas e do poder judiciário. A Igreja é o poder
religioso que faz pendant com o poder do império carolíngio. Então, ocorre a
estatização dos campos de poderes com a monarquia medieval.
Deleuze diz:
“Il n’y a pas d’Etat, mais seulement
une étatisation (...) Si la forme-Etat, dans nos formations historiques, a
capturé tant de rapports de pouvoir, ce n’ets pas parce qu’ils en dérivent; au
contraire, c’est parce qu’une opération d’<étatization continue>, d’ailleurs très variable suivant le ecas, s’est produite
dans l’ordre pédagogique, judiciaire, économique, familial, sexuel, visant à
une intégration globale. Em tout cas, l”Etat suppose les rapports du pouvoir,
loin d’en être la source. Ce que Foucault exprime en disant que le gouvernement
est premier par rapport à l’Etat, si l’on entendent par <gouvernement>
le pouvoir d’affecter
sous tous ses aspects
(gouverner des enfants, des âmes, des malades, une famille”. (Deleuze: 82-83).
Na gramática marxista, o Estado
moderno é definido como hegemonia e dominação, sociedade política civil e
sociedade política, democracia e ditadura”. (Buci-Klucksmann: 114).
Gramsci diz:
“Ma cosa significa ciò se non che per
Stato deve intendersi oltre all'apparato governativo anche l'apparato <privato> di egemonia o società civile”>
(Gramsci. V. 2: 801).
Para se entender o governo em
Gramsci, o governo (quem governa?) será sempre o governo de um <principe>:
“Para se traduzir em linguagem
política moderna a noção de <príncipe>, da forma como ela se
apresenta no livro de Maquiavel, seria necessário fazer uma série de
distinções.: <Príncipe> poderia ser um chefe de Estado, um
chefe de governo, mas também um líder político que pretende conquistar um Estado
ou fundar um novo tipo de Estado; neste sentido, em linguagem moderna, a
tradução de <Príncipe> poderia ser <partido político>. Na realidade de todos os Estados, o
<chefe do Estado>,
isto é, o elemento equilibrador dos diversos interesses em luta contra o
interesse predominante, mas não exclusivo num sentido absoluto, é exatamente o <partido político>; ele, porém, ao contrário do que se
verifica no direito constitucional tradicional, nem reina nem governa
juridicamente: tem <o poder de fato>, exerce a função hegemônica e, portanto, equilibradora de
interesses diversos, na <sociedade civil>; mas de tal modo esta se entrelaça de fato com a sociedade
política, que todos os cidadãos sentem que ele reina e governa”. (Gramsci.
1980: 102).
Gramsci parece falar de uma gramática
do Estado como campo de poderes político. O príncipe é o sujeito que governa o
aparelho de Estado (conserva o poder político), ou aquele que toma o poder
político, ou ainda, aquele que funda um novo campo de poderes político. No
campo de poderes político moderno, <príncipe> é o <partido político> (uma massa intelectual gramaticalizada por pela junção de
cultura econômica e cultura política determinadas), elemento equilibrador dos
diversos interesses contra o interesse predominante, mas não exclusivo em um
sentido absoluto. O <partido político> nem reina nem governa juridicamente. Ele detém o <poder fático>, exerce a função de articulação
hegemônica (democracia), portanto, equilibradora de interesses diversos, na
sociedade civil em junção com a dominação na sociedade política (ditadura).
Um detalhe é essencial: “todos os
cidadãos sentem que ele reina e governa”. Reinar e governar juridicamente como
aparências de semblância (Arendt: 30-31) é um fato imprescindível para o
governo do <partido político>.
2
O Estado democrático liberal para
existir e se reproduzir depende da engenharia política do <príncipe> ou
<partido político>. No caso
brasileiro 2019, há um governo sem <partido político>. O governo se define por práticas de expansão da ditadura e,
ao mesmo tempo, por tentar reduzir ao grau zero o espaço da democracia
constitucional 2019.
O governo bolsonarista define a
política como arte da guerra política:
“Jomini, comme tous les théoriciens du
XVIII°siècle, considérait l’acquisition de territoires comme l’objet essentiel
de la guerre”. (Earle:108).
Mesmo Foucault diz que a política é a
continuação da guerra por outros meios:
“Si l’on a bien dans l’esprit que ce
n’est pas la guerre qui est la continuation de la politique, mas la politique
que est la continuation de la guerre par d’autres moyens”. (Foucault. V. 2:
704).
A política como guerra de aquisição
de território da sociedade política e da sociedade civil cai como luva na “era’
Bolsonaro. Bolsonaro já governa o <Estado de polícia> federal, tem o Congresso como aliado irresoluto, o STF
neutralizado, um STJ subserviente.
Na sociedade civil, mass media e
grande imprensa não rompem a ordem do consenso burguês neoliberal. Este faz do ministro
Paulo Guedes o chefe de governo da ordem do capitalismo subdesenvolvido
neoliberal. O consenso de ferro neoliberal é a aquisição de território de
Bolsonaro na sociedade civil supracitada.
A gramática marxista pensa o presente
como crise:
“ – L’ordre ne se trompe jamais,
ne peut jamais, se trompeur”.
“- Non, bien sûr. Il peut commettre
des erreurs stratégiques, mais il ne se trompe pas. La seule forme
véritablement actualle du discours, c’est l’impératif, c’est-à-dire le langage
du pouvoir. Et, à partir du momento où l’intellectuel fonctionne en marge, il
ne peut penser le présent qu’en tant que crise”. (Foucoult. V. 2: 703).
A gramática marxista pensa o presente
brasileiro como crise do Brasil, Brasil em colapso:
“ -
Mais comment réagissez-vous lorsque vous entendez parler de cette
crise?”
“ – Lorsque j’en entends parler d’une
façon journalistique, je ne ris pas. Mais lorsque j’en entends parler d’une façon
sérieuse, philosophique, là je commence à en rire. Car c’est le journaliste qui
a le rôle sérieux, c’est lui qui la fait fonctionner de jour en jour, d’heure
en heure”. (Foucault. V. 3: 704).
A crise do presente é produzida pela
política bolsonarista. Esta já se apresenta como política do <Ato Institucional> (política do famigerado AI-5 da
ditadura militar 1968). Trata-se da política da guerra civil real para tornar a
democracia um grau zero no campo de poderes constitucional 1988.
A política do fake news bolsonarista
é a guerra civil cibernética aberta. Neste terreno, a democracia é amplamente
derrotada. A política do AI-5 é a política bolsonarista definida, pelo chefe da
polícia secreta bolsonarista (general Heleno), como a forma de política que
inaugura a conjuntura política em novembro 2019.
Estamos diante de formas da guerra
política que precisa ser gramaticalizada. A política como continuação da guerra
por outros meios tem como meios a linguagem do poder como única forma
verdadeiramente de discurso, discurso imperativo. A linguagem do poder é a
máquina de guerra discursiva. O intelectual funcionando a margem tem que pensar
o presente como crise da ordem neoliberal mundial:
“brève référence à la République
(V, 470) en ce lieu où Platon oppose la guerre proprement dite (pólemos)
à la guerre civile, à la rébellion ou au soulèvement (stásis). Sans
préciser quel est le type de cette liaison, Schmitt y rappelle l’insistance de
Platon sur la distinction <liée> (verbunden) à celle des deux
types d’ennemi (polémios et ekhthrós), à savoir la distinction
entre pólemos (<la guerre>) et stásis (<´´emeute, soulèvement, rébellion,
guerre civile>). (Derrida: 109-110).
A política bolsonarista não distingue
os dois tipos de inimigos supracitados. A formação pedagógica do capitão
paraquedista Bolsonaro cria uma identidade risível entre polémios e ekhthrós,
tomada como séria, inconscientemente, pelo jornalismo.
Fazendo
a análise concreta da situação concreta bolsonarista:
Habituados a ver o campo de poderes
como Estado-substância, a esquerda aparece possuída por um discurso incoerente,
irracional. A esquerda diz: “vivemos em uma DITADURA". Ela está dizendo
que vivemos em um Estado ditatorial?
No livro “Foucault”, Deleuze diz que
não existe Estado-substância ou Estado-sujeito. Há sim estatização do campo de
poderes. Assim, a Constituição 1988 é um discurso virtual de gramaticalização
dos fenômenos do campo de poderes. (É também a gramaticalização dos sujeitos
[indivíduo ou massas] do campo dos sujeitos).
Todo campo de poder em democracias
liberais é articulado como dialética entre hegemonia e dominação, ou seja,
entre democracia e ditadura. A luta entre os sujeitos institucionais no poder
político usa a democracia ou a ditadura para alcançar vitórias táticas.
A luta do governo central contra seus
adversários (parlamento, governos locais, fração do STF) pode usar a ditadura
(Estado de polícia, por exemplo) contra o inimigo. O governo central procura
expandir o poder da ditadura sobre a democracia, com o auxílio de seus aliados
no STF, STJ, poder judicial natural, Congresso. Muito abstrato?
A luta de Bolsonaro contra o
governador Witzel ocorre no interior do Estado de polícia local. Bolsonaro quer
a federalização do caso Marielle para escapar das garras do governador do
estado do Rio de Janeiro. A federalização fará do caso Marielle um objeto do
Estado de polícia de Moro e Aras, fies aliados de Bolsonaro.
Bolsonaro confessou que obstruiu a
justiça no caso Marielle. Assim, ele se enquadra no crime de responsabilidade,
estando sujeito ao impeachment. E, todavia, ninguém do mundo jurídico protocola
na Câmara de deputados o pedido de impeachment, como fizeram juristas do PSDB
com Dilma Rousseff.
FHC é contra o impeachment de
Bolsonaro!
Parece que ninguém do mundo jurídico
quer confrontar a ditadura bolsonarista materializada no Estado de polícia
federalizado, maioria do STF, Grupo Globo, e na posição da Congresso
neoliberal, sob direção intelectual, moral e política da ditadura econômica
anarco-capitalista de Paulo Guedes.
A oposição está perdida, confusa,
pois foi desossada em seu corpo político = pensamento político. Na estatização
do campo de poderes da direita, a ditadura (dominação) come a democracia
(hegemonia), diminui ao grau zero o território da democracia.
Uma forma de mudar o equilíbrio de
força favoravelmente à democracia é o STF decidir pelo fim da prisão em segundo
grau (instância), sem restrições como decretar que o fim não é retroativo.
Sem retroação significa retirar de
Lula a canga coativa judicial. Isto seria um modo de restaurar o território da
democracia sobre a ditadura real bolsonarista. No entanto, tudo depende do voto
da juíza Carmen Lúcia.
Carmen Lúcia é o mais político dos
juízes da corte. Seu voto na decisão política costuma seguir a linha de força
dominante na política. Ora, esta é a linha de força ditatorial, Carmen Lúcia
votará contra o fim da prisão em segundo grau para permitir o voto de minerva
do presidente do STF, Dias Toffoli.
Toffoli vem das hostes petistas
stalinistas; ele se inclina ideologicamente, naturalmente, para a ditadura
contra a democracia. Toffoli modulará a decisão do fim da prisão em segundo
grau com o dispositivo retroativo. Ou seja, a decisão não será retroativa. Lula
permanece com canga. A ditadura engole a democracia.
No STF, a materialidade da política
diz que tudo está consumado no domínio da DITADURA sobre a democracia
constitucional.
Aliás, juristas bolsonaristas clamam
por uma nova Assembleia Nacional Constituinte.
3
A falta do <príncipe> como <partido político>´´é a causa política da crise do presente, ou do presente em colapso.
Ao contrário, a política de aquisição de território pode avançar ainda mais.
Uma lei que altere a aposentadoria obrigatória no STF de 75 para 70 anos pode
criar uma maioria bolsonarista irrevogável.
A convocação de uma nova Assembleia
Nacional Constituinte pode substituir a Constituição 1988 (Constituição cidadã)
por uma gramática constitucional anarco-capitalista. A Constituição
bolsonarista pode instituir virtualmente uma forma de regime no qual a ditadura
subsuma a democracia. Assim, nasceria constitucionalmente um novo campo de
poderes/saberes político da direita ditatorial civil. Esta hipótese é a
alternativa a política da guerra civil que significa a desintegração do Brasil:
RUMO À DESINTEGRAÇÃO DO BRASIL?
A política bolsonarista leva à guerra
civil, se for a vera. O clã Bolsonaro diz que não se submete às leis do país e
ao poder judiciário. O Estado de polícia avança em investigações policiais que
podem tornar réus os filhos do presidente da República. Toda a política
bolsonarista consiste em evitar o cárcere para a família e, sobretudo, não ser
humilhada pelo Estado de polícia, como foi Lula.
A guerra civil do Ai-5 é uma ideia do
general Heleno e da família do presidente da República. Como o general Heleno
tem influência no Exército do Rio de Janeiro, a guerra civil passaria pelo
comando do Exército derrubando Witzel, e assumindo o poder político no Rio de
Janeiro. O Exército pode dominar as forças policiais do Rio com certa
facilidade.
Em São Paulo, o Exército teria de
enfrentar a polícia militar de Dória. Se vencesse, com a adesão do governador
de Minas Gerais ao golpe de Estado de Bolsonaro, o Sudeste seria parte do
Estado bolsonarista.
O Nordeste se levantaria como um só
homem contra o golpe de Estado bolsonarista. As massas populares nordestinas e
as elites dessa região se negariam a fazer parte de um Estado ditatorial
bolsonarista. Assim, a separação do Nordeste do país de Bolsonaro poderia
iniciar um federalismo separatista de outras regiões. O Brasil regrediria a
primeira metade do século XIX e seu destino não seria a da restauração da
unidade territorial. Ao contrário, seria a da desintegração da unidade
territorial.
O que a classe dominante não vê é que
a política de Bolsonaro significa o fim da própria classe econômica dominante
nacional, classe dominante brasileira. A economia capitalista seria feita em
pedações regionais e teria que passar por uma profunda reorganização em sua
história econômica, agora, história econômica regional. A sociedade industrial
urbana deixaria de existir como possibilidade de um futuro econômico redentor.
O capitalismo de commodities ou industrial rural unificaria o Centro-Oeste como
economia, política e cultura.
Também a classe dirigente deixaria de
ser brasileira e se regionalizaria, se fragmentaria em <classes dirigentes
regionais>. Economias regionais mais pobres tornariam a vida das classes
dirigentes regionais algo pouco atrativo para as elites regionais, para as
elites de regiões agora constituídas em países.
Algo a ser imaginado é o que vai
acontecer com a Amazônia. O Exército sediado na Amazônia seria capaz de
integrar esta região ao Estado ditatorial bolsonarista? Assim, a exploração
mineral da Amazônia seria entregue, de porteira fechada, ao capitalismo
minerador americano do partido republicano.
Quanto as profissões corporativas do
Estado brasileiro, elas desapareceriam em uma nuvem de gafanhotos. O desemprego
em massa de juízes, procuradores, professores universitários, advogados e
outras profissões se tornaria a realidade existencial do presente.
Claro que para parar o processo em
curso basta interromper o governo Bolsonaro + General Mourão. Não se trata de
uma operação para amadores da política ou para uma classe dirigente apátrida:
pouco nacional!
Hic Rhodus, hic salta!
Aqui está Rodes, salta aqui!
ARENDT, Hannah. A vida do espírito. O
pensar, o querer, o julgar. RJ: UFRJ, Relume Dumará, 1992
BUCI-GLUCKSMANN, Chistine. Gramsci et
l’Ètat. Paris: Fayard, 1975
DELEUZE, Gilles. Foucault. Paris:
Minuit, 1986
DERRIDA, Jacques. Politiques de
l’amitié. Paris: Galilée, 1994
EARLE, Edward Mead. Les maitres de la
stratégie, v. 1. Paris: Flammarion, 1980
FOUCAULT, Michel. Dits et écrits. V.
2. Paris: Gallimard, 1994
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del
Carcere. V. 2. Torino: Einaudi, 1977
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a
política e o Estado moderno. RJ: Civilização Brasileira, 1980
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