sexta-feira, 5 de agosto de 2016

RENASCENÇA LACANIANA NA FRANÇA – Badiou e Piketty & AMIGOS



Aos poucos a cultura política intelectual francesa (absorvida pelo imaginário buraco negro a Montesquieu, que extrai toda a força do mundo intelectual) vai retornando como linha de luz através de um actrator: o fantasma do futuro do campo geopolítico lacaniano. O leitor não precisa se enfadar, pois, vou dizer do que se trata. O dizer não é a voz que diz, ele é o ato de dizer.

A Renascença da França parece apontar para o ecletismo. Vou falar de dois livros nesse meu dizer: A república de Platão. Recontada por Alan Badiou e o livro O capital no século XXI, da rede intelectual-universitária Piketty & amigos, tal como é autodefinida no livro supracitado.

Badiou faz uma leitura eclética de Platão cum Lacan? Se Lacan não tivesse revolucionado a episteme política europeia (a revolução ainda não chegou aos EUA, pois, Derrida a bloqueou na América do Norte), seria ecletismo bem temperado. Mas não é! A Banda de Moebius é a representação do espaço das línguas técnicas ou profissionais distribuídas por superfícies contínuas. A epistemologia moderna designou tal fenômeno como transdisciplinaridade. Mas isso é ainda um ecletismo universitário mal disfarçado.

A Banda de Moebius significa o fim da transdisciplinaridade. Badiou não é transdisciplinar. Ele criou uma Banda de Moebius no direito com a filosofia política econômica de Platão, e no avesso com a epitesme política de Lacan/Freud.

Piketty veio na mesma clareira. Para demonstrar tal fato, recorro da página 105 à 111 da Editora Intrínsica na tradução de Monica Baumgartem  de Bolle. Piketty estabeleceu uma Banda de Moebius entre a ciência econômica do real e a episteme política lacaniana? 

“O primeiro fato essencial que devemos ter em mente é que a inflação é, em grande parte, uma invenção do século XX". A inflação existiu na Revolução Francesa com os assignats (uma das primeiras experiências de emissão de papel-moeda da história). O normal na história cultural política econômica europeia é o funcionamento da economia real pela moeda metálica (ouro e/ou prata). Trata-se de uma tela monetária metálica. Tal tela é uma tela algarísmica (tela numérica), e o número é o real como diz Lacan. E ele acrescenta que o real não faz sentido, é non sense, pois, é um buraco (furo) no simbólico = logos do capital, no que me diz respeito. Piketty usa Lacan para pensar a inflação:
“Na prática, a questão da inflação tem um papel central na nossa pesquisa. Já salientamos que a própria noção de índice ‘médio’ de preços é problemática, uma vez que o crescimento se caracteriza sempre pela aparição de novos bens e serviços, além de fortes movimentações nos preços relativos, o que é bem difícil de resumir em uma única cifra. Disso decorre que os próprios conceitos de inflação e crescimento não são bem definidos: a decomposição do crescimento nominal (o único que se pode observar a olho nu, ou quase) entre um componente real e outro derivado da inflação é, em parte arbitrária e, por isso, controversa”.

A inflação significa o colapso da tela monetária metálica. Tal tela significava estabilidade cultural política econômica de toda uma época:
“O mesmo era verdade para outros países: as únicas modificações importantes concernem a definição de novas unidades ou à criação de novas moedas, como o dólar americano em 1775 e o marco-ouro em 1873. Contudo, uma vez fixada as paridades metálicas, nada se alterava: no século XIX e no início do XX, cada um sabia que I libra esterlina valia em torno de 5 dólares, 20 marcos e 25 francos. O valor relativo das moedas continuava o mesmo por décadas, e não via razão alguma para que isso fosse diferente no futuro”.

As massas grau zero sujeito sem dinheiro podiam ter o sono dos justos!

A tela metálica monetária significava uma razão do capital fazendo pendant com o mercado. Nisso, o número está associado à lógica de sentido do capital e à lógica de sentido do dinheiro , onde a ex-sistencia do Real articula-se à consistência do Real. O capital identifica-se com o Real do Outro Real obtendo o Nome-do-Pai como princípio articulatório da totalidade capital como RSIcp (Real/Simbólico/Imaginário/cultura política). Por que não cultura no lugar de cultura política. Seria mais simples para a língua jornalística e para os seus “leitores”.

A cultura é uma prática cujo princípio articulatório é a subjetividade em uma interseção com o sujeito. Ela remete para a biografia individual, ou homo clausus freudiano da modernidade. A cultura política econômica é uma prática cujo princípio articulatório é o trans-sujeito, a trans-subjetivação como subjetividade das massas. A economia burguesa pensa a economia pelo homo economicus (burguês, empresário), mas a física da economia política de Marx pensa a economia pelo homo socialis: burguesia, classe capitalista. Marx diz: o homem é relações sociais. Tal passo de Marx estabelece uma episteme política revolucionária em relação à ideologia cultural política econômica modernidade. Trata-se de uma revolução epistêmica moderna (atitude moderna) por dentro do próprio tempo da modernidade. Então a solução é provocar o esquecimento de Marx nas massas simbólicas? Ou mais radicalmente erradicar a memória cultural política dos povos da sociedade de significantes capitalista?   

A inflação está associada a substituição da tela metálica monetária por um outro artefato econômico. Trata-se do papel-moeda sem lastros metálico. A tela metálica monetária tampava o buraco no simbólico econômico, na razão ou logos do capital. Lacan diz: “Se o número (cifra estatística), então, nada mais é senão o que acabo de enunciar como buraco, talvez buraco de encontrá-lo no nosso simbólico como tal nomeação...”. O buraco não nomeado é a inex-sistência da lógica de sentido. A lógica de sentido só é possível se o Real fizer pendant com o Simbólico.

O número como o cifrar da linguagem econômica é comunicar em código que funciona como um delírio psicótico que é o real que não para de não se inscrever no simbólico. Trata-se de uma realidade discursiva que não tem ancoragem na realidade dos fatos. Ela não articula o Real como ex-sistência e mais ainda como consistência no simbólico. Na língua tradicional, ela é uma linguagem arbitrária, abstrata e irracional. O capital passou a se articular no século XX por uma substituição da tela monetária metálica pela tela monetária papel-moeda.

O capital como uma totalidade RSIcp da tela papel-moeda não é o mesmo capital do século XIX. Ele é uma nova totalidade que ainda precisa ser estabelecida em um novo campo de pensamento lacaniano do século XXI. Mas posso adiantar que a tela papel-moeda (monetária) é o sintoma de uma matematização da realidade dos fatos econômicos mundiais e, logo, matematização narrativa da economia real das nações. A inflação é um fenômeno da physis do capital do século XX e XXI. Então, precisamos de um campo de pensamento que tenha a física geopolítica do capital como centro desse campo.

A tela monetária papel-moeda alterou a physis do capital? O capital pode usar a inflação na sua acumulação ampliada mundial. A classe capitalista pode usar a inflação patologicamente para alterar a lógica do mercado (procura e oferta), para estabelecer preços patológicos. A crise econômica brasileira da década de 1980 foi dirigida por essa patologia econômica.

Se a lógica normal do mercado significa democracia econômica, a lógica patológica do mercado significa ditadura do capital, no caso brasileiro, do subcapital (ersatz, ou substituto, do capital), cópia do verdadeiro capital com semblância de ser o modelo original. Rigorosamente, o Brasil não conhece a sociedade moderna de mercado, a lógica de mercado normal. Trata-se de um país onde há uma sociedade capitalista patológica, pois, ela se define como um espaço econômico onde há capitalismo sem capital (capitalismo sem capitalismo (realidade capitalista paradoxal). De fato, há capitalismo articulado pelo princípio do subcapital.                

Esta realidade capitalista sem capital é matematizada na tela eletrônica em conluiou com o discurso econômico universitário e extrauniversitário. Trata-se de uma matematização através da qual economistas e jornalista dizem a economia (dizer=ato) em um delírio/ato psicótico da física da sociedade de comunicação, da física da sociedade do espetáculo eletrônico. Não é preciso lembrar ao leitor a penúltima frase de Cristo na cruz: “Senhor, eles não sabem o que fazem”. Zizek já fez dessa frase o ponto-de-partida para uma teoria da ideologia laco-marxista.  

Acima falamos da ex-sistência e da consistência da lógica de sentido que tampa no simbólico o buraco do real através de algum regime discursivo que não fosse imbecil. Como tal fenômeno inexiste no Brasil, falamos da inex-sistência da lógica de sentido articuladora do real ao simbólico. No lugar disso, as massas “simbólicas” (trabalho intelectual) deliram a céu aberto na tela heteróclita jornalística e nos cursos de economia. Tal tela se define por não ser uma tela gramatical discursiva, ou como uma tela gramatical patológica. Por exemplo. O conectivo e liga lógica de mercado e mercado patológico brasileiro etc. como se fosse possível tal ligação na realidade dos fatos econômicos da democracia de mercado.

O Brasil é um modelo para se pensar toda a economia da América Latina?

O discurso Piketty articula a realidade das sociedades capitalistas a partir da lógica de sentido do dinheiro (ou da falta de sentido do dinheiro na tela papel-moeda) como cultura política econômica da tela padrão-ouro através da superposição entre a superfície literária e a transliteraria onde o romance desliza para a economia, vice-versa:  
“Os exemplos poderiam ser multiplicados se incluíssemos os romances americanos, alemães, italianos, e os de todos os países que vivenciaram essa grande estabilidade monetária. Até a primeira guerra mundial, o dinheiro tinha um sentido, e os escritores não falharam em explorá-lo, dissecá-lo e torná-lo matéria literária”.

A tela padrão-ouro significou séculos de estabilidade da realidade monetária e da vida biográfica individual subjetiva e da vida biográfica trans-subjetiva das massas. No romance, a tela gramatical padrão-ouro permitia a literatura  estabelecer a relação entre dinheiro (preço e renda) e subjetividade literária do indivíduo-personagem ou da subjetividade transliteraria das massas (trans-subjetividade). O romance era o espelho da vida real que se transformava em transromance ao deslizar na leitura (na subjetividade literária do Leitor) para a subjetividade transliteraria das massas de leitores no mundo-da-vida cotidiana.

A inflação também alterou a política na sociedade capitalista. No século XIX, a luta de classes levada até o fim na superfície das ideologias culturais políticas econômicas fazia do Estado um instrumento ou comitê da burguesia na luta de classes. Com a inflação, uma nova política se articulou. Trata-se da política do Estado capitalista contra a inflação.

O Estado burguês era o Estado do grau zero da inflação. O Estado capitalista é o Estado que luta contra a ameaça constante de inflação. A inflação divide a história do planeta em duas eras de culturas políticas econômicas quase radicalmente distintas. Para o leitor não achar que estou vendendo gato por lebre faço uma citação um pouco longa do transromance econômico de Piketty:
“Neste momento, vamos insistir apenas que a perda de referências monetárias estáveis no século XX constitui uma ruptura considerável em relação aos séculos anteriores, não somente nos planos econômico e político, mas nos planos social, cultural e literário. Não é por acaso que o dinheiro – ou, mais precisamente, a evocação concreta de somas e montantes – tenha desaparecido da literatura após os choques dos anos 1914-1945. A renda e as fortunas eram onipresentes em toda a literatura até 1914 e sumiram progressivamente entre 1914 e 1945, e jamais reapareceram. Isso vale não só para os romances europeus e americanos, mas também para os outros continentes.Os romances de Naguib Mahfouz, e todos aqueles que se desenrolam no Cairo entre as duas guerras, quando os preços ainda não haviam sido desfigurados pela inflação, dão grande atenção à renda e ao dinheiro para ilustrar as situações e as angústias dos personagens. Não estamos longe de um mundo de Balzac ou de Austin: as estruturas sociais não são claro, semelhantes, mas é possível extrair as percepções das referências monetárias. Os romances de Orhan Pamuc, que se desenrolam em Istambul dos anos 1970-1980, período em que a inflação havia tirado o sentido da noção de moeda, não mencionam qualquer montante. Em Neve, Pamuc faz com que seu protagonista, escritor como ele, diga que não há nada mais enfadonho para um escritor do que falar de dinheiro, dos preços e da renda do ano anterior. O mundo sem dúvida mudou muito desde o século XIX”.

Piketty estabelece uma relação entre dinheiro e sujeito/trans-sujeito como razão para uma investigação da história cultural política econômica do capital fazendo pendant com as massas, estas vivendo, queira ou não, o tempo caótico da tela heteróclita papel-moeda. O tempo caótico da tela papel-moeda é um atractor que distorce a lógica de sentido normal da política representativa na democracia.

Não estou falando em tese, pois esta é a experiência da minha vida no Brasil, vivida intensamente como patologia subjetiva econômica na década de 1980 e parte da década de 1990. Fernando Henrique Cardoso é um herói político (com o pulso forte e criativo do economista Pedro Malan) por ter criado um modelo econômico que estabilizou a inflação em 2%. Mas Piketty diz que 2% não é o grau zero da inflação. Após dez ou vinte anos 2% é um fenômeno trans-subjetivo patológico: “Quem se lembra de quanto eram os salários do fim dos anos 1980 ou do início dos anos 1990? ” Por essa via, a luta de classes é a luta da classe operária pelo poder de Estado para repor as perdas salariais.

Adeus revolução socialista como utopia possível trans-subjetiva!  


A era dos governos Lula é luta da classe operária transformada em luta da classe contra a inflação para repor as perdas salarias, ou para não voltar a situação miserável da instabilidade monetária que joga os operários no caos subjetivo material da vida urbana

Recentemente, o governo do PSF instalou constitucionalmente o modo de produção capitalista flexível na França. François Hollande se transformou no dictador neoliberal do capital mundial na União Europeia. A Renascença na França do mundo intelectual aparece ao mesmo tempo do ocaso da era de democracia social do trabalho.

Um espectro ronda a Europa: o tempo de caos material trans-subjetivo para o trabalho!   
      
                                           
           
          

                    

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