quarta-feira, 11 de novembro de 2015

DE WEBER A ZIZEK – URSTAAT MUNDIAL

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/11/1704273-militarizacao-e-solucao-para-crise-dos-refugiados-diz-filosofo-slavoj-zizek.shtml



Zizek é cético quanto a qualquer ciência política poder participar da definição do conceito de realidade mundial (Zizek. 2013: 58). Tal objeto tem sido um monopólio teórico da filosofia, durante milênios. Ele também não acredita na possibilidade de construção de uma ciência política lacaniana na periferia do Ocidente. Mas quando ele viu a crise imigratória África→Europa como uma causa provável da desestabilização de sua pacata realidade prosaica (estão entrando dez mil islâmicos na Eslovênia por dia que tem uma população de dois milhões europeus), ele esqueceu a razão prática kantiana e propôs um imperativo categórico (ou absoluto) para a política mundial: “Age de tal forma que sua ação possa ser considerada como norma universal (Marcondes: 218). Zizek quer que o exército solucione a crise imigratória na África e, possivelmente, na Europa. (Link). Ele não está dizendo qual deve ser o modelo político universal para enfrentar crises catastróficas? Trata-se de um Estado que use o exército como uma máquina de guerra política contra a população perigosa, no sentido de Engels de classe perigosa! Como ele gosta da cultura política intelectual cristã, talvez ele queira também que o exército controle a spaltung das massas não escolhidas na parúsia.
Certamente que o mais comum dos europeus não consegue imaginar o exército intervindo na vida civil. Por isso, o jornalismo ocidental diz que o nosso herói da esquerda internacional é um clown, um Elvis Presley da filosofia. Na visão do carioca, ele é apenas um cara que gosta de aparecer! Na visão da psicanálise, trata-se de um eu possuído por um estado de apogeu narcísico permanente! Os jornalistas bolivarianos brasileiros injetam doses maciças de energia narcísica no eu de Zizek. Uma editora marxista paraense-paulista publica vários livros de nosso autor a cada semestre. A comunidade dos psicanalistas tem Zizek como bússola da política mundial e latino-americana.
Karl Löwit diz que A Filosofia do direito (Hegel) visa a realizar concretamente a vontade ideológica de reconciliação com a realidade. Assim, a filosofia de Hegel torna-se filosofia de Estado pela junção com a realidade política, assim como a filosofia da religião se une a realidade cristã. Nestes dois domínios, Hegel não se reconcilia apenas com a realidade, mais ainda nela, se bem que se trata de uma reconciliação “conceitual” (Löwith:65). Mas como a ideia é o conceito realizado, trata-se, então, da cultura política intelectual hegeliana em carne e osso!
A filosofia de Estado hegeliano significa transformar o filósofo pop  Fries - que Hegel diz ser um corifeu que define a realidade como prosaica e vulgar - em uma questão de polícia (Hegel: 35). Hegel é um homem da cultura do sério europeia. O livro Menos que nada – Hegel e a sombra do materialismo dialético é um livro hegeliano, de Slavoj Zizek. Trata-se então de uma filosofia que se reconcilia com realidade mundial de qual Coisa? De um filósofo, não se deve exigir consistência e coerência?
Em Zizek, há uma linha de argumentos que o qualifica a ser visto como uma máquina de pensamento da pós-pós-modernidade? Zizek não crê que a história universal acaba na sociedade comunista como uma ideia virtual que é parte da realidade futura? (Zizek. 2013: 64). Até lá a história será articulada pela lógica do supérfluo que terá sua aufheben na narrativa da sociedade comunista que sobredeterminará (Leitura retroativa) toda a história  passada do homem?
Zizek afirma que o capitalismo mundial da década de 1990 (capital corporativo mundial) é uma narrativa retroativa da história do capitalismo moderno (Idem: 67). A realidade mundial é um conceito composto pela relação reflexiva retroativa do presente com o passado. O capital corporativo mundial é a natureza do capitalismo como totalidade concreta-universal, pois é sua forma acabada. Isto sinaliza um “fim da história hegeliano”. Vê-se na década de 1990 as grandes reversões e inesperadas explosões do século XX – as numerosas “coincidências de opostos”, o um que se transforma no outro: a reversão do capitalismo liberal em fascismo, da revolução russa em capitalismo (da revolução maoista em capitalismo), do capitalismo de Estado em capitalismo neo-liberal, do capitalismo territorial em capitalismo orbital - se transformarem no conceito da realidade do capital corporativo mundial.
O capitalismo corporativo mundial se articula por um poder que é a biopolítica pós-política. Tal poder agencia o medo como princípio mobilizador, por excelência: “medo do imigrante, medo do crime, medo do próprio Estado excessivo, medo de catástrofes ecológicas. – tal (pós) política sempre leva a uma assustadora reunião de homens assustados” (Zizek. 2008: 30). Qual a via para substituir este biopoder pós-moderno? “A administração biopolítica da vida é o verdadeiro conteúdo da democracia liberal global” (Idem: 30). Qual seria o oposto do biopoder? A “ditadura do proletariado” representa a alternativa ao biopoder, “pois ela representa o trêmulo momento em que a complexa teia de representações é suspensa pela intrusão da universalidade no campo político” (Idem: 32).
Para Zizek, a única forma apropriada de enfrentar a ameaça da catástrofe ecológica é usando: a) “terror (punição impiedosa para todos os que violarem as medidas protetoras impostas, inclusive com severas limitações das “liberdades”, e controle tecnológico dos possíveis infratores); b) voluntarismo (a única forma de enfrentar a ameaça da catástrofe ecológica é por meio de decisões coletivas em larga escala que irão contra a lógica espontânea imanente ao desenvolvimento capitalista – não se trata de ajudar a tendência ou necessidade histórica a realizar-se, mas antes de “parar o trem” da história que corre em direção ao precipício global); c) e, por último, mas não menos importante, tudo isso combinado à confiança no povo (apostar que a grande maioria do povo apoia essas medidas severas, vendo-as como próprias, e está pronto a controlar seu cumprimento)” (Zizek. 2008: 42).
A democracia liberal é o significante que sobredetermina a cadeia das formas políticas de governo da política mundial. A ONU é expressão deste fenômeno. Zizek quer destruir a democracia liberal e pôr no lugar dela o quê? A ditadura do proletariado? A lógica do supérfluo de uso do terror diz “que somente o gesto supérfluo ‘errado’ cria as condições subjetivas que possibilitam que o sujeito realmente veja por que o gesto é supérfluo (...); só é possível perceber que o Terror é supérfluo e destrutivo depois de passar por ele” (Zizek. 2013: 47).
A ditadura do proletariado se transformou em um significante da cultura política intelectual mundial witz. O witz é o avesso do sério como comédia histórica vulgar. A cultura mundial não tem medo da ditadura do proletariado, pois a luta de classes não ocupa mais o centro tático concreto da política mundial. O capital corporativo mundial transformou tal ditadura em witz e o filósofo que a defende em clown. Todavia, haveria uma superfície da cultura política intelectual na qual Zizek não é um witz?
Nosso comunista defende e vê a possibilidade de uma coerção violenta sobre o contemporâneo (o presente) exercida por um tipo de Estado que use a violência divina ao modo de Robespierre. Ele é um mestre porque não tem medo de morrer: “O Mestre é a figura da soberania, aquele que não tem medo de morrer, que está pronto a arriscar tudo” (Zizek. 2008: 19). Quem ou o quê, na história universal, usa tal terror divino sem palavras?
A realidade não é uma totalidade de um processo sem fim fundamentada no próprio fato da lógica da retroação (sobredeterminação) que torna o futuro imprevisível a priori? Mas a atividade simbólica é o agir como simbolização da estrutura (ordem simbólica, Grande Outro). A estrutura não significa estruturalismo. Não há um determinismo na história de uma causalidade linear que antecipe o futuro. Não há um determinismo da estrutura psicótica sobre a biografia do indivíduo (não existe indivíduo psicótico), assim como não existe uma história universal estruturalista. O determinismo da estrutura psicótica significa a instalação de um estado de loucura permanente na história biográfica individual e na história em si. O ser do indivíduo (e o ser da história) é o território (um Principado) sobre o qual ocorre a invasão da estrutura psicótica que é uma forma biopolítica homóloga ao poder Imperial romano, em termos de eficácia simbólica. Isto nos remete para a relação do Urstaat com a biografia individual e com a história universal dos povos!    
“A cultura política da sedução articula (e é articulada) pelas máquinas de guerra poéticas na história universal desde a civilização arcaica. O Urstaat é a primeira máquina de guerra da história, e surge como uma realidade poética religiosa (divina): “pero esta pertencia es mediada por su ser membro del estado, por el ser del estado y, por lo tanto por un supuesto que es pensado como divino” (Marx: 438). Trata-se da relação da realidade articulada como comunidade (realidade com poesia comunitária) e da realidade articulada como poesia divina estatal (Urstaat): “Además, el carácter coletivo puede estar presente en la tribu de modo que la unidad esté representada por un jefe de la familia tribal o como la relación recíproca entre los padres de familia. Según esto, la entidad comunitaria tendrá uma forma más despótica o más democrática. Em consecuencia, las condiciones colectivas de la apropriación real a través del trabajo [p. ej] sistemas de regadio, muy importantes entre los pueblos asiáticos, medios de comunicación, etc. aparecen como obra de la unidad superior, del gobierno despótico que flota por encima de las pequeñas comunidades (Marx:436)” (DIÁRIO DE UM SEDUTOR/KIERKEGAARD, blog José Paulo Bandeira).     
A filosofia do Urstaat de Zizek aparece quando as sombras da noite começaram a cair. É quando levanta voo o pássaro de Minerva? “Quando a filosofia chega com a sua luz crepuscular a um mundo já ao anoitecer, é quando uma manifestação de vida está no fim. Não vem a filosofia para rejuvenescer, mas apenas reconhecê-la” (Hegel: 45). A filosofia do Urstaat mundial existe em função de um suposto saber? Trata-se de uma narrativa que começa a narrar retroativamente a história do Estado na história universal? O estado de insegurança generalizado não é a condição de possibilidade de uma repetição do início da história universal configurada como RSI (Real/Simbólico/Imaginário)? No início da história da civilização arcaica, articula-se a partir do real a estrutura psicótica, que está associada à loucura na história. O Urstaat entra no lugar do Grande Outro (discurso do Outro mestre divino), do campo simbólico articulando o RS. Trata-se de uma caminho para diminuir a dominação da loucura na história  universal!
Hoje, o populismo do partido republicano na eleição presidencial americana não trabalha - na cultura política informacional da sociedade do espetáculo - com informação espetacular louca? Um certo estado de loucura não é a marca da escolha do candidato republicano? Zizek diz que a imigração islâmica instalou um estado de loucura na África e isso, também, pode se tornar um evento europeu. Massas enlouquecidas não são um simples fenômeno do imaginário. Elas são a fonte para a articulação de uma realidade da política a partir do REAL. A irracionalidade será então a alógica da política mundial?
O estado de loucura pode se suprassumir (aufheben como anular, suspender) no Urstaat mundial? A transubstanciação (religiosa/laica) do indivíduo (biografias dos indivíduos no Ocidente), preso em sua particularidade burguesa, para a forma do sujeito universal é provável? O indivíduo ocidental pode vir a reconhecer no Estado mundial a substância de seu próprio ser? Ele não é objeto de uma coerção simbólica da cultura política informacional espetacular/estatal mundial que fala durante 24 horas do dia sobre o fim da espécie humana? A ciência da natureza mundial não se tornou parte de tal cultura informacional espetacular? A filosofia de Zizek não é uma continuação desta formação cultural mundial? Tal fenômeno não está para além da ideologia? De fato, trata-se de uma coerção técnica da cultura informacional mundial que subsume a filosofia zizekiana. A coerção técnica é parte do estado de guerra – que instala o espetáculo da insegurança generalizada – como polémos (guerra entre Estados ou povos) e stásis (guerra civil):
“A despeito da atual calmaria de quarenta anos na guerra aberta entre as grandes potências do mundo, o século XX já se firmou como o mais belicoso da história humana. Desde 1900, se contarmos cuidadosamente, o mundo assistiu a 237 novas guerras – civis e internacionais - que mataram pelo menos mil pessoas por ano; até o ano 2000, esses números implacáveis atingirão o montante de aproximadamente 275 guerras e 115 milhões de mortos em luta. As mortes civis poderiam facilmente equiparar-se a esse total” (Tilly: 123). A carnificina continuou no século XXI!  
O estado de guerra mundial oligárquico permanente articula a história mundial a partir de R (Real=loucura) como no início da história da civilização arcaica. Tal estado não legitima a lógica fática de sentido do Urstaat mundial zizekiano? O campo dos afetos da população ocidental não pode ser a base da construção de um Urstaat racional/irracional? Trata-se da paixão pela segurança imaginária! A contradição território (países, nações) versus capital corporativo mundial orbital não estabelece uma lógica de sentido para a realidade do real do Urstaat mundial?
A passagem do mundo-coisa moderno para o mundo-fenômeno (Biard: 194-195) contemporâneo é a iminência da coisa-mundo mediatizada pelo Urstaat; esta mediação negativa é existência essencial iminente desde o instante que se revela justamente como processo contraditório e dissolução da inessencialidade imediata  da contradição entre o capital corporativo mundial e a democracia representativa territorial mundial.
Max Weber possuía uma imaginação científica prodigiosa que foi ignorada pela cultura política intelectual de 1920:
“Mas os primeiros são menos livres porque toda luta pelo poder contra uma burocracia estatal é inútil e porque se pode recorrer a nenhuma instância que, em princípio, esteja interessada em combater esta burocracia e seu poder, como é possível diante da economia privada. A isto se resume a diferença. Se acabasse eliminando o capitalismo privado, a burocracia estatal dominaria sozinha. As burocracias privadas e as públicas - que agora trabalham umas ao lado das outras e, pelo menos possivelmente, umas contra as outras, vigiando-se, pois, mais ou menos reciprocamente - fundir-se-iam, então, numa hierarquia única. A situação seria análoga à do Egito da antiguidade, só que assumiria uma forma incomparavelmente mais racional e, por isso, muito mais inescapável” (Weber: 541)              
Ele anteviu a possibilidade de um Urstaat mundial em uma forma moderna/racional como repetição do Urstaat imperial da história universal da antiguidade egípcia. Esse Urstaat burocrático antigo foi uma repetição egípcia técnica do Urstaat hidráulico do Egito da civilização arcaica, com seus técnicos (quase engenheiros) e arquitetos.
No século XXI, a cultura política intelectual mundial forjou um modelo privado para o Estado mundial. Trata-se do modelo constituído como corporação burocrática mundial associada à uma estética da sedução como em um jogo digital: estética digital. É uma burocracia que já não é, de fato, uma burocracia moderna. Ela é articulada por uma razão estética que já não se remete para a razão moderna. Ela é o grau zero da razão prática. Ela é a gestão estética/racional/sedutora – inventada pelo fascismo alemão – da irracionalidade. Trata-se da gestão racional  da loucura como um estado de normalização do mundo. Se se crê que tal fenômeno é uma quimera, então, é necessário, urgentemente, investigar a Alemanha totalitária fascista a partir da uma ideia de Adorno e Horkheimer sobre o capitalismo americano da década de 1960. Com tal capitalismo, o totalitarismo se tornou, no Ocidente, uma segunda natureza da política mundial. Desde a civilização arcaica, a cultura política totalitária está associada à arquitetura do Urstaat!
A destruição da democracia representativa e a instalação do Urstaat mundial são partes constitutivas da lógica supérflua da estrada que leva até a sociedade comunista?                                                                      
BIBLIOGRAFIA
BIARD, J. E OUTROS. Introduction à la lecture de la  Science de la logique de Hegel. La doctrine de l’essence. Paris: Aubier, 1983
HEGEL. Principes de la  philosophie du droit. Paris: Gallimard, 1940
LÖWITH, Karl. De Hegel à Nietzsche. Paris: Gallimard, 1969
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Dos pré-socráticos a Wittgenstein. RJ: Zahar, 2007
MARX. Elementos fundamentales para la crítica de la  economía política. Grundrisse (1857-1858) v. I. Espanha: Siglo XXI, 1971
ZIZEK, Slavoj. Robespierre. Virtude e Terror. RJ: Zahar, 2008
ZIZEK, Slavoj. Menos que nada. Hegel e a sombra do materialismo dialético. SP: BoiTempo, 2013
TILLY, Charles. Coerção, capital e Estados europeus. SP: EDUSP, 1996
WEBER, Max. Economia e sociedade. v. 2. Brasília: Editora UNB, 1999    
                                                  

  




2 comentários:

  1. Como sempre o seu texto é excelente, mas exige uma segunda leitura para ser completamente "degustado". Vou estudar e volto a ler. abs.

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  2. O que eu mais gosto? "o nosso herói da esquerda internacional é um clown, um Elvis Presley da filosofia. Na visão do carioca, ele é apenas um cara que gosta de aparecer! Na visão da psicanálise, trata-se de um eu possuído por um estado de apogeu narcísico permanente! Os jornalistas bolivarianos brasileiros injetam doses maciças de energia narcísica no eu de Zizek."

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