José Paulo
É necessário refletir sobre a <prática política> como
um fenômeno materialista no campo político da cultura histórica de uma
conjuntura ou contexto. Para isso, é preciso saber o que é a <prática>. A
tese 1 de Marx sobre Feuerbach reinicia a ciência política
materialista-dialética:
“A falha principal, até aqui, de todos os materialismos [incluindo
o de Feuerbach] é que o objeto, a realidade efetiva, a sensibilidade, só é
percebido sob a forma do objeto ou da intuição; mas não como atividade sensivelmente
humana, como prática, e sim de maneira subjetiva. É por isso que o lado
ativo foi desenvolvido de maneira abstrata pelo idealismo – que, naturalmente,
não reconhece como tal a atividade real efetiva, sensível – em oposição ao
materialismo. Feuerbach procurou objetos sensíveis – realmente distintos dos
objetos pensados: porém não captou a própria atividade humana como atividade
objetiva. É por isso que só considera, em ‘A essência do cristianismo”, a
atitude teórica como verdadeiramente humana, enquanto que a prática apenas é
percebida e fixada em sua manifestação sordidamente judia. É por isso que ele
não compreende o significado da atividade <revolucionária>, da atividade
<prático-crítico”. (Labica: 30-31).
A ciência do homem não opera com o conceito materialista de
prática. O conhecimento comum do jornalismo quer falar da prática política, mas
cai em um anarco-empirismo idealista de fatos sem gramática. A prática política
é um efeito da gramática e do contexto conjuntural das lutas ideológicas e
gramaticais. Qual o motor da prática política. Aristóteles fala de um poder
racional que move fenômenos racionais. (Aristote. Tomo 2: 496). Assim, o poder
simbólico seria o poder racional aristotélico que move as coisas e agentes no
campo político:
“Os <sistemas simbólicos>, como instrumento de
conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque
são estruturados. O poder simbólico é um poder de construção da realidade que
tende a estabelecer uma ordem gnosiológica: o sentido imediato do mundo [e, em
particular, do mundo social] supõe aquilo que Durkheim chama o conformismo
lógico, isto é, <uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da
causa, que torna possível a concordância entre inteligências>. (Bourdieu.
1989: 9).
O poder simbólico move a prática política pela concordância
entre as inteligências?
Outra concepção de prática política pode ser traduzida da
gramatica aristotélica:
‘La passage de la puissance à l’entéléchie, dans la
production provenant de la pensé, se definit: la volonté de l’artiste se
réalizant sans rencontrer aucun obstacle estérieur, et sans recontrer aussi,
d’autre parte , c’est-à-dire dans l’être qu’on guérit, aucun obstacle
intérieur”. (Aristote. Tomo 2: 504).
A enteléquia é ação do agente sobre si, molecularmente, e
ação transitiva ou fabricadora como prática que visa a produção de uma coisa
separada do artista. A prática política da democracia feudal do dominado tem
como agente o artista da palavra e dos jogos gramaticais. Assim, o poder
simbólico como enteléquia se transforma em prática política, ou seja, em um
poder racional do hegemonikón (Elorduy: 26) ou eu hegemônico de uma conjuntura
histórica, em um campo político de gosto da multidão. Isso é um paradigma da
democracia feudal do dominado na atualidade da crítica da gramática do
mercantilismo/liberal.
2
Bourdieu põe o capital político como fenômeno do campo
político [<campo de poder>] ao lado de outras formas de capital:
“Enquanto as outras formas de acumulação são mais ou menos
completamente controladas, o capital político torna-se o princípio de
diferenciação principal, pois, os membros da Nomenklatura política não têm
outros adversários na luta pelo princípio de dominação dominante que acontece
no campo de poder a não ser os detentores de capital escolar [tudo leva a supor
que as mudanças recentemente ocorridas na Rússia e em outros lugares têm por
base as rivalidades entre os detentores de capital político, da primeira e
sobretudo da segunda geração, e os detentores de capital escolar, tecnocratas e
sobretudo pesquisadores ou intelectuais, em parte membros da Nomenklatura
política”. (Bourdieu. 1994: 34).
Para fazer parte do campo político é necessário acumulação de
capital simbólico. O sociólogo parisiense fala da prática do golfo etc. esquecendo
o conceito de prática de Marx. Neste, a prática das relações técnicas de
produção aparece como motor de transformação do mundo. Ela existe como parte do
trabalho social (Habermas. 1982:46-47) na relação da espécie humana com a
natureza, a sociedade e o Estado. A prática é uma atividade
materialista-dialética que conserva ou transforma as gramáticas do campo
político habitado por expressões da espécie humana, da sociedade civil ou do
Estado. A essência do homem é as relações técnicas de produção, essência
materialista que faz pendant com a essência do homem dada pelo Espírito. É
possível ver o espírito hegeliano como tela verbal narrativa. Assim, há o
espírito ou tela verbal das relações técnicas de produção:
“É aqui que se entrevê, no tecido mesmo de tão pesada trama,
a luz da mais leve tela. Ela transparece na observação do prefácio da primeira
edição alemã – o decisivo Vorwort zum ersten Auflage – quando só percebe
o alcance que pode haver no fato de ‘contar’ ao leitor alemão o que ocorre com
o trabalhador inglês. Se, com efeito, o leitor alemão devesse dar de ombros, de
modo farisaico, para o estado do trabalhador inglês, da terra ou da indústria,
então, como foi visto, ‘devo gritar para ele: De te fabula narratur! [O
relato aqui é sobre ti!]”. (Faye: 150).
O sociólogo poderia usar um outro conceito de Marx para falar
da relação do intelectual em geral com o campo político, isto é, o conceito
general intellect, isto é, general intellect gramatical. (Bandeira da Silveira;
2022). Em Marx, o capital é relação social de produção entre classes
antagônicas e não simplesmente acumulação. Esta é um processo histórico paraconsistente
do movimento do capital. Quanto ao campo político especificamente da democracia
representativa, a prática é atividade sensível, real, efetiva, isto é, fato com
gramática, ou seja, “a práxis dos cidadãos que discutem e atuam”. (Habermas.
1987: 83).
3
A relação entre o capital político e o capital cultural põe e
repõe o problema da relação entre razão prática e razão teórica no campo
político contextualizado por imagens textuais. A prática política é o agir da
razão prática em disjunção com a razão teórica? A prática política é autotélica
em relação à tela verbal narrativa das relações técnicas de produção? ou o
capital cultural condensado em general intellect gramatical se traduz como uma
prática política de unidade entre razão prática e razão teórica, isto é, como
razão linguística?:
“A reprodução da estrutura de distribuição do capital
cultural se dá na relação entre as estratégias das famílias e a lógica
específica Da instituição escolar”. (Bourdieu. 1994: 39).
Mesmo em um país subdesenvolvido indústrial, o campo político
contextualizado parece ser acolhedor para a sociologia parisiense. No Brasil,
há famílias que habitam a prática política como uma forma de capital cultural,
ou seja, como oligarquia política, no regime de 1988. A oligarquia política
rural é o fenômeno, por excelência, que traduz o capital cultural para o campo
da política contextualizado. Porém, um outro fenômeno completa a estrutura de
dominação ideológica do capital cultural: a burguesia política urbana - que tem
como antecedente a <burguesia burocrática> de Caio Pardo Jr. Há um poder hegemonikón – como enteléquia -
até no campo político subdesenvolvido de países altamente urbanos e
industrializados.
4
Na Europa, o poder hegemonikón se exaure com a estratégia de
substituir o Estado territorial nacional pela União Europeia. Com a
globalização liberal pós-modernista, a União Europeia acelera a decomposição do
Estado territorial socialdemocrata e mergulha no Estado reprofundo burguês
pós-modernista do capital fictício ocidental. O campo político europeu se torna
um efeito da gramática geopolítica do Estado burguês pós-modernista americano.
A guerra da Rússia na Ucrânia é o fenômeno de bloqueamento da passagem da
Europa ocidental para o mercantilismo/liberal asiático. A Europa não assimila a
realidade da atualidade, sua história política sofre uma estagnação:
“O Estado moderno barroco hegeliano é conciliação do direito
consigo próprio na pena, isto é, conciliação barroca do aparelho de Estado com
a legislação penal, causa da validez da lei e da perspectiva subjetiva do
delinquente, isto é, como lei reconhecida por ele e válida para ele e para sua
proteção. O campo grotesco das ideologias infrajurídico cibernético substitui a
estrutura de dominação ideológica moderno/barroco supracitada por uma estrutura
de dominação infra-ideológica grotesca, cena cibernética do simulacro de
simulação, seja da subjetividade do penitenciado, seja da proteção a sua
subjetividade oferecida na legislação penal do aparelho de Estado”.“A imagem
real do Estado moderno barroco é aquela de quem se põe problemas que pode
resolver ao contrário do Estado pós-moderno grotesco”. (Bandeira da Silveira,
2024: 195).
O colapso do Estado moderno-barroco, territorial-nacional
avança nas Américas, também. A crise catastrófica dos países apresenta um
Brasil desterritorializado com 60% de seu território fora domínio do Estado
brasileiro, este em decomposição institucional acelerada. Na Venezuela, a
contradição antagônica entre a sociedade do capital subdesenvolvido e o Estado
anacional mafioso [uma vez que o Estado nacional é para todos os nacionais], expulsa
milhões de venezuelanos de seu próprio país. Na Argentina, Milei personifica o
fim do Estado territorial nacional em uma comédia de erros crassos na prática
política.
4
O enigmático título da peça “A vida é sonho” é sobre discurso
político?
Segismundo – A tua voz enternece, tua presença me
encanta...eu te respeito por força. Quem és? Nada sei do mundo...Esta torre me
foi berço e sepulcro. Nunca vi nem falei senão a um homem e só por ele sei
notícias do céu e da terra. Sou um homem para as feras e uma fera para os
homens. Dos animais, aprendi política, e aconselhado pelos pássaros contemplei
os astros e aprendi a medir os círculos”. (Calderón: 38).
O Principe barroco espanhol aprende o discurso político, como
círculo, esferas, com os animais; o homem é um animal político; o discurso
político é a gramática retórica do sonho? Lacan entrou nesse universo de imagem
textualizada da gramática política como alunissagem:
“Mas, ao entrar o discurso político – atente-se para isso –
no avatar, produziu-se o advento do real, a alunissagem, aliás sem que o
filosofo que há em todos nós, por intermédio do jornal, se comovesse com isso,
a não ser vagamente”. (Lacan. 2003: 535).
Como gramática barroca retórica do sonho, o discurso político
do filósofo-leitor de jornal - que existe em todos os leitores cotidianos da
imprensa – emerge do real [na alunissagem] do campo político de imagens
contextualizadas em uma formação social. O discurso político é uma experiencia
lunar, vida sem oxigênio natural da prática política da multidão. A prática
política lunar se transformou em uma região sublunar no campo político do
contexto pós-modernista. Daí para a criação de uma superfície reprofunda
heteróclita é apenas necessário um pequeno passo para a multidão.
O Estado burguês pós-modernista é esse primeiro passo, pois,
Hobbes diz que o Estado é um Deus Mortal como efeito da prática política da multidão
(Hobbes:109-110)), esta como tela verbal narrativa metafísica moderna.
5
O Estado burguês pós-modernista se apresenta como uma prática
política desencaixado dos interesses do dominante. Esta é a característica do
Estado bonapartista moderno:
“Unicamente sob o segundo Bonaparte o Estado parece tornar-se
completamente autônomo. A máquina do Estado consolidou a tal ponto a sua
posição em face da sociedade civil que lhe basta ter à frente o chefe da
Sociedade de 10 de Dezembro, um aventureiro surgido de fora, glorificado por
uma soldadesca embriagada, comprada com aguardente e salsichas e que deve ser
constantemente recheada de salsichas. Daí o pusilânime desalento, o sentimento
de terrível humilhação e degradação que oprime a França e lhe corta a respiração.
A França se sente desonrada”.
“E não obstante, o poder estatal não está suspenso no ar.
Bonaparte representa uma classe e justamente a classe mais numerosa da
sociedade francesa, os pequenos [Parzellen] camponeses”. (Marx.1974: 402).
O Estado pós-modernista burguês territorial é um Estado bonapartista,
mas não é análogo ao Estado cesarista de Napoleão III; ele não representa os
camponeses; ele tem como classe-apoio as lúmpen pequenas-burguesias rural e urbana
(volto a esse tema adiante); o campo das ideologias pós-modernista fala do
Estado como se ele fosse um aparelho do dominado. Assim, o rico quer que ele
seja um aparelho neutro, técnico, objetivo;
“Le pragmatisme est caractérizé par l’abandon de l’idée d’un
point de vue neutre – objective, universel, transcendant... – à partir duquel
il serait possible et nécessaire de juger en vérité et de la vérité [du bien
fondé] de ce qui s’énonce en fonction, au sein et à propos de différents
contextes historiques pratiques toujours associés à des intérêts et donc à des
points de vues particuliers. A des degrés divers, mais sans renouer ni avec la
métaphysique du surplomb ni avec le positivisme de l’objectivité, les trois
chapitres de cette Section mostrent qu’il n’est pas possible ni souhaitable de
faire léconomie d’une perspective irrédutible à la particularité du contexte
pragmatique où l’on s’exprime. “. (Hottois: 75).
A particularidade do contexto de expressão do Estado burguês
pós-modernista é aquela do capital capitalista. Assim, tal Estado é disputado
pelas classes sociais do capital com estratégias de apropriação da mais-valia
pública ou plus-de-jouir ou Mehrlust. (lacan. S. 16: 30, 29)
6
O pós-modernismo é uma máquina de guerra como prática
política de uma guerra de posição para tomar o Estado moderno burguês. Assim, a
desmontagem do aparelho de hegemonia moderno envolve a discussão sobre
continuidade ou descontinuidade entre as gramáticas modernas e aquelas gregas,
romanas e medievais. A guerra de movimento foi a definição do aparelho de
hegemonia do Estado moderno como: “’Ils [les récits] définissent ainsi ce qui
est a le droit de se dir et de se faire dans la culture, et, comme isl sont aussi
une partie de celle-ci9, ils se trouvent par la même légitimés”. (Hottois:42).
Assim, a guerra de movimento contra o Estado moderno propõe
uma espécie de anarcoempirimos no campo político da cultura no lugar do espaço
público procedural da articulação da hegemonia? A questão é manter o discurso racional como
faz a prática política da práxis da comunicação. (Hottois: 42). O aparelho de hegemonia
pressupõe um hegemonikón. Trava-se de deslegitimar tal eu hegemônico no campo
político da cultura. Assim o pós-modernismo descontrói a ideia de legitimação
em geral e, especificamente, para o Estado.
Estado pós-modernista
é visto como uma construção do artista pós-modernista. Porém com a globalização
liberal pós-modernista, o Estado do artista se transforma em um Estado
burguês-pós-modernista virtual como efeito da gramática das relações técnicas
de produção cibernética. Entra-se em uma época da decomposição do Estado
territorial nacional. Assim, o Estado-nação não será mais para todos os
cidadãos e o Estado territorial é decomposto em pedaços em um processo
desterritorialização generalizado e permanente.
O Estado burguês territorial aparece como aparelho de
tributação da mais-valia pública para o dominante. Ou melhor. A democracia liberal se torna um palco da
luta pela apropriação e distribuição da mais-valia pública entre o capital e a
sociedade civil do dominado.
7
A relação entre a Constituição de 1988 e o regime
político-1988 ainda não foi exaustivamente analisada do ponto de vista da
relação entre gramática, campo de ideologias e contextos. Por exemplo, o lugar
tributário do rico não foi interpretado devidamente. A Constituição estabeleceu
um Estado potencial moderno barroco do dominado na distribuição da mais-valia
pública. Assim, se desenvolveu uma aporia entre o Estado constitucional e as
classes sociais dominantes em torno da distribuição da mais-valia pública ou
mais-de gozar:
“A intrusão na política só pode ser feita reconhecendo-se que
não há discurso – e não apenas o analítico – que não seja de gozo, ao menos
quando dele se espera o trabalho da verdade”. (Lacan. S. 17: 74).
A verdade materialista-dialética é um fenômeno da luta pela
mais-valia pública realizado pelas classes sociais e grupos no campo político
contextualizado. No regime-88, há dois contextos. O segundo é a formação da
oligarquia política rural em aliança com a burguesia política urbana. Elas
criaram aristocracias feudais no aparelho de Estado como generais, coronéis,
juízes e pessoal do aparelho judiciário. E excluíram os professores
universitários estatais do conjunto da aristocracia feudal.
A propósito. A gramática territorial do Estado-nação é
definida em imagens textuais na parte sobre a tributação. Por exemplo:
Art. 147. Competem à
União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for
dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito
Federal cabem os impostos municipais. (Constituição: 96).
8
Com o golpe de Estado de Michel Temer no regime político
petista, a fabricação do Estado burguês pós-modernista se militarizou a partir
do governo de Jair Bolsonaro. A aliança entre oligarquia política, governo e
militares se volta contra o STF, pois, se tratava de desterritorializar o
Estado nacional com a invasão acelerada do capital criminoso da globalização na
Amazônia. (Platt: 2017). As economias ilegais tomaram o território sem que o
governo federal nada fizesse. Assim, a questão indígena caminha para um
extermínio de tribos, principalmente das donas de territórios com ouro:
Artigo 231. São reconhecidos aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger
e fazer respeitar todos os seus direitos”. (Constituição: 141).
O Art. 231 é a pedra-angular da existência de um Estado feudal
democrático para o dominado, este em um antagonismo centenário com a oligarquia
aristocrática colonial da terra; há uma gramática de Estado potencialmente
territorial e nacional [objetiva e subjetivamente] no campo das ideologias
modernas da conciliação barroca entre a nação branca/mestiça/negra e as tribos
ou nações indígenas; há a proteção das concepções políticas de mundo indígenas que
são constitucionalizadas.
Já o Estado tributário feudal estabelece a relação legal
entre o contribuinte e o poder tributário, garantindo o direito do dominado de não ser objeto de um poder fático tributário
despótico.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedada à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
I Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. (Constituição:
97).
No regime-88 tardio, um poder fático tributário despótico põe
e repõe a questão da decomposição do Estado territorial nacional em feudos
fáticos tributários ilegais. Assim, a forma de governo territorial
desestabelece o conceito constitucional de <estado> territorial de um
Estado-nação; o estado pode ser visto como província em desencaixe com o
território constitucional; a província ilegal é a superfície profunda – no
campo político territorial - de um campo de poderes feudal, fático,
heteróclito. Um outro “Estado” territorial se desenvolve ao largo do Estado
feudal, territorial/nacional constitucionalizado:
“Um Estado pode ser definido como uma organização política
cujo domínio é territorialmente organizado e capaz de acionar os meios de
violência para sustentar esse domínio. Tal definição é próxima daquela de
Weber, mas não destaca uma reivindicação ao monopólio dos meios de violência ou
o fator da legitimidade”. (Giddens: 45).
A definição de Giddens não contempla a situação supracitada.
Em Michel Foucault encontra-se a ideia da dissolução do Estado territorial
nacional para os países desenvolvidos:
“Não existe Estado, apenas uma estatização, e o mesmo é
válido para outros casos [...] Se a forma-Estado, em nossas formações
históricas, capturou tantas relações de poder, não é porque estas derivem
daquela; ao contrário, é porque uma operação de ‘estatização contínua’, por
sinal bastante variável de caso em caso, produziu-se na ordem pedagógica,
jurídica, econômica, familiar, sexual, visando a integração global”. (Deleuze:
83).
Trata-se da integração global feudal de uma realidade estatal
despedaçada em fragmentos territoriais ocupados por inúmeros grupos quase sociais.
Existindo nesse Estado decomposto territorialmente e socialmente, o rico é o
proprietário da riqueza da nação que se exauri como economia política:
“Abre-se o livro do chamado Smith, ‘A riqueza das nações’ – e
ele não é o único, estão todos aí quebrando a cabeça, Malthus, Ricardo e os
outros -, a riqueza das nações, o que é isso? Lá estão tentando definir o valor
de uso, que deve ter seu peso, o valor de troca – não foi Marx quem inventou
tudo isso. Ora, é extraordinário que desde que há economistas, ninguém, quanto
a isso, tenha até agora – nem por um instante, não digo que seja para se deter
aí – feito a observação de que a riqueza é a propriedade do rico [...] O rico
tem uma propriedade. Ele compra, compra tudo, em suma – enfim, ele compra
muito. Mas queria que vocês meditassem sobre o seguinte – ele não paga”.
(Lacan. S. 17: 94).
A gramática territorial do rico é baseada no axioma <ele
não paga> para viver no Estado nacional territorial. Ele é um grupo da
sociedade que obtém parte da mais-valia pública como um direito natural da
propriedade privada da riqueza feudal. O rico é o fenômeno que suporta a
gramática do Estado feudal pós-modernista, fragmentado e paraconsistente.
9
O surgimento do Estado pós-modernista acontece com a mudança
das gramáticas da sociedade de classes sociais e sua tradução para o campo as
ideologias. Para se entender tal fenômeno é preciso fazer a distinção entre
determinação estrutural de classe e posição de classe em uma conjuntura de luta
de classes. (Poulantzas. 1974: 195-198). A pequena-burguesia tradicional
definida pela propriedade privada mobiliária e mercantil ´é distinta da nova
pequena-burguesia do general intellect gramatical:
“com o general intelecto, o trabalho vai além da luta da
classe em sua contradição com o capital, pois, o capital é subsumido ao
trabalho na produção da riqueza nacional: subsunção cientifica do capital ao
trabalho. Trata-se da derrota da burguesia pelo trabalho”. (Bandira da
Silveira. 2022: cap. 9).
A determinação estrutural da nova pequena-burguesia do
general intellect gramatical é definida nas relações política [prática
política] e ideológica, isto é, no campo das ideologias do Estado
pós-modernista burguês ou do Estado feudal modernista do século XXI. A
determinação estrutural é realizada pela tela verbal narrativa dos aparelhos de
hegemonia no contexto da luta de classe.
A nova pequena burguesia vive em um estado de polarização permanente e
geral [sem generalização] entre dois extremos do campo político
contextualizado: Estado burguês
autoritário do dominante e Estado feudal democrático do dominado. A
Constituição de 1988, pôs a nova pequena-burguesia no campo do Estado feudal
democrático do dominado.
10
O Estado moderno tem sua mais apurada definição em
Poulantzas:
“Mais o Estado não é puramente e simplesmente uma relação, ou
a condensação de uma relação; ele é a condensação material e específica de uma
relação de forças entre classes e frações de classe”. (Poulantzas. 1978: 141).
Ou então, o Estado paraconsistente:
“O Estado, que mantém a unidade e a coesão de uma formação
social dividida em classes, concentra e resume as contradições de classe do
conjunto da formação social , consagrando e legitimando os interesses das
classes e frações dominantes em face das outras classes desta formação, ao
tempo em que assume contradições mundiais de classes”. (Poulantzas. 1974: 77).
Na ciência política materialista-dialética, o Estado
territorial nacional implode em suas aporias e vê nascer o Estado burguês
pós-modernista e o Estado feudal modernista do século XXI:
“categorias sociais dos aparelhos de Estado [burocracias
administrativas, integrantes de partidos políticos etc.] para as quais o Estado
permanece uma fonte de privilégios. (Poulantzas. 1974: 78).
Essas categorias sociais ou se tornam burguesia de Estado ou
aristocracia feudal burguesa do dominante. O que acontece com o Estado
territorial mercantilista internacionalizado e depois com a globalização
liberal pós-modernista?
Poulantzas:
“De fato, olhando nessa direção, perdemos de vista as
tendências reais: a saber, as transformações interiorizadas do próprio Estado
nacional em vista de se encarregar da internacionalização das funções públicas
com respeito ao capital. Atinge-se assim uma linha de defesa de seu ‘próprio’
Estado nacional contra as ‘instituições’ monopolistas’. De fato, essas formas
institucionais internacionais não se ‘surperpõem’ também [expressão querida do
PCF] a esses Estados nacionais, mas são propriamente a expressão de suas
transformações interiorizadas. Essas transformações não se referem somente às
intervenções econômicas do Estado nacional, mas igualmente aos aspectos
repressivo e ideológico pelos quais essas intervenções se realizam”.
(Poulantzas. 1974: 81).
A globalização liberal foi o dilúvio que transformou o Estado
territorial moderno, nacional em um ser antediluviano do século XX. No Brasil,
as formas ideológicas do século XX [partidos políticos, presidentes, congresso,
tribunais etc.] continuam como estrutura de dominação ideológica narrativa na
terceira década do século XXI da técnica cibernética. No Brasil do século XXI,
o passado do Brasil reprofundo do século XX custa a morrer e o novo século XXI
a nascer. Esta é a natureza reprofunda da crise brasileira e das Américas
Finalmente, o Estado
feudal modernista aparece como tela verbal narrativa de aparelhos d coação
legal, aparelhos ideológicos, aparelhos de hegemonia e aparelhos de tributação
constitucionalizados.
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