quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Crítica da crítica da gramática do Estado mercantilista

 

José Paulo 

Habermas procurou estabelecer o conceito de general intellect:

“Nos estudos preliminares à Crítica da economia política encontra-se uma versão, segundo a qual a história da espécie humana está comprometida com uma conversão automática de ciência natural e tecnologia em uma autoconsciência do sujeito social [general intellect], que controla o processo da vida material. De acordo com tal fabricação, tão-somente a história da técnica ou tecnologia iria, por assim dizer, sedimentar-se na história da consciência transcendental”. (Habermas. 1982 :64).

O sujeito social ou general intellect gramatical faz pendant com as relações técnicas de produção. O sujeito social é uma classe social, isto é, é a pequena-burguesia proprietária de capital cultural. (Bourdieu. 1994: 44). O general intellect é uma tela verbal social narrativa. É uma gramática social e histórica. indo à atualidade da gramática como potência mundial dos povos:

“ A globalização neoliberal é expropriação da imaginação dos povos em escala industrial dos povos desenvolvidos e subdesenvolvidos ocidentais ou extremo-ocidentais. Hoje, o americano encontra-se estagnado no uso da imaginação inventora de gramática. Assim, o povo americano é bloqueado pelo capitalismo como agente gramatical da história mundial”. (Bandeira da Silveira. 2022a: cap. 4, parte 3).

O general intellect gramatical americano perde as condições de possibilidade de competição com a China no mercantilismo/libera do feudalismo da terceira década do século XXI?

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Há duas gramáticas universais na civilização política:

 CIENCIA DO ESTADO E CIENCIA DO CAPITAL

Na civilização política, são duas as gramáticas universais: a ciência do Estado e ciência do capital.

A ciência política de Estado faz pendant com as relações técnicas de produção do modo de produção escravista - na antiguidade greco-romana. A primeira globalização ocidental é a globalização do Estado romano. A globalização romana se desintegra e cede sua dominação/hegemonia para o feudalismo. Na Idade moderna, o Estado da península territorial nacional ibérica se alia ao capital mercantil na globalização Estado/capital. Nesse contexto histórico, a ciência do capital se desenvolve com o paradigma da física matematizada. As relações técnicas de produção do capital se desenvolvem até criar o capital capitalista industrial. A globalização do capital capitalista industrial acontece em países desenvolvidos e subdesenvolvidos. A nação industrial moderna requer uma burguesia industrial e um Estado nação territorial como no mercantilismo.

A globalização liberal pós-modernista é o desencaixe entre a ciência do Estado e a ciência do capital. A existência da multinacional é o ente global que funciona como suporte material da globalização pós-modernista. O desencaixe capital pós-modernista e Estado nacional leva ao declínio da ciência política de Estado. O logos do capital se apresenta como equivalente ao logos da física da modernidade rumo ao logos da pós-modernidade.

As relações técnicas de produção cibernéticas criam um logos do capital cibernético e, também, uma ciência política de Estado paraconsistente. A razão gramatical do Estado territorial nacional confuciano faz pendant com o logos do capital cibernético na China. A nova aliança entre ciência do capital feudal cibernético e ciência de Estado nacional territorial maoista se apresenta como a solução civilizatório para o fim da dominação do capital capitalista multinacional.

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Max Weber fez a ciência política materialista do capital e Estado na civilização política.:

“A luta permanente, em forma bélica ou pacífica, dos Estados nacionais em concorrência pelo poder criou para o moderno capitalismo ocidental as maiores oportunidades. Cada Estado particular competiria pelo capital, não fixado em residência alguma, que lhe prescrevia as condições sob as quais o ajudaria a adquirir poder. Da aliança necessária do Estado nacional com o capital surgiu a classe burguesa nacional, a burguesia no sentido moderno do vocábulo. Em consequência, é o Estado nacional a ele ligado o que proporciona ao capitalismo as oportunidades de subsistir; assim, pois, enquanto aquele não ceda o lugar a um Estado universal, subsistirá também este”. (Weber. 1944: 047).

Weber compara o Estado chinês e o Estado moderno ocidental:

“No antigo regime chinês havia por cima do poder intacto das famílias, os grêmios e as corporações uma camada delgada dos chamados funcionários: os mandarins. O mandarim é ante tudo um literato de formação humanística, que possui prebenda, porém não está preparado minimamente para a administração e ignora toda a jurisprudência, pois é antes de tudo um caligrafo que sabe fazer versos, conhece a literatura multissecular dos chineses e está em condições de interpretá-la. As realizações políticas não lhes dizem respeito, semelhante funcionário não é administrador, senão que a administração está nas mãos da chancelaria”. (Weber. 1944: 1047).

O mandarinato aparece como um aparelho político de intervenção nas revoltas populares:

“O reino é um Estado agrícola. Daí que o poder das famílias camponesas, sobre as que repousam as nove decimas parte da economia tendo ao lado os grêmios e corporações, este totalmente intacto. Fundamentalmente, tudo é deixado a si mesmo. Os funcionários não governam, senão que só intervém nos casos de agitação e nos incidentes desagradáveis”. (Weber. 1944: 1047)              

A imagem textual da ordem política é mágica, ou seja, não racional:

“O mandarim é transladado de um lugar a outro, para que não possa tomar pé no distrito de sua administração, não pode, inclusive, estar empregado em sua província natal. E como não se quer que entenda o dialeto de sua província de governo, não pode ter comercio com o público. Um Estado com semelhantes funcionários é algo distinto do Estado ocidental. Com efeito, nele tudo repousa na concepção mágica de que em virtude do imperador e dos funcionários, isto é, sua superioridade em matéria literária, é suficiente em tempos normais para manter tudo em ordem. Porém, se se produz uma estiagem ou outro acontecimento desagradável, então, aparece um edito no sentido de que as provas na matéria de versificação sejam mais difíceis ou se acelerem os processos, porque de outro modo os espíritos se agitam”. (Weber. 1944: 1047).

O poder de Estado mágico nas mãos do mandarinato é posto em um cerco bem eficaz pelo poder do rei. O rei via o poder caligráfico do mandarinato como ameaça permanente. A relação do poder real com o intelectual era plena de desconfiança e medo. O intelectual era chamado para intervir em relação à multidão campesina em um ersatz de stasis. (Derrida:110-111). O Estado agrícola era parasintático e paralógico de redução de uma ciência de Estado feita por método de redução ao absurdo da forma da prática política. (Newton da Costa: 20). O mandarinato era o artista ou caligrafo criador de uma tela gramatical literária viva, cotidiana, para legitimar a vida política.

A comparação com o Ocidente é clara. O Estado moderno é uma aliança da monarquia absolutista com o capital mercantil que cria uma tela verbal narrativa que legitimaria, depois, a destruição do poder do campesinato para constituir um proletariado urbano. O Estado monárquico territorial aparece como Estado nacional na Península ibérica. A gramática do Estado mercantilista é um fenômeno da civilização política do capital mercantil:

“O capital mercantil, quando domina, estabelece por toda parte um sistema de pilhagem, e seu desenvolvimento entre os povos mercantis, dos tempos antigos e dos modernos, está diretamente ligado à rapina, à pirataria, ao rapto de escravos, à subjugação de colônias; assim, foi em Cartago, Roma e, mais tarde, com os venezianos, portugueses, holandeses etc.”. (Marx. 1977:313).

Nas Américas, o Estado mercantilista escravista-colonial é uma forma moderna de uma linhagem de Estado mercantilista da civilização política do capital mercantil:

“O desenvolvimento autônomo do capital como capital mercantil significa que não há subsunção dele ao capital produtivo, que o capital, portanto, se desenvolve na base de uma forma social de produção a ele estranha e dele independente. O desenvolvimento autônomo está, portanto, na razão inversa do desenvolvimento econômico geral da sociedade”.

“A fortuna mercantil autônoma, como forma dominante do capital, é o processo de circulação que se torna autônomo perante seus extremos, e esses extremos são os próprios produtores que participam da troca”. (Marx. 1977: 310-11).

O Estado mercantilista possui uma tela gramatical narrativa aristocrática de desenvolvimento da nação do capital burguês, o que Marx designou como <cultura do tempo aristocrático>:

“Parece lógico que a aparência feudal deste sistema e o tom aristocrático da cultura daquele tempo moveram toda uma série de grandes senhores a converter-se em adeptos e propagandistas entusiastas de um sistema que se limitava, no fundo, a erigir o sistema burguês da produção sobre as ruínas do sistema feudal”. (Marx. 1974:32).

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Há um conceito de tela verbal narrativa em Marx: “De Te fabula narratur [O relato aqui é sobre ti]. (Faye: 150). A tela verbal narrativa pode ser do Estado ou do capital da civilização política. A gramática do Estado mercantilista de Davenant é narrada assim:

“É certo que o ouro e a prata são a medida do comércio. Porém, o que constitui a fonte e a origem do comércio, em todos os povos, são os produtos naturais ou manufaturados do país; isto é, os produtos da terra, do trabalho e da indústria. Isto é tão exato, que uma nação que se visse privada por uma causa qualquer de todo seu numerário, sendo sua população abundante, industriosa, e hábil para o comercio, e seu solo fértil em produtos de todas as classes e contasse com bons portos, seguiria sendo apesar de tudo uma nação comercial e a veríamos enriquecer-se e adquirir em seguida oro e prata em grandes quantidades. A riqueza real e efetiva de um país consiste, portanto, em sua própria população”.

“Muito longe de merecer ser considerados por si só como como o tesouro e a riqueza de uma nação, o ouro e a prata não são, com efeito, mais que senhas que se usa em suas transações comerciais”.

“Chamo de riqueza aquilo que mantém em abundância, alívio e a segurança ao Príncipe e ao povo; chamo de tesouro a quantidade de ouro e prata que os homens, para seu uso pessoal, transformam em construções ou consagram a melhorar a terra, assim como também o que pode cambiar-se por estes metais, tal como os frutos da terra, os produtos industriais, as mercadorias estrangeiras, os stoks de mercadoria etc. Até as mercadorias precárias podem ser consideradas como a riqueza de uma nação, sempre e quando que se troquem por ouro e prata. Para mim, são riqueza, não só nas relações entre indivíduos, senão também entre as nações”.

“O povo é o estômago do organismo Estado [na Espanha, este estômago não pode digerir nem assimilar o dinheiro]. O comércio e a distribuição são os únicos veículos que podem assegurar a digestão e a distribuição do ouro e da prata de que se nutre o organismo do Estado”. (Marx1974: 15-16).

Aí se encontra já o Estado tributário, territorial, nacional, paralógico com indução correta da prática política da economia mercantilista. A China não possuía uma tela verbal narrativa do capital mercantilista e um Estado mercantilista de direitos formalistas do capital.    

A tela verbal narrativa mercantilista é uma tela do Estado moderno e sua gramática com os vocábulos: nação, população, povo, Estado, Príncipe:

“Porém, esse direito formalista é estável. Na China, pode suceder que um homem que tenha vendido a outro uma casa volte algum tempo depois ao comprador e lhe peça asilo, por haver caído, entretanto, na pobreza. E se o comprador faz caso omisso do antigo dono e, portanto, do mandamento chinês da ajuda fraternal, então, os espíritos se agitam; resulta, pois, que o vendedor empobrecido volte a instalar-se na casa em qualidade de inquilino forçoso, sem pagar uma renda. Com semelhante direito, o capitalismo não pode operar; o que necessita é um direito com o qual se possa contar como se fosse uma máquina; os pontos de vistas religioso-rituais e mágicos não tem que julgar os fatos e acontecimentos. A criação de semelhante direito se consegue ao aliar-se ao Estado moderno, aos juristas, para impor suas ambições de poder”. (Weber. 1944; 1050).

O mandarinato é acumulação de capital cultural caligráfico, de um Estado monárquico, tradicional, rural [camponês], paralógico e de uma burocracia supralógica, burocracia voando em um espaço sublunar, acima do radar de qualquer tela gramatical lógica.    

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A diferença ente Europa e China consiste que a primeira se desenvolve pela gramática do Estado mercantilista e a história da China é a da gramática do Estado confucionista. Sobre a gramática do mercantilismo:

“O desenvolvimento do comércio e do capital mercantil leva à produção por toda a parte a orientar-se pelo valor-de-troca, aumenta o volume dela, diversifica-a e dá-lhe caráter internacional, e faz o dinheiro converter-se em dinheiro universal. O comércio por isso exerce sempre ação mais ou menos dissolvente sobre as organizações anteriores da produção, as quais em todas as suas diversas formas se guiam essencialmente pelo valor-de-uso. Até onde vai essa ação desintegradora depende da solidez e da estrutura interna do antigo modo de produção. E o efeito desse processo de desintegração, isto é, qual será o novo modo de produção que substituirá o antigo, depende não do comércio, mas do caráter do próprio modo antigo de produção. No mundo antigo, a atuação do comércio e o desenvolvimento do capital mercantil resultavam sempre em economia escravista, ou, de acordo com o ponto de partida, ocasionavam apenas a transformação de um sistema escravista patriarcal, baseado na produção de meios de subsistências imediatos, em um sistema voltado para a produção de mais-valia. No mundo moderno, ao contrário, levam ao modo de produção capitalista. infere-se daí que outras circunstâncias, além do desenvolvimento do capital mercantil, determinaram esses resultados. (Marx. 1977: 313-314).

O caminho ao modo de produção capitalista tem o Estado mercantilista criando o modo de produção escravista/afro nas Américas em analogia com a antiguidade.      

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Na China, a gramática do Estado confucionista faz do campo político uma tela de jogos de caligrafia. Na Europa do século XX, Magritte criou a tela de gosto dos jogos de caligrafia introduzindo a Ásia na Europa. (Foucault: 31-33). Os jogos de caligrafia eram criados e recriados pelos mandarins de um Estado confuciano:

“Os interesses do imperador Yongzheng voltavam-se também para outras áreas além da administração. Tinha uma grande preocupação com os valores morais e culturais, e muito das suas principais decisões eram afetadas por convicções morais. Era um homem que parecia estar convencido da própria retidão, e seus pronunciamentos indicam um elo entre sua concepção básica de poder e sua ideia da superioridade do imperador. É possível avaliar isso no tratamento que ele dispensa a uma ampla variedade de questões: a Igreja católica, o caso lu Liulang, a ampliação do Sacro Édito do pai, a edição da grande ecciclopédia Gujin tushu jicheng, o interesse pelo budismo, pelos problemas dos trabalhadores industriais e pelo vício do ópio e a sua emancipação da chamada ‘gente ruim’. Por um lado, ele estava representando o papel de um monarca confuciano; por outro, trazia ainda a impaciência autocrática de seus antepassados manchus conquistadores”. (Spence: 98).   

O Estado confuciano tributário era uma realidade de imensa complexidade:

“Pode-se achar que seria fácil engordar a receita aumentando o número de unidades sujeitas ao imposto territorial e per capita; nesse ponto, porém, as obrigações filiais para com Kangxi eram fortes demais, e Yongzheng não tentou modificar a decisão tomada por seu pai em 1712. Além disso, a premissa central da teoria política chinesa, da qual os manchus tinham apropriado, era que uma base tributária baixa era essencial para o bem-estar do país e prova verdadeira da benevolência do imperador. Outro obstáculo à reforma era colocado pelos funcionários do Ministério da Receita, que tinham seus próprios procedimentos e protocolos e obtinham grandes somas em ‘presentes’ das práticas aceitas por todos, as quais eles, compreensivamente, não queriam nem pensar em mudar”. (Spence:90).

O Estado tributário confuciano tradicional era uma prática política envolto em grande injustiça na apropriação e distribuição da mais-valia pública:

“O sistema tributário da época não era defeituoso, mas cheio de abusos. Os membros das classes mais altas com frequência ricos latifundiários e, tal como durante o reinado de Kangxi, muitos ocultavam suas responsabilidades fiscais em um labirinto de nomes falsos, registros falsificados, transferências de posse, hipotecas e assim por diante, o que tornava quase impossível descobrir quais eram as suas posses reais. Além do mais, grande parte do poder econômico na zona rural estava nas mãos de pequenos proprietários que tiranizavam os aldeões locais. Tais proprietários entravam em conluio como os servidores dos magistrados provinciais para sonegar seus próprios impostos e forçar os camponeses mais pobres a pagar uma parte desproporcional da carga tributária de toda a comunidade. Em situações como essa, os camponeses tinham poucos meios de compensação, e o dinheiro que fora de fato apropriado era tido como ‘em atraso’ – isto é, devido pelos lavrados sonegadores”. (Spence: 01).

     

Advém uma revolução política barroca paralógica e parasintática na gramática do Estado confuciano moderno:

“Em 1725 e 1729, Yongzheng inverteu a abordagem despreocupada do pai e fez um esforço concentrado para reformar os impostos fundiários e para romper o poder dos grupos intermediários locais. Estava determinado a estender o poder do Estado Qing com mais eficácia ao campo. Como expressou um édito de 1725: ‘Quando a carne e o sangue das pessoas comuns são usados para cobrir os déficits dos funcionários, como pode não haver dificuldades no campo? Estou profundamente preocupado com esses abusos”. (Spence: 91).

A revolução maoista fez uma revolução barroca na gramática do Estado confuciano. O Estado que era o Estado do dominante se transformou em um Estado confuciano da sociedade se pressupormos a analogia com Marx do capital que advém da sociedade: o capital social. (Marx. 1977:267) Enfim, Estado confuciano barroco maoista do dominado – paraconsistente.

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Weber não estabeleceu uma identidade absoluta entre o Estado mercantilista de 1500 e o Estado burguês moderno do século XIX, ou na linguagem dele Estado capitalista racional:

“Quase nenhuma das indústrias criadas pelo mercantilismo sobreviveu à época mercantilista. As criações dos Estuardos fracassaram, o mesmo que as dos Estados continentais do Ocidente e as posteriores da Rússia. Nem constitui tão pouco o mercantilismo nacional o ponto de partida do desenvolvimento capitalista, senão que este teve lugar primeiro na Inglaterra ao lado da política monopolístico-fiscal do mercantilismo; de tal maneira, que uma camada de empresários que haviam prosperado independentemente do poder de Estado conseguiu – depois do fracasso da política monopolístico-fiscal dos Estuardos no século XVIII – o apoio sistemático do Parlamento. Por última vez se se enfrentaram aqui em luta aberta os capitalismos irracional e racional: o capitalismo orientado no sentido das oportunidades fiscais e coloniais e dos monopólios estatais, e o que se orientava em direção as oportunidades de mercado, que se buscavam automaticamente, de dentro a fora, em virtude das realizações mercantis próprias”; (Weber. 1944: 1055).

Como Weber diz o capitalismo liberal inglês desaparece da cena soberana mundial junto com o Estado nacional autenticamente moderno. No lugar dele, um conjunto de Estados europeus - com aparências de semblância nacional e moderno (Arendt: 31) – toma o lugar do Estado nacional moderno e do capitalismo moderno weberiano. Sombart é o gramático do Estado neo-mercantilista europeu e do <capital monopolista de Estado>, que o marxismo russo se iludiu acreditando que era ainda um Estado nacional moderno.

Sombart sofreu os efeitos do campo ideológico nacional e capitalista. Ele não foi capaz de desdobrar seu pensamento até o fim. Ele fala de um xifópago ou conciliação grotesca entre os antagônicos: capital mercantilista de Estado e capital capitalista. O capitalismo da modernidade liberal aparece como ilusão de sujeito de uma interpretação da sociologia alemã como ideologia científica:

“O imperialismo, cuja expressão econômica é o neo-mercantilismo , tem posto a disposição do capitalismo [isto tem, pelo momento, só um sentido geral] os recursos de um forte poder político; o capitalismo traído na vida por um forte sistema de Estados, chega por sua vez a maturidade; formando um sistema de Estados igualmente fortes. As ideias liberais da livre concorrência entre as economias privadas se têm mostrado inadequadas para o capitalismo [com seus efeitos sobre o mercado mundial]. No interior, o capitalismo se tem procurado, por sua própria força, os meios de poder necessário, assumindo o mesmo, na maior parte dos casos, as funções de Estado. Em sua relação com o estrangeiro não podia prescindir desses meios de poder independentes, isto é, do poder de Estado, e só por seu emprego tem podido chegar ao engrandecimento formidável que hoje alcançou”. (Sombart: 83).

O Estado mercantilista do capital capitalista aparece na tradução portuguesa de Weber em uma imagem textual do hiper-lógico - de um horizonte bizarro:

“Se acabasse eliminado o capitalismo privado, a burocracia estatal dominaria sozinha. As burocracias privadas e públicas, que agora trabalham umas ao lado da outras e, pelo menos possivelmente, umas contra as outras, vigiando-se, pois, mais ou menos reciprocamente, fundir-se-iam, então, numa hierarquia única. A situação seria análoga à do Egito da Antiguidade, só que assumiria uma forma incomparavelmente mais racional e, por isso, muito mais inescapável”. (Weber. 1999: 541)    

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O capitalismo liberal se torna imperialista? Não. Aparece o capital de Estado como soberano em relação ao capital capitalista; porém, este último permanece sobrea proteção do Estado mercantilista pós-liberal:

“O sistema de Estados fortes neomercantilista europeu é o terceiro aspecto acrescentado à nova estrutura do capitalismo pós-liberal, estrutura imperialista. Aquele se caracteriza pela proteção das empresas industriais privadas dos países desenvolvidos em sua relação com o ‘imperialismo’ liberal inglês”. (Bandeira da Silveira. Cap 13, parte 4. 2020a).

O desaparecimento do Estado nacional industrial europeu não se internacionalizou:

“o Estado nacional industrial americano se estabelece como centro estratégico do campo de poderes/saberes das relações internacionais do pós-Segunda Guerra Mundial!”. (Bandeira da Silveira. 2019: 217).

O Estado imperialista e colonialista gerou a Primeira e Segunda Guerra Mundial e desapareceu na Segunda Guerra. Um Estado feudal da multinacional assumiria a hegemonia na Ordem Mundial. Com o deslocamento da hegemonia do capital para a Ásia, há uma mudança da soberania mundial do Estado feudal multinacional. Assim, a China se sobressai na construção da nova ordem mundial:

“A China vem servindo como paradigma de construção de uma classe dirigente e de Estado nacional como fenômenos do mercantilismo capitalista”. (Bandeira da Silveira. 2021: cap 2, parte 3).

Fenômenos extravagantes aparecem com a globalização liberal pós-moderna. Aqui me refiro a um deles que nos afeta de perto:

“O Estado lacaniano é administração pública da mais-valia pública para o bem da sociedade, cidade e campo. O Estado corporativo pós-moderno não é a administração de um bem, e sim a gestão de um mal. É o uso privado do dinheiro público para beneficiar corporações estatais e o capital subdesenvolvido parasita do Estado lacaniano. A ideologia dominante da globalização pós-moderna faz do Estado nacional um fenômeno inimigo do povo, graças às mídias comerciais e a <classe infrapolítica> do Estado corporativo pós-moderno”. (Bandeira da Silveira. 2024: 239).

A história das formações sociais aparece como singularidade na fabricação dos Estados da atualidade. Nessa história, países como o Brasil podem mergulhar em um campo político infralógico e, por exemplo, os EUA desenvolver uma nova forma de democracia paraconsistente. Porém, somente na história pode-se definir esses caminhos. 

 

ARENDT, Hannah. A vida do espírito. RJ: Relume Dumará, 1992

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje. Lisboa: Chiado, 2019

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Teoria global do capitalismo. EUA: amazon, 2020

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Mundialização do mercantilismo capitalista. EUA: amazon, 2021

BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Ciência política materialista. EUA: amazon, 2024        

BOURDIEU, Pierre. Raisons pratiques. Sur la thèorie de l’action. Paris: Seuil, 1994

DERRIDA, Jacques. Politiques de l’amitié. Paris: Galilée, 1994

FAYE, Jean Pierre. La raison narrative. Paris: Balland, 1990

FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo. SP: Paz e Terra, 1989

HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e interesse. RJ: Zahar, 1982

MARX, Karl. Le capital. Livre troisième. Texte intégral. Paris: Editions Sociales, 1977 

 MARX, Karl. O capital. Livro 3. Volume 5. SP: Difel, 1985

MARX, Carlos. Teorias de la plusvalia. Vol. 1. Madrid: Alberto Corazon, 1974

NEWTON DA COSTA. Lógica indutiva e probabilidade. SP: Hucitec, 2019

PRADO JR, Caio. Evolução política do Brasil. SP: Brasiliense, 1980

SOMBART, Werner. El apogeo del capitalismo. Vol. 1. México: Fondo de Cultura Económica, 1984

SPENCE, Jonathan D. Em busca da China moderna. SP: Companhia das Letras, 1995 

WEBER, Max. Economia y sociedade. México: Fondo d cultura Económica, 1944

WEBER, Max. Economia e sociedade. V. 2. Brasília: UNB, 1999                     

  

               

 

 

 

 

 

   

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