José Paulo
Habermas procurou estabelecer o conceito de general
intellect:
“Nos estudos preliminares à Crítica da economia política encontra-se
uma versão, segundo a qual a história da espécie humana está comprometida com
uma conversão automática de ciência natural e tecnologia em uma autoconsciência
do sujeito social [general intellect], que controla o processo da vida
material. De acordo com tal fabricação, tão-somente a história da
técnica ou tecnologia iria, por assim dizer, sedimentar-se na história da
consciência transcendental”. (Habermas. 1982 :64).
O sujeito social ou general intellect gramatical faz pendant
com as relações técnicas de produção. O sujeito social é uma classe social,
isto é, é a pequena-burguesia proprietária de capital cultural. (Bourdieu.
1994: 44). O general intellect é uma tela verbal social narrativa. É uma
gramática social e histórica. indo à atualidade da gramática como potência
mundial dos povos:
“ A globalização neoliberal é expropriação da imaginação dos
povos em escala industrial dos povos desenvolvidos e subdesenvolvidos
ocidentais ou extremo-ocidentais. Hoje, o americano encontra-se estagnado no
uso da imaginação inventora de gramática. Assim, o povo americano é bloqueado
pelo capitalismo como agente gramatical da história mundial”. (Bandeira da
Silveira. 2022a: cap. 4, parte 3).
O general intellect gramatical americano perde as condições
de possibilidade de competição com a China no mercantilismo/libera do
feudalismo da terceira década do século XXI?
2
Há duas gramáticas universais na civilização política:
CIENCIA DO ESTADO E
CIENCIA DO CAPITAL
Na civilização política, são duas as gramáticas universais: a
ciência do Estado e ciência do capital.
A ciência política de Estado faz pendant com as relações
técnicas de produção do modo de produção escravista - na antiguidade
greco-romana. A primeira globalização ocidental é a globalização do Estado
romano. A globalização romana se desintegra e cede sua dominação/hegemonia para
o feudalismo. Na Idade moderna, o Estado da península territorial nacional
ibérica se alia ao capital mercantil na globalização Estado/capital. Nesse
contexto histórico, a ciência do capital se desenvolve com o paradigma da física
matematizada. As relações técnicas de produção do capital se desenvolvem até
criar o capital capitalista industrial. A globalização do capital capitalista
industrial acontece em países desenvolvidos e subdesenvolvidos. A nação
industrial moderna requer uma burguesia industrial e um Estado nação
territorial como no mercantilismo.
A globalização liberal pós-modernista é o desencaixe entre a
ciência do Estado e a ciência do capital. A existência da multinacional é o
ente global que funciona como suporte material da globalização pós-modernista.
O desencaixe capital pós-modernista e Estado nacional leva ao declínio da
ciência política de Estado. O logos do capital se apresenta como equivalente ao
logos da física da modernidade rumo ao logos da pós-modernidade.
As relações técnicas de produção cibernéticas criam um logos
do capital cibernético e, também, uma ciência política de Estado
paraconsistente. A razão gramatical do Estado territorial nacional confuciano faz
pendant com o logos do capital cibernético na China. A nova aliança entre
ciência do capital feudal cibernético e ciência de Estado nacional territorial maoista
se apresenta como a solução civilizatório para o fim da dominação do capital
capitalista multinacional.
3
Max Weber fez a ciência política materialista do capital e
Estado na civilização política.:
“A luta permanente, em forma bélica ou pacífica, dos Estados
nacionais em concorrência pelo poder criou para o moderno capitalismo ocidental
as maiores oportunidades. Cada Estado particular competiria pelo capital, não
fixado em residência alguma, que lhe prescrevia as condições sob as quais o
ajudaria a adquirir poder. Da aliança necessária do Estado nacional com o
capital surgiu a classe burguesa nacional, a burguesia no sentido moderno do
vocábulo. Em consequência, é o Estado nacional a ele ligado o que proporciona
ao capitalismo as oportunidades de subsistir; assim, pois, enquanto aquele não
ceda o lugar a um Estado universal, subsistirá também este”. (Weber. 1944: 047).
Weber compara o Estado chinês e o Estado moderno ocidental:
“No antigo regime chinês havia por cima do poder intacto das
famílias, os grêmios e as corporações uma camada delgada dos chamados
funcionários: os mandarins. O mandarim é ante tudo um literato de formação
humanística, que possui prebenda, porém não está preparado minimamente para a
administração e ignora toda a jurisprudência, pois é antes de tudo um caligrafo
que sabe fazer versos, conhece a literatura multissecular dos chineses e está
em condições de interpretá-la. As realizações políticas não lhes dizem
respeito, semelhante funcionário não é administrador, senão que a administração
está nas mãos da chancelaria”. (Weber. 1944: 1047).
O mandarinato aparece como um aparelho político de
intervenção nas revoltas populares:
“O reino é um Estado agrícola. Daí que o poder das famílias
camponesas, sobre as que repousam as nove decimas parte da economia tendo ao
lado os grêmios e corporações, este totalmente intacto. Fundamentalmente, tudo
é deixado a si mesmo. Os funcionários não governam, senão que só intervém nos
casos de agitação e nos incidentes desagradáveis”. (Weber. 1944: 1047)
A imagem textual da ordem política é mágica, ou seja, não
racional:
“O mandarim é transladado de um lugar a outro, para que não
possa tomar pé no distrito de sua administração, não pode, inclusive, estar
empregado em sua província natal. E como não se quer que entenda o dialeto de
sua província de governo, não pode ter comercio com o público. Um Estado com
semelhantes funcionários é algo distinto do Estado ocidental. Com efeito, nele
tudo repousa na concepção mágica de que em virtude do imperador e dos
funcionários, isto é, sua superioridade em matéria literária, é suficiente em
tempos normais para manter tudo em ordem. Porém, se se produz uma estiagem ou
outro acontecimento desagradável, então, aparece um edito no sentido de que as
provas na matéria de versificação sejam mais difíceis ou se acelerem os
processos, porque de outro modo os espíritos se agitam”. (Weber. 1944: 1047).
O poder de Estado mágico nas mãos do mandarinato é posto em
um cerco bem eficaz pelo poder do rei. O rei via o poder caligráfico do
mandarinato como ameaça permanente. A relação do poder real com o intelectual
era plena de desconfiança e medo. O intelectual era chamado para intervir em
relação à multidão campesina em um ersatz de stasis. (Derrida:110-111). O
Estado agrícola era parasintático e paralógico de redução de uma ciência de Estado
feita por método de redução ao absurdo da forma da prática política. (Newton da
Costa: 20). O mandarinato era o artista ou caligrafo criador de uma tela
gramatical literária viva, cotidiana, para legitimar a vida política.
A comparação com o Ocidente é clara. O Estado moderno é uma
aliança da monarquia absolutista com o capital mercantil que cria uma tela
verbal narrativa que legitimaria, depois, a destruição do poder do campesinato
para constituir um proletariado urbano. O Estado monárquico territorial aparece
como Estado nacional na Península ibérica. A gramática do Estado mercantilista
é um fenômeno da civilização política do capital mercantil:
“O capital mercantil, quando domina, estabelece por toda
parte um sistema de pilhagem, e seu desenvolvimento entre os povos mercantis,
dos tempos antigos e dos modernos, está diretamente ligado à rapina, à
pirataria, ao rapto de escravos, à subjugação de colônias; assim, foi em
Cartago, Roma e, mais tarde, com os venezianos, portugueses, holandeses etc.”.
(Marx. 1977:313).
Nas Américas, o Estado mercantilista escravista-colonial é
uma forma moderna de uma linhagem de Estado mercantilista da civilização
política do capital mercantil:
“O desenvolvimento autônomo do capital como capital mercantil
significa que não há subsunção dele ao capital produtivo, que o capital,
portanto, se desenvolve na base de uma forma social de produção a ele estranha
e dele independente. O desenvolvimento autônomo está, portanto, na razão
inversa do desenvolvimento econômico geral da sociedade”.
“A fortuna mercantil autônoma, como forma dominante do
capital, é o processo de circulação que se torna autônomo perante seus
extremos, e esses extremos são os próprios produtores que participam da troca”.
(Marx. 1977: 310-11).
O Estado mercantilista possui uma tela gramatical narrativa aristocrática
de desenvolvimento da nação do capital burguês, o que Marx designou como
<cultura do tempo aristocrático>:
“Parece lógico que a aparência feudal deste sistema e o tom
aristocrático da cultura daquele tempo moveram toda uma série de grandes
senhores a converter-se em adeptos e propagandistas entusiastas de um sistema
que se limitava, no fundo, a erigir o sistema burguês da produção sobre as
ruínas do sistema feudal”. (Marx. 1974:32).
4
Há um conceito de tela verbal narrativa em Marx: “De Te
fabula narratur [O relato aqui é sobre ti]. (Faye: 150). A tela verbal
narrativa pode ser do Estado ou do capital da civilização política. A gramática
do Estado mercantilista de Davenant é narrada assim:
“É certo que o ouro e a prata são a medida do comércio.
Porém, o que constitui a fonte e a origem do comércio, em todos os povos, são
os produtos naturais ou manufaturados do país; isto é, os produtos da terra, do
trabalho e da indústria. Isto é tão exato, que uma nação que se visse privada
por uma causa qualquer de todo seu numerário, sendo sua população abundante,
industriosa, e hábil para o comercio, e seu solo fértil em produtos de todas as
classes e contasse com bons portos, seguiria sendo apesar de tudo uma nação
comercial e a veríamos enriquecer-se e adquirir em seguida oro e prata em
grandes quantidades. A riqueza real e efetiva de um país consiste, portanto, em
sua própria população”.
“Muito longe de merecer ser considerados por si só como como
o tesouro e a riqueza de uma nação, o ouro e a prata não são, com efeito, mais
que senhas que se usa em suas transações comerciais”.
“Chamo de riqueza aquilo que mantém em abundância, alívio e a
segurança ao Príncipe e ao povo; chamo de tesouro a quantidade de ouro e prata
que os homens, para seu uso pessoal, transformam em construções ou consagram a
melhorar a terra, assim como também o que pode cambiar-se por estes metais, tal
como os frutos da terra, os produtos industriais, as mercadorias estrangeiras,
os stoks de mercadoria etc. Até as mercadorias precárias podem ser consideradas
como a riqueza de uma nação, sempre e quando que se troquem por ouro e prata.
Para mim, são riqueza, não só nas relações entre indivíduos, senão também entre
as nações”.
“O povo é o estômago do organismo Estado [na Espanha, este
estômago não pode digerir nem assimilar o dinheiro]. O comércio e a
distribuição são os únicos veículos que podem assegurar a digestão e a
distribuição do ouro e da prata de que se nutre o organismo do Estado”.
(Marx1974: 15-16).
Aí se encontra já o Estado tributário, territorial, nacional,
paralógico com indução correta da prática política da economia mercantilista. A
China não possuía uma tela verbal narrativa do capital mercantilista e um
Estado mercantilista de direitos formalistas do capital.
A tela verbal narrativa mercantilista é uma tela do Estado
moderno e sua gramática com os vocábulos: nação, população, povo, Estado,
Príncipe:
“Porém, esse direito formalista é estável. Na China, pode
suceder que um homem que tenha vendido a outro uma casa volte algum tempo
depois ao comprador e lhe peça asilo, por haver caído, entretanto, na pobreza.
E se o comprador faz caso omisso do antigo dono e, portanto, do mandamento
chinês da ajuda fraternal, então, os espíritos se agitam; resulta, pois, que o
vendedor empobrecido volte a instalar-se na casa em qualidade de inquilino
forçoso, sem pagar uma renda. Com semelhante direito, o capitalismo não pode
operar; o que necessita é um direito com o qual se possa contar como se fosse uma
máquina; os pontos de vistas religioso-rituais e mágicos não tem que julgar os
fatos e acontecimentos. A criação de semelhante direito se consegue ao aliar-se
ao Estado moderno, aos juristas, para impor suas ambições de poder”. (Weber.
1944; 1050).
O mandarinato é acumulação de capital cultural caligráfico,
de um Estado monárquico, tradicional, rural [camponês], paralógico e de uma
burocracia supralógica, burocracia voando em um espaço sublunar, acima do radar
de qualquer tela gramatical lógica.
5
A diferença ente Europa e China consiste que a primeira se
desenvolve pela gramática do Estado mercantilista e a história da China é a da
gramática do Estado confucionista. Sobre a gramática do mercantilismo:
“O desenvolvimento do comércio e do capital mercantil leva à
produção por toda a parte a orientar-se pelo valor-de-troca, aumenta o volume
dela, diversifica-a e dá-lhe caráter internacional, e faz o dinheiro
converter-se em dinheiro universal. O comércio por isso exerce sempre ação mais
ou menos dissolvente sobre as organizações anteriores da produção, as quais em
todas as suas diversas formas se guiam essencialmente pelo valor-de-uso. Até
onde vai essa ação desintegradora depende da solidez e da estrutura interna do
antigo modo de produção. E o efeito desse processo de desintegração, isto é,
qual será o novo modo de produção que substituirá o antigo, depende não do
comércio, mas do caráter do próprio modo antigo de produção. No mundo antigo, a
atuação do comércio e o desenvolvimento do capital mercantil resultavam sempre
em economia escravista, ou, de acordo com o ponto de partida, ocasionavam
apenas a transformação de um sistema escravista patriarcal, baseado na produção
de meios de subsistências imediatos, em um sistema voltado para a produção de
mais-valia. No mundo moderno, ao contrário, levam ao modo de produção
capitalista. infere-se daí que outras circunstâncias, além do desenvolvimento
do capital mercantil, determinaram esses resultados. (Marx. 1977: 313-314).
O caminho ao modo de produção capitalista tem o Estado
mercantilista criando o modo de produção escravista/afro nas Américas em
analogia com a antiguidade.
6
Na China, a gramática do Estado confucionista faz do campo
político uma tela de jogos de caligrafia. Na Europa do século XX, Magritte
criou a tela de gosto dos jogos de caligrafia introduzindo a Ásia na Europa.
(Foucault: 31-33). Os jogos de caligrafia eram criados e recriados pelos
mandarins de um Estado confuciano:
“Os interesses do imperador Yongzheng voltavam-se também para
outras áreas além da administração. Tinha uma grande preocupação com os valores
morais e culturais, e muito das suas principais decisões eram afetadas por
convicções morais. Era um homem que parecia estar convencido da própria
retidão, e seus pronunciamentos indicam um elo entre sua concepção básica de
poder e sua ideia da superioridade do imperador. É possível avaliar isso no
tratamento que ele dispensa a uma ampla variedade de questões: a Igreja
católica, o caso lu Liulang, a ampliação do Sacro Édito do pai, a edição da
grande ecciclopédia Gujin tushu jicheng, o interesse pelo budismo, pelos
problemas dos trabalhadores industriais e pelo vício do ópio e a sua
emancipação da chamada ‘gente ruim’. Por um lado, ele estava representando o
papel de um monarca confuciano; por outro, trazia ainda a impaciência
autocrática de seus antepassados manchus conquistadores”. (Spence: 98).
O Estado confuciano tributário era uma realidade de imensa
complexidade:
“Pode-se achar que seria fácil engordar a receita aumentando
o número de unidades sujeitas ao imposto territorial e per capita; nesse ponto,
porém, as obrigações filiais para com Kangxi eram fortes demais, e Yongzheng
não tentou modificar a decisão tomada por seu pai em 1712. Além disso, a
premissa central da teoria política chinesa, da qual os manchus tinham
apropriado, era que uma base tributária baixa era essencial para o bem-estar do
país e prova verdadeira da benevolência do imperador. Outro obstáculo à reforma
era colocado pelos funcionários do Ministério da Receita, que tinham seus
próprios procedimentos e protocolos e obtinham grandes somas em ‘presentes’ das
práticas aceitas por todos, as quais eles, compreensivamente, não queriam nem
pensar em mudar”. (Spence:90).
O Estado tributário confuciano tradicional era uma prática
política envolto em grande injustiça na apropriação e distribuição da
mais-valia pública:
“O sistema tributário da época não era defeituoso, mas cheio
de abusos. Os membros das classes mais altas com frequência ricos
latifundiários e, tal como durante o reinado de Kangxi, muitos ocultavam suas
responsabilidades fiscais em um labirinto de nomes falsos, registros
falsificados, transferências de posse, hipotecas e assim por diante, o que
tornava quase impossível descobrir quais eram as suas posses reais. Além do
mais, grande parte do poder econômico na zona rural estava nas mãos de pequenos
proprietários que tiranizavam os aldeões locais. Tais proprietários entravam em
conluio como os servidores dos magistrados provinciais para sonegar seus
próprios impostos e forçar os camponeses mais pobres a pagar uma parte
desproporcional da carga tributária de toda a comunidade. Em situações como
essa, os camponeses tinham poucos meios de compensação, e o dinheiro que fora
de fato apropriado era tido como ‘em atraso’ – isto é, devido pelos lavrados
sonegadores”. (Spence: 01).
Advém uma revolução política barroca paralógica e
parasintática na gramática do Estado confuciano moderno:
“Em 1725 e 1729, Yongzheng inverteu a abordagem despreocupada
do pai e fez um esforço concentrado para reformar os impostos fundiários e para
romper o poder dos grupos intermediários locais. Estava determinado a estender
o poder do Estado Qing com mais eficácia ao campo. Como expressou um édito de
1725: ‘Quando a carne e o sangue das pessoas comuns são usados para cobrir os
déficits dos funcionários, como pode não haver dificuldades no campo? Estou
profundamente preocupado com esses abusos”. (Spence: 91).
A revolução maoista fez uma revolução barroca na gramática do
Estado confuciano. O Estado que era o Estado do dominante se transformou em um
Estado confuciano da sociedade se pressupormos a analogia com Marx do capital
que advém da sociedade: o capital social. (Marx. 1977:267) Enfim, Estado
confuciano barroco maoista do dominado – paraconsistente.
7
Weber não estabeleceu uma identidade absoluta entre o Estado
mercantilista de 1500 e o Estado burguês moderno do século XIX, ou na linguagem
dele Estado capitalista racional:
“Quase nenhuma das indústrias criadas pelo mercantilismo
sobreviveu à época mercantilista. As criações dos Estuardos fracassaram, o
mesmo que as dos Estados continentais do Ocidente e as posteriores da Rússia.
Nem constitui tão pouco o mercantilismo nacional o ponto de partida do
desenvolvimento capitalista, senão que este teve lugar primeiro na Inglaterra ao
lado da política monopolístico-fiscal do mercantilismo; de tal maneira, que uma
camada de empresários que haviam prosperado independentemente do poder de
Estado conseguiu – depois do fracasso da política monopolístico-fiscal dos
Estuardos no século XVIII – o apoio sistemático do Parlamento. Por última vez
se se enfrentaram aqui em luta aberta os capitalismos irracional e racional: o
capitalismo orientado no sentido das oportunidades fiscais e coloniais e dos
monopólios estatais, e o que se orientava em direção as oportunidades de
mercado, que se buscavam automaticamente, de dentro a fora, em virtude das
realizações mercantis próprias”; (Weber. 1944: 1055).
Como Weber diz o capitalismo liberal inglês desaparece da
cena soberana mundial junto com o Estado nacional autenticamente moderno. No
lugar dele, um conjunto de Estados europeus - com aparências de semblância nacional
e moderno (Arendt: 31) – toma o lugar do Estado nacional moderno e do
capitalismo moderno weberiano. Sombart é o gramático do Estado
neo-mercantilista europeu e do <capital monopolista de Estado>, que o
marxismo russo se iludiu acreditando que era ainda um Estado nacional moderno.
Sombart sofreu os efeitos do campo ideológico nacional e
capitalista. Ele não foi capaz de desdobrar seu pensamento até o fim. Ele fala
de um xifópago ou conciliação grotesca entre os antagônicos: capital
mercantilista de Estado e capital capitalista. O capitalismo da modernidade
liberal aparece como ilusão de sujeito de uma interpretação da sociologia alemã
como ideologia científica:
“O imperialismo, cuja expressão econômica é o
neo-mercantilismo , tem posto a disposição do capitalismo [isto tem, pelo
momento, só um sentido geral] os recursos de um forte poder político; o
capitalismo traído na vida por um forte sistema de Estados, chega por sua vez a
maturidade; formando um sistema de Estados igualmente fortes. As ideias
liberais da livre concorrência entre as economias privadas se têm mostrado
inadequadas para o capitalismo [com seus efeitos sobre o mercado mundial]. No
interior, o capitalismo se tem procurado, por sua própria força, os meios de
poder necessário, assumindo o mesmo, na maior parte dos casos, as funções de
Estado. Em sua relação com o estrangeiro não podia prescindir desses meios de
poder independentes, isto é, do poder de Estado, e só por seu emprego tem
podido chegar ao engrandecimento formidável que hoje alcançou”. (Sombart: 83).
O Estado mercantilista do capital capitalista aparece na
tradução portuguesa de Weber em uma imagem textual do hiper-lógico - de um
horizonte bizarro:
“Se acabasse eliminado o capitalismo privado, a burocracia
estatal dominaria sozinha. As burocracias privadas e públicas, que agora
trabalham umas ao lado da outras e, pelo menos possivelmente, umas contra as
outras, vigiando-se, pois, mais ou menos reciprocamente, fundir-se-iam, então,
numa hierarquia única. A situação seria análoga à do Egito da Antiguidade, só
que assumiria uma forma incomparavelmente mais racional e, por isso, muito mais
inescapável”. (Weber. 1999: 541)
8
O capitalismo liberal se torna imperialista? Não. Aparece o
capital de Estado como soberano em relação ao capital capitalista; porém, este
último permanece sobrea proteção do Estado mercantilista pós-liberal:
“O sistema de Estados fortes neomercantilista europeu é o
terceiro aspecto acrescentado à nova estrutura do capitalismo pós-liberal,
estrutura imperialista. Aquele se caracteriza pela proteção das empresas
industriais privadas dos países desenvolvidos em sua relação com o ‘imperialismo’
liberal inglês”. (Bandeira da Silveira. Cap 13, parte 4. 2020a).
O desaparecimento do Estado nacional industrial europeu não
se internacionalizou:
“o Estado nacional industrial americano se estabelece como
centro estratégico do campo de poderes/saberes das relações internacionais do
pós-Segunda Guerra Mundial!”. (Bandeira da Silveira. 2019: 217).
O Estado imperialista e colonialista gerou a Primeira e
Segunda Guerra Mundial e desapareceu na Segunda Guerra. Um Estado feudal da
multinacional assumiria a hegemonia na Ordem Mundial. Com o deslocamento da
hegemonia do capital para a Ásia, há uma mudança da soberania mundial do Estado
feudal multinacional. Assim, a China se sobressai na construção da nova ordem
mundial:
“A China vem servindo como paradigma de construção de uma
classe dirigente e de Estado nacional como fenômenos do mercantilismo
capitalista”. (Bandeira da Silveira. 2021: cap 2, parte 3).
Fenômenos extravagantes aparecem com a globalização liberal
pós-moderna. Aqui me refiro a um deles que nos afeta de perto:
“O Estado lacaniano é administração pública da mais-valia
pública para o bem da sociedade, cidade e campo. O Estado corporativo
pós-moderno não é a administração de um bem, e sim a gestão de um mal. É o uso
privado do dinheiro público para beneficiar corporações estatais e o capital
subdesenvolvido parasita do Estado lacaniano. A ideologia dominante da
globalização pós-moderna faz do Estado nacional um fenômeno inimigo do povo,
graças às mídias comerciais e a <classe infrapolítica> do Estado
corporativo pós-moderno”. (Bandeira da Silveira. 2024: 239).
A história das formações sociais aparece como singularidade
na fabricação dos Estados da atualidade. Nessa história, países como o Brasil
podem mergulhar em um campo político infralógico e, por exemplo, os EUA
desenvolver uma nova forma de democracia paraconsistente. Porém, somente na
história pode-se definir esses caminhos.
ARENDT, Hannah. A vida do espírito. RJ: Relume Dumará, 1992
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Subdesenvolvimento hoje.
Lisboa: Chiado, 2019
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Teoria global do
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BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Mundialização do
mercantilismo capitalista. EUA: amazon, 2021
BANDEIRA DA SILVEIRA, José Paulo. Ciência política
materialista. EUA: amazon, 2024
BOURDIEU, Pierre. Raisons pratiques. Sur la thèorie de
l’action. Paris: Seuil, 1994
DERRIDA, Jacques. Politiques de l’amitié. Paris: Galilée,
1994
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HABERMAS, Jürgen. Conhecimento e interesse. RJ: Zahar, 1982
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MARX, Carlos. Teorias de la plusvalia. Vol. 1. Madrid:
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Hucitec, 2019
PRADO JR, Caio. Evolução política do Brasil. SP: Brasiliense,
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SOMBART, Werner. El apogeo del capitalismo. Vol. 1. México:
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WEBER, Max. Economia e sociedade. V. 2. Brasília: UNB, 1999
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