José Paulo
A GRANDE POTENCIA
IDEOILÓGICA produz ideias e valores. A grande potência gramatical inventa
gramáticas e afecções. Na história da civilização política secular, a Grécia é
a primeira grande potência gramatical. A grande potência gramatical se
desenvolve com o Estado territorial na polis e na prática política da politeia.
Platão foi o primeiro aparelho de hegemonia molecular gramatical que inventou a
filosofia enquanto Aristóteles inventou o campo da lógica. Os gregos criaram
duas gramáticas da cultura: idealismo e materialismo.
Na época moderna, A Reforma de Lutero cria o individualismo
religioso. É a gramática idealista alemã do individualismo no campo político
histórico europeu. (Dumont. 1991: 36). A Revolução francesa inventa a gramática
do individualismo materialista na Europa. A Alemanha é a primeira grande
potência gramatical da história da civilização política europeia. O problema
que se põe e repõe é o da passagem da potência (virtual) ao ato, isto é, a
prática política territorial.
A grande potência em ato é um fenômeno [é o que aparece} no
campo político como Estado, isto é, aparelho de Estado de coação e aparelho de
hegemonia de Estrado como poder político. Bourdieu estabeleceu o poder político
como poder simbólico:
“Os <sistemas simbólicos>, como instrumentos de
conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque
são estruturados”. (Bourdieu.1989: 9).
São estruturados pelo quê? São estruturados por uma razão.
Qual razão?
Segue:
“O poder simbólico é um poder de construção da realidade que
tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em
particular, do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo
lógico, quer dizer, <uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número,
da causa, que torna possível a concordância entre inteligências”, (Bourdieu.
1989: 9).
O poder político simbólico requer uma razão na estruturação
do campo político histórico. A gramática do idealismo fabrica o Estado
nominalista que cria e recria a realidade do campo político histórico:
‘o procedimento de que se serviria para deduzir o futuro a
partir do passado, consistiria em que se forma <imagens virtuais internas ou
símbolos> dos objetos exteriores de tal modo que as consequências
logicamente necessárias das imagens sejam sempre as imagens das consequências
naturalmente necessárias dos objetos reproduzidos”. (Cassirer. 1971: 14).
A imagem textual ou símbolo faz pendant com o poder político
simbólico. A imagem textual do fenômeno existe no campo político como Estado
territorial-virtual na passagem da potência gramatical ´para o ato ou prática
política ado Estado linguístico.
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Aristóteles criou a gramática materialista da ciência
política, criou a ciência política materialista do Estado grego necessário:
“Le nécessaire est aussi le contraint et le force,
c’est-à-dire ce qui, contre l’impulsin et le choix délibéré, fait obstacle et
empêchement; car le contraint s’appelle nécessaire et c’est porquoi il est
pénible; comme led it Evenus,
Toute action imposée par la necessite set naturellement
fâcheuse ,
La force est aussi une nécessité, selon la parole de
Sophocle,
C’est la force qui m’oblige à accomplir cela”. (Aristote. V.
1: 258-259).
O Estado é potência:
“On appelle puissance le principe du mouvement ou du
changement, qui set dans un autre être, ou dans le même être en tant qu’autre”.
)Aristote. V. 1: 283-2 84).
O aparelho de coerção do Estado é necessário e ele é potencia
que move os fenômenos puníveis no campo político dentro e fora do Estado e da sociedade:
“État, en un sens, est comme un acte de ce qui a et est
<eu>, quelque chose comme une action ou un mouvement: car, entre
l’artiste et son ouvre s’insère la création”. (Aristote. V. 1: 304).
O Estado é um artista
que cria uma obra: o campo político histórico-conjuntural.
A potência e o ato, a gramática virtual e a prática política
territorial, a passagem da gramática idealista para à gramática materialista comprimida
na Tese 11 de Marx:
“Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo
diferentemente, cabe transformá-lo”. (Marx. 1974: 59).
3
O Estado é como um corpo político vivo?
Aristóteles
‘le vivant mourra nécessairement, cari l porte dejà en lui la
condition da as mort. À savoir la présence de contraíres dans le même corps.
(Aristote. V. 1: 342).
A contradição no ser do Estado leva à destruição do Estado. A
afecção no ser do Estado leva a seu infortúnio?
Aristóteles:
On appelle affection, en un premier sens, la qualité suivant
laquelle un être peut être altéré; par exemple, le blanc et le noir, le deux et
l’amer, la pensatuer et la légèreté, et
autres déterminations de ce genre”. (Aristote. v. 1: 305).
O ser do Estado pode passar de macio para duro, de doce para
amargo, de branco para negro, de reflexão para ligeira imediatez. As
determinações das afecções do ser do Estado dependem da relação do aparelho de
Estado com o uso da violência legitima ou ilegítima:
“ - Em um autre sens, c’est l’acte de ces qualités et dès
lors altérations elle-mêmes -. On entend aussi par là, particulièrement, les
altérations et les mouvements nuisibles, et surtout les dommages fâcheux –
Enfin, on appelle affections de grandes et cruelles infortunes”. (Aristote. V.
1’: 305-306).
As alterações e movimentos prejudiciais e danos infelizes ao
ser do Estado aparecem como coisas cruéis e infortúnios para o povo do Estado.
O Estado como estrutura de dominação política não aparece para os gregos como
infortúnio, como prejudicial e dano à vida cotidiana. Porque, o Estado tem que
existir pelo princípio da não contradição:
Il y a des philosophes qui, comme nous l’avons dit,
pretendente, d’une part, que la même chose peut, à la fois, être et n’être pas,
t, d’autre part, que la pensée peut le concevoir. Ce langage est aussi celui
d’un grand nombre de physiciens. Quant à nous, nous venon de reconnaître qu’il
est impossible, pour une chose, d’être et n’être pas en même temps, et c’est en
nous appuyant sur cette impossibilité que nous avons montré que ce principe est
le plus ferme de touts”. (Aristote: v. 1: 197).
O Estado não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ser Estado e
não ser Estado. Assim, o Estado não pode ser, ao mesmo tempo, Estado moderno
racional e Estado tradicional não-racional. O Estado como ser lógico:
“Quant à lÊtre comme vrai, et au Non-Être comme faux, ils
consistente dans l’union et dans la séparation, et le vrai et le faux réunis se
partagent entièrement les contradictoires. En efect, le vrai c’est
l’affirmation de la composition réelle du suget et de l’attribut, et la
négation de leur séparation réelle”. (aristote. V. 1: 343).
O Estado é o sujeito cujo atributo é a racionalidade. O
verdadeiro do Estado é a firmação da composição real do Estado com a razão e a
negação de sua separação real. O Estado só existe como sujeito de razão:
“le faux est la contradiction de cette affirmation et de
cette négation”. (Aristote. V. 1:343-344).
O Estado falso é a contradição da ideia da unidade do sujeito
politico e racionalidade e a negação de
sua separação real. Assim, é possível pôr o problema do Estado sociológico da pós-modernista
como separação real do aparelho de Estado e da racionalidade:
“Um Estado pode ser definido como uma organização política
cujo domínio é territorialmente organizado e capaz de acionar os meios de
violência para sustentar esse domínio. Tal definição é próxima de Weber, mas
não destaca uma reivindicação ao monopólio dos meios de violência ou o fator
legitimidade”. (Giddens: 45().
Há a negação da
unidade entre Estado e razão, seja fática, seja jurídica. O Estado não
necessita ser legítimo no uso da violência do aparelho do Estado. Essa é a
definição de Estado de Marx par quem o aparelho de Estado serve ao uso da
violência do poder político burguês sobre o dominado. É o Estado como estrutura
de violência contra as massas ou multidão na luta de classe do dominado. É a
escola realista da definição do Estado burguês. Para Aristóteles já não é o
Estado racional, e sim um fenômeno político irracional:
‘l’Être em tant que vrai n’est que’une affection de la
pensée”. (Aristote. V. 1: 345).
O Ser do Estado como verdadeiro é uma afecção do pensado. Do
pensado que é o ser gramatical do aparelho de Estado moderno racional. O uso da
violência do aparelho do Estado [sobre a multidão] se submete à razão
legislativa penal - pensada pelo legislador.
O Estado pós-modernista não é um poder simbólico da unidade
das inteligências no campo político conjuntural. O poder burguês não é um poder
simbólico da razão política. O Estado burguês já não é um Estado da civilização
política ocidental. O Estado burguês é um Estado paralógico de uma prática
política sublunar de indução incorreta do bem comum. (Newton da Costa. 2019:
25-26).
Aristóteles fala de uma definição de poder ou potência:
“De toutes les puissances, les unes sont innées, comme le
sens; d’autres viennent de l’habitude , comme l’habilileté à Joeur de la flûte;
d’autres sont acquises par l’étude, par exemple les facultés artistiques: il
est, par suíte, nécessaire qu’il y ait un exercice antérieur pour les pussances
qui proviennent de l’habitu et du raisonnement, tandis que celles qui sont
d’une autre sorte et qui impliquent la passivité, n’exigent pas cet exercice”.
(Aristote. V. 2: 496).
O sentido é produção de um poder da gramática
interna do indivíduo, do cérebro; o poder é um fenômeno de práticas da
habilidade não técnica de tocar um instrumento musical como a flauta; o poder
pode advir do capital cultural da educação; o poder existe em um exercício, em
uma prática política; o poder do hábito (compulsão à repetição) e da razão são
poderes práticos. (Bourdieu; 1994); o poder político demanda a atividade da
prática política em um campo político; ele pode ser paralógico correto ou
incorreto; pode ser uma prática de induções corretas da tela gramatical ou
espírito da lei ou indução incorreta:
“L’intitulé général Constitiuition recouvre une rthéorie de
l’Etat. Elle commence par poser que l’Etat est pour ainsi dire l’esprit de la
loi”. (Taminiaux: 57).
O poder pode ser o mover a prática política racional ou
irracionalmente, dependendo do agente ser racional ou irracional, poder
racional e irracional:
“que certaine êtres peuvent mouvoir rationnellemnt et que
leurs puissances sont, tandis que d’autres sont irrationelles et leurs
puissances irrationnelles”. (Aristote. V. 2: 496).
O poder racional do logos do princípio da não contradição
estabelece um Estado lógico-clássico puro. O poder reacional da gramática
estabelece um Estado gramatical-lógico:
“Qualquer lógica L envolve a fixação de família de linguagens
sem as quais ela não poderia expressar suas regras, que são, no fundo, cânones
linguísticos”. (Newton da Costa. 2019: 14).
O Estado lógico gramatical aparece claramente em Weber:
“Com efeito, se considera hoje conceitualmente idêntico o
<Estado nacional> e o <Estado montado sobre a base de unidade de
linguagem. Outrossim, junto as unidades políticas constituídas no sentido
linguístico que são as de cunho moderno, temos outras mais que abarcam várias
comunidades linguísticas e que quase sempre escolhem um idioma para a vida
política”. (Weber: 324-25).
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O Estado lógico clássico funciona pelo princípio da não
contradição no aparelho de Estado. Na definição marxista do Estado como
aparelho repressivo e aparelhos ideológicos, o aparelho repressivo é uma
unidade estabelecida pelo princípio da não contradição; por outro lado, não há uma
prática política unificada nos aparelhos ideológicos, eles admitem a
contradição na prática política fragmentada deles:
“2. Ao passo que o Aparelho (repressivo) de Estado constitui
um todo organizado cujos diversos ramos estão centralizados por uma inidade de
direção, a da política da luta de classes aplicada pelos agentes políticos das
classes dominantes, que detém o poder de Estado – os Aparelhos Ideológicos de
Estado são múltiplos, distintos e relativamente autônomos, suscetíveis de
oferecer um campo objetivo às contradições que expressam, de forma ora
limitadas, ora mais amplas, os efeitos dos choques entre a luta de classes
capitalista e proletária, assim como de suas formas subordinadas”. (Althusser: 89).
Montesquieu fala do poder político como natureza ou estrutura
[gramática virtual de governo] e do poder político atual, ou prática, ou o agir
do governo:
“Il y a cette différence entre la nature du gouvernement et
son princip, que as nature est ce qui le fait être tel; et son principe, ce qui
le fait agir. L’une est la struture particulière, et l’autre le passins humanes
qui le font mouvoir”. (Montesquieu: 143).
As formas de governo podem ser racionais ou irracionais,
estas tendo como poder de mover os fenômenos as afecções do governante:
“J’ai dit que la nature du gouvernement républicain est que
le peuple en corps, ou de certaines familles, y aient la souveraine puissance,
celle du gouvernement monarqchique, que le prince y ait la souveraine puissance
, mais qu’il l’exerce selon des lois établiés; celle du gouvernement despotico,
qu’un seul y gouverne selon ses volontés et ses caprices”. (Montesquieu:
143-144).
A prática política paralógica do Estado republicano ou
monárquico constitucional é um poder de uma razão jurídica [poder simbólico
político racional], que move fenômenos racionais no campo político histórico. O
Estado despótico é um poder irracional [funcionando segundo o domínio de
afecções do déspota], um poder político do campo diabólico (Godin:732), em uma
superfície reprofunda heteróclita
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No Brasil da década de 1920, o jurista de Niterói Oliveira
Vianna criou a ciência política sistemática, um campo de ideologias fascistas
modernistas. Nilo Odália diz:
“Por esses motivos é que parece tão fácil, para alguns
círculos intelectuais ignorarem de maneira preconceituosa e indevida, a obra de
pensadores como Oliveira Vianna, pois sua identificação com posturas
reacionárias ou ultra-reacionárias (J. H. Rodrigues) e mesmo fascistas,
especialmente no que tange à construção de um Estado corporativista, parece não
deixar dúvidas quanto a afiliação de suas ideias”. (Bastos:146).
Vianna criou uma imagem textual de um Estado
lógico-territorial como praça do Estado nacional:
“Em sua análise histórica, Oliveira Vianna privilegia de
maneira clara o fator geográfico, representado pelo fato de o Brasil ser um
´país de dimensões territoriais continentais. A novidade está em que ele
consegue extrair de maneira lógica e engenhosa as consequências da imensidão
territorial brasileira”. (Bastos: 150).
O dialético da USP Octavio Ianni contextualiza nosso
cientista político seminal:
“Oliveira Vianna vem diretamente do pensamento conservador
europeu, norte-americano e brasileiro. Privilegia a organização e a atividade
do Estado, conferindo-lhe um papel predominante, ‘civilizador’. Baseia-se no
pressuposto de que a sociedade civil é débil, incapaz; que o povo não está
cultural e politicamente preparado para exercer papel ativo nos negócios
públicos. Precisa ser tutelado, administrado, por um poder estatal cada vez
mais corporativo, organizador e modernizador. Essa interpretação ressoa bastante
no pensamento brasileiro das décadas posteriores, em ambientes empresariais,
políticos, militares, jornalístico, universitários. Pode ser vista como
proposta de modernização conservadora, pelo alto, que se impõem á sociedade
como um todo, em seus grupos e classes, instituições e formas de organização”.
(Bastos: 434).
Duas frases sobre o povo brasileiro que são parte da
ideologia do dominante. Último presidente da ditadura militar 1964, general
João Figueredo disse: “gosto mais do cheiro de cavalo do que do cheiro do
povo”. O jogador Pelé disse: “o povo não o sabe votar”. Frases de uma gramática
ideológica de ataque à democracia. O historiador Evaldo Vieira fala dessa
ideologia criada no campo político fascista literário:
“Nos limites de uma exposição como esta, pode-se declarar
que, para ele, o modelo de povo brasileiro conta com componentes
indispensáveis. No primeiro volume de “Populações Meridionais do Brasil”, obra
inicial, por meio da índole do povo alcança-se a explicação de que aqui tudo
vai bem, apesar de todos mandarem e ninguém obedecer. E completa Oliveira
Vianna: É proverbial a sua incapacidade para apaixonarem-se por uma qualquer
questão política de uma maneira duradoura e pertinaz. Nas suas maiores agitações,
cedo e, às vezes, quase de súbito, sobrevém o cansaço”. Em “Evolução do `Povo
Brasileiro”, demonstra que o povo ‘é inteiramente indiferente às formas de
governo’, porque ‘não é monarquista, como também não é republicano’”. (Bastos:
160-161).
Essa ideologia sobre o popular foi montada depois de duas
décadas da primeira conjuntura da luta operaria na república e no ano da
“Semana de arte Moderna”. Dessa Semana sairia Plínio Salgado que foi o líder do
movimento “Verde-Amarelo” e do Partido Integralista [fascismo luso-brasileiro],
partido de massa dos camisas verdes. Plinio constrói uma imagem textual do
popular fora do campo ideológico reacionário de Oliveira Vianna. A ditadura
militar manteve a soberania popular para uma representação de deputados e
senadores e outros cargos do Estado militar liberal. Ela seguiu Plinio e não
Oliveira Vianna.
Evaldo fala da ideia de Estado fascio-tropicalista viannista
e fala de um Estado tributário territorial nacional e do aparelho de Estado
como conciliação do Capital e do trabalho:
“Por certo a concepção de Estado conserva-se mais ou menos a
mesma, das primeiras às suas últimas obras. Porém, uma ideia de tal Estado pode
ser colhida no “Programa de Revisão da Constituição Federal de 1891, elaborado
por Oliveira Vianna a pedido de Juarez Távora em 1932. Em seu “Programa”, ele
mantém o presidencialismo e aconselha a ampliação do mandato do presidente da
República para sete anos. Defende a eleição indireta deste, propõe o voto
censitário para todas as eleições que não sejam municipais e fixa a distinção
entre capacidade de eleger e capacidade de ser eleito. Enumera medidas
administrativas, todas de cunho centralizador: reforma dos Tribunais de Contas,
unificação de legislação de funcionários públicos, federalização da Justiça
(inclusive a eleitoral), controle estatal do ensino, reforma tributária
favorável à União e revogação de mandatos legislativos. O ‘Programa’ destaca a
necessidade de intervenção do Estado a fim de solucionar equitativamente os
conflitos entre o capital e o trabalho, uma questão que ressurgirá nos estudos
de Oliveira Vianna, sobretudo durante a organização da Justiçado Trabalho”.
(Bastos: 163).
A ideologia fascista de Oliveira Vianna seria levada para a
Assembleia Nacional Constituinte [pelo clube tenentista <3 de
outubro>], constituinte que teceu a
Constituição da democracia de 1934 após a primeira ditadura de Getúlio Vargas.
A concepção política do Estado fascio é clara e distinta:
“Um dos fundamentos do modelo de Estado Corporativista
acha-se na crença de que os grupos da nação manifestam interesse coletivo. Em
‘Problemas d Organização e Problemas de Direção’, Oliveira Vianna expõe uma das
mais claras elaborações de tal Estado Corporativo:
um entendimento – direto, quotidiano, constante, íntimo –
entre os podres públicos e os delegados de todas as atividades principais da
economia do país: concilia-se, assim, a autonomia da vida econômica do povo com
a unidade da sua direção, isto é, com a política econômica da Nação.
“No nível prático, as atividades desenvolvidas por Oliveira
Vianna a respeito do corporativismo visaram à organização da Justiça do
Trabalho e a alguns setores da organização sindical, aliás únicas tentativas de
construção de seu Estado Corporativo”. (Bastos: 164).
Os fascistas de Plínio Salgado tentaram um golpe de Estado
contra a democrcia-34. A ciência política viannista consistiu no aparelho de
hegemonia da fabricação de um novo Estado. Getúlio deu o golpe de Estado que
desintegrou a democracia-34. Vargas fabricou um novo Estado totalitário na onda
da conjuntura fascista na Europa e como efeito da gramática do partido fascista
geral brasileiro.
6
Há gramática e ideologia na ciência política materialista
viannista:
“No trabalho de construção do nosso aparelhamento político,
temos seguido um processo inteiramente oposto ao dos grandes povos da
antiguidade, como o romano ou grego, ou dos grandes povos modernos, como o
inglês, o norte-americano, o alemão. Entre nós, não é o povo, na sua estrutura,
na sua economia intima, nas consiçoes particulares de sua psyche, que os
organizadores brasileiros, os elaboradores dos nossos códigos políticos vão
buscar os materiais para as suas formosas e soberbas construções: é fora de nós,
é nas jurisprudências estranhas, é em estranhos princípios, é nos modelos
estranhos, é nos exemplos estranhos, é em estranhos sistemas que eles se
abeberam e inspiraram. Parece até que é somente sobre estes paradigmas
forasteiros que a sua inteligência sabe trabalhar com perfeição”. (Vianna.
1939: 7).
Em 1922, Vianna distingue entre a gramática idealista das
Constituições monárquica e republicana e a nossa cultura política materialista.
Ele fala do contraponto entre nosso Estado tradicional do colono de clan [que
atravessa a monarquia e a república] e o Estado moderno europeu anglo-saxônico
e dos EUA:
“Num país dominado pela política de clan, onde há regiões
inteiras taladas ainda por sanguinolentas lutas de família e onde os grupos
partidários não passam de bandos que se entrechocam, não por ideias, mas por
ódios personalíssimos e rivalidades locais de mandonismo, não menos idealistas
seriam os que – à guisa, porventura, do que, nas suas viagens de ‘touristes’,
viram a admiração nas pacíficas cidadezinhas inglesas e nas ativas ‘towns’ americanas –
sonhavam instituir em tal país, onde o adversário político é considerado pelos
vencedores um verdadeiro ‘outlaw’ um regime de proteção e defesa das liberdades
e direitos individuais segundo o padrão anglo-saxônico. Quero dizer: por meio
de uma justiça eletiva e de uma polícia eletiva, saídas uma e outra do escrutínio
das facções beligerantes. O mecanismo político criado sob esse modelo teria
fatalmente de faltar à sua finalidade interna: a garantia do direito. Não,
propriamente, por defeito de sua estrutura íntima; mas, pela sua nenhuma
adaptação às condições reais da sociedade, em que deveria funcionar. Seria,
pois, uma construção eivada de idealismo utópico que damos a esta expressão”.
(Vianna. 1939: 10).
A Constituição de 1988 estava em consonância com o Brasil
moderno, ela se via como a superação do Brasil reprofundo. Uma
pequena-burguesia do general intellect gramatical (Bandeira da Silveira; 2022)
foi hegemônica na constituinte
“Como indica a tabela abaixo, a metade dos deputados eleitos
em novembro passado, antes de se dedicarem à política, tinha profissões e
atividades ocupacionais classificadas no Grupo 1 [profissões intelectuais]. Este
grupo, o dos profissionais liberais e demais atividades que requerem nível
elevado de saber e/ou conhecimentos especializados, supera amplamente o dos
deputados que tinham (ou têm) ocupações relacionadas à propriedade e ao mundo
dos negócios”. (Rodrigues; 79).
No campo político/ideológico e conjuntural esquerda/direita:
“A partir das autodefinições políticas dos deputados
constituintes, a Cãmara Federal e, em larga medida. A Assembleia Constituinte,
é predominantemente de centro-esquerda ou de esquerda moderada. Por outro lado,
como indica a tabela seguinte, poucos deputados classificaram a si em posições
extremadas, de direita ou de esquerda. Mas precisamente, nenhum deputado
declarou ser de direita e somente uma pequena porcentagem (5%) se disse de
esquerda”. (Rodrigues: 97).
O regime político de 1988 vivei e vive a contradição
antagônica entre uma burguesia política pós-modernista da direita [que controla
o Congresso} e a tela gramatical
constitucional-88. A burguesia política procurou destruir o Espírito da
Constituição-88 com induções [por
emendas] incorretas e, portanto,
irracionais em relação à gramatica constitucional. Um contexto político
irracional se opõe a razão barroca paraconsistente da Constituição-88. Do
regime irracional, há fabricação de um
Estado paralógico, fascista e mafioso. O golpe de Estado na democracia-88 (em
08/01/2023) foi um efeito da gramática Do Estado paralógico da região
fascista/mafiosa do campo político histórico de 1988.
A Cosntituição-88 é a ultrapassagem da gramática idealista de
nossas elites tradicional monárquica e republicana; e uma Constituição já
preparada para conduzir o país na transição do século XX para o século XXI.
Trata-se da superação da gramática e ideologias políticas de Oliveira Vianna:
“Idealismo utópico é, pois, todo e qualquer sistema
doutrinário, todo e qualquer conjunto de aspirações políticas em íntimo
desacordo com as condições reais e orgânicas da sociedade que pretende reger e
dirigir. O que realmente caracteriza e denuncia a presença do idealismo utópico
num sistema constitucional é a disparidade que há entre a grandeza e a
impressionante eurythimia de sua estrutura e a insignificância do seu
rendimento efetivo – e isto quando não se verifica a sua esterilidade
completa”. (Vianna. 1939; 10-11).
A distinção entre Brasil legal (Estado idealista
constitucional do cosmopolitismo anglo-americano) e Brasil reprofundo (Bandeira
da Silveira; 2021) deixou de ser irrevogável no Brasil-88?
Oliveira Vianna:
“Uma dada sociedade tem, majestosamente instalada, no seu
cimo, como um coroamento de glória, um poderoso maquinismo, capaz de produzir
uma porção de coisas úteis e belas; capaz de produzir a paz, a justiça, a
ordem, a tranquilidade capaz de produzir a prosperidade, o progresso, a
civilização; capaz de produzir o governo do povo pelo povo, o regime de
opinião, a democracia, a liberdade, a igualdade, a fraternidade: - e,
entretanto, esse formidável aparelho capaz de produzir tanta coisa útil e bela,
não produz, justamente pelo seu caráter utópico da sua organização nada disto –
porque, em regra, produz o contrário disto...”. (Vianna. 1939; 11).
Guerra civil
permanente ou stasis (Derrida; 110-111) e campo político idealizado como
pacífico, eis a aporia que continua na história política do Brasil-88?
7
No regime de 1988, a burguesia industrial urbana diminui de
34% para 11%, enquanto se desenvolve uma burguesia rural industrial
exportadora, sendo a do Centro-Oeste a mais importante no domínio político. Não
existe estudo sobre o campo de ideologias dessa burguesia rural que tem uma
analogia com a burguesia feudal-exportadora -mercantil do Brasil colonial. Elas
são latifundiárias.
Oliveira Vianna se preocupou com o estudo do latifúndio
colonial. Ele reuniu um conjunto de imagens-textuais do latifúndio colonial
como fenômeno econômico/social suporte do Estado territorial nacional:
“Essa aristocracia constitui, como veremos, o centro de
polarização dos elementos arianos da nacionalidade. Nos seus sentimentos e
volições, nas suas tendencias e aspirações, ela reflete a alma peninsular nas
suas qualidades mais instintivas e estruturais. São realmente essas qualidades
que formam ainda hoje o melhor de nosso caráter. Com as tintas das suas peculiaridades
é que se colorem, na intimidade da nossa consciência coletiva, os nossos mais
recônditos ideais”. (Vianna. 1987: 47).
A gramática do campo das ideologias do agrarismo foi objeto
de uma luta cultural na transição do Brasil profundo para o Brasil moderno.
Oliveira Vianna sempre defendeu a superioridade da ideologia agrarista em
relação ao capital mercantil, industrial e bancário. Porém, ele desenha a
subjetividade da aristocracia como ambivalente:
“Essa estabilidade dos grupos familiares superiores permite
que se forme, no meio rural, uma trama de relações sociais também estáveis,
permanentes e tradicionais. Esses grupos se conhecem mutuamente nas suas
qualidades, gênios, tendências e idiossincrasias, ou tradicionalmente se
odeiam. Sociedade rarefeita, de círculo vicinal limitado, todos, por isso
mesmo, se nomeiam, se cumprimentam e mantém entre si uma certa comunidade de
simpatias e afetos. É mesmo uma das praxes mais encantadoras das nossas aldeias
o saudarmos todos os que encontramos nas estradas, como se todos os viajores e
transeuntes fossem conhecidos velhos da vizinhança, ou amigos de longa data”.
(Vianna. 1987: 48).
Ao Estado territorial do latifúndio escravista corresponde um
campo de ideologias autoritárias como a de Oliviera Vianna, espetacularmente,
que governou a Colônia, monarquia e República Velha. Getúlio e sua Revolução de
1930 procuraram criar um Estado urbano em um contraponto ao Estado-da terra da
aristocracia rural:
“Herança da família lusa, profundamente transformada, pelo
habitat rural, pelo insulamento dos latifúndios, pela dispersão demográfica dos
campos, pela necessidade, nos primeiros séculos, da solidariedade na luta, a
família fazendeira, tal como nos parece no IV século, é realmente a mais bela
escola de educação moral do nosso povo. Hoje, como a vemos, está fortemente
abalada na sua solidíssima estrutura; mas, outrora, ela se organiza à maneira
austera e autoritária da família romana”. (Vianna. 1987: 49).
O latifúndio do Centro-Oeste conspirou, organizou, planejou,
realizou o golpe de Estado fracassado contra a democracia da Constituição de
1988, em 01/08/2023. Os Kids Pretos foi um aparelho do exército do Centro-Oeste
que se envolveu diretamente como o golpe político. Foi uma aristocracia rural
viannista que fez esse acontecimento?
Historiador representante da revolução urbana da década e
1930, Sergio Buarque de Holanda escreveu sobre a aristocracia viannista:
“Essa vitória nunca se consumará enquanto não se liquidem,
por sua vez, os fundamentos personalistas e, por menos que o pareçam
aristocráticos, onde ainda assenta nossa vida social. Se o processo
revolucionário a que vamos assistindo, e cujas etapas mais importantes foram
sugeridas nestas páginas, tem um significado claro, será este o de
desintegração lenta, posto que irrevogável, das sobrevivências arcaicas, que o
nosso estatuto de país independente até hoje não conseguiu extirpar. Em palavras mais precisas, somente através de
um processo semelhante teremos finalmente revogada a velha ordem colonial e
patriarcal, com todas as consequências morais, sociais e políticas que a ela
acarretou e continua a acarretar”. (Holanda: 135).
Sergio cria uma imagem textualizada bem realista da família
senhorial rural:
“ Aos que , com razão, de seu ponto de vista, condenam por
motivos parecidos os âmbitos familiares excessivamente estreitos e exigentes,
isto é, aos que os condenam por circunscreverem demasiado os horizontes da
criança dentro da paisagem familial, pode ser respondido que, em rigor, só hoje
tais ambientes chegam a constituir, muitas vezes, verdadeiras escolas de
inadaptados e até de psicopatas”. (Holanda: 105).
O Brasil profundo colonial tem a companhia do Brasil
reprofundo de um Bolsonaro do regime de 1988. (Bandeira da Silveira. 2021: 14).
O Brasil reprofundo 1988 produz efeitos que parecem irrevogáveis:
“A destruição da classe dirigente reflexo e intérprete da
gramática hegemônica e coativa simbólica nacional é obra da expansão do Estado
empresarial privado, que unifica as práticas políticas governamental e
parlamentar, tendo como princípios ideais neoliberais como fonte de seu poder
ficcional, mas muito real”
“O fenômeno em tela se traduz como corrupção no sentido da
antiguidade europeia e moderna. O Estado empresarial privado neoliberal usa as
leis e a Constituição de 1988 como fonte d seu poder para corromper a política
e o aparelho de Estado. Governos de esquerda e de direita entram na corrupção
público/privada, obedecendo à lógica da gramática desagregadora de privatização
da riqueza publica por indivíduos, clãs, partidos políticos, parlamento e
governos nacional e local”. (Bandeira da Silveira. 2021: 17).
Em 2024, um Estado mafioso da multinacional dos jogos de azar
digitais conquista o governo federal e seu partido político, o parlamento e
governos estaduais.
8
Há o campo político lógico da pessoa como efeito da gramática
da liberdade jurídica; existe o campo da coisa paralógico incorreto senhorial como
efeito da gramática jurídica da escravidão:
“Desde que o homem é reduzido à condição de cousa, sujeito ao
poder e domínio ou propriedade de um outro, é havido por morto, privado de
todos os direitos, e não tem representação alguma, como já havia decidido o
Direito Romano. Não pode, portanto, pretender direitos políticos, direitos da
cidade, na frase do Povo Rei”. (Malheiro:17).
Por outro lado, há, ainda, o campo do monstro humano, campo
da superfície heteróclita da meia-noite do Estado infralógico.
DA
CRISE PAULISTA
Althusser fala de uma crise política por deslocamento e
condensação de contradições em um ponto de fissão do campo político. Em São
Paulo, o campo político sofre uma separação entre o Estado infralógico
criminoso e o Estado lógico constitucional e do aparelho penal legal. Tal crise
acontece em São Paulo com o PCC em uma guerra de posição que conquistou a
prefeitura da capital – Covas indiretamente - e quer conservá-la na eleição
atual. O PCC é um Estado infralógico [ele voa abaixo do radar do Estado de polícia}
mafioso ítalo-brasileiro.
Na eleição de São Paulo, se chocam o Estado mafioso [apoiado
pela grande imprensa, partidos da direita e empresários] e o Estado
constitucional da democracia 1988. A dramaticidade da crise althusseriana
consiste no fato que o STF resolveu enfrentar o aparelho do Estado mafioso no
Congresso. Assim, a grande imprensa de SP/RJ teve que sair em defesa do Estado
infralogico/heteróclito. A Grande imprensa procura ser supralógica voando no
espaço sublunar do campo político brasileiro. Os agentes do Estado constitucional
territorial/nacional têm ilusões imagem/textual sobre o papel da grande
imprensa. Bem! o dominante sabe que é dominante e o dominado não sabe que é
dominado. O dominado é o Estado da democracia de 1988, como o STF. Lula que
sabe que é dominado fez uma aliança, ou mais exatamente, conluio neogrotesco,
como Estado infralógico mafioso do Congresso. Assim, o STF ficou sozinho na
defesa da democracia constitucional. O mundo jurídico conhece a existência do
Estado mafioso paulista e se recolhe na sua vida particular privada e faz
negócios infralógicos. Tal mundo não tem vida pública em relação ao Estado
mafioso no campo político da conjuntura paulista sinistramente bizarra.
A eleição da capital SP pode ser uma reação do Estado
democrático-88 ou, então, mais uma vitória do Estado mafioso heteróclito rumo à
conquista de Brasília não mais por um tipo naive como Bolsonaro, e sim por um
chefe nacional capaz de falar com os dois mundos: lógico e infralógico.
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