sábado, 17 de agosto de 2024

Da grande potência gramatical Estado e Sociedade

 

José Paulo 

 

 A GRANDE POTENCIA IDEOILÓGICA produz ideias e valores. A grande potência gramatical inventa gramáticas e afecções. Na história da civilização política secular, a Grécia é a primeira grande potência gramatical. A grande potência gramatical se desenvolve com o Estado territorial na polis e na prática política da politeia. Platão foi o primeiro aparelho de hegemonia molecular gramatical que inventou a filosofia enquanto Aristóteles inventou o campo da lógica. Os gregos criaram duas gramáticas da cultura: idealismo e materialismo.

Na época moderna, A Reforma de Lutero cria o individualismo religioso. É a gramática idealista alemã do individualismo no campo político histórico europeu. (Dumont. 1991: 36). A Revolução francesa inventa a gramática do individualismo materialista na Europa. A Alemanha é a primeira grande potência gramatical da história da civilização política europeia. O problema que se põe e repõe é o da passagem da potência (virtual) ao ato, isto é, a prática política territorial. 

A grande potência em ato é um fenômeno [é o que aparece} no campo político como Estado, isto é, aparelho de Estado de coação e aparelho de hegemonia de Estrado como poder político. Bourdieu estabeleceu o poder político como poder simbólico:

“Os <sistemas simbólicos>, como instrumentos de conhecimento e de comunicação, só podem exercer um poder estruturante porque são estruturados”. (Bourdieu.1989: 9).

São estruturados pelo quê? São estruturados por uma razão. Qual razão?

Segue:

“O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico, quer dizer, <uma concepção homogênea do tempo, do espaço, do número, da causa, que torna possível a concordância entre inteligências”, (Bourdieu. 1989: 9).

O poder político simbólico requer uma razão na estruturação do campo político histórico. A gramática do idealismo fabrica o Estado nominalista que cria e recria a realidade do campo político histórico:

‘o procedimento de que se serviria para deduzir o futuro a partir do passado, consistiria em que se forma <imagens virtuais internas ou símbolos> dos objetos exteriores de tal modo que as consequências logicamente necessárias das imagens sejam sempre as imagens das consequências naturalmente necessárias dos objetos reproduzidos”. (Cassirer. 1971: 14).

A imagem textual ou símbolo faz pendant com o poder político simbólico. A imagem textual do fenômeno existe no campo político como Estado territorial-virtual na passagem da potência gramatical ´para o ato ou prática política ado Estado linguístico.     

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Aristóteles criou a gramática materialista da ciência política, criou a ciência política materialista do Estado grego necessário:

“Le nécessaire est aussi le contraint et le force, c’est-à-dire ce qui, contre l’impulsin et le choix délibéré, fait obstacle et empêchement; car le contraint s’appelle nécessaire et c’est porquoi il est pénible; comme led it Evenus,

Toute action imposée par la necessite set naturellement fâcheuse ,

La force est aussi une nécessité, selon la parole de Sophocle,

C’est la force qui m’oblige à accomplir cela”. (Aristote. V. 1: 258-259).

O Estado é potência:

“On appelle puissance le principe du mouvement ou du changement, qui set dans un autre être, ou dans le même être en tant qu’autre”. )Aristote. V. 1: 283-2 84).

O aparelho de coerção do Estado é necessário e ele é potencia que move os fenômenos puníveis no campo político dentro e fora do Estado  e da sociedade:

“État, en un sens, est comme un acte de ce qui a et est <eu>, quelque chose comme une action ou un mouvement: car, entre l’artiste et son ouvre s’insère la création”. (Aristote. V. 1: 304).

O Estado é um  artista que cria uma obra: o campo político histórico-conjuntural.

A potência e o ato, a gramática virtual e a prática política territorial, a passagem da gramática idealista para à gramática materialista comprimida na Tese 11 de Marx:

“Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo”. (Marx. 1974: 59).

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O Estado é como um corpo político vivo?

Aristóteles

‘le vivant mourra nécessairement, cari l porte dejà en lui la condition da as mort. À savoir la présence de contraíres dans le même corps. (Aristote. V. 1: 342).

A contradição no ser do Estado leva à destruição do Estado. A afecção no ser do Estado leva a seu infortúnio?

Aristóteles:

On appelle affection, en un premier sens, la qualité suivant laquelle un être peut être altéré; par exemple, le blanc et le noir, le deux et l’amer, la pensatuer et la légèreté, et  autres déterminations de ce genre”. (Aristote. v. 1: 305).

O ser do Estado pode passar de macio para duro, de doce para amargo, de branco para negro, de reflexão para ligeira imediatez. As determinações das afecções do ser do Estado dependem da relação do aparelho de Estado com o uso da violência legitima ou ilegítima:

“ - Em um autre sens, c’est l’acte de ces qualités et dès lors altérations elle-mêmes -. On entend aussi par là, particulièrement, les altérations et les mouvements nuisibles, et surtout les dommages fâcheux – Enfin, on appelle affections de grandes et cruelles infortunes”. (Aristote. V. 1’: 305-306).   

As alterações e movimentos prejudiciais e danos infelizes ao ser do Estado aparecem como coisas cruéis e infortúnios para o povo do Estado. O Estado como estrutura de dominação política não aparece para os gregos como infortúnio, como prejudicial e dano à vida cotidiana. Porque, o Estado tem que existir pelo princípio da não contradição:

Il y a des philosophes qui, comme nous l’avons dit, pretendente, d’une part, que la même chose peut, à la fois, être et n’être pas, t, d’autre part, que la pensée peut le concevoir. Ce langage est aussi celui d’un grand nombre de physiciens. Quant à nous, nous venon de reconnaître qu’il est impossible, pour une chose, d’être et n’être pas en même temps, et c’est en nous appuyant sur cette impossibilité que nous avons montré que ce principe est le plus ferme de touts”. (Aristote: v. 1: 197).

O Estado não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ser Estado e não ser Estado. Assim, o Estado não pode ser, ao mesmo tempo, Estado moderno racional e Estado tradicional não-racional. O Estado como ser lógico:

“Quant à lÊtre comme vrai, et au Non-Être comme faux, ils consistente dans l’union et dans la séparation, et le vrai et le faux réunis se partagent entièrement les contradictoires. En efect, le vrai c’est l’affirmation de la composition réelle du suget et de l’attribut, et la négation de leur séparation réelle”. (aristote. V. 1: 343).

O Estado é o sujeito cujo atributo é a racionalidade. O verdadeiro do Estado é a firmação da composição real do Estado com a razão e a negação de sua separação real. O Estado só existe como sujeito de razão:

“le faux est la contradiction de cette affirmation et de cette négation”. (Aristote. V. 1:343-344).

O Estado falso é a contradição da ideia da unidade do sujeito politico e racionalidade e  a negação de sua separação real. Assim, é possível pôr o problema do Estado sociológico da pós-modernista como separação real do aparelho de Estado e da racionalidade:

“Um Estado pode ser definido como uma organização política cujo domínio é territorialmente organizado e capaz de acionar os meios de violência para sustentar esse domínio. Tal definição é próxima de Weber, mas não destaca uma reivindicação ao monopólio dos meios de violência ou o fator legitimidade”. (Giddens: 45().

Há a  negação da unidade entre Estado e razão, seja fática, seja jurídica. O Estado não necessita ser legítimo no uso da violência do aparelho do Estado. Essa é a definição de Estado de Marx par quem o aparelho de Estado serve ao uso da violência do poder político burguês sobre o dominado. É o Estado como estrutura de violência contra as massas ou multidão na luta de classe do dominado. É a escola realista da definição do Estado burguês. Para Aristóteles já não é o Estado racional, e sim um fenômeno político irracional:

‘l’Être em tant que vrai n’est que’une affection de la pensée”. (Aristote. V. 1: 345).

O Ser do Estado como verdadeiro é uma afecção do pensado. Do pensado que é o ser gramatical do aparelho de Estado moderno racional. O uso da violência do aparelho do Estado [sobre a multidão] se submete à razão legislativa penal - pensada pelo legislador.

O Estado pós-modernista não é um poder simbólico da unidade das inteligências no campo político conjuntural. O poder burguês não é um poder simbólico da razão política. O Estado burguês já não é um Estado da civilização política ocidental. O Estado burguês é um Estado paralógico de uma prática política sublunar de indução incorreta do bem comum. (Newton da Costa. 2019: 25-26).

Aristóteles fala de uma definição de poder ou potência:

“De toutes les puissances, les unes sont innées, comme le sens; d’autres viennent de l’habitude , comme l’habilileté à Joeur de la flûte; d’autres sont acquises par l’étude, par exemple les facultés artistiques: il est, par suíte, nécessaire qu’il y ait un exercice antérieur pour les pussances qui proviennent de l’habitu et du raisonnement, tandis que celles qui sont d’une autre sorte et qui impliquent la passivité, n’exigent pas cet exercice”. (Aristote. V. 2: 496).

  O sentido é produção de um poder da gramática interna do indivíduo, do cérebro; o poder é um fenômeno de práticas da habilidade não técnica de tocar um instrumento musical como a flauta; o poder pode advir do capital cultural da educação; o poder existe em um exercício, em uma prática política; o poder do hábito (compulsão à repetição) e da razão são poderes práticos. (Bourdieu; 1994); o poder político demanda a atividade da prática política em um campo político; ele pode ser paralógico correto ou incorreto; pode ser uma prática de induções corretas da tela gramatical ou espírito da lei ou indução incorreta:

“L’intitulé général Constitiuition recouvre une rthéorie de l’Etat. Elle commence par poser que l’Etat est pour ainsi dire l’esprit de la loi”. (Taminiaux: 57).

O poder pode ser o mover a prática política racional ou irracionalmente, dependendo do agente ser racional ou irracional, poder racional e irracional:

“que certaine êtres peuvent mouvoir rationnellemnt et que leurs puissances sont, tandis que d’autres sont irrationelles et leurs puissances irrationnelles”. (Aristote. V. 2: 496).

O poder racional do logos do princípio da não contradição estabelece um Estado lógico-clássico puro. O poder reacional da gramática estabelece um Estado gramatical-lógico:

“Qualquer lógica L envolve a fixação de família de linguagens sem as quais ela não poderia expressar suas regras, que são, no fundo, cânones linguísticos”. (Newton da Costa. 2019: 14).

O Estado lógico gramatical aparece claramente em Weber:

“Com efeito, se considera hoje conceitualmente idêntico o <Estado nacional> e o <Estado montado sobre a base de unidade de linguagem. Outrossim, junto as unidades políticas constituídas no sentido linguístico que são as de cunho moderno, temos outras mais que abarcam várias comunidades linguísticas e que quase sempre escolhem um idioma para a vida política”. (Weber: 324-25).

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O Estado lógico clássico funciona pelo princípio da não contradição no aparelho de Estado. Na definição marxista do Estado como aparelho repressivo e aparelhos ideológicos, o aparelho repressivo é uma unidade estabelecida pelo princípio da não contradição; por outro lado, não há uma prática política unificada nos aparelhos ideológicos, eles admitem a contradição na prática política fragmentada deles:

“2. Ao passo que o Aparelho (repressivo) de Estado constitui um todo organizado cujos diversos ramos estão centralizados por uma inidade de direção, a da política da luta de classes aplicada pelos agentes políticos das classes dominantes, que detém o poder de Estado – os Aparelhos Ideológicos de Estado são múltiplos, distintos e relativamente autônomos, suscetíveis de oferecer um campo objetivo às contradições que expressam, de forma ora limitadas, ora mais amplas, os efeitos dos choques entre a luta de classes capitalista e proletária, assim como de suas formas subordinadas”. (Althusser: 89).

Montesquieu fala do poder político como natureza ou estrutura [gramática virtual de governo] e do poder político atual, ou prática, ou o agir do governo:

“Il y a cette différence entre la nature du gouvernement et son princip, que as nature est ce qui le fait être tel; et son principe, ce qui le fait agir. L’une est la struture particulière, et l’autre le passins humanes qui le font mouvoir”. (Montesquieu: 143).

As formas de governo podem ser racionais ou irracionais, estas tendo como poder de mover os fenômenos as afecções do governante:

“J’ai dit que la nature du gouvernement républicain est que le peuple en corps, ou de certaines familles, y aient la souveraine puissance, celle du gouvernement monarqchique, que le prince y ait la souveraine puissance , mais qu’il l’exerce selon des lois établiés; celle du gouvernement despotico, qu’un seul y gouverne selon ses volontés et ses caprices”. (Montesquieu: 143-144).  

A prática política paralógica do Estado republicano ou monárquico constitucional é um poder de uma razão jurídica [poder simbólico político racional], que move fenômenos racionais no campo político histórico. O Estado despótico é um poder irracional [funcionando segundo o domínio de afecções do déspota], um poder político do campo diabólico (Godin:732), em uma superfície reprofunda heteróclita       

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No Brasil da década de 1920, o jurista de Niterói Oliveira Vianna criou a ciência política sistemática, um campo de ideologias fascistas modernistas. Nilo Odália diz:

“Por esses motivos é que parece tão fácil, para alguns círculos intelectuais ignorarem de maneira preconceituosa e indevida, a obra de pensadores como Oliveira Vianna, pois sua identificação com posturas reacionárias ou ultra-reacionárias (J. H. Rodrigues) e mesmo fascistas, especialmente no que tange à construção de um Estado corporativista, parece não deixar dúvidas quanto a afiliação de suas ideias”. (Bastos:146).

Vianna criou uma imagem textual de um Estado lógico-territorial como praça do Estado nacional:

“Em sua análise histórica, Oliveira Vianna privilegia de maneira clara o fator geográfico, representado pelo fato de o Brasil ser um ´país de dimensões territoriais continentais. A novidade está em que ele consegue extrair de maneira lógica e engenhosa as consequências da imensidão territorial brasileira”. (Bastos: 150).       

O dialético da USP Octavio Ianni contextualiza nosso cientista político seminal:

“Oliveira Vianna vem diretamente do pensamento conservador europeu, norte-americano e brasileiro. Privilegia a organização e a atividade do Estado, conferindo-lhe um papel predominante, ‘civilizador’. Baseia-se no pressuposto de que a sociedade civil é débil, incapaz; que o povo não está cultural e politicamente preparado para exercer papel ativo nos negócios públicos. Precisa ser tutelado, administrado, por um poder estatal cada vez mais corporativo, organizador e modernizador. Essa interpretação ressoa bastante no pensamento brasileiro das décadas posteriores, em ambientes empresariais, políticos, militares, jornalístico, universitários. Pode ser vista como proposta de modernização conservadora, pelo alto, que se impõem á sociedade como um todo, em seus grupos e classes, instituições e formas de organização”. (Bastos: 434).   

Duas frases sobre o povo brasileiro que são parte da ideologia do dominante. Último presidente da ditadura militar 1964, general João Figueredo disse: “gosto mais do cheiro de cavalo do que do cheiro do povo”. O jogador Pelé disse: “o povo não o sabe votar”. Frases de uma gramática ideológica de ataque à democracia. O historiador Evaldo Vieira fala dessa ideologia criada no campo político fascista literário:

“Nos limites de uma exposição como esta, pode-se declarar que, para ele, o modelo de povo brasileiro conta com componentes indispensáveis. No primeiro volume de “Populações Meridionais do Brasil”, obra inicial, por meio da índole do povo alcança-se a explicação de que aqui tudo vai bem, apesar de todos mandarem e ninguém obedecer. E completa Oliveira Vianna: É proverbial a sua incapacidade para apaixonarem-se por uma qualquer questão política de uma maneira duradoura e pertinaz. Nas suas maiores agitações, cedo e, às vezes, quase de súbito, sobrevém o cansaço”. Em “Evolução do `Povo Brasileiro”, demonstra que o povo ‘é inteiramente indiferente às formas de governo’, porque ‘não é monarquista, como também não é republicano’”. (Bastos: 160-161).

Essa ideologia sobre o popular foi montada depois de duas décadas da primeira conjuntura da luta operaria na república e no ano da “Semana de arte Moderna”. Dessa Semana sairia Plínio Salgado que foi o líder do movimento “Verde-Amarelo” e do Partido Integralista [fascismo luso-brasileiro], partido de massa dos camisas verdes. Plinio constrói uma imagem textual do popular fora do campo ideológico reacionário de Oliveira Vianna. A ditadura militar manteve a soberania popular para uma representação de deputados e senadores e outros cargos do Estado militar liberal. Ela seguiu Plinio e não Oliveira Vianna.

Evaldo fala da ideia de Estado fascio-tropicalista viannista e fala de um Estado tributário territorial nacional e do aparelho de Estado como conciliação do Capital e do trabalho:   

“Por certo a concepção de Estado conserva-se mais ou menos a mesma, das primeiras às suas últimas obras. Porém, uma ideia de tal Estado pode ser colhida no “Programa de Revisão da Constituição Federal de 1891, elaborado por Oliveira Vianna a pedido de Juarez Távora em 1932. Em seu “Programa”, ele mantém o presidencialismo e aconselha a ampliação do mandato do presidente da República para sete anos. Defende a eleição indireta deste, propõe o voto censitário para todas as eleições que não sejam municipais e fixa a distinção entre capacidade de eleger e capacidade de ser eleito. Enumera medidas administrativas, todas de cunho centralizador: reforma dos Tribunais de Contas, unificação de legislação de funcionários públicos, federalização da Justiça (inclusive a eleitoral), controle estatal do ensino, reforma tributária favorável à União e revogação de mandatos legislativos. O ‘Programa’ destaca a necessidade de intervenção do Estado a fim de solucionar equitativamente os conflitos entre o capital e o trabalho, uma questão que ressurgirá nos estudos de Oliveira Vianna, sobretudo durante a organização da Justiçado Trabalho”. (Bastos: 163).

A ideologia fascista de Oliveira Vianna seria levada para a Assembleia Nacional Constituinte [pelo clube tenentista <3 de outubro>],  constituinte que teceu a Constituição da democracia de 1934 após a primeira ditadura de Getúlio Vargas. A concepção política do Estado fascio é clara e distinta:

“Um dos fundamentos do modelo de Estado Corporativista acha-se na crença de que os grupos da nação manifestam interesse coletivo. Em ‘Problemas d Organização e Problemas de Direção’, Oliveira Vianna expõe uma das mais claras elaborações de tal Estado Corporativo:

um entendimento – direto, quotidiano, constante, íntimo – entre os podres públicos e os delegados de todas as atividades principais da economia do país: concilia-se, assim, a autonomia da vida econômica do povo com a unidade da sua direção, isto é, com a política econômica da Nação.

“No nível prático, as atividades desenvolvidas por Oliveira Vianna a respeito do corporativismo visaram à organização da Justiça do Trabalho e a alguns setores da organização sindical, aliás únicas tentativas de construção de seu Estado Corporativo”. (Bastos: 164).

Os fascistas de Plínio Salgado tentaram um golpe de Estado contra a democrcia-34. A ciência política viannista consistiu no aparelho de hegemonia da fabricação de um novo Estado. Getúlio deu o golpe de Estado que desintegrou a democracia-34. Vargas fabricou um novo Estado totalitário na onda da conjuntura fascista na Europa e como efeito da gramática do partido fascista geral brasileiro.  

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Há gramática e ideologia na ciência política materialista viannista:

“No trabalho de construção do nosso aparelhamento político, temos seguido um processo inteiramente oposto ao dos grandes povos da antiguidade, como o romano ou grego, ou dos grandes povos modernos, como o inglês, o norte-americano, o alemão. Entre nós, não é o povo, na sua estrutura, na sua economia intima, nas consiçoes particulares de sua psyche, que os organizadores brasileiros, os elaboradores dos nossos códigos políticos vão buscar os materiais para as suas formosas e soberbas construções: é fora de nós, é nas jurisprudências estranhas, é em estranhos princípios, é nos modelos estranhos, é nos exemplos estranhos, é em estranhos sistemas que eles se abeberam e inspiraram. Parece até que é somente sobre estes paradigmas forasteiros que a sua inteligência sabe trabalhar com perfeição”. (Vianna. 1939: 7).   

Em 1922, Vianna distingue entre a gramática idealista das Constituições monárquica e republicana e a nossa cultura política materialista. Ele fala do contraponto entre nosso Estado tradicional do colono de clan [que atravessa a monarquia e a república] e o Estado moderno europeu anglo-saxônico e dos EUA: 

“Num país dominado pela política de clan, onde há regiões inteiras taladas ainda por sanguinolentas lutas de família e onde os grupos partidários não passam de bandos que se entrechocam, não por ideias, mas por ódios personalíssimos e rivalidades locais de mandonismo, não menos idealistas seriam os que – à guisa, porventura, do que, nas suas viagens de ‘touristes’, viram a admiração nas pacíficas cidadezinhas  inglesas e nas ativas ‘towns’ americanas – sonhavam instituir em tal país, onde o adversário político é considerado pelos vencedores um verdadeiro ‘outlaw’ um regime de proteção e defesa das liberdades e direitos individuais segundo o padrão anglo-saxônico. Quero dizer: por meio de uma justiça eletiva e de uma polícia eletiva, saídas uma e outra do escrutínio das facções beligerantes. O mecanismo político criado sob esse modelo teria fatalmente de faltar à sua finalidade interna: a garantia do direito. Não, propriamente, por defeito de sua estrutura íntima; mas, pela sua nenhuma adaptação às condições reais da sociedade, em que deveria funcionar. Seria, pois, uma construção eivada de idealismo utópico que damos a esta expressão”. (Vianna. 1939: 10).

A Constituição de 1988 estava em consonância com o Brasil moderno, ela se via como a superação do Brasil reprofundo. Uma pequena-burguesia do general intellect gramatical (Bandeira da Silveira; 2022) foi hegemônica na constituinte

“Como indica a tabela abaixo, a metade dos deputados eleitos em novembro passado, antes de se dedicarem à política, tinha profissões e atividades ocupacionais classificadas no Grupo 1 [profissões intelectuais]. Este grupo, o dos profissionais liberais e demais atividades que requerem nível elevado de saber e/ou conhecimentos especializados, supera amplamente o dos deputados que tinham (ou têm) ocupações relacionadas à propriedade e ao mundo dos negócios”. (Rodrigues; 79).

No campo político/ideológico e conjuntural esquerda/direita:

“A partir das autodefinições políticas dos deputados constituintes, a Cãmara Federal e, em larga medida. A Assembleia Constituinte, é predominantemente de centro-esquerda ou de esquerda moderada. Por outro lado, como indica a tabela seguinte, poucos deputados classificaram a si em posições extremadas, de direita ou de esquerda. Mas precisamente, nenhum deputado declarou ser de direita e somente uma pequena porcentagem (5%) se disse de esquerda”. (Rodrigues: 97).

O regime político de 1988 vivei e vive a contradição antagônica entre uma burguesia política pós-modernista da direita [que controla o Congresso}  e a tela gramatical constitucional-88. A burguesia política procurou destruir o Espírito da Constituição-88 com induções  [por emendas] incorretas e, portanto,  irracionais em relação à gramatica constitucional. Um contexto político irracional se opõe a razão barroca paraconsistente da Constituição-88. Do regime irracional, há  fabricação de um Estado paralógico, fascista e mafioso. O golpe de Estado na democracia-88 (em 08/01/2023) foi um efeito da gramática Do Estado paralógico da região fascista/mafiosa do campo político histórico de 1988.

A Cosntituição-88 é a ultrapassagem da gramática idealista de nossas elites tradicional monárquica e republicana; e uma Constituição já preparada para conduzir o país na transição do século XX para o século XXI. Trata-se da superação da gramática e ideologias políticas de Oliveira Vianna:

“Idealismo utópico é, pois, todo e qualquer sistema doutrinário, todo e qualquer conjunto de aspirações políticas em íntimo desacordo com as condições reais e orgânicas da sociedade que pretende reger e dirigir. O que realmente caracteriza e denuncia a presença do idealismo utópico num sistema constitucional é a disparidade que há entre a grandeza e a impressionante eurythimia de sua estrutura e a insignificância do seu rendimento efetivo – e isto quando não se verifica a sua esterilidade completa”. (Vianna. 1939; 10-11).

A distinção entre Brasil legal (Estado idealista constitucional do cosmopolitismo anglo-americano) e Brasil reprofundo (Bandeira da Silveira; 2021) deixou de ser irrevogável no Brasil-88?

Oliveira Vianna:

“Uma dada sociedade tem, majestosamente instalada, no seu cimo, como um coroamento de glória, um poderoso maquinismo, capaz de produzir uma porção de coisas úteis e belas; capaz de produzir a paz, a justiça, a ordem, a tranquilidade capaz de produzir a prosperidade, o progresso, a civilização; capaz de produzir o governo do povo pelo povo, o regime de opinião, a democracia, a liberdade, a igualdade, a fraternidade: - e, entretanto, esse formidável aparelho capaz de produzir tanta coisa útil e bela, não produz, justamente pelo seu caráter utópico da sua organização nada disto – porque, em regra, produz o contrário disto...”. (Vianna. 1939; 11).

 Guerra civil permanente ou stasis (Derrida; 110-111) e campo político idealizado como pacífico, eis a aporia que continua na história política do Brasil-88?

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No regime de 1988, a burguesia industrial urbana diminui de 34% para 11%, enquanto se desenvolve uma burguesia rural industrial exportadora, sendo a do Centro-Oeste a mais importante no domínio político. Não existe estudo sobre o campo de ideologias dessa burguesia rural que tem uma analogia com a burguesia feudal-exportadora -mercantil do Brasil colonial. Elas são latifundiárias.

Oliveira Vianna se preocupou com o estudo do latifúndio colonial. Ele reuniu um conjunto de imagens-textuais do latifúndio colonial como fenômeno econômico/social suporte do Estado territorial nacional:

“Essa aristocracia constitui, como veremos, o centro de polarização dos elementos arianos da nacionalidade. Nos seus sentimentos e volições, nas suas tendencias e aspirações, ela reflete a alma peninsular nas suas qualidades mais instintivas e estruturais. São realmente essas qualidades que formam ainda hoje o melhor de nosso caráter. Com as tintas das suas peculiaridades é que se colorem, na intimidade da nossa consciência coletiva, os nossos mais recônditos ideais”. (Vianna. 1987: 47).

A gramática do campo das ideologias do agrarismo foi objeto de uma luta cultural na transição do Brasil profundo para o Brasil moderno. Oliveira Vianna sempre defendeu a superioridade da ideologia agrarista em relação ao capital mercantil, industrial e bancário. Porém, ele desenha a subjetividade da aristocracia como ambivalente:

“Essa estabilidade dos grupos familiares superiores permite que se forme, no meio rural, uma trama de relações sociais também estáveis, permanentes e tradicionais. Esses grupos se conhecem mutuamente nas suas qualidades, gênios, tendências e idiossincrasias, ou tradicionalmente se odeiam. Sociedade rarefeita, de círculo vicinal limitado, todos, por isso mesmo, se nomeiam, se cumprimentam e mantém entre si uma certa comunidade de simpatias e afetos. É mesmo uma das praxes mais encantadoras das nossas aldeias o saudarmos todos os que encontramos nas estradas, como se todos os viajores e transeuntes fossem conhecidos velhos da vizinhança, ou amigos de longa data”. (Vianna. 1987: 48).

Ao Estado territorial do latifúndio escravista corresponde um campo de ideologias autoritárias como a de Oliviera Vianna, espetacularmente, que governou a Colônia, monarquia e República Velha. Getúlio e sua Revolução de 1930 procuraram criar um Estado urbano em um contraponto ao Estado-da terra da aristocracia rural:

“Herança da família lusa, profundamente transformada, pelo habitat rural, pelo insulamento dos latifúndios, pela dispersão demográfica dos campos, pela necessidade, nos primeiros séculos, da solidariedade na luta, a família fazendeira, tal como nos parece no IV século, é realmente a mais bela escola de educação moral do nosso povo. Hoje, como a vemos, está fortemente abalada na sua solidíssima estrutura; mas, outrora, ela se organiza à maneira austera e autoritária da família romana”. (Vianna. 1987: 49).

O latifúndio do Centro-Oeste conspirou, organizou, planejou, realizou o golpe de Estado fracassado contra a democracia da Constituição de 1988, em 01/08/2023. Os Kids Pretos foi um aparelho do exército do Centro-Oeste que se envolveu diretamente como o golpe político. Foi uma aristocracia rural viannista que fez esse acontecimento?

Historiador representante da revolução urbana da década e 1930, Sergio Buarque de Holanda escreveu sobre a aristocracia viannista:

“Essa vitória nunca se consumará enquanto não se liquidem, por sua vez, os fundamentos personalistas e, por menos que o pareçam aristocráticos, onde ainda assenta nossa vida social. Se o processo revolucionário a que vamos assistindo, e cujas etapas mais importantes foram sugeridas nestas páginas, tem um significado claro, será este o de desintegração lenta, posto que irrevogável, das sobrevivências arcaicas, que o nosso estatuto de país independente até hoje não conseguiu extirpar.  Em palavras mais precisas, somente através de um processo semelhante teremos finalmente revogada a velha ordem colonial e patriarcal, com todas as consequências morais, sociais e políticas que a ela acarretou e continua a acarretar”. (Holanda: 135).

Sergio cria uma imagem textualizada bem realista da família senhorial rural:

“ Aos que , com razão, de seu ponto de vista, condenam por motivos parecidos os âmbitos familiares excessivamente estreitos e exigentes, isto é, aos que os condenam por circunscreverem demasiado os horizontes da criança dentro da paisagem familial, pode ser respondido que, em rigor, só hoje tais ambientes chegam a constituir, muitas vezes, verdadeiras escolas de inadaptados e até de psicopatas”. (Holanda: 105).

O Brasil profundo colonial tem a companhia do Brasil reprofundo de um Bolsonaro do regime de 1988. (Bandeira da Silveira. 2021: 14). O Brasil reprofundo 1988 produz efeitos que parecem irrevogáveis:

“A destruição da classe dirigente reflexo e intérprete da gramática hegemônica e coativa simbólica nacional é obra da expansão do Estado empresarial privado, que unifica as práticas políticas governamental e parlamentar, tendo como princípios ideais neoliberais como fonte de seu poder ficcional, mas muito real”          

“O fenômeno em tela se traduz como corrupção no sentido da antiguidade europeia e moderna. O Estado empresarial privado neoliberal usa as leis e a Constituição de 1988 como fonte d seu poder para corromper a política e o aparelho de Estado. Governos de esquerda e de direita entram na corrupção público/privada, obedecendo à lógica da gramática desagregadora de privatização da riqueza publica por indivíduos, clãs, partidos políticos, parlamento e governos nacional e local”. (Bandeira da Silveira. 2021: 17).

Em 2024, um Estado mafioso da multinacional dos jogos de azar digitais conquista o governo federal e seu partido político, o parlamento e governos estaduais.

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Há o campo político lógico da pessoa como efeito da gramática da liberdade jurídica; existe o campo da coisa paralógico incorreto senhorial como efeito da gramática jurídica da escravidão:

“Desde que o homem é reduzido à condição de cousa, sujeito ao poder e domínio ou propriedade de um outro, é havido por morto, privado de todos os direitos, e não tem representação alguma, como já havia decidido o Direito Romano. Não pode, portanto, pretender direitos políticos, direitos da cidade, na frase do Povo Rei”. (Malheiro:17).

Por outro lado, há, ainda, o campo do monstro humano, campo da superfície heteróclita da meia-noite do Estado infralógico.

                                          DA CRISE PAULISTA

Althusser fala de uma crise política por deslocamento e condensação de contradições em um ponto de fissão do campo político. Em São Paulo, o campo político sofre uma separação entre o Estado infralógico criminoso e o Estado lógico constitucional e do aparelho penal legal. Tal crise acontece em São Paulo com o PCC em uma guerra de posição que conquistou a prefeitura da capital – Covas indiretamente - e quer conservá-la na eleição atual. O PCC é um Estado infralógico [ele voa abaixo do radar do Estado de polícia} mafioso ítalo-brasileiro.

Na eleição de São Paulo, se chocam o Estado mafioso [apoiado pela grande imprensa, partidos da direita e empresários] e o Estado constitucional da democracia 1988. A dramaticidade da crise althusseriana consiste no fato que o STF resolveu enfrentar o aparelho do Estado mafioso no Congresso. Assim, a grande imprensa de SP/RJ teve que sair em defesa do Estado infralogico/heteróclito. A Grande imprensa procura ser supralógica voando no espaço sublunar do campo político brasileiro. Os agentes do Estado constitucional territorial/nacional têm ilusões imagem/textual sobre o papel da grande imprensa. Bem! o dominante sabe que é dominante e o dominado não sabe que é dominado. O dominado é o Estado da democracia de 1988, como o STF. Lula que sabe que é dominado fez uma aliança, ou mais exatamente, conluio neogrotesco, como Estado infralógico mafioso do Congresso. Assim, o STF ficou sozinho na defesa da democracia constitucional. O mundo jurídico conhece a existência do Estado mafioso paulista e se recolhe na sua vida particular privada e faz negócios infralógicos. Tal mundo não tem vida pública em relação ao Estado mafioso no campo político da conjuntura paulista sinistramente bizarra.

A eleição da capital SP pode ser uma reação do Estado democrático-88 ou, então, mais uma vitória do Estado mafioso heteróclito rumo à conquista de Brasília não mais por um tipo naive como Bolsonaro, e sim por um chefe nacional capaz de falar com os dois mundos: lógico e infralógico.

 

 

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