quinta-feira, 8 de agosto de 2024

A questão do Estado hoje

 

José Paulo 

 

 

Derrida fez um livro sobre Marx no colapso final do marxismo-leninismo, incluindo, sobretudo, o de Althusser. Ele faz uma leitura do fim do marxismo-leninismo por Shakespeare: “The time is out of joint (Hamlet)”. O livro fala de espectros shakespeareano, de Marx e de Engels do livro “A ideologia alemã”. O livro é de 1993. De Paul Virilio, o livro de 1976 [sobre o Estado suicidário] é L’insécurité du territoire”. O Estado burguês pós-modernista assumiria esta forma política se desenvolvendo nos EUA como gramática da grande potência industrial-militar americana do Norte. Um campo político mundial surge no pós-guerra dividido entre Ocidente e URSS. O Estado suicidário burguês e o Estado suicidário soviético fazem a história da Guerra Fria.  O Colapso da URSS e do Leste Europeu rondam a Europa como espectros. Seria isso o tempo louco barroco de Hamlet?  Então:

“Agora os espectros de Marx [Mas agora sem conjuntura. Um agora desajuntado ou desajustado, ‘out joint’, um agora desencaixado que sempre corre o risco de nada manter junto, na firme conjunção de algum contexto, cujas bordas seriam ainda determináveis”. (Derrida.1993: 21). Derrida fala do <Estado da dívida>, sem chamar a atenção da ciência política universitária:

“Como em Hamlet, o príncipe de um Estado apodrecido, tudo começa pelo aparecimento do espectro, mas, precisamente, pela espera deste aparecimento”. (Derrida. 1993: 22).

O espectro que ronda a Europa é o fim do Estado-nação europeu transformado no Estado da dívida. Porém, outro espectro ronda o mundo: a globalização liberal do final do século XX e início do século XXI:

“Os espectros de Marx. Por que esse plural? Haveria mais de um? Mais de um, isso pode significar uma multidão, quando não massas, a horda ou a sociedade, ou então uma população qualquer de fantasmas com ou sem povo, tal comunidade com ou sem chefe – mas também o menos de um da pura e simples dispersão”. (Derrida. 1993: 21).

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Régis Debay fez a história que acaba no fim do Estado republicano francês com a fratura da prática política em esfera governamental -em esfera pública- e esfera privada do capital ou Estado publicitário:

“Quando é chefe da maioria, o presidente da República acumula as funções de representação no exterior, programador e apresentador no interior. Deve aparecer regularmente na tela e fazer um esforço para marcar presença enquanto anchorman em tempo de crise e animador de ‘programações excepcionais’. Mas a comparação para aí. Com efeito, o chefe de Estado é o Presidente de uma rede sem livre acesso à tela, nem concessão atribuída. O Estado é uma direção de produção sem rede de distribuição. Situação extravagante, quase loufoque, para quem, tendo deixado de ser uma rede de reverência, ainda pretenderia ser rede de referência. De que serve programar se não há a certeza de difundir”. (Debray: 100).

O Estado pós-modernista burguês é de um contexto da prática política como simulacro de simulação:

“baseados na informação, no modelo, no jogo cibernético, -operacionalidade total, hiper-realidade, objetivo de controle total”. (Baudrillard. 1981: 177).

A prática política hiper-real é mais real que o próprio real. Ela faz do campo das ideologias um espaço de fenômenos de simulacro, de simulação de produção de ideias quase políticas.                   

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Faço um balanço da literatura que uso sobre o Estado. O Estado é aparelho repressivo de Estado e poder de Estado (Balibar: 94). O aparelho de Estado aparece como uma prática política unificada de coerção sobre o dominado. No Brasil, há uma plurivocidade de aparelho repressivo. Ele usa violência também contra o dominante como a burguesia política e a oligarquia política, violência no molecular, um a um e também no atacado. Já o poder de Estado é exercido por indivíduos institucionais e por grupos do aparelho de Estado entre eles e sobre a população. Os grupos e indivíduos podem agir como o capital ou o Estado no aparelho de Estado.

Com o Estado burguês sem a lógica da sociedade de classes dominante, a prática política é repensada na filosofia política:

“É totalmente exato que o político está na retirada e na ausência; por isso se interroga sobre sua essência. Porém há liberação da política, cuja mobilidade, inscrita no pensamento de Maquiavel e Lenin, se encontrou subjugada filosoficamente pela essencialidade reconstituída do político”.

“Em sua função previa e crítica, a operação filosófica se orienta em direção a destruição do filosofema político naquilo em que se tem perdido de vista que é o real, do qual a política faz sua posse, nunca tem mais que o rosto sem essência do acontecimento”.

“O político não tem sido nunca mais que a ficção onde a política faz o agujero do acontecimento. Um enunciado canônico de Rousseau a Mao, o de que as massas fazem a história, designa precisamente nas massas esta irrupção supressora, a respeito do qual a filosofia política é só o relato sempre tardio e sempre desgarrado”. (Badiou: 9).

Badiou fala da prática política pós-modernista, e esta usa as massas como agir na rua pela lógica do simulacro de simulação, como fizeram o PT e o lulismo com o multiculturalismo, e Bolsonaro com o bolsonarismo dos evangélicos; estes últimos vivem um simulacro de simulação de revolução conservadora contra o multiculturalismo petista e lulista.      

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Gramsci mostrou a existência do Estado integral moderno na história capitalista da Itália, composto de aparelho repressivo (armada, polícia, administração, tribunais, burocracia etc.), aparelhos de hegemonia (culturais, políticos, econômicos), governo (Estado estreito) e Estado integral, Estado como aparelho de poder e Estado como organizador do consentimento, dominação e direção intelectual e moral, Estado e sociedade política, Estado e sociedade civil, ditadura e hegemonia. (Buci-Glucksmann: 114).  O historicismo de Gramsci não pensa o Estado moderno como tipo ideal ou modelo original a ser copiado como um fenômeno de sociologia positivista. Rigorosamente, o Estado integral tem que ser fabricado em conjunturas históricas da formação social nacional.

Na América Latina, a elite política nunca se preocupou em construir o Estado integral moderno. O Estado latino-americano aparece como pedaços de Estado integral. Há a subsunção da hegemonia à ditadura, da direção à dominação, no entanto, o bloco estético/político substitui o aparelho de hegemonia, como, por exemplo, o bloco estético populista brasileiro original e aquele que sustentou a ditadura-militar de 1964. Com o TeleEstado, o bloco estético desaparece como organizador do consentimento político das massas. Na ditadura, o aparelho econômico de Estado cumpriu a função de hegemonia/dominação.

Há a transformação do Estado integral em um Estado funcionando como um corpo político despedaçado; isto é a característica do Estado latino-americano que o distingue do Estado americano ou canadense, estes como Estado no qual os aparelhos de hegemonia estabelecem as relações: representante/representado, elite/massa, governo e classe social, ditadura e hegemonia, dominação e direção. Com a globalização liberal, o Estado integral moderno é substituído por um simulacro de simulação de Estado integral, isto é, por um Estado pós-modernista do capital nas formas estudadas por Regis Debray: Estado publicitário do Capital, Estado audiovisual etc.

O que aconteceu com o conceito de Estado da melhor sociologia europeia do Estado simbólico:

‘É no domínio da produção simbólica que particularmente se faz sentir a influência do Estado: as administrações públicas e seus representantes são grandes produtores de ‘problemas sociais’ que a ciência oficial frequentemente apenas ratifica, retomando-os por sua conta como problemas sociológicos [para prová-lo, bastaria avaliar a proporção, variável, sem dúvida, de um país para outro, e conforme a época], das pesquisas que tratam dos problemas do Estado, apresentadas de maneira mais ou menos científica”. (Bourdieu. 1994:104-105).  

O Estado pós-modernista do capital faz do simbólico a tela verbal-visual do simulacro de simulação; o campo político simbólico deixa de ser o espaço social no qual atuam os aparelhos de hegemonia. O lugar da burocracia weberiana [como classe dirigente ou <categoria social> capaz de transformação da forma de governo (Poulantzas. 1975172)]  se esvai:

“Mas a melhor prova do fato de que o pensamento do pensador funcionário é atravessado inteiramente pela representação oficial é, sem dúvida, a sedução exercida pelas representações do Estado que, como Hegel, fazem da burocracia um ‘grupo universal’, dotado de intuição e da vontade de interesse universal ou, como em Durkheim, muito prudente sobre o assunto, um ‘órgão de reflexão’ e um instrumento racional encarregado de realizar o interesse geral”. (Bourdieu. 1994: 105).    

A burocracia deixa de ser o aparelho político em si  de Estado ou um aparelho político de hegemonia [o pensamento do Estado no aparelho de Estado] e se torna a gramática do Capital no aparelho de Estado.  A burocracia não existe como concepção política de mundo autônoma em relação ao Capital capitalista, ela não existe como vontade de ´poder nacional, de construção do Estado territorial nacional.        

 Retomando uma linha de raciocínio de meus livros, o Estado assume a forma do Estado lacaniano na civilização política. Na civilização europeia, esse Estado é visível até com obra-de-arte na Grécia, Roma, época medieval e época moderna com o Estado renascentista e o Estado barroco. (Bandeira da Silveira. 2022: cap. 16). A transformação da mais-valia privada [Mehwert] ou excedente econômico em mais-valia pública ou Plus-de-jouir, ou Mehrlust, caracteriza a materialidade econômica do Estado tributário, uma espécie de Estado lacaniano. (Lacan. S. 16: 29, 30). O aparelho tributário de Estado não foi desintegrado pela globalização liberal pós-modernista. A prática política tributária do Estado lacaniano é um fenômeno do processo civilizatório em diferentes civilizações - tanto no Ocidente quanto no Oriente.

No Brasil da Constituição de 1988, um Estado tributário barroco incluiu o dominado na distribuição da mais-valia pública. A história das lutas entre grupos sociais [dominante/dominado] no regime de 1988 consiste, inclusive, em uma guerra de posição e guerra de movimento tendo como objeto o dinheiro público. A partir dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, a guerra política do dominante se traduziu por reformas de Estado a favor do capital, expropriando o dinheiro público em escala ciclópica e o dirigindo para os grupos do mercado financeiro e capital industrial local subdesenvolvido; trata-se da construção do Estado pós-modernista do Capital tropicalista.    

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O planeta entra em uma época de fenômenos materialistas paraconsistente (Newton da Costa; 2008). O principal é a contradição entre o Estado burguês pós-modernista da multinacional e o Estado feudal modernista dos países do governo da entidade Grupo BRICS ou G. BRICS. Hoje, anuncia-se a construção de um Estado ersatz do Estado petrolífero terceiro mundista.

O Estado petrolífero terceiro-mundista se apresenta como fabricação de um Estado-providencia mundial (Zorgbibe: 150) para o terceiro mundo. Esse Estado tinha como aparelho de hegemonia uma instituição africana que se orientava pela gramática das relações internacionais de seu diretor, Samir Amin. (Zorgbibe: 148).

O Estado burguês-feudal, pós-modernista, da multinacional da globalização existe em um duplo processo: civilizatório e barbárie:

“O Estado feudal pós-modernista é um Estado tradicional das multinacionais de ilegalidade que se transformou no <capitalismo criminoso>, inclusive dos jogos de azar de multinacionais feudais (Platt: 19-21). O Estado feudal multinacional retira sua legitimidade do aparelho militar subtraído ao Estado nacional. Este Estado exige lealdade do súdito para este continuar vivo. Hoje, a Amazônia vive sob a estrutura de dominação do Estado tradicional feudal pós-modernista. Trata-se de um Estado mafioso cujo modelo surgiu no Leste europeu após o fim da URSS” . (Bandeira da Silveira. 2024a: 46).

Tal Estado cria e recria um campo político da cultura mundial:

“Com aparências republicanas como força de direito, o cesarismo é a estrutura do campo político estético/político como dominação/hegemonia. Fato/artefato político estruturado no fenômeno da <autoridade> descoberta e inventada pelo republicanismo”. (Bandeira da Silveira. 2024b: cap. 3).

Mais ainda, o Estado pós-modernista do capital feudal é comparável ao Estado republicano romano, como Estado pós-modernista de um campo cesarista brutalista:

“O campo político cesarista brutalista de Augustus é ocultado por aparências de grandes afecções de dignidade e de poder soberano da multidão, O significante lacaniano da autoridade como força de direito é a ‘explicação’ para tal fato e artefato”. ((Bandeira da Silveira. 2024b: cap. 3).

Hoje, o cesarismo-brutalista aparece como uma região de extrema-direita no campo político Norte/Sul.  

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Samir Amin faz a crítica da imagem textual do aparelho ideológico do desenvolvimento economicista do Estado marginalista:

“A repartição da renda disponível entre o consumo imediato e o investimento, ou seja, o crescimento do consumo futuro é então uma escolha social. É comandada no modo de produção capitalista pela relação social burguesia-proletariado. Não pode ser comandada numa sociedade racional senão por uma escolha coletiva operada sobre a base de considerações a longo prazo [ultrapassando, de longe a do cálculo econômico capitalista] relativas ao projeto de sociedade”. (Amin: 194).

O empresário do subdesenvolvimento não é um agente histórico capaz de conduzir o país para a criação de um Estado industrial desenvolvido: 

 “A concorrência leva os empresários a escolha da técnica que maximiza o excedente. Na vida econômica, no mundo das atividades modernas, as escolhas não são tão diferentes nos países subdesenvolvidos como nos países industrializados. Em geral, quando são operadas escolhas diferentes, é mais por razões relativas à dimensão do mercado que por razões de nível dos salários. Em todo caso, estas escolhas são quase sempre – e felizmente – muito distanciadas daquelas que comandariam um cálculo fundado sobre um preço de referência nulo para o salário. Isso faz com que o problema da escolha das técnicas apareça como falso problema, tal como acontece frequentemente com o marginalismo. O verdadeiro problema é a escolha dos setores”. (Amin: 195-196).

A escolha dos setores requer que a economia no comando da política seja invertida pela política no comando da economia - no campo político do subdesenvolvimento:

“Os desenvolvimentos do passado não foram puramente teóricos. Os países que chegaram mais tarde que os outros à industrialização conheceram efetivamente ritmos rápidos de crescimento da produtividade e do emprego ao mesmo tempo em cada vez que deram a prioridade em seu desenvolvimento às indústrias mais modernas apelando para técnicas mais avançadas. Regra geral, não há porque, numa economia subdesenvolvida, fazer-se escolhas diferentes daquelas que seriam feitas num país já bem industrializado”. (Amin: 196).

O Estado territorial nacional deve ser uma construção que envolva o capital e o trabalho na prática política contra a desigualdade econômica:

“Se bem que o movimento espontâneo seja o sentido de uma distribuição cada vez mais desigual das remunerações do trabalho, deve-se pensar que, durante o longo período de transição uma verdadeira política de desenvolvimento não poderá tolerar essa desigualdade crescente. Porque isso destrói a unidade nacional, como base do desenvolvimento”. (Amin: 196).

O problema maior é a definição do Estado no uso da mais-valia pública ou excedente fiscal:

“O Estado brasileiro usa o excedente fiscal pra garantir a generalização da forma-mercadoria integrando investimento em infraestrutura, e na economia da educação para qualificar qualitativamente a força de trabalho em um sentido geral. A ideia do americanismo absolutista é qualificar a força de trabalho necessária para certas indústrias ou formas de emprego. Para Bacha e Paulo Guedes (este ministro da economia bolsonarista), a situação da nossa indústria em decomposição inexiste. Assim, ambos deixam de existir como economistas capazes de pensar estrategicamente, e como história econômica, o país. (Bandeira da Silveira. 2019: 25)”.

Na década de 1970, o problema da construção do Estado industrial desenvolvido não aparece como quimera na fabricação do campo político nacional de países subdesenvolvidos:

“O Estado deve então planificar os preços e os salários de modo a assegurar a coesão nacional. Para isso falta-lhe isolar o sistema de preços locais do sistema mundial”. (Amin: 197).

O sistema de preços do sistema mundial é uma estrutura de dominação econômica que mantem a desigualdade econômica entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos. E mantém e faz crescer a desigualdade social entre as classes sociais do subdesenvolvimento:

“Mas é necessário saber que ao mesmo tempo a planificação – a escolha dos setores a desenvolver – não pode mais ser fundada sobre o sistema de preços anterior – de que a racionalidade [a exigência política da solidariedade entre os trabalhadores de setores com produtividade diferentes] está ausente. É preciso ter um sistema de preços de referência, para o cálculo econômico, tal que as escolhas conduzam ao desenvolvimento dos ramos modernos. À medida que o setor tradicional recua, o sistema de preços racional do ponto de vista da coesão se aproxima do que é racional do ponto de vista das escolhas econômicas. (Amin: 197).

O racional não é aquele da lógica do logos clássico ou moderno. Ele é o racional econômico da gramática paraconsistente. Qual o caminho que o país subdesenvolvido industrial tomou:

“O campo das ideologias pós-modernas se encontra na tela gramatical da sociologia de Baudrillard. Ele é o campo da lógica do simulacro de simulação da hiper-realidade. (Baudrillard. 1981: 177) do Estado pós-moderno populista no qual a ideologia é mais real que o próprio real da ideologia moderna”.

“Em seu campo ideológico, Estado pós-moderno faz desaparecer a realidade realmente existente, o real, o signo, o sentido, o discurso lacaniano, o poder foucaultiano etc. as relações técnicas de produção do computador e do celular são a continuação do estado pós-moderno por meios cibernéticos. A tela digital do celular faz da imagem/simulacro e da imagem/real o creme de la creme da cultura política/estética, jurídica como fenômeno da hiper-realidade”. (Bandeira da Silveira. 2024b: 201).

A globalização liberal é uma prática política do Estado pós-modernista da multinacional que, naturalmente, concorre para a desintegração do Estado territorial nacional.

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No futuro, há o determinismo climático. Na atualidade, há a construção de uma prática política feudal modernista de grandes potências, prática que se põe e repõe como alternativa à solução final do Estado suicidário burguês para a espécie humana.

O Estado pós-modernista da globalização liberal existe em função do bloqueio de uma prática política feudal modernista. Há a estratégia de deslegitimar a burocracia pública como agente de transformação da gramática do campo político subdesenvolvido. O motor histórico da nova ordem mundial é o G. BRICS que reúne os países que são as grandes potências da nova prática política feudal modernista: China, Índia, Rússia, Brasil. O problema da burocracia pública da grande potência é um tema por analogia histórica com a crítica da crítica da gramática africana terceiro-mundista de Samir Amin:

“O nosso mundo contemporâneo vê se desenvolverem em todos os domínios da vida social [a administração do Estado e das empresas, a vida política e sindical etc.] aparelhos burocráticos sem qualquer comparação com os do passado, pela extensão do seu campo de ação e sua eficácia, pelo menos nas formações capitalistas do centro [...] este fenômeno traduz uma transferência do poder político da democracia parlamentar para a tecnocracia de Estado. A rota seria dada pela evolução atual da Rússia e da Europa do Leste, a convergência dos sistemas, a despeito do caráter da propriedade dos meios de produção, aqui pública, ali privada. As exigências do desenvolvimento acelerado no Tercero Mundo não fariam mais do que reforçar esta tendencia geral”. (Amin: 294).    

O aparelho administrativo é necessário em um Estado industrial do passado, do presente e do futuro. Ele aparece no Estado pós-modernista virtual da multinacional e no Estado feudal modernista territorial nacional, não mais como planificação do mercantilismo do capital capitalista, e sim como planificação feudal das nações e corporações feudais. A gramática das relações técnicas de produção produz um efeito sobre o Estado, a saber: emerge uma burocracia digital do mercantilismo do capital feudal do Estado, territorial, nacional, asiático.

A antiga gramática centro/periferia continua como estrutura de dominação ideológica dos países subdesenvolvidos industriais como Brasil:

“Mas nada permite transpor estas análises para a periferia. No Oriente e na América Latina, a dominação do capital central criou formações sociais comportando classes dirigentes locais [grandes proprietários fundiários e burguesia compradora] às quais cabe o poder político local. Estas classes exerceram este poder no quadro do sistema mundial, isto é, em benefício do centro e delas mesmas”. (Samin: 295).         

  A estrutura de dominação ideológica pós-modernista centro desenvolvido/periferia subdesenvolvida aparece na grande imprensa, sob comando de famílias do século XX. Tal estrutura é uma forma ideológica da prática política do dominante do século XX. A história caminhou e propõe e repropõe uma outra tela verbal narrativa plástica para o século XXI.

A questão do cosmopolitismo do capital desenvolvido assinala uma diferença com a retórica do cosmopolitismo do capital subdesenvolvido no campo das ideologias e, também, no campo das gramáticas:

“No contexto da independência política e da formação dos Estados nacionais, a articulação entre as burocracias novas e as estruturas sociais revestiu formas deveras diferentes. Quando as formações periféricas são avançadas, a burocracia nacional encontra-se em relação à estrutura social numa posição análoga em aparência àquela que ocupa o centro. Somente em aparência: pois a economia periférica não se compreende senão como um apêndice ruim da economia central já que a sociedade periférica é mutilada, falta-lhe a burguesia metropolitana cujo capital exerce os efeitos de dominação essencial. O peso da burocracia aparece muito maior pelo fato do desenvolvimento mais fraco e desiquilibrado da burguesia local. Quando as formações periféricas são pouco avançadas, a burocracia territorial é a única a ocupar a cena”. (Amin: 296).

 Na construção da prática política modernista feudal, a aliança entre a burocracia digital e a burguesia feudais se choca com as classes sociais da estrutura de dominação ideológica do capital capitalista subdesenvolvido. A luta política e ideológica contra a estrutura de dominação ideológica centro-periferia Norte/Sul opõe a região brutalista extrema-direita das classes médias e latifúndio feudal pós-modernista, guerra de posição que batalha pelo desenvolvimento do subdesenvolvimento, como a ideia surrealista alucinatória de um capital nacionalista na Europa e EUA.           

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O Estado pós-modernista é a dissolução do liame gramatical entre o virtual e o territorial em analogia com o liame medieval 

“Cette dissolution du lien medieval avec la réalité a changé de manière essentielle la nature du langage dans son rapport à la réalité. En détachant les mots des choses, elle a fourni une condition indispénsable, bien que negative, à ce que le se langage se développe librement au-delà de sa fonction de nommer le réel. (Hottois/Dupré: 45).

O campo das ideologias medieval se desencaixa do real do campo político territorial; a natureza da gramática de nomear fenômenos se altera, e há o desencaixe entre as palavras e as coisas; a linguagem política adquire uma autonomia relativa em relação ao nomear a plurivocidade de Estados feudais:

“Le langage n’avait bien sûr jamais été purement référentiel, sans quoi la poésie n’aurait pu exister, pourtant la pleine conscience de l’indépendance du verbum dans son rapport à la res existait à peine avant la philosophie nomnaliste”. (Hottois/Dupré: 45).

O verbum é a tela verbal narrativa dos fenômenos no campo político contextualizado. O pensamento medieval descobre a tela gramatical (Libera: 386) com autonomia relativa em relação ao real do campo político. O Estado nominalista é um fenômeno análogo ao Estado pós-modernista obra-de-arte da literatura pós-moderna; há o Estado pós-modernista como efeito da gramática da tela verbal cibernética, enquanto o Estado realista é o Estado territorial:

“Sans le vouloir, elle créa un espace plus large pour la créativité métaphorique. Le nominalisme a gardé de manière conséquente sa méfiance à l’egard de l’écran verbal se trouvent entre l’esprit et l’observation directe, qui nous donne seule accès à la réalité” (Hottois/Dupré).

A tela verbal dá acesso à realidade do campo político, no qual o Estado nominalista é mais real que o real do Estado territorial?

Dupré:

“Les nominalistes à l’esprit empiriste tendaient à attaquer ceux qui accordaient l’autorité dernière à l’un ou l’autre mot autre que les Ecritures. Leur méphris pour la <connaissance verbal> survit dans la critique de Bacon des quatre <idoles>, qui sont touts créées par l’illusion linguistique et bloquent la route de la connaissance Scientifique”. (Hottois/Dupré: 45).

A distinção entre ciência e ideologia faz pendant com a distinção entre gramática e ideologia no campo que produz ilusão e aquele que procura evitar a criação de ilusão em relação aos fenômenos do campo político medieval ou pós-modernista.      

A universidade medieval é o aparelho de hegemonia que torna o campo político algo mais complexo:

‘Na Europa, Petrarca é a revolução intelectual molecular no campo simbólico italiano. Ele produz ideias e poesia do lado de fora da escolástica e da cultura política gótica. A universidade é a estrutura de dominação cultural ao lado da Igreja no campo político medieval. Qual a relação de Petrarca com o discurso universitário? Pode-se ver este discurso do ponto de vista de Lacan, para quem o discurso universitário é a tela gramatical do tudo saber”, (Bandeira da Silveira. 2024b:370).

 O discurso universitário moderno do tudo saber desabou diante do Estado pós-modernista nominalista e do campo deste de ideologias, e das gramáticas nominalistas, que criam e recriam novas práticas políticas paraconsistentes.      

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Weber fala da <grande potência> do prestígio de poder (Weber:668-670) do campo dos Estados mercantilistas nacional, territorial, europeu. Trata-se de um debate, em determinado sentido, com o marxismo barroco russo de Lenin e, sobretudo, Bukharin. O prestígio de poder é a irracionalidade das relações internacionais, enquanto o marxismo russo fala da grande potência por um determinismo econômico.   O prestígio de poder introduz a relação do Estado com o domínio das afecções de um povo, de uma multidão nacional.

Weber:

“Em câmbio, o puro prestígio do poder significa praticamente, enquanto ‘honra do poder’ a honra de dispor do mesmo sobre as outras estruturas políticas, a expansão do poder, se bem que não sempre em forma de assimilação ou de submissão”. (Weber: 669).                                  

A gramática do campo das afecções do prestígio de poder das elites encontra-se vinculado ao domínio de afetos de um povo ou multidão nacional:

“Pois como sentimento de prestígio propende a fortalecer a crença patética – importante para ter confiança no caso da guerra – na existência real do próprio poder os especificamente interessados na estrutura política do poder estão inclinados a formular sistematicamente tal sentimento. As comunidades políticas que se apresentam como portadoras de prestígio inerente ao poder chamam-se atualmente <grandes potências”. (Weber: 670).

Desde a antiguidade, o pressuposto saber europeu fez da imagem textualizada do poder de Estado um fenômeno do processo civilizatório político em geral, sem generalização. O Estado obra-de-arte pós-modernista [distinto do Estado pós-modernista feudal-burguês] procurou desintegrar o poder como fenômeno universal:

“porque o poder está morto, e não apenas indetectável por disseminação, mas dissolvido pura e simplesmente, de uma forma que nos escapa ainda, dissolvido por reversão, anulação ou hiper-realizado na simulação (Baudrillard: 16).

O poder é neutralizado pelos jogos de linguagem no Estado pós-modernista nominalista obra-de-arte segundo o princípio de que:

“falar é combater, no sentido de jogar, e que os atos de linguagem provêm de uma agonística geral. Isto não significa necessariamente que se joga para ganhar. Pode-se realizar um lance pelo prazer de inventá-lo: não é este o caso do trabalho de estímulo da língua provocado pela fala popular ou pela literatura? (Lyotard. 1979: 17).

A tela verbal dos jogos de linguagens é parte do processo civilizatório em geral; os jogos de linguagem do poder inventam sentidos, gramáticas independentes dos interesses de agentes político:

“A invenção contínua de construções novas, de palavras e de sentidos que, no nível da palavra, é o que faz evoluir a língua, proporciona grandes alegrias. Mas, sem dúvida mesmo este prazer não é independente de um sentimento de sucesso, sobre um adversário pelo menos, mas de envergadura: a língua estabelecia, a conotação”. (Lyotard. 1979: 17).

O Estado obra-de-arte funciona pelo princípio de prazer de inventar gramáticas em diferentes línguas naturais; em inventar formas de governo e estrutura do campo político, de inventar o Estado territorial. Assim, o Estado não é determinado por fenômenos econômicos apenas, na medida em que ele é uma tela linguística do campo político dos jogos de poder de gramáticas. Assim, a ilusão do poder como ilusão do sujeito deixa de ter força de direito no campo político com o Estado nominalista obra-de-arte:

“Neste caso, as relações determinadas pelas circunstâncias puramente econômicas influem aqui no sentido da vinculação política. Porém Alemanha se unificou politicamente contra as determinantes puramente econômicas. Disto resulta não poucas vezes que os limites de uma comunidade política entram em conflito com as condições puramente geográficas existentes, e abarcam uma esfera que não correspondem às determinações econômicas. Frente as tensões de interesses econômicos que se produzam quase sempre em consequência de tal situação, a associação política, uma vez constituída, é, não sempre, porém sim com frequência e em virtude de circunstâncias favoráveis (comunidade linguística), tão sólida, que, como ocorre por exemplo na Alemanha, nem se pensa em uma separação política por causa das tensões mencionadas”. (Weber: 671-672).

A grande potência já assinala a presença do Estado nominalista pós-modernista em diferentes contextos históricos?

Weber:

“Na Antiguidade helênica era o <Rei>, isto é, o rei dos persas, apesar de sua derrota, a grande potência universalmente reconhecida. A ele se dirigiu Esparta a fim de impor sob sua sanção ao mundo helênico a paz do Rei [paz de Antálcidas]. Logo, antes da criação de um Império r4omano, a República romana usurpou este papel. Em virtude das razões gerais da <dinâmica do poder>, as grandes potências são agrupações de tipo expansivo, isto é, agrupações que tem por finalidade – mediante a força ou ameaça da força, a ampliação do âmbito abarcado pela própria comunidade política. Todavia, isto não ocorre sempre necessariamente. A mencionada tendência muda com frequência de direção e nela desempenham assim mesmo um papel muto importante os fenômenos econômicos”. (Weber: 670)

A grande potência, então, é uma prática política nominalista internacional abarcando inúmeros Estado territoriais. Os fenômenos econômicos constituem uma tela verbal narrativa explicativa da vida da grande potência. Aí, ela faz pendant com o imperialismo:

“contra as tendências, facilmente vinculadas ao <imperialismo> cronicamente orientado em direção à conquista, favorável ao desenvolvimento de um imperator, isto é, de um chefe guerreiro carismático, a custa do poder exercido pelos honorotiore. Porém tanto a política inglesa como a romana, ao cabo de pouco tempo e em virtude dos mesmos interesses capitalistas expansivos, se viram obrigadas a sair do marco das limitações voluntárias e a orientar-se no sentido da expansão política!”. (Weber: 670).

A grande potência do pós-segunda guerra mundial é uma paródia dos fenômenos supracitados. Paródia grotesca do Estado nominalista territorial. O presidente da república dos EUA e o chefe da URSS representam interesses do capital capitalistas privado ou de Estado e, no entanto, são ersatz de imperator nuclear de um Estado suicidário - que desterritorializa a segurança do território nacional. Os interesses econômicos dos EUA e URSS definem a conjuntura da Guerra Fria? Ou é o prestígio de poder das duas grandes potências? Em nome da ideologia capitalista contra a ideologia socialista, e vice-versa. As duas potências integram em sua prática política imperial a polícia política: KGB (URSS e CIA (EUA). Tal modelo é a forma ideológica policial do século XX, copiado pelos países da América Latina.  

Weber:

“Poderia existir a tendência a crer que a formação e inclusive a expansão das grandes potências se acha sempre e antes todo economicamente condicionado”. (Weber: 671).

Como já vimos, o determinismo econômico não explica por si próprio a existência da grande potência:

“Assim, não é tão pouco certo que a formação de um grande Estado se baseia sempre na exportação de mercadorias, se bem que na atualidade, quando o imperialismo [continental, russo e norte-americano, assim como de ultramar, isto é, inglês e imitação dos ingleses] segue regularmente, sobretudo, nos domínios estrangeiros politicamente débeis, as pegadas de interesses capitalistas já existente, estamos inclinados a ver as coisas desde este ponto de vista, e bem que tal imperialismo tenha desempenhado um papel decisivo pelo menos na constituição das grandes esferas de influência no ultramar durante o passado: no império ultramarino ateniense, cartaginês, e romano. Porém, já nestas antigas formações estatais, têm tido pelo menos ou ainda maior importância que o lucro comercial outros interesses econômicos, particularmente, a tendência à obtenção de benefícios derivados de rendas das terras, aluguel de impostos e emolumentos oficiais. É preciso ter também em conta que o interés, preferentemente da época capitalista moderna, no <consumo> dos países estrangeiros, cede muito ao interés superior nas possessões de territórios dos que podem importar-se mercadorias[matérias-primas]. Nas grandes formações estatais das planícies continentais não desempenhou no passado, de modo geral, um papel decisivo o tráfico comercial”. (Weber: 672).

A história das civilizações políticas observadas pela tela verbal narrativa weberiana tem dois fenômenos universais, isto é, o capital e o Estado. Trata-se de uma ciência política materialista - mais materialista em extensão e profundidade civilizatória, que o próprio materialismo histórico de Marx, Engels e Lenin. [a guerra aparece, também, como fenômeno universal]. Então, é razoável e possível falar de uma tela gramatical do capital civilizatória:

“Enquanto está economicamente condicionada, a expansão ultramarina de Roma mostra traços [muitos imputados, e em tão grande medida pela vez primeira na história] que desde então se tem repetido e se seguem repetindo em seus caracteres fundamentais. Apesar da imprecisão que representa sua transição a outras formas, tais traços são próprios de um tipo específico de relações capitalistas – ou melhor, lhe proporcionam as condições de existência -, tipo que usualmente designamos como capitalismo imperialista. Se trata dos interesses capitalistas dos arrendadores de contribuições, dos provedores e credores do Estado, dos capitalistas do comercio exterior oficialmente privilegiados e dos capitalistas coloniais. Suas possiblidades de lucro se baseiam em regra geral no aproveitamento direto do poder político e quase sempre do poder político em expansão”. (Weber: 674).

O capital credor do Estado já apresenta a relação universal entre o capital e a mais-valia pública. O Estado do capital romano é um Estado lacaniano nominalista que inventa uma tela gramatical obra-de-arte de engenharia:

“Em E. H. Gombrich, o Estado lacaniano aparece no desenvolvimento da engenharia civil de Estado:

“’ A mais notável realização dos romanos foi, provavelmente, no domínio da engenharia civil. Conhecemos tudo sobre as suas estradas, sus aquedutos, seus banhos públicos. (Gombrich: 81)’”.

 “A relação do Estado lacaniano com os artistas é parte de uma gramática do poder republicano como liame social da articulação da hegemonia”. (Bandeira da Silveira. 2022: cap. 16, parte 4).

Com o capital de Estado romano traduzido como poder político da engenharia se realizando como obra-de-arte, aparece o aparelho de hegemonia materialista romano paraconsistente em expansão territorial. O Estado colonialista é obra da expansão do poder político de tal aparelho de hegemonia paraconsistente romano:

“A aquisição de <colônias> ultramarinas por parte de uma comunidade política proporciona aos interessados capitalistas grandes probabilidades de lucro por meio da redução forçada a escravidão ou pela glebae adscriptio dos moradores com o fim de ações [ utilizá-los como braceros nas plantações [o que parece ser  organizado em grande medida pela primeira vez pelos cartagineses, e ultimamente aplicado em grande escala pelos espanhóis na América do Sul, pelos ingleses nos estados norteamericanos do sul e pelos holandeses nas Índias Orientais], ou por imposição de um monopólio comercial com estas colônias e eventualmente com outros setores do comercio exterior”. (Weber: 674-675).

 O Estado espanhol colonial aparece como um parelho de hegemonia barroco, sobretudo, no México, como fabricação de uma tela verbal plástica-narrativa de um Estado territorial nacional barroco em expansão [reprodução ampliada] nas colônias. Sobre a tela linguística plástica (Wittgenstein: 148):

“Com efeito, se consideram hoje conceitualmente idênticos o <Estado nacional> e o <Estado montado sobre a base da unidade da língua. Outrossim, junto as unidades políticas constituídas sobre base <nacional> nesse sentido linguístico que são as de cunho moderno, temos muitas que abarcam várias comunidades linguísticas e que quase sempre escolhem um idioma para a vida política”. (Weber: 324-325).   

Weber é claro e distinto sobre a tela gramatical plástica wittgensteiniana:

“Destinos políticos comuns, indiretamente sociais, altamente valorizados pelas massas como símbolo de destruição do feudalismo, tem criado esta comunidade e sua lenda representa algo análogo as sagas dos povos primitivos. A grande Nation foi a liberadora da servidão feudal; se considerava como portadora da cultura , seu idioma como <língua da cultura>, o alemão como <dialeto> para a vida cotidiana, e a adesão aos de fala culta é, por conseguinte, uma atitude interior específica, evidentemente afim ao sentimento de comunidade que descansa na comunidade linguística, embora não idêntico com ele, pois se apoia em uma <comunidade cultural> parcial na memória política”. (Weber: 325).

Weber parece falar do aparelho de hegemonia plástico de Estado, aparelho definido por Gramsci claramente como tela gramatical narrativa:

“Poder-se-ia esboçar um quadro da <gramática normativa> que opera espontaneamente em toda a sociedade determinada na medida em que ela tende a unificar-se, seja como território, seja como cultura, isto é, na medida em que nela exista uma classe dirigente cuja função seja reconhecida e seguida”. (Gramsci. 1968: 169).      

Gramsci acrescenta ao capital, ao Estado e à guerra o campo político cesarista romano como fenômeno universal da história das civilizações políticas. (Gramsci.2014: 77).

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Qual o lugar do imperialismo no processo civilizatório universal da ciência política materialista weberiana?  

O Estado mercantilista [seja imperialista, seja colonialista] é da época do mercantilismo nominalista europeu do final do século XIX e início do século XX:

‘O desenvolvimento do capitalismo se dá pela internacionalização da vida econômica e pela nacionalização dos interesses capitalistas. *Bukharin: 97). Surgem as empresas internacionais que estão na origem das multinacionais e, também, o capital estatal (Fioravante. V. 1: 189, 193)”.  

“O espaço econômico nacional funciona como bloqueio das forças produtivas e da reprodução ampliada de capital, e da acumulação capitalistas. As contradições econômicas do imperialismo exigem outras fronteiras econômicas geográficas para a exportação de capital. A política expansionista se desdobra em política militarista da repartição econômica do mundo – que leva à Primeira Guerra Mundial. (Bukharin: 99, 120).         

O imperialismo mercantilista europeu é uma prática política mundial de um aparelho econômico de hegemonia; ele é substituído pelo aparelho econômico de hegemonia do mercantilismo da multinacional feudal paraconsistente, após a Segunda Guerra Mundial. A guerra desintegrou a Europa das grandes potências mercantilista nominalistas. No lugar da Europa, EUA e URSS aparecem como as grandes potências que fabricam uma estrutura de dominação ideológica paraconsistente.

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O que é governo na crítica da gramática materialista paraconsistente?

Governar é fabricar uma prática política materialista paraconsistente. Quem governa e governa o quê? Uma força prática (Lenin: 29) de homens e mulheres de execução de ideias [política, econômica etc.]  inventam uma tela verbal narrativa de um aparelho político de hegemonia do Estado integral. Os aparelhos são o governo: do governo nacional, do parlamento, do governo do judiciário. Estes aparelhos políticos inventam, criam e recriam, formas plásticas de Estado territorial nacional, nominalista a partir do uso governamental e distribuição da mais-valia pública. Este fenômeno materialista paraconsistente estabelece a forma de governo e a conjuntura política.   

 

 

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